RESUMO: A presente pesquisa visa compreender o posicionamento do Supremo Tribunal Federal frente a questionamentos, em sede de controle de constitucionalidade, acerca do instituto urbanístico da região metropolitana a partir da análise do modelo cooperativo de federação adotado no Brasil. O artigo em apreço, elaborado pelo método hipotético-dedutivo, faz um estudo do arcabouço constitucional e legal de origem do instituto, distinguindo-o de outros elementos de política urbana, e o posiciona frente à realidade social, e à evolução jurisprudencial da Suprema Corte.
Palavras-Chave: Região metropolitana; Federalismo cooperativo; Posicionamento STF; ADI 2803/RS. ADI 1842/ RJ. ADI 6573/AL.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Panorama constitucional. 3. Região metropolitana: conceitos e características. 4. Distinções necessárias 5. Marcantes decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o instituto. 5.1. Iniciativa do projeto de Lei Complementar Estadual. 5.2. Compulsoriedade de integração do Município na região metropolitana 5.3. Concentração de decisões no Estado-Membro. 6. Considerações finais. 7. Referências.
1. Introdução
A Constituição Federal, em um cenário de repartição constitucional de competências tributárias, com arrimo no federalismo cooperativo, previu a possibilidade de os Estados instituírem regiões metropolitanas, composta por Municípios limítrofes, para a consecução de atividades de interesse comum.
Trata-se de relevante instituto do direito urbanístico, que se destaca por ser fiel expressão da cooperação entre as entidades políticas. É antigo conhecido da sociedade, já que, na prática, muitas atividades públicas são prestadas com a assistência mútua dos entes, em razão de permissivo constitucional. Contudo, faz-se imprescindível que, para essa relação ser legítima, sejam observados não somente os requisitos constitucionais, mas também os previstos no Estatuto da Metrópole e na legislação de regência de cada conglomerado.
Apesar de haver legislação infraconstitucional que regule o tema, muitos questionamentos foram levados ao Supremo Tribunal Federal, que diversas vezes foi convocado a posicionar-se sobre peculiares aspectos relacionados à região metropolitana. Assim, compreender o instituto, distingui-lo de outros semelhantes e compreender os fundamentos jurídicos das referidas decisões aproximam o intérprete desse instituto tão relevante para a efetividade das políticas públicas de que são destinatários os cidadãos, bem como colabora para a expansão do conhecimento acerca das responsabilidades dos entes federativos frente a essas atividades, para que a população possa efetuar um eficaz controle dos serviços de que usufrui.
2.Panorama Constitucional
O ordenamento jurídico brasileiro reparte as competências legislativas e administrativas, entre os entes que compõem a federação, com fulcro no princípio da predominância do interesse. Assim, cabe à União tratar sobre as matérias de interesse geral ou nacional, aos Estados, os temas de interesse regional, e aos Municípios competem os assuntos de interesse local. Ao Distrito Federal cabem as temáticas relativas ao interesse regional e local, ante seu caráter híbrido.
A Constituição da República de 1988 adotou o modelo cooperativo de federalismo, que promove uma descentralização de competências da União, com ampliação da autonomia dos Estados e dos Municípios, mediante a previsão de competências privativas e exclusivas, comuns e correntes. Esse formato, ao passo que viabiliza uma organização político-administrativa para a consecução das atividades públicas com maior eficiência, já que dilui as responsabilidades, atribuindo a atividade ao ente que melhor pode executá-la, defere autonomia a Estados e Municípios para estabelecer políticas públicas em seu âmbito de atuação.
O direito urbanístico está enquadrado como objeto da competência legislativa concorrente da União, Estados e DF. Veja-se:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
(...)
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
E os Municípios?
Muito se discutia se os Municípios também possuíam competência legislativa quanto às matérias constitucionalmente elencadas. Atualmente, a doutrina é uníssona ao afirmar que, ainda que não estejam listados no caput do artigo 24 da CF, os Municípios podem legislar sobre as matérias ali discriminadas, em razão da previsão do artigo 30, inciso II, da CF, transcrito abaixo:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
A Constituição, em matéria de Direito Urbanístico, em que pese prevista a competência material da União para a edição de diretrizes para o desenvolvimento urbano (art. 21, XX, da CF) e regras gerais sobre direito urbanístico (art. 24, I, c/c § 1º, da CF), atribuiu aos Municípios o destaque na concepção e execução dessas políticas[1].
É, pois, o Poder Público Municipal, o responsável pela política de desenvolvimento urbano das cidades, consoante diretrizes gerais estabelecidas pela União, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, com suporte do instrumento básico dessa política de desenvolvimento e de expansão urbana, que é o plano diretor (art. 182, §1º, da CF).
Com a finalidade de otimizar, integrar e facilitar a prestação dos serviços públicos e atividades de interesse comum de Municípios próximos, como é o caso do transporte intermunicipal de passageiros e o saneamento básico, constituindo uma clara expressão do cooperativismo federativo, ganha realce a “região metropolitana”, instituto constitucionalmente previsto, de competência estadual, do qual tratar-se-á a seguir.
3.Região Metropolitana: conceitos e características
Inicialmente, convém salientar que a região metropolitana não é uma nova pessoa jurídica com personalidade, tampouco é uma nova pessoa política integrante da federação. Não há governo ou administração próprios. Trata-se de órgão, que não possui direitos e deveres na ordem civil, mas tão somente exerce função administrativa e executória, na condição de longa manus da administração direta dos entes federativos. Sua natureza jurídica não é, portanto, de entidade.
A previsão da sua constituição é prevista na Lei Maior. Observe-se:
Art. 25, §3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.
Semelhante conceito traz o Estatuto da Metrópole, que é lei federal que estabelece diretrizes gerais para regulação das funções públicas de interesse comum que são realizadas nas regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas instituídas pelos Estados, em seu artigo 2º, VII, veja-se:
VII - região metropolitana: unidade regional instituída pelos Estados, mediante lei complementar, constituída por agrupamento de Municípios limítrofes para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum;
Destrinchando os supratranscritos dispositivos, é possível concluir que a legitimidade para a instituição, é do Estado onde estão localizados os Municípios que serão integrados. Note-se que a Constituição Federal utiliza a expressão “poderão instituir”, de modo que resta evidenciado o caráter facultativo da implementação. É o Estado que fará uma análise de conveniência e oportunidade da implementação da região metropolitana, ainda que preenchidos os demais requisitos.
No que tange à formalidade para a criação, é necessária que seja veiculada Lei Complementar Estadual, aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado. Essa lei deve possuir um conteúdo mínimo, previsto no art. 5º do Estatuto da Metrópole, como os Municípios que integram; os campos funcionais ou funções públicas de interesse comum que justificam a instituição da unidade territorial urbana; a conformação da estrutura de governança interfederativa, e os meios de controle social da organização, do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum.
Como requisito material, destaque-se a necessidade de serem agrupados Municípios contíguos, que guardem proximidade geográfica, com o objetivo de facilitar a extensão das atividades e serviços dentro dos limites da região metropolitana.
As regiões metropolitanas são instituídas com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, isto é, a consecução de atividades de valia coletiva para os Estados e Municípios integrantes.
Segundo interpretou o STF, “o interesse comum inclui funções públicas e serviços que atendam a mais de um Município, assim como os que, restritos ao território de um deles, sejam de algum modo dependentes, concorrentes, confluentes ou integrados de funções públicas, bem como serviços supramunicipais”[2].
Além desses dois requisitos, o Estatuto da Metrópole constou a necessidade de serem realizados estudos técnicos e audiências públicas que abarquem todos os Municípios pertencentes à unidade territorial. Note-se que a oitiva é dos entes municipais, e não da população interessada (que é requisito para a criação, incorporação, fusão e desmembramento dos Municípios, consoante art. 18, §4º, da CF/88).
Art. 3º. §2º A criação de uma região metropolitana, de aglomeração urbana ou de microrregião deve ser precedida de estudos técnicos e audiências públicas que envolvam todos os Municípios pertencentes à unidade territorial.
Por fim, aponte-se, ainda, a autorização concedida pelo Estatuto da Metrópole, de a instituição de região metropolitana englobar Municípios pertencentes a mais de um Estado. Veja-se:
Art. 4º A instituição de região metropolitana ou de aglomeração urbana que envolva Municípios pertencentes a mais de um Estado será formalizada mediante a aprovação de leis complementares pelas assembleias legislativas de cada um dos Estados envolvidos.
Neste caso, contudo, deverão ser aprovadas leis complementares pelas assembleias legislativas de cada um dos Estados em cujo território estejam os Municípios integrantes.
4. Distinções necessárias
O Estatuto da Metrópole foi criado em 2015, mas muito antes dessa data as regiões metropolitanas já eram uma realidade do país, com fulcro no art. 25, §3, da CF, que é norma autoaplicável, de eficácia plena, que já autorizava a implementação. Isso se deu porque a região metropolitana é um fenômeno, sociológico, político e econômico que pode se formar pela necessidade de uma comunidade e existir no cenário fático, ainda que sem regulamentação. Contudo, sua existência jurídica formal é condição para que o exercício de ações possa ser legitimamente intercambiável, para que haja repasse de recursos públicos e demais providências com respaldo legal.
Metrópole, segundo o diploma legal de regência mencionado acima, é o espaço urbano com continuidade territorial que, em razão de sua população e relevância política e socioeconômica, tem influência nacional ou sobre uma região que configure, no mínimo, a área de influência de uma capital regional, conforme os critérios adotados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Metropolização é o processo de crescimento urbano de uma cidade e sua constituição como centralidade de uma região metropolitana, ou seja, de uma região composta por vários municípios que partilham a mesma dinâmica espaço-territorial. A metrópole passa a ser vista como o espaço no qual as demais cidades tornam-se dependentes e interligadas economicamente. No Brasil, várias são elas, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro.
A CF/88 atribuiu aos Estados a competência para instituir não só as regiões metropolitanas, mas, também, aglomerações urbanas e microrregiões, nos termos do art. 25, § 3º, do mesmo diploma. Não são, por óbvio, institutos equivalentes, embora guardem certa similitude. Os conceitos são extraídos do Estatuto da Metrópole:
Aglomerações urbanas são unidades territoriais urbanas, constituídas pelo agrupamento de dois ou mais municípios limítrofes, caracterizada por complementaridade funcional e integração das dinâmicas geográficas, ambientais, políticas e socioeconômicas. Já as microrregiões são aglomerações instituídas pelos Estados com fundamento em funções públicas de interesse comum com características predominantemente urbanas.
Há, ainda, o conceito de área metropolitana, que nada mais é que a representação da expansão contínua da malha urbana da metrópole, conurbada pela integração dos sistemas viários, abrangendo, especialmente, áreas habitacionais, de serviços e industriais com a presença de deslocamentos pendulares no território.
A compreensão dessas distinções é essencial para a correta identificação dos institutos na prática, bem como para reconhecer a destinação das atividades prestadas no âmbito de determinada política pública e seus responsáveis, a fim de que a sociedade possa fiscalizar e controlar com efetividade essa prestação.
5.Marcantes decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o instituto
Em algumas oportunidades, o Supremo Tribunal Federal foi instado a se pronunciar sobre temas relevantes na constituição de regiões metropolitanas, com destaque para as que se passa a analisar:
5.1 Iniciativa do projeto de Lei Complementar Estadual
Consoante relatou-se alhures, uma das principais formalidades exigidas pela Constituição Federal para a implementação da região metropolitana é veiculação por Lei Complementar. Contudo, discutia-se se o projeto da lei complementar é de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo ou se é legítima a iniciativa parlamentar, em razão da determinação prevista no art. 63, I, da CF/88, abaixo transcrito:
Art. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista: I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado o disposto no art. 166, § 3º e § 4º;
Segundo o STF, o impedimento constitucional à atividade parlamentar que enseje aumento de despesa apenas possui aplicação aos casos de iniciativa legislativa reservada. A inclusão de Município na região metropolitana não ocasiona incremento de gasto de despesa para o Estado, uma vez que a dotação orçamentária está adstrita à região metropolitana como um todo, não sendo relevante perquirir quantos Municípios a integram, nem se houve posterior inclusão ou retirada de Município da região.
Veja-se ementa da ADI 2803/RS, que ensejou a tese fixada:
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 11.530, de 21 de setembro de 2000, do Estado do Rio Grande do Sul. Inclusão do Município de Santo Antônio da Patrulha na Região Metropolitana de Porto Alegre. Vício de iniciativa. Inexistência. Improcedência do pedido. 1. Não incide em violação da reserva de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, CF) lei complementar estadual que inclui novo município em região metropolitana. A simples inclusão de município em região metropolitana não implica, per se, a alteração da estrutura da máquina administrativa do Estado. Precedente: ADI nº 2.809/RS, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 30/4/04. 2. O impedimento constitucional à atividade parlamentar que resulte em aumento de despesa (art. 63, I, CF/88) só se aplica aos casos de iniciativa legislativa reservada. Ademais, conforme esclarece a Assembleia Legislativa, a inclusão de município na região metropolitana não gera aumento de despesa para o Estado, uma vez que “a dotação orçamentária está vinculada à própria região metropolitana, independentemente do número de municípios que a integrem, sendo irrelevante, portanto, a inclusão posterior de Município da região em comento”. 3. A legislação impugnada observa formal e materialmente o disposto no art. 25, § 3º, da Constituição Federal. O instrumento normativo utilizado é idôneo, uma vez que se trata de lei complementar estadual, e o requisito territorial insculpido na expressão “municípios limítrofes” foi atendido. Na justificativa do projeto de lei, está demonstrada a proximidade física e a interdependência urbana, social e histórica entre o Município de Santo Antônio da Patrulha e os demais componentes da Região Metropolitana de Porto Alegre. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (STF - ADI: 2803 RS, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 06/11/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 19/12/2014)
Por essa razão, posicionou-se, a Corte Suprema, pela possibilidade de a proposta de lei para criação de região metropolitana ser iniciada por parlamentar.
5.2 Compulsoriedade de integração do Município na região metropolitana
Acima, restou demonstrado que o texto da Constituição Federal repartiu competências para a consecução de atividades urbanas e FACULTOU aos Municípios a instituição de regiões metropolitanas. Ainda, é assente que os entes que compõem o federalismo cooperativo brasileiro gozam de autonomia para se organizarem internamente e para envolverem-se com outros entes para fins de interesse comum. Contudo, não houve esclarecimentos acerca da necessidade de o Município manifestar consentimento para participação em determinada região metropolitana. Afinal, se a instituição é competência dos Estados, em que momento o Município demonstra interesse na adesão?
Na verdade, não demonstra.
O STF, interpretando o art. 25, § 3, da CF/88 entendeu pela compulsoriedade de o Município integrar a região metropolitana, uma vez que ele não possui liberdade de escolha caso os requisitos constitucionais e legais sejam atendidos e caso haja interesse do Estado em exercer a sua faculdade constitucional. Não há, pois, que se falar em atentado à autonomia municipal, prevista no artigo 18 da CF, já que que o interesse comum e a compulsoriedade da integração metropolitana não são inconciliáveis com a autonomia municipal. Observe-se trecho da ementa do julgado que originou esse posicionamento:
Ação direta de inconstitucionalidade. Instituição de região metropolitana e competência para saneamento básico. Ação direta de inconstitucionalidade contra Lei Complementar n. 87/1997, Lei n. 2.869/1997 e Decreto n. 24.631/1998, todos do Estado do Rio de Janeiro, que instituem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e a Microrregião dos Lagos e transferem a titularidade do poder concedente para prestação de serviços públicos de interesse metropolitano ao Estado do Rio de Janeiro. 2. Preliminares de inépcia da inicial e prejuízo. (...) A Constituição Federal conferiu ênfase à autonomia municipal ao mencionar os municípios como integrantes do sistema federativo (art. 1º da CF/1988) e ao fixá-la junto com os estados e o Distrito Federal (art. 18 da CF/1988). A essência da autonomia municipal contém primordialmente (i) autoadministração, que implica capacidade decisória quanto aos interesses locais, sem delegação ou aprovação hierárquica; e (ii) autogoverno, que determina a eleição do chefe do Poder Executivo e dos representantes no Legislativo. O interesse comum e a compulsoriedade da integração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia municipal. O mencionado interesse comum não é comum apenas aos municípios envolvidos, mas ao Estado e aos municípios do agrupamento urbano. O caráter compulsório da participação deles em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas já foi acolhido pelo Pleno do STF ( ADI 1841/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.9.2002; ADI 796/ES, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17.12.1999). (...) A instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões pode vincular a participação de municípios limítrofes, com o objetivo de executar e planejar a função pública do saneamento básico, seja para atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública, seja para dar viabilidade econômica e técnica aos municípios menos favorecidos. Repita-se que este caráter compulsório da integração metropolitana não esvazia a autonomia municipal. (...) (STF - ADI: 1842 RJ, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 06/03/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-181 DIVULG 13-09-2013 PUBLIC 16-09-2013 EMENT VOL-02701-01 PP-00001) (grifo nosso)
De tal modo, a lei complementar estadual que engloba Municípios não interessados em compor a região metropolitana não está eivada de vícios, vez que o mencionado interesse comum não é comum apenas aos Municípios integrados, mas também ao Estado.
5.3 Concentração de decisões no Estado-membro
Por meio da governança interfederativa, as atividades e as responsabilidades de interesse comum são compartilhadas entre os entes federativos, com o fim de que todos participem da organização, planejamento e execução das funções públicas de interesse comum.
Contudo, considerando a possibilidade de o Estado-Membro determinar a integração compulsória dos Municípios, questionou-se se também não lhe seria concedida a faculdade de concentrar em seu poder a maioria dos votos nas instâncias deliberativas e executivas.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que não. Em maio de 2022, a Suprema Corte, em um caso concreto, posicionou-se no sentido de que "o desvio em relação à paridade é, assim, excessivamente acentuado, culminando em um controle de fato de todos os serviços públicos vocacionados ao interesse comum". É o que se extrai da ementa do julgado abaixo, de relatoria do Min. Edson Fachin:
É inconstitucional norma que prevê a concentração excessiva do poder decisório nas mãos de só um dos entes públicos integrantes de região metropolitana.
Nesse mesmo contexto, é inadmissível que a gestão e a percepção dos frutos da empreitada metropolitana comum, incluídos os valores referentes a eventual concessão à iniciativa privada, aproveitem a apenas um dos entes federados.
Com base nesse entendimento, o STF declarou inconstitucionais normas que concentravam no Estado de Alagoas o poder decisório nas instâncias deliberativas e executivas da Região Metropolitana de Maceió, resultando na violação da autonomia dos municípios envolvidos. STF. Plenário. ADI 6573/AL, ADI 6911/AL e ADPF 863/AL, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 13/5/2022 (Info 1055).
Pelo exposto, conclui-se que, se os serviços públicos são de interesse comum e a responsabilidade e as ações devem ser compartilhadas, é inconstitucional o normativo que concentre quase a totalidade dos votos nas instâncias deliberativas e executivas da gestão metropolitana em um só ente federativo.
6.Considerações Finais
A República brasileira é formada pela união indissolúvel de União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que devem atuar em harmonia, em prol do desenvolvimento nacional. Uma das formas através da qual esse progresso pode ser alcançado, é o desempenho em conjunto competências e de atividades de interesse comum.
No âmbito da política urbana, destaca-se a região metropolitana como um importante instrumento de cooperação para o desempenho de ações e prestação de serviços de utilidade para toda uma região. Isso porque, Estado pode unir Municípios limítrofes, obedecidos os requisitos constitucionais e legais pertinentes, para o desenvolvimento dessas ações coletivas. O poder que detém o Estado, nesse contexto, é alvo de intenso debate entre doutrinadores.
Para tanto, ainda, é de suma importância que os gestores públicos e intérpretes mantenham-se atualizados com o posicionamento da Suprema Corte, que em diversas oportunidades, a exemplo das mencionadas nesse trabalho, foi provocada a se pronunciar, tendo em vista a acirrada discussão sobre desdobramentos e peculiaridades que envolvem o tema.
Ressalte-se, por fim, que esse conhecimento é de tamanha relevância, pois alcança não apenas os destinatários imediatos da norma e dos posicionamentos, que precisarão garantir que as regiões metropolitanas estejam regularmente constituídas, mas principalmente os usuários das políticas públicas prestadas pelo agrupamento, com vistas a maior segurança no controle e supervisionamento dos serviços prestados.
7.Referências
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MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 14ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, n.p. (versão em e-book).
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[1] STF - ADI: 5696 MG, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 25/10/2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 11/11/2019. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/861941262. /Acesso em: 25 de dez. de 2022.
[2] STF - ADI: 1842 RJ, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 06/03/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-181 DIVULG 13-09-2013 PUBLIC 16-09-2013 EMENT VOL-02701-01 PP-00001. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/24807539. /Acesso em: 25 de dez. de 2022.
Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Pós-graduada em Direito Tributário pelo IBMEC. Analista Judiciária do Superior Tribunal de Justiça.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Juliana Studart. Regiões metropolitanas e STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jan 2023, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60883/regies-metropolitanas-e-stf. Acesso em: 23 dez 2024.
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