JOÃO CHAVES BOAVENTURA[1]
(orientador)
Resumo: O presente estudo se propõe a analisar o instituto jurídico da nacionalidade, destacando seus conceitos, efeitos na identidade e pertencimento, na proteção e direitos civis, na participação política, na proteção diplomática e no acesso aos direitos humanos internacionais. A nacionalidade está intrinsecamente ligada à cultura, história, língua e tradições de um país, e é por meio desse vínculo jurídico e político que os cidadãos têm acesso a direitos fundamentais, como liberdade de expressão, igualdade de direitos, direito à vida e à segurança pessoal, criando um senso de pertencimento e coesão social. O presente artigo examina a importância da matéria e suas implicações, incluindo os fenômenos de aquisição e perda da nacionalidade e seus requisitos. Por fim, o artigo foi fundamentado em pesquisas bibliográficas, por meio de artigos científicos que abordam o tema pesquisado.
Palavras-chave: Nacionalidade. Direito Internacional. Nacionalidade no Brasil. Direitos Fundamentais.
Abstract: The present study aims to analyze the legal institute of nationality, highlighting its concepts, effects on identity and belonging, protection and civil rights, political participation, diplomatic protection and access to international human rights. Nationality is intrinsically linked to the culture, history, language and traditions of a country, and it is through this legal and political link that citizens have access to fundamental rights, such as freedom of expression, equal rights, right to life and security personal, creating a sense of belonging and social cohesion. This article examines the importance of the matter and its implications, including the phenomena of acquisition and loss and their requirements. Finally, it was based on bibliographical research, through scientific articles that address the researched topic.
Keywords: Nationality. International right. Nationality in Brazil. Fundamental Right
1.Introdução
Com a intensificação do movimento global, o contato de indivíduos com outros países tornou-se inevitável. O número elevado de pessoas estabelecendo residência distante do seu local de origem reflete diretamente no instituto da nacionalidade. Isto pois, em muitos casos, adquirem nova nacionalidade para ali permanecer.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, surgiu após a Segunda Guerra Mundial e delineou os direitos humanos básicos, fazendo constar em seu artigo 15 que “todo homem tem direito a uma nacionalidade”, e complementa o princípio com o parágrafo seguinte: “Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade”.
Nesta senda, a nacionalidade passou a ser tratada como um direito humano fundamental, intrínseco ao indivíduo e estreitamente ligado à sua dignidade, sendo essencial para o reconhecimento do ser humano como pessoa de direitos e deveres. Ou seja, a nacionalidade é um vínculo jurídico-político que une uma pessoa física a um Estado, do qual decorrem diversos direitos e obrigações recíprocas.
Para o Direito Internacional, é a definição da condição de nacional que determinará a aplicação ou não da proteção diplomática, da condição jurídica do estrangeiro, do exercício de direitos políticos, da lei aplicável, da jurisdição. Para o Direito Interno, a matéria mostra-se relevante visto que somente o nacional possui direitos políticos e acesso às funções públicas, tem obrigação de prestar serviço militar, tem plenitude de direitos privados e profissionais e é protegido da expulsão ou da extradição.
A Convenção de Haia de 1930 foi a primeira tentativa internacional de garantir a aquisição da nacionalidade à todas as pessoas, e aborda em seu primeiro artigo sobre o princípio da competência ao estabelecer que ‘’cabe a cada Estado determinar, segundo a sua própria legislação, quem são os seus nacionais’’. Assim, estando em conformidade com as convenções internacionais, o costume internacional e os princípios de direito geralmente reconhecidos em matéria de nacionalidade, essa legislação será aceita pelos outros Estados.
Portanto, compete a cada Estado legislar, através de seu direito interno, sobre as questões relativas à nacionalidade. Sob esse prisma, a Constituição Federal Brasileira de 1988, versa sobre a matéria em seu artigo 12, e estabelece os critérios para a aquisição da nacionalidade brasileira, distinguindo quem é brasileiro nato, naturalizado e estrangeiro, além de elencar taxativamente os casos de perda de nacionalidade.
Além disso, é importante mencionar que o processo de aquisição da nacionalidade brasileira também envolve outras formas, como naturalização, adoção e opção, regulamentadas pela Lei de Nacionalidade (Lei nº 13.445/2017).
Torna-se, portanto, evidente que a nacionalidade está diretamente relacionada ao reconhecimento e à garantia dos direitos humanos internacionais. Tratados e convenções de direitos humanos frequentemente estabelecem direitos e proteções específicas para os cidadãos de determinado Estado. Sem uma nacionalidade reconhecida, as pessoas podem enfrentar dificuldades em obter a proteção e os benefícios assegurados por esses instrumentos internacionais, prejudicando sua proteção e seus direitos fundamentais.
2.Desenvolvimento
2.1. A Nacionalidade como Direito Fundamental
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) declarou que o direito à nacionalidade é um dos mais importantes direitos do homem, depois do direito à própria vida, isto pois, todas as prerrogativas, garantias e benefícios que o indivíduo obtém por pertencer a uma comunidade política e social, o Estado, decorrem ou são apoiados pelo direito.
O instituto da nacionalidade surgiu do conceito de Estado e seus efeitos, passando a ser influenciado ulteriormente pela soberania. Na perspectiva histórica, o direito à nacionalidade foi uma conquista lenta e fruto das revoluções liberais (RAMOS, 2017, p. 902-903). Desde os primórdios, o ser humano sempre procurou conquistar seu espaço, assim, ante a necessidade de efetivar a atuação do povo e conter a arbitrariedade do governo, foi necessário determinar quem era o povo para então conceder-lhes poder para construir uma comunidade política.
Diferentes correntes doutrinárias divergem na definição do elemento caracterizador da nacionalidade, sob o prisma sociológico. Uma abordagem, de origem alemã, concebe a nacionalidade como tendo bases objetivas, abrangendo fatores como território, raça, religião, língua e comunidade cultural, que podem existir de maneira isolada ou em conjunto, e é conhecida como teoria objetiva.
Em contraste, a segunda corrente, de origem francesa e italiana, denominada teoria subjetiva ou voluntarista, rejeita a fundamentação da nacionalidade em bases objetivas, afirmando que esse vínculo deriva da vontade dos indivíduos de se unirem. Por fim, a terceira corrente argumenta que a nacionalidade é determinada a posteriori, com base na realidade empírica, uma vez que os elementos mencionados pelas teorias objetiva e subjetiva são considerados apenas como explicadores do "pró-nacionalismo", ou seja, das razões que levam os indivíduos a desejar se unir, mas não explicam o vínculo em si (JUBILUT, 2007, p. 120-121).
No que pese as discussões supramencionadas, hodiernamente, a nacionalidade é considerada um vínculo jurídico-político. Nas palavras do ilustríssimo doutrinador, Francisco Cavalcante Pontes de Miranda: “é o vínculo jurídico-político de Direito Público, interno, que faz da pessoa um dos elementos componentes da dimensão pessoal do Estado.” Acerca dessa temática, Manuel Gonçalves Ferreira Filho (1977) nos apresenta o seguinte conceito de nacionalidade:
A nacionalidade é o vínculo que prende um indivíduo a um Estado, fazendo desse indivíduo um componente do povo desse Estado, integrante, portanto, de sua dimensão pessoal. É o direito de cada Estado que diz quem é nacional e quem não o é, ou seja, quem é estrangeiro. Segundo direito internacional público, o nacional continua preso ao Estado, de cujo povo é membro, mesmo quando se acha fora do alcance de seu poder, estabelecido em território de outro Estado.
Na concepção de Aguinaldo Allemar (2007, p. 29), a nacionalidade
não está necessariamente relacionada à crença, religião, condição social ou ideologia. É o elo jurídico porque o nacional de um determinado Estado encontra-se compulsoriamente vinculado à obediência de seu ordenamento jurídico, ao mesmo tempo em que faz jus aos seus direitos civis. E é também elo político, porque o devidamente registrado como nacional goza de todos os direitos políticos inerentes à condição de cidadão, como, por exemplo, o ato de votar e ser votado, limitados estes apenas pelo ordenamento jurídico a que está vinculado.
Como visto, a nacionalidade possui duas perspectivas: a jurídica e/ou política, chamada de dimensão vertical e a sociológica, chamada de dimensão horizontal. A primeira, segundo Jacob Dolinger (2005), é o vínculo entre o indivíduo e o Estado ao qual pertence, da qual discorre uma série de obrigações do indivíduo para com o Estado, com a contrapartida da proteção diplomática que o Estado estende ao indivíduo onde quer que se encontre no exterior. Enquanto o conceito sociológico da nacionalidade consiste no pertencimento do nacional de determinado Estado ao seu povo, à nação.
Ora, entende-se então que a nacionalidade desempenha um papel crucial na definição da identidade e pertencimento de cada indivíduo, e compõe um amplo conjunto de fatores determinantes para existência do Estado e do indivíduo, permitindo que os nacionais exerçam seus direitos tanto no âmbito interno quanto no âmbito externo.
No campo do Direito Internacional, o tema da nacionalidade é amplamente discutido por diversos autores e doutrinas, inclusive, elencada em vários tratados e convenções, dentre elas a Convenção de Haia sobre conflitos de nacionalidade de 1930, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 1969.
Alguns princípios foram consagrados nesses diplomas internacionais, dois deles merecem destaque, como o princípio do Direito à Nacionalidade, previsto no art. 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que além de garantir a todos os indivíduos pelo menos uma nacionalidade, assegura que ninguém pode ser arbitrariamente privado dela e nem da sua mudança (OHCHR, 1948), em uma tentativa de evitar o fenômeno indesejado dos apátridas.
O princípio da competência, previsto no art. 1º da Convenção de Haia de 1930, afirma que cabe a cada Estado legislar sobre a nacionalidade de seus indivíduos, ou seja, cada Estado é livre para legislar sobre a matéria, é uma atribuição interna que ‘’será aceita por todos os demais Estados, desde que esteja de acordo com as convenções internacionais, o costume internacional e os princípios de direito geralmente reconhecidos em matéria de nacionalidade’’.
Em complemento ao parágrafo anterior, é importante mencionar que, no que concerne a dupla nacionalidade, a Convenção em seu art. 3ºassevera que “sob reserva das disposições da presente Convenção um indivíduo que tenha duas ou mais nacionalidades poderá ser considerado por cada um dos Estados cuja nacionalidade possua seu nacional”.
Neste sentido, pode-se afirmar que são, portanto, nacionais de um Estado aqueles que o seu direito define como tais. É uma situação jurídica e não uma mera situação de fato (BASTOS, 1988-89, p. 547).
Em síntese, é a definição da condição de nacional que, para o Direito Internacional, vai determinar a aplicação ou não, da proteção diplomática, da condição jurídica do estrangeiro, do exercício de direitos políticos, da lei aplicável, da jurisdição, dentre outros (MELLO, p.955).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 reconhece, expressamente, a nacionalidade como direito fundamental. No âmbito político, a nacionalidade é uma condição necessária para o exercício dos direitos políticos, tais como o direito de voto e o direito de se candidatar a cargos públicos. Através da nacionalidade, os indivíduos têm a oportunidade de participar ativamente do processo democrático, influenciando as decisões que tiveram suas vidas e desejando a governança do país. Isso permite a expressão da vontade popular e a construção de sociedades mais justas e inclusivas.
Dessa forma, considerando a natureza do direito fundamental à nacionalidade, observa-se que ele desfruta de todas as proteções inerentes aos demais direitos fundamentais. É por isso que a nacionalidade é reconhecida como um direito humano e fundamental, uma vez que a ausência de nacionalidade de um indivíduo implica na sua condição de desamparo perante o poder estatal, impossibilitando-o até mesmo de pleitear a efetivação de seus direitos no âmbito da ordem jurídica soberana. De fato, negar a atribuição de nacionalidade a um sujeito equivale a negar-lhe a titularidade de direitos, privando-o, consequentemente, de qualquer forma de proteção legal.
Essas diferentes abordagens doutrinárias tanto no Direito Internacional quanto no Direito Brasileiro refletem a diversidade de perspectivas sobre o conceito de nacionalidade e a forma como ela é adquirida. Cada sistema jurídico busca estabelecer critérios que sejam adequados às suas particularidades e às necessidades de sua sociedade, levando em consideração aspectos como a identidade nacional, a integração social e os princípios de justiça e igualdade.
2.2. Formas de aquisição e perda da nacionalidade
A aquisição da nacionalidade envolve diferentes espécies e critérios, que são estabelecidos pelas legislações de cada país. No contexto brasileiro, a nacionalidade é tratada principalmente pela Constituição Federal de 1988 e por legislação específica.
Decorre da doutrina duas espécies de nacionalidade: a primária, também chamada de originária, que é adquirida automaticamente no momento do nascimento, ou seja, a pessoa possui essa nacionalidade devido à sua origem; e a secundária, também chamada de derivada ou adquirida, que um indivíduo busca obter após o seu nascimento, não relacionada à sua origem, mas sim decorrente de eventos posteriores ao nascimento, isto é, deriva de atos voluntários, geralmente por meio do processo de naturalização.
O artigo 12 da Constituição estabelece os critérios para a aquisição originária da nacionalidade brasileira. Dentre esses critérios, destacam-se o princípio do nascimento (ius soli), que concede a nacionalidade aos indivíduos nascidos no território brasileiro, independentemente da nacionalidade de seus pais, e o princípio da filiação (ius sanguinis), que permite a aquisição da nacionalidade por descendência de brasileiros. O Brasil adota tradicionalmente o jus soli, contudo, há exceções em prol do jus sanguinis, portanto, pode-se dizer que o Brasil adere à um sistema misto (MELLO, p. 957).
A Constituição Federal define os nacionais da seguinte forma:
Art. 12. São brasileiros:
I- natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;
Por seu turno, a aquisição da nacionalidade derivada no Brasil está prevista constitucionalmente no inciso seguinte:
II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
A nacionalidade secundária ou derivada é obtida por meio do processo de naturalização, o qual atualmente é majoritariamente um ato de escolha voluntária por parte do indivíduo. Quando a naturalização é um ato voluntário, o indivíduo renuncia à sua nacionalidade anterior, podendo, em algumas legislações, ser tácita, diferentemente do Brasil, que admite somente a forma expressa, observando as regras específicas. Ademais, a concessão de naturalização é ato discricionário do Poder Executivo, portanto, a simples satisfação dos requisitos acima não assegura a nacionalização do estrangeiro (MORAES, p.203).
Ressalta-se que, no ordenamento jurídico brasileiro, as disposições do artigo 12, inciso II, da Constituição Federal estipulam as diretrizes fundamentais para o processo de naturalização de estrangeiros, enquanto os critérios objetivos para essa modalidade de obtenção da nacionalidade são definidos na legislação específica, Lei nº 13.445/2017, conhecida como a Lei de Migração, em seus artigos 64 a 73.
Não obstante, cumpre salientar que, por via de regra, os indivíduos que obtêm a nacionalidade brasileira por meio de naturalização terão os mesmos direitos que os brasileiros natos, conforme estabelecido na própria Constituição Federal, em seu art. 2º, § 2º. Todavia, é essencial notar que existem exceções, como as previstas no terceiro parágrafo do referido dispositivo legal, que estabelece as funções reservadas aos brasileiros natos.
Outro ponto importante é a perda da nacionalidade, considerada um dos pilares da identidade jurídica de um indivíduo. A Constituição Federal prevê as hipóteses no parágrafo 4º, incisos I e II, do seu artigo 12. Um dos casos de perda da nacionalidade é quando o brasileiro tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de fraude relacionada ao processo de naturalização ou de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Além disso, a perda da nacionalidade também pode ocorrer quando o brasileiro fizer pedido expresso de perda da nacionalidade brasileira perante autoridade brasileira competente, ressalvadas situações que acarretem apatridia. Isso significa que um indivíduo que manifesta, de forma clara e consciente, o desejo de abrir mão de sua nacionalidade brasileira poderá perdê-la. No entanto, é importante observar que existem diferenças legais que permitem a dupla nacionalidade em determinadas situações, como nos casos de países que reconhecem a nacionalidade originária de seus cidadãos mesmo após a naturalização em outro país.
Outrossim, há conflito de nacionalidade quando o mesmo indivíduo é titular de duas ou mais nacionalidades (conflito positivo) ou quando o indivíduo está na situação de apatridia, sem qualquer nacionalidade (conflito negativo) (HUSEK, 2017).
Hannah Arendt, na obra ‘’As Origens do Totalitarismo’’ traz importante esclarecimento quando diz que:
Ser privado da nacionalidade é como ser privado da pertença ao mundo, é como retornar ao estado natural, como homens das cavernas ou selvagens... O homem que não é nada mais que um homem perdeu aquelas qualidades que tornaram possível para outras pessoas o tratarem como igual... Pode viver ou morrer sem deixar vestígios, sem ter contribuído em nada para o mundo comum.
Importante frisar que, uma vez perdida a nacionalidade é possível a sua reaquisição da nacionalidade. O indivíduo readquire a nacionalidade no mesmo status que possuía antes de perdê-la: se era brasileiro nato, voltará a ser brasileiro nato; se naturalizado, voltará a ser naturalizado (SILVA, p. 335). Diante desse viés, a perda da nacionalidade no direito brasileiro está relacionada a casos específicos previstos na legislação, tais medidas visam preservar os interesses do Estado e garantir a segurança nacional, todavia, devem ser aplicadas de forma criteriosa e em consonância com os princípios constitucionais e legais, uma vez que envolve a privação de um direito fundamental do ser humano.
2.3. Limites do poder dos Estados em relação à nacionalidade
Os limites do poder dos Estados em relação à temática da nacionalidade são alcançados tanto na esfera jurídica internacional quanto na esfera jurídica nacional, e são essenciais para garantir a proteção dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos e para evitar arbitrariedades por parte dos Estados.
Como mencionado alhures, cabe a cada Estado determinar através de sua própria legislação quais são os seus nacionais, resultado da soberania estatal. Portanto, não cabe ao direito internacional, mas ao direito interno, determinar quem é, e quem não é considerado um súdito (OPPENHEIM, 1955).
Contudo, no que pese a determinação da nacionalidade e as implicações legais a ela associadas sejam, de um lado, regidas pelas normas internas do Estado em questão, o conceito de nacionalidade, paradoxalmente, é um elemento com raízes no direito internacional. A coexistência de Estados soberanos e o estabelecimento de relações internacionais são, ao que parece, premissas fundamentais para a própria conceituação de nacionalidade (SCELLE p. 66).
Como corolário, pode-se notar que não se trata apenas de um assunto de âmbito nacional, mas também de relevância internacional. Nesse contexto, é importante observar que a prerrogativa do Estado em dirimir questões relativas à nacionalidade pode ser sujeita a limitações estabelecidas por convenções e práticas internacionais, bem como pelos princípios jurídicos universais amplamente aceitos.
Na esfera jurídica internacional, as normas e os princípios do direito internacional dos direitos humanos são relevantes na definição dos limites do poder dos Estados em relação à perda da nacionalidade. Diversos tratados e convenções internacionais estabelecem os direitos e garantias dos indivíduos no contexto da nacionalidade, visando evitar a violação aos direitos humanos. Por exemplo, o princípio da não discriminação que assegura o tratamento igualitário a todos os indivíduos, limita a capacidade dos Estados de fazer mudanças arbitrárias ou discriminatórias nas leis de nacionalidade.
No âmbito nacional, a Constituição Federal é a principal fonte de limitação do poder estatal em relação à perda da nacionalidade. No Brasil, a Constituição de 1988 assegura a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, estabelecendo princípios e garantias que devem ser observados pelo Estado no exercício de seu poder. Por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III) e o princípio do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV) são fundamentais na definição dos limites do poder estatal em matéria de perda da nacionalidade.
É de suma importância que as leis internas que regulam a nacionalidade sejam compatíveis com os princípios de direito geralmente reconhecidos acerca da matéria, as convenções internacionais e o costume internacional para que seja aceita pelos demais Estados. Isto pois, os Estados devem considerar o impacto das mudanças em suas leis de nacionalidade, de modo que uma alteração não resulte na apatridia, situação em que uma pessoa não é considerada nacional por nenhum Estado.
Torna-se, portanto, evidente que, embora os Estados mantenham a soberania sobre suas regras de nacionalidade, a teoria jurídica atualmente reconhece que essa autoridade está sujeita a uma rede de obrigações e limitações derivadas do direito internacional e dos princípios de direitos humanos. Isso garante a proteção dos direitos individuais e promove a estabilidade nas relações internacionais, concomitantemente em que preserva a identidade e a autonomia dos Estados.
3.Conclusão
A nacionalidade é um direito inerente a todos os seres humanos, e consiste no vínculo jurídico- político que liga o indivíduo ao Estado, ou, em outras palavras, o elo entre a pessoa física e um determinado Estado (PONTES DE MIRANDA, p. 347). Paulo Henrique Gonçalves Portela (2011, p. 259) define a nacionalidade como “vínculo jurídico-político que une uma pessoa física a um Estado, do qual decorre uma série de direitos e obrigações recíprocas”.
O referido instituto, em sua essência, é primordialmente objeto de regulamentação pelo ordenamento jurídico interno. Em termos mais específicos, a determinação acerca da concessão da nacionalidade por parte do Estado é um ato de soberania, incumbindo exclusivamente a cada ente estatal a prerrogativa de estipular as normas que nortearão a atribuição de sua própria nacionalidade e, em certos casos, deliberar discricionariamente sobre sua conferência aos indivíduos, sem que qualquer interferência de outro Estado seja admitida nesse processo.
Embora seja de competência do Estado a elaboração da legislação relativa às políticas de nacionalidade, é importante ressaltar que esse instituto possui status de direito fundamental, conferindo proteção a todos os seres humanos em âmbito global, conforme estipulado na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Quando o Estado concede a nacionalidade a um indivíduo, ele reconhece seus direitos e obrigações, ao mesmo tempo em que assegura sua proteção para além das fronteiras. Conforme observado por Dolinger (2013), nos países que adotam a nacionalidade como critério principal para regular as questões relativas ao estatuto pessoal, a determinação da nacionalidade assume um papel de suma importância no contexto do Direito Internacional Privado. Além disso, a assistência diplomática daqueles que se encontram no exterior e que igualmente dependem desse critério.
O Brasil utiliza o princípio do ius soli como regra geral para determinar a nacionalidade originária, o que significa que, em princípio, basta que uma pessoa nasça em solo brasileiro para ser considerado brasileiro nato. No entanto, em situações excepcionais, admite-se a aplicação do princípio do ius sanguinis, desde que sejam atendidas certas condições, permitindo que a pessoa obtenha a nacionalidade de acordo com a ascendência paterna ou materna. Adicionalmente, temos a naturalização ou nacionalidade secundária, adquirida após o nascimento e decorre da vontade do próprio indivíduo.
Conforme exposto, ao analisar o sistema internacional e a ordem jurídica nacional, podemos concluir que a nacionalidade é um direito inalienável que está intrinsecamente ligado à natureza humana. Sua ausência compromete de maneira significativa a existência saudável e digna das pessoas.
Realizado por meio de pesquisa bibliográfica, o presente estudo evidenciou a necessidade de uma relação coesa e harmoniosa entre o Direito Internacional e o Direito Interno, especialmente em um mundo globalizado, no qual as interações humanas desempenham um papel inevitável e crucial.
4. Referências
ACCIOLY, Hildebrando e SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2002.
ALLEMAR, Aguinaldo. Direito internacional. Curitiba: Juruá, 2007.
ARENDT, Hanna. As origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo e totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras, 1989.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Editora Saraiva, 2021.
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1988-1989.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 out. 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 23 de julho de 2022.
CONVENÇÃO DE HAIA. Decreto-Lei nº 3.087, de 21 de junho de 1999. Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional. [S. l.], 31 mar. 2021.
DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 5. ed., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. 5. Ed. Rio de Janeiro: Editora Atualizada, 2013. 479 p.
FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira: Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1976. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1977.
FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Saraiva, 2021.
FRAZÃO, Ana Carolina. Uma breve análise sobre o direito à nacionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57. Acesso em: 16 out. 2023.
HUSEK, Carlos Roberto. Nacionalidade. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Internacional. Cláudio Finkelstein, Clarisse Laupman Ferraz Lima (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/494/edicao-1/nacionalidade. Acesso em: 16 out. 2023.
JUBILUT, Liliana Lyra. O direito internacional dos refugiados e sua aplicação no
ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Método, 2007.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 14. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 953-955.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Atlas, 2022.
OHCHR - OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS. Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/udhr/documents /udhr_translations/por.pdf. Acesso em: 16 out. 2023.
OPPENHEIM, Lassa F.L. International law, a treatise, vol. I., 8a ed. Londres: Longmans, Green & Co. 1955.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional n. 1, de 1969. Forense, 2012.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 3. Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2011. p. 919.
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
REPORT ON CHILE, 1985, p.146, para. 6, apud Jaime Oraá, Human Rights in States of Emergency in International Law, 1996, p. 99.
SCELLE, Georges. Précis de Droit des Gens.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16a edição, São Paulo: Malheiros, 1999.
TANURE, Rafael Jayme. A nacionalidade sob a perspectiva da comunitarização do Direito Internacional Privado. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº. 191. Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1485> Acesso em: 16 out. 2023.
Discente do Curso de Bacharelado em Direito na Universidade Luterana do Brasil .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUTO, KATHELEEN ANDREA OLIVEIRA. A nacionalidade à luz do direito internacional e brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2023, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/64094/a-nacionalidade-luz-do-direito-internacional-e-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.