Resumo: O presente trabalho tem como intuito a análise da obra O Quinze, de Rachel de Queiroz, sob a ótica da justiça social no Estado Social de Direito. O objetivo é analisar de forma humanitária como o Estado Social de Direito brasileiro garante os Direitos Fundamentais de cunho social na Carta Magna brasileira, sob a ótica social da escritora Rachel de Queiroz em sua mais famosa obra da 2ª fase do Modernismo literário brasileiro. A metodologia utilizada será a revisão bibliográfica juntamente da análise da Constituição Federal de 1988. Os resultados apontam que a Constituição Cidadã institui diversos direitos sociais, como à moradia e o combate à fome, entretanto, esses direitos não são efetivados na prática. Tendo isso em vista, o Estado deve agir de acordo com a Constituição, editando leis ordinárias e complementares, além de instituir programas para que as normas constitucionais que instituem esses direitos os garantam na prática.
Palavras-chave: direitos sociais; Estado Social de Direito; Direitos Fundamentais.
Sumário: 1. O Quinze e seu contexto; 2. O Quinze na e para a realidade; 3. A Constituição Cidadã e a ineficácia de suas normas; 4. Como garantir os direitos sociais instituídos na Carta Magna; Referências bibliográficas.
1.O Quinze e seu contexto
Em O Quinze, Rachel de Queiroz demonstra a miséria no sertão cearense durante uma seca em 1915 que, de fato, ocorreu. A autora transforma um sofrimento latente dos sertanejos cearenses em uma linda, mas angustiante e desesperadora obra que envolve o leitor em cada palavra lida.
Há uma série de personagens, sendo o principal o vaqueiro e sertanejo cearense Chico Bento que, devido à seca, falta de chuva, morte de seus animais e seu plantio, foge com sua família da região para tentar sobreviver, passando maus bocados durante a trajetória a pé.
É uma obra fantástica que demonstra o sofrimento do povo cearense ante a seca ocorrida em 1915. Mesmo com auxílio governamental, com o Estado brasileiro pagando as passagens dos sertanejos, ainda assim nem todos conseguem as passagens, evidenciando que mesmo com auxílio do governo, ainda passaram Chico Bento e sua família graves e grandes dificuldades.
Desse modo, no próximo capítulo, veremos como O Quinze se conecta à realidade brasileira na atualidade e, também, como a Constituição Federal de 1988 institui diversos direitos sociais, chamados de 2ª geração ou dimensão, mas eles não são cumpridos na prática, o que é lamentável.
2.O Quinze na e para a realidade
Em uma passagem da obra, Rachel de Queiroz demonstra o sofrimento do povo cearense ante a seca em 1915 e a humanidade do personagem Chico Bento para com os retirantes famintos:
“Chico Bento alargou os braços, num gesto de fraternidade:
Por isso, não! Aí nas cargas eu tenho um resto de criação salgada que dá para nós. Rebolem essa porqueira pros urubus, que já é deles! Eu vou lá deixar um cristão comer bicho podre de mal, tendo um bocado no meu surrão!” (QUEIROZ, 2023).
O excerto exposto acima demonstra a atual realidade de muitos brasileiros! O Brasil, segundo dados da ONU e noticiados pelo portal de notícias G1[1], o país saiu do mapa da fome de 2014, porém voltou com altíssimos índices de miséria em 2022. A realidade apenas demonstra que O Quinze está na realidade ao mesmo tempo que está para a realidade, porquanto o intuito da literatura é demonstrar o que CARVALHO (2015) denomina de condição humana.
Cabe ressaltar, como intuito de reflexão deste artigo, que com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88) houve ganhos para o povo brasileiro em direitos sociais, como os art. 6°, caput e § Único da CF/1988, que diz:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Parágrafo único. Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária
Todavia, esses direitos elencados no art. 6°, caput e § Único, infelizmente, não são aplicados da maneira devida na realidade do povo brasileiro.
No próximo capítulo, mostraremos a Teoria da Eficácia das Normas Constitucionais aplicada à CF/88, cuja criação se deu ao jurista José Afonso da Silva[2].
3.A Constituição Cidadã e a ineficácia de suas normas
A Constituição promete muitos direitos, todavia não as cumpre devido à ineficácia de suas normas quanto à aplicação delas na realidade. SILVA (1998) diz que existem normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata; normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata; e normas de eficácia limitada e aplicabilidade não imediata. As primeiras são as normas que são aplicáveis diretamente à realidade, sem auxílio de normas infraconstitucionais; as segundas são de aplicabilidade imediata, mas têm sua eficácia reduzida por normas infraconstitucionais; as terceiras e últimas não possuem a eficácia plena e não são diretamente aplicáveis à realidade, necessitando de legislação infraconstitucional com o fim de terem plena aplicabilidade no plano dos fatos.
As normas de eficácia limitada subdividem-se em: estruturais e programáticas. Aquelas são as referentes à estrutura organizacional do Estado brasileiro; estas deixam ao legislador futuro o encargo de criarem normas infraconstitucionais para aplicarem os comandos constitucionais de eficácia limitada (SILVA, 1998).
Desse modo, ocorre a inaplicabilidade dos direitos sociais, tendo em vista que as normas do arts. 6° ao 11° são de eficácia limitada e aplicabilidade indireta, mas não integral na realidade. Porém, o legislador brasileiro não age para tornar estas normas eficazes! Isso, infelizmente, deixa o povo brasileiro à mercê de um legislador inerte.
No próximo e último capítulo, apontaremos algumas soluções dadas pela Constituição Federal referentes às ações constitucionais e à ação do Supremo Tribunal Federal (STF) nesses casos.
4.Como garantir os direitos sociais instituídos na Carta Magna
O fato incontestável é que o povo brasileiro sofre com a inércia do poder legislativo! Em decorrência disso, aponto duas soluções para o problema em questão: mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO).
O mandado de injunção é chamado de remédio constitucional ou garantia constitucional. Tem ele previsão expressa no art. 5°, LXXI, da CF/88, abaixo:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;
É uma forma de garantir um direito constitucional social, principalmente por associações com pelo menos 1 (um) ano de funcionamento e sindicatos, que não é aplicável na realidade por falta de norma que o regulamenta. Essa ação constitucional, no entanto, não tem muita força, pois perdeu espaço para a ADO. Defendo, todavia, que essa garantia constitucional seja julgada procedente em ações constitucionais, seja pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou pelo STF! Ora, é uma garantia prevista na Constituição Federal! Por qual motivo deveria deixar de ser aplicada? Não há possibilidade de deixar um remédio constitucional que está presente expressamente na Carta Magna de lado.
Outra forma, também, é a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO). É uma ação constitucional do controle de constitucionalidade que tem por finalidade o mesmo que o mandado de injunção, mas julgada pelo poder judiciário em controle concentrado: garantir, em um caso concreto, o direito fundamental (social) que carece de norma regulamentadora. É uma excelente forma de garantir pela via judicial, em uma ação, os direitos difusos ou coletivos! O STF tem poder para efetivar os Direitos Fundamentais, tendo em vista que o caput do art. 102 da CF/88 diz que “Cabe ao STF a guarda da Constituição.”
Desse modo, o STF e associações, sindicatos também, tem o condão de garantir a eficácia e aplicabilidade de normas constitucionais que versam sobre direitos sociais, haja vista que os brasileiros devem ter seus direitos resguardados! Se o legislativo não garante os direitos sociais, então cabe ao judiciário fazê-lo!
Referências bibliográficas
Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 59ª ed. São Paulo: Saraivajur, 2024.
CARVALHO, Olavo de. A dialética simbólica. Estudos reunidos. 2ª ed. São Paulo: Editora Vide Editorial, 2015.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1998.
QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 122ª ed. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2023.
[1] Disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2023/11/27/como-o-brasil-saiu-do-mapa-da-fome-em-2014-mas-voltou-a-ter-indices-elevados-de-miseria.ghtml. Acesso em: 14 de fev. 2025.
[2] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Ediotra Malheiros, 1998.
Graduando em Direito UNIFAGOC, estagiário do Procon Municipal de Ubá (MG) desde 17/06/2024, escritor de artigos científicos da área jurídica.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GARCIA, Erick Labanca. Raquel de Queiroz, justiça social e o Estado Social de Direito: uma análise de O Quinze sob uma perspectiva constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 mar 2025, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/68096/raquel-de-queiroz-justia-social-e-o-estado-social-de-direito-uma-anlise-de-o-quinze-sob-uma-perspectiva-constitucional. Acesso em: 24 mar 2025.
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