RESUMO: O trabalho vem com o objetivo de demonstrar as análises e discorrer sobre a judicialização da saúde, que consiste no acionamento do Judiciário para questões que envolvam a saúde, além de averiguar as perspectivas dentro do mínimo existencial dentro da reserva do possível. Estuda o caráter das decisões ativistas no judiciário, buscando interpretar e direcionar a efetividade dos direitos fundamentais. Analisa a problemática, que cabe ao Judiciário averiguar os critérios para que seja adotada a melhor solução de harmonizar o Mínimo Existencial dentro da Reserva do Possível. Aponta a judicialização da saúde sob a perspectiva do mínimo existencial dentro da reserva possível. Apresenta casos de judicialização da saúde e discussões sobre suas repercussões dentro de suas decisões. Identifica casos de judicialização em saúde que possam caracterizar os mecanismos necessários de garantias. Demonstra as intensificações realizadas como meio de garantia para o acesso aos bens e serviços de saúde, de responsabilidade do Poder Judiciário.
Palavras-chave: Judicialização. Saúde. Decisões. Direito
ABSTRACT: The work aims to demonstrate the analyses and discuss the judicialization of health, which consists in the activation of the Judiciary for issues involving health, in addition to verifying the perspectives within the existential minimum within the reserve of the possible. It studies the character of activist decisions in the judiciary, seeking to interpret and direct the effectiveness of fundamental rights. It analyzes the problem, which is up to the Judiciary to ascertain the criteria for adopting the best solution of harmonizing the Existential Minimum within the Reserve of the Possible. The tip the judicialization of health from the perspective of the existential minimum within the possible reserve. It presents cases of judicialization of health and discussions about its repercussions within its decisions. It identifies cases of judicialization in health that can characterize the necessary mechanisms of guarantees. It demonstrates the intensifications carried out as a means of guarantee for access to health goods and services, under the responsibility of the Judiciary.
KEYWORDS: Judicialization. Cheers. Decisions. Right, right.
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, o conceito de saúde tem sido historicamente estabelecido e ligado ao cenário cultural, social, político e econômico de diferentes populações. Em períodos históricos recentes, o conceito reduziu sua negatividade, como a ausência de doença, a uma positividade utópica, como a felicidade completa, e talvez de forma mais objetiva em termos dos determinantes sociais e econômicos que se refletem nas condições de vida social. A qualidade de vida é a soma de fatores como alimentação, moradia, lazer, renda digna, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, liberdade e subsistência de acesso a serviços médicos.
No Brasil, a reforma sanitária discutida pela VIII Assembleia Nacional de Saúde, convocada em 1986, estabeleceu como recomendações o direito à saúde e a aplicação do Sistema Único de Saúde (SUS), e elevou ambos ao patamar de garantias constitucionais. A primeira se reflete no art. 196 da Constituição Federal como: "Os direitos de todos e um dever do Estado" e outra encontrada no art. 198, que estabelece que as medidas e serviços públicos de saúde fazem parte de uma rede regional e hierárquica e constituem um sistema único de aplicação geral à população. Seguindo as orientações de instituições financeiras como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (como privatizações e privatizações), o SUS enfrenta uma situação desfavorável a partir da reestruturação do Estado brasileiro. Essa condição levou as autoridades de saúde pública a reprimir o SUS e as condições inseguras de trabalho por décadas.
A partir dessa situação, promoveu-se o racionamento de saúde como forma de garantir o acesso a produtos e serviços de saúde, conferindo ao judiciário um papel importante na efetivação do direito à saúde. Portanto, ao avaliar alguns julgamentos relacionados à atribuição de interesses e direitos relacionados à saúde, muitas vezes é utilizada a presença de expressões como “mínimo existencial” como base principal para a tomada de decisão” e “reserva do possível”.
O mínimo existencial pode ser entendido como as condições mínimas para uma existência humana digna. Por outro lado, a ressalva final fundamenta-se no entendimento de que os orçamentos públicos são limitados e que os direitos sociais, econômicos e culturais são economicamente quantificados e só devem ser concedidos pelo Estado se houver orçamento disponível. Essa polarização é o impulso para o desenvolvimento deste estudo, que visa analisar casos de racionamento de saúde, descrever seus resultados e discutir o impacto das decisões judiciais na saúde e nos sistemas únicos de saúde.
2 DO DIREITO A SAÚDE
O art. 6° da Constituição da República de 1988 elenca, dentre os direitos sociais, a saúde. No artigo 197 da Magna Carta que os serviços de mobilidade e saúde enquanto órgãos de grande importância pública situados no poder público assegurem a sua regulação, fiscalização e controlo de acordo com o disposto na lei, que deve ser efetuado diretamente ou através de terceiros, e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
2.1 Direito a saúde no ordenamento jurídico
Os direitos sociais, incluindo o direito à saúde, são secundários, ou seja, se apresentam como interesses positivos impostos pelo Estado (sociedade por meio da lei) e tendem a cristalizar em suas pesquisas visões fundamentais e socialmente equitativas. Para melhores e adequadas condições de vida.
Neste sentido, Sarlet (2002, p. 48) explica que:
Caracterizam-se por outorgar ao indivíduo Direito a prestações sociais por parte do Estado revelando importante mudança no que diz com eficácia das liberdades constitucionais, que agora deixam o plano formal abstrato e passam para o material concreto. Os Direitos de segunda geração abrangem os Direitos à Assistência Social, à Educação, à Saúde, à Segurança, ao Trabalho dentre outros. Além desses Direitos de cunho positivo, também são contempladas as denominadas ‘liberdades sociais’, de que são exemplos as liberdades de sindicalização e o Direito de Greve.
No mesmo sentido, Silva (2012, p. 183) afirma que “os direitos sociais disciplinam situações subjetivas pessoais ou grupais de caráter concreto”.
Alguns estudiosos classificam os direitos sociais, culturais e econômicos como a segunda geração dos direitos humanos. Além dos direitos coletivos ou coletivos, o constitucionalismo que oferece várias formas de estado de bem-estar surgiu sob a influência de ideias e pensamentos antiliberais no século XX.
Em outro sentido, Bobbio (1999, p. 63) o contrário da primeira geração de direitos humanos caracterizada pela ação passiva do Estado, trata-se da liberdade individual, pois “os direitos sociais, como sabemos, são mais difíceis de proteger apenas a liberdade” justamente por exigirem do poder público beneficiar cidadãos.
2.1.1 A criação do Sistema Único de Saúde – SUS
A origem do Sistema Único de Saúde – SUS, se deu como a promulgação da Constituição Federal Brasileira. O art. 196 da Constituição estabelece a saúde como sendo um direito de todos e deve ser garantida pelo Estado, através de políticas públicas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças e outros agravos, além do acesso universal e igualitário às ações e serviços para que possam ser feitas promoção, proteção e recuperação.
No entanto, em 1990 foi sancionada a Lei Federal 8.080/1990, sua finalidade é criar as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, organização e funcionamento dos serviços correspondentes e outras providências. Por esse motivo, foi implantado o Sistema Único de Saúde (SUS), que contempla a assistência farmacológica aos usuários no campo de intervenção.
Em seus 34 anos de existência, o SUS fez muitos avanços na saúde dos brasileiros. Um de seus pontos fortes é o Programa Nacional de Imunizações (PNI), reconhecido internacionalmente, responsável por 98% do mercado de vacinas do país. O Brasil garante o acesso gratuito a todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), disponibilizando mais de 17 mil vacinas contra mais de 20 doenças na rede pública nacional, voltadas para diferentes faixas etárias.
Além da democratização da saúde (antes disponível apenas para determinados grupos sociais), a implantação do SUS também significou uma mudança na concepção de como a saúde era interpretada no país. Antes disso, a saúde representava apenas um quadro "insatisfatório" para esforços e implementação de políticas para reduzir a incidência de doenças para tratamento. Com o SUS, a promoção da saúde e a prevenção de agravos passam a fazer parte do planejamento das políticas públicas.
3 DO MÍNIMO EXISTENCIAL
Barroso (2015, p. 214) define o mínimo existencial como sendo “as condições materiais essenciais e elementares cuja presença é pressuposto da dignidade para qualquer pessoa. Se alguém viver abaixo daquele patamar, o mandamento constitucional estará sendo desrespeitado”
Para outros doutrinadores, esse instituto é baseado em princípios constitucionais abstratos de liberdade, igualdade, julgamento justo, livre iniciativa e dignidade humana, incluindo a Declaração dos Direitos do Homem e as imunidades e privilégios dos cidadãos, sem qualquer previsão constitucional própria, consoante art. 25 da Declaração de 1948, que diz “toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários [...]” (ONU, 1948).
A definição de “mínimo existencial” surgiu na Alemanha, em 1954, por meio de uma decisão do Tribunal Federal Administrativo. Esta decisão é de natureza pragmática, ou seja, será um direito pessoal decidir que o Estado deve prestar assistência material aos necessitados. Em suma, combina dignidade humana, liberdade material e status social.
No Brasil, a noção de mínimo existencial foi usada pela primeira vez na medida cautelar em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 45 MC/DF de 29 de abril de 2004, de relatoria do Ministro Celso de Mello. A medida debate a constitucionalidade do veto do presidente ao estabelecer diretrizes para a Lei de Dotações Anuais de 2004, mas o processo sobre os itens faltantes é tendencioso.
O mínimo existencial deve nortear as metas prioritárias do orçamento quando o assunto é políticas públicas. Em outras palavras, é um conjunto de direitos sociais básicos mínimos que garantem a dignidade humana. Portanto, podemos dizer que a existência mínima consiste em dois componentes principais: direitos sociais básicos e dignidade humana. Por isso fala-se da dignidade da pessoa humana, a partir da qual o mínimo de existência buscou alcançá-la, e por isso também é considerada um direito fundamental e, portanto, sujeita às normas constitucionais, seja ou não a lei de sua realização.
3.1 Da jurisprudência acerca do Mínimo Existencial
Afirma-se que a prestação estatal mínima a qual o conceito de mínimo existencial abarca é dito ser necessário para garantir a dignidade de todo ser humano.
Às vezes, os Estados têm recursos limitados para responder a todas as necessidades da sociedade. Destaca-se, assim, a tentativa dos governantes de utilizar o princípio da preservação da possibilidade para driblar as garantias de direitos abrangidos pelo conceito de sobrevivência mínima.
A seguir, alguns dos casos relatados identificados e nomeados para acesso público aos documentos, a fim de mostrar as circunstâncias reais que deram origem ao pedido, o pedido, os motivos mencionados e a decisão do tribunal
O primeiro caso, trata-se de um julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na qual o portador é um idoso e portador de enfermidade denominada CID N 146 (câncer de próstata), devido à negativa do município de São João da Barra-RJ em prover o tratamento adequado para sua moléstia, demandou judicialmente à municipalidade cirurgia de prostatectomia supra púbica, cuidador enfermeiro durante e pós-cirurgia, fraldas geriátricas tamanho médio e cadeira de rodas, conforme os laudos médicos juntados ao processo. O Poder Judiciário deu procedência ao pedido do autor, em decisão antecipada (em razão do risco de morte), para que fosse realizado o procedimento cirúrgico adequado em hospital público ou, inexistindo vaga, fossem providenciadas a internação e a cirurgia na rede conveniada ou em hospital particular, às expensas da municipalidade.
O segundo caso, trata-se de um Agravo de Instrumento nº 0007022-19.2019.8.08.0011 de 09 de julho de 2019, se originou pela necessidade do autor, portador de leucemia promielocítica aguda, com sério risco de morte, obter junto ao estado do Espírito Santo e o município de Cachoeiro de Itapemirim-ES o fármaco trióxido de arsênio, para prover seu tratamento. O juiz de primeira instância decidiu, em caráter de urgência, obrigar o estado e o município a fornecerem o medicamento citado. O município recorreu da referida decisão de primeira instância, sustentando que o medicamento requerido não integra a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais e que, por isso, não possuía o dever de concedê-lo ao enfermo. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, ao apreciar o recurso e seguir a jurisprudência majoritária, decidiu não dar provimento ao recurso, mantendo a decisão, que ordenou a concessão do medicamento. Dentre as fundamentações trazidas pelo tribunal, ressaltava-se a seguinte: “A reserva do possível e dificuldades orçamentárias não são instrumentos que amparam a postura da Administração em deixar de adotar medidas que assegurem direito constitucionalmente reconhecidos como essenciais”. O Tribunal de Justiça ainda ressaltou que a concessão do medicamento devia ser arcada de forma solidária entre município e estado:
O MUNICÍPIO DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM interpôs agravo de instrumento em face da respeitável decisão de fl. 64-4vº⁄TJ, proferida pelo ilustre Juiz de Direito da Segunda Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde da Comarca de Cachoeiro de Itapemirim, que nos autos do pedido de tutela de urgência antecedente formulado contra ele e contra o Estado do Espírito Santo por JUSMAR MARQUES DOS SANTOS determinou aos réus que forneçam ao autor o medicamento Trióxido de Arsênio. Nas razões do recurso (fls. 02-23) alegou o agravante, em síntese, que “a parte adversa está recebendo a benesse de um tratamento não padronizado de forma diferente da prevista no sistema, em detrimento dos demais pacientes em igualdade de condições”; que não possui recursos suficientes para custear o tratamento pleiteado; e a necessidade de aplicação da teoria da reserva do possível.
Requereu atribuição de efeito suspensivo ao recurso. É o relatório. Em que pese a argumentação recursal, não desponta, de pronto e indubitavelmente, a presença dos requisitos legais imprescindíveis para a suspensão da decisão recorrida. O colendo Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência firme e consolidada no sentido de que “a responsabilidade em matéria de saúde, aqui traduzida pela distribuição gratuita de medicamentos em favor de pessoas carentes, é dever do Estado, no qual são compreendidos aí todos os entes federativos: ‘o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros(REsp 1.655.043; Proc. 2017/0029396-2; RJ; Segunda Turma; Rel. Min. Herman Benjamin; DJE 30-06-2017). e de que “não pode a administração pública se eximir da sua obrigação de assistência aos necessitados pelo simples fundamento de que o medicamento requerido não integra a denominada rename relação municipal de medicamentos essenciais vez que tais normas administrativas que delimitam a prestação a determinadas espécies de procedimentos médicos restringem o atendimento, violando, assim, os preceitos constitucionais da garantia do direito à saúde e à dignidade da pessoa humana(STJ, REsp 1.661.689, Proc. 2017/0045650-6/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJE 20-06-2017). Registre-se ainda que a reserva do possível e dificuldades orçamentárias não são instrumentos que amparam a postura da Administração em deixar de adotar medidas que assegurem direito constitucionalmente reconhecidos como essenciais. Por fim, ressalto que o periculum in mora é inverso, ou seja, o prejuízo para o destinatário da medida judicial, caso seja ela suspensa, será muito maior do que aquele que o agravante pode sofrer, se mantida aquela decisão. Conforme laudo médico de fl. 32⁄TJ, o autor é portador de leucemia promielocítica aguda, apresentando recidiva de doença e necessita iniciar 2ª linha de tratamento, que atualmente se mostra eficaz com o medicamento Trióxido de Arsênio. No referido laudo há ainda a informação de que a moléstia que acomete o agravado está relacionada a sangramentos e distúrbios de coagulação, havendo risco de óbito. Assim, os argumentos expendidos pelo agravante não justificam a concessão do almejado efeito suspensivo. Pelo exposto, INDEFIROo pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso. (Agravo de Instrumento Nº 0007022-19.2019.8.08.0011 – 09 de julho de 2019)
Em uma terceira ação, trazemos o julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que trata de uma ação pela necessidade do autor ser transferido para um hospital especializado em tratamento de doenças do sangue e dos órgãos hematopoéticos, para poder prosseguir com o tratamento de “doença hematológica a/e: Bicitopnia (anemia + plaquetopenia) e leucocitose com linfose”. O juiz de primeira instância decidiu, em caráter de urgência, obrigar o estado de Minas Gerais e o município de Betim-MG a transferir o paciente para o hospital competente e promover o tratamento requerido. Neste caso, o município recorreu da decisão, alegando que o tratamento pretendido pelo autor não estava disponível, e aquela decisão de primeira instância, se mantida, “poderá culminar na negativa a milhares de pessoas do direito à saúde, retirando do coletivo as verbas destinadas a medicamentos e programas de saúde para suprir a presente demanda judicial”.
Entretanto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao apreciar o recurso, decidiu manter a obrigação da transferência e do tratamento pretendido, ressaltando que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, devendo este último garantir “o tratamento médico adequado e os fármacos necessários e compatíveis com a cláusula da reserva do possível e a do mínimo existencial.”
Mesmo reconhecendo a solidariedade de todos os entes federativos em matéria de direito à saúde, no caso concreto, dada a complexidade dos procedimentos visados pela autora, o Tribunal está ciente de que o Estado de Minas Gerais, por si só, não pode excluir o referido município, pois se mostra incompetente para cumpri-la em detrimento do próprio autor enfermo:
EMENTA: SUS. TUTELA DE URGÊNCIA. INAPTIDÃO DESSA TUTELA PARA TORNAR SEM OBJETO O PLEITO PRINCIPAL. TRANSFERÊNCIA HOSPITALAR. CIRURGIA DE ALTA COMPLEXIDADE. REALIZAÇÃO. OBRIGAÇÃO DO ENTE ESTATAL. - O cumprimento da medida liminar ou de tutela de urgência não compromete o julgamento final, que deve existir para tornar definitiva a medida cautelar, o que vai permitir a formação da coisa julgada - Nos termos do que dispõe o art. 196 da Constituição da Republica, "a saúde é direito de todos e dever do Estado", assim consagrada como direito fundamental, a ser efetivado pelo Poder Público, o que demanda ações positivas por parte do Estado, e que, naturalmente, implicam alocação de recursos, de modo a garantir ao cidadão, à criança e ao adolescente o tratamento médico adequado e os fármacos necessários e compatíveis com a cláusula da reserva do possível e a do mínimo existencial - O próprio STF, por maioria, fixou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 793): "Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro", nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, relator para o acórdão, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não fixava tese. Presidência do Ministro Dias Toffoli. RE XXXXX-SE - Plenário, 23.05.2019. Essa solidariedade, no entanto, não afasta a possibilidade - nem a necessidade - segundo o STF, de atribuir a cada um dos entes, sendo possível, a obrigação de fornecer o medicamento segundo o Sistema, que atribui a cada um, segundo a lei, a sua respectiva obrigação - Neste caso o procedimento pretendido pelo autor é de alta complexidade, razão pela qual a ordem contida na antecipaç ão de tutela deve alcançar apenas as contas do Estado de Minas Gerais. (TJ-MG - AI: XXXXX91596808001 MG, Relator: Wander Marotta, Data de Julgamento: 23/04/2020, Data de Publicação: 28/04/2020)
Os casos analisados por este estudo indicam que o Poder Público, ao elaborar a lista dos serviços de saúde a serem prestados, bem como os remédios a serem disponibilizados aos cidadãos, avaliou, primeiramente, as necessidades de maior relevância e urgência a serem supridas e os recursos disponíveis para tanto. Em um segundo momento, focou nos aspectos técnicos de eficácia dos atendimentos e medicamentos.
A dificuldade de vocalização de uma parcela cada vez mais expressiva da população alvo das políticas sociais perpetua sua invisibilidade nos poderes executivo e legislativo. A judicialização torna-se o instrumento que garante a atenção à saúde em procedimentos e medicamentos fora daqueles estabelecidos pela listagem da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais e para a obtenção de serviços negligenciados pelos gestores do SUS. Ademais, diante da velocidade da evolução de tecnologias da saúde, bem como da inflação vertiginosa dos custos, a reserva do possível tem sido evocada para contestar medidas de obrigação de fazer, emitidas pelo judiciário.
Contudo, é importante frisar que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado como escudo para impedir que o Estado cumpra seu papel na efetivação de políticas públicas essenciais, especialmente no que tange à saúde, devendo prevalecer os princípios da dignidade humana e do mínimo existencial, desde que o cidadão comprove que o não atendimento lhe retirará o mínimo de sua qualidade de vida, sobretudo a saúde.
No entanto, observa-se que o Estado utiliza o princípio da reserva do possível para justificar a limitação do direito à saúde, negando atendimentos e medicamentos. A partir dessa negativa, impõe-se ao Poder Judiciário, no caso de omissão dos demais poderes, uma atuação incisiva, para que seja efetivado o direito à saúde.
Do ponto de vista do sistema judiciário, o artifício de judicialização das causas ligadas à saúde implica em um aparato de assessoria técnica para a especificidade das questões desse setor, para que não sejam cometidos abusos que firam a ética perante a sociedade. Por exemplo, no que tange aos pedidos de internação/tratamento, para que a tutela seja concedida pelo Poder Judiciário, deve ser comprovada a imprescindibilidade da medida por meio de laudo médico. Também é indispensável confirmar o esgotamento dos recursos extra-hospitalares, caso tenham sido implementados e, ainda, ser demonstrada a impossibilidade de o cidadão custear o tratamento/internação com recursos próprios, mostrando ser imprescindível a medida judicial impositiva.
A judicialização mostra-se importante mecanismo de garantia de direitos, mas o dilema entre a vida humana e a economia se coloca nas decisões judiciais, tendo o Estado, ao apresentar recursos baseados na reserva do possível, se contraposto ao mínimo existencial no direito à vida e à saúde.
3.1.1 Da reserva do possível no Direito brasileiro
O princípio da reserva do possível se originou na Alemanha, em 1970. Esta seria uma limitação jurídico-factual que as forças públicas poderiam apresentar tanto por limitações orçamentárias que as impedem de exercer direitos e prover todos os benefícios materiais necessários, quanto por injustificadas limitações. atividade exigida da pessoa. Este princípio significa que o Estado pode ser obrigado a cumprir o regulamento apenas se a prudência for observada.
Uma eventual reserva foi adotada no Brasil, mas foi mal utilizada por não tratar de obstáculos à promoção de direitos sociais.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal vem decidindo que o poder público não pode invocar a reserva do possível se comprometer o núcleo básico no mínimo existencial. Neste aspecto, cabe citar a decisão proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 45/2004 e que se tornou parâmetro para se firmar o entendimento:
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA “RESERVA DO POSSÍVEL”. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO “MÍNIMO EXISTENCIAL”. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO)”
(STF – ADPF 45 DF, Relator: Ministro Celso de Mello, Julgado em 29/03/2014)
O mínimo existencial é o apanhado de direitos sociais que o Estado é obrigado a garantir para todo e qualquer indivíduo ter uma vida digna. Dessa forma, a perpetuação do Estado Democrático de Direito é preservada, sendo que nem mesmo o princípio da reserva do possível pode ser invocado para tentar lograr a garantia da prestação estatal.
4 DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Em relação ao direito à saúde e ao mínimo existencial, é importante compreender a condenação da saúde. Nesse sentido, é correto argumentar que a capacidade de implementar políticas públicas geralmente não é compreendida nas definições institucionais dos juízes. O Relator Celso de Mello fala sobre que: “a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático” (STF, ADPF 45, DJU 04.05.2004, Relator Min. Relator Celso de Mello, julgada em 29.04.2004).
Para título de esclarecer o assunto, Barroso (2009, p. 389) frisa:
A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance.
Para Amaral (2001, p. 208) “não há que se falar em justiça quando apenas uma pessoa ou algumas pessoas conseguem determinada tutela judicial, ainda que esse seja um direito fundamental constitucionalmente previsto”
Nessa linha de raciocínio segue-se com o que Barcellos (2008, p. 343) preceitua em seu raciocínio:
Ao mesmo tempo em que tais prestações são concedidas a autores isolados de ações judiciais, centenas de pessoas morrem sem atendimento adequado na rede pública de saúde por falta de prestações que, por certo, estariam compreendidas no conceito de mínimo existencial. Talvez a omissão na oferta de tais prestações seja imputável a outras razões – que podem ir desde prioridades inconstitucionais na alocação de recursos, má gestão e até a prática de crimes [...].
Diante da escassez de recursos existentes, a Administração Pública se responsabiliza pela efetivação e manutenção dos direitos fundamentais, considerando-se os custos que esses direitos representam para toda a coletividade. Neste sentido, Vandevelde (2004, p.194) traz em seu texto a explicação de como o Estado é forçado a fazer escolhas em que proverá determinada política em detrimento de outra, vide:
Quando prevalece a vontade do Estado, o conflito de primazia entre a comunidade e o indivíduo não se resolve completamente. O Estado precisa fazer uma série de escolhas quanto aos fins em prol dos quais exercerá sua vontade, escolhas que renovam o mesmo conflito. Assim, por exemplo, o conflito entre a comunidade e o indivíduo muitas vezes ressurge como um conflito entre a política de eficiência social e a política de justiça para os indivíduos envolvidos numa transação.
Amaral (2001, p. 208) diz que “Não há que se falar em justiça quando apenas uma pessoa ou algumas pessoas conseguem determinada tutela judicial, ainda que esse seja um direito fundamental constitucionalmente previsto”
Seguindo essa linha de raciocínio, Barcellos (2008, p. 343) diz:
Ao mesmo tempo em que tais prestações são concedidas a autores isolados de ações judiciais, centenas de pessoas morrem sem atendimento adequado na rede pública de saúde por falta de prestações que, por certo, estariam compreendidas no conceito de mínimo existencial. Talvez a omissão na oferta de tais prestações seja imputável a outras razões – que podem ir desde prioridades inconstitucionais na alocação de recursos, má gestão e até a pratica de crimes [...]
Insta salientar que é necessário mais uma vez frisar incumbência de instaurar as políticas públicas e proporcionar recursos orçamentários, que não possui legitimidade e estrutura adequada para estas atividades.
Nesse sentido, o STF se posiciona da seguinte forma:
(...) entre tutelar a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição Federal, ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana. (STF – ARE: 1246256 PE – PERNAMBUCO 0002104-15.2015.8.17.0640, Relator Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento 29/11/2019, DJe-264 04/12/2019).
O SUS enfrentou um cenário desfavorável a partir da reestruturação do Estado brasileiro e as propostas são contrárias às promovidas pela reforma sanitária, seguindo as orientações de organismos financeiros como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (como privatizações e privatizações). Essa situação contribuiu para a desativação do SUS e precarização das condições de trabalho nas unidades públicas de saúde por décadas.
Nesse cenário, a legislação sanitária se intensificou como forma de garantir o acesso a bens e serviços de saúde, conferindo ao Judiciário papel central na efetivação dos direitos à saúde.
Assim, ao avaliar algumas avaliações sobre a provisão de bens e direitos à saúde, percebe-se que os conceitos de "mínimo existente" e "reserva possível" são comuns como as principais justificativas para as decisões. A primeira é mais usada pelo Ministério Público, pela defesa ou pelos advogados para proteger aqueles cujo direito à saúde é retirado. A segunda é normalmente utilizada pelo Estado em sua resposta como argumento para recusar a concessão do direito desejado.
Por fim, entende-se que a judicialização mostra-se importante mecanismo de garantia de direitos, mas o dilema entre a vida humana e a economia se coloca nas decisões judiciais, tendo o Estado, ao apresentar recursos baseados na reserva do possível, se contraposto ao mínimo existencial no direito à vida e à saúde.
Além do mais, os direitos sociais devem ser realizados de forma coletiva, a fim de que se tenha um acesso igual para todos os indivíduos aos benefícios oferecidos pelas políticas públicas.
5 CONCLUSÃO
O mínimo existencial é um conjunto de direitos sociais que o Estado é obrigado a garantir a todos uma vida digna.
Desta forma, mantém-se a continuidade do Estado Democrático de Direito, não podendo mesmo invocar-se o princípio da reserva do possível para alcançar uma garantia estatal.
A judicialização mostra-se como um importante mecanismo de garantia de direitos, mas o dilema entre a vida humana e a economia é colocado nas decisões judiciais, e o Estado se se opõe ao mínimo existencial apresentando recursos baseados em reservas possíveis. o direito à vida e à saúde.
No entanto, os direitos sociais previstos no texto da Constituição confirmam decisões baseadas no conceito do mínimo existencial, porque são necessários para interesses básicos e, neste caso, a teoria do poder público não se justifica.
A sociedade quer que o Estado cumpra sua missão, garanta o bem-estar social por meio de mecanismos de redistribuição de riqueza, reduza a desigualdade e respeite os princípios constitucionais.
A contribuição deste estudo é discutir o aumento da litigância devido aos danos do sistema de saúde. A doação também se destaca as análises do estado atual de saúde e falta de capacidade para cuidar de pessoas com necessidades de cuidados complexos.
6 REFERÊNCIAS
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BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 13. ed, São Paulo, Malheiros, 2003.
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Graduanda em Direito pela Instituição Metropolitana de Ensino - IME.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Tereza Cristina Rodrigues. A judicialização da saúde sob a perspectiva do mínimo existencial dentro da reserva possível Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2022, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60469/a-judicializao-da-sade-sob-a-perspectiva-do-mnimo-existencial-dentro-da-reserva-possvel. Acesso em: 23 dez 2024.
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