GILBERTO ANTÔNIO NEVES PEREIRA DA SILVA[1]
(Orientador)
RESUMO: O presente artigo aprofunda a judicialização na perspectiva do reconhecimento da saúde como um direito fundamental. Sendo assim, o estudo tem como problemática: quais as divergências entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em relação às incumbências e competências no âmbito da judicialização da saúde? A importância deste estudo releva-se uma intricada teia de desafios legais, interpretativos e práticos. O objetivo geral do estudo foi analisar o acesso a medicamentos de alto custo através do poder judiciário como forma de garantir e resguardar o direito à saúde como direito fundamental e objetivos específicos: apresentar o direito à saúde no Brasil como direito fundamental e social; apresentar a judicialização da saúde no Brasil e analisar as possibilidades da judicialização do direito à saúde no Brasil nos casos de pessoas que necessitam de medicamentos de alto custo que o Sistema Único de Saúde (SUS) não fornece. O estudo foi baseado em uma revisão bibliográfica abordagem qualitativa, natureza descritiva e exploratória. Através do estudo constatou-se decisões do STF e do STJ sobre a judicialização da saúde que revelaram um panorama de divergências significativas, mas também de convergências que apontam para uma compreensão comum dos princípios fundamentais.
Palavras-Chave: judicialização. saúde. medicamentos
ABSTRACT: This article delves into judicialization from the perspective of the recognition of health as a fundamental right. Thus, the study has the following problem: what are the divergences between the Federal Supreme Court (STF) and the Superior Court of Justice (STJ) in relation to the duties and competences in the scope of the judicialization of health? The importance of this study is an intricate web of legal, interpretative and practical challenges. The general objective of the study was to analyze the access to high-cost medicines through the judiciary as a way to guarantee and safeguard the right to health as a fundamental right and specific objectives: to present the right to health in Brazil as a fundamental and social right; to present the judicialization of health in Brazil and to analyze the possibilities of judicialization of the right to health in Brazil in cases of people who need high-cost medicines that the Unified Health System (SUS) does not provide. The study was based on a literature review, qualitative approach, descriptive and exploratory nature. Through the study, it was found that decisions of the STF and the STJ on the judicialization of health revealed a panorama of significant divergences, but also of convergences that point to a common understanding of the fundamental principles.
Key-words: judicialization. health. Medicines
1 INTRODUÇÃO
O Direito à saúde é direito fundamental previsto na Constituição Federal, no artigo 6°, como direito social disponível a todos, como também tutelado no Art.196 que delineia como um dever do Estado, sendo tal garantia realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tutelado na Constituição no Art. 200, responsável implemento de serviços de saúde de modo universal e gratuito, todavia, ao longo dos anos vem sendo negligenciado, assim, impulsionando os usuários a ingressem com ações judiciais para pleitear a referida garantia, surgindo então a judicialização.
Destarte, a saúde, direito fundamental e inalienável, emerge como um dos maiores desafios contemporâneos no Brasil, onde a judicialização se tornou uma ferramenta recorrente para a garantia de acesso a tratamentos e medicamentos. Este fenômeno tem um impacto significativo no Direito Brasileiro, interferindo na execução das políticas públicas ao “conceder indiscriminadamente os serviços de saúde nas demandas individuais”, o que pode levar a consequências no orçamento público.
Visto que, a judicialização da saúde no Brasil tem sido um relevante problema a ser enfrentado pelos magistrados e agentes públicos, tendo como causa a negação de ações e serviços em saúde por parte dos órgãos competentes, os quais tem o dever de conceder, uma vez que a saúde, conforme a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 196 é um direito de todos e dever do Estado, garantido, por meio de políticas sociais e econômicas, o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Contudo, esse direito, quando negado, cabe ao cidadão buscar no judiciário a sua efetivação, gerando o fenômeno da judicialização, no entanto, a demanda de ações no judiciário é motivo de preocupação para os magistrados, visto que, esses ficam diante do dilema entre a concessão do tratamento que foi objeto da ação e a possibilidade do Estado em efetivar ou não o que foi determinado em sede de liminar.
Ocorre que as decisões dos magistrados são fundamentadas na garantia do direito à saúde como dever do Estado e direito do cidadão e, por esse motivo, é inquestionável que diante da negação dos serviços e ações em saúde por parte dos órgãos responsáveis pela aplicação deles, as pessoas necessitadas tenham o direito de obter uma resposta para as suas questões relacionadas à saúde.
No entanto, ao encarar a complexidade jurídica que envolve a garantia do direito à saúde, explorando as dificuldades enfrentadas pelos tribunais superiores na interpretação e aplicação das normas que regem a responsabilidade dos entes federativos. Por meio de uma análise crítica das decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), busca-se compreender as nuances e as divergências interpretativas que influenciam a efetivação desse direito essencial.
Nesse contexto, a crescente demanda por uma atuação estatal mais eficaz e na necessidade de superar as barreiras impostas por um sistema de saúde pública que, frequentemente, se mostra incapaz de responder adequadamente às necessidades da população. O número de novos processos abertos contra o sistema de saúde público e privado na justiça brasileira cresceu 19% entre 2021 e 2022. É o que aponta o Painel de Estatísticas Processuais de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No total, mais de 460 mil ações foram iniciadas no ano passado, apontando para um aumento da judicialização na saúde no Brasil. Nesse viés, a projeção é de que haverá 685 mil novas ações judiciais até dezembro de 2024, o que representa um aumento de mais 20% em relação ao ano anterior. Este dado reflete a tendência contínua de crescimento na judicialização da saúde no Brasil (Folha de S.Paulo, 2024).
A judicialização, embora reflita as deficiências e lacunas do Sistema Único de Saúde (SUS), também destaca a evolução da jurisprudência e o reconhecimento da saúde como um direito fundamental, cuja proteção não pode ser postergada. Diante desse contexto o estudo tem como problemática: quais as divergências entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em relação às incumbências e competências no âmbito da judicialização da saúde?
Ao identificar a hipóteses constata-se que a análise das recentes decisões do STF e do STJ sobre a judicialização da saúde revelou um panorama de divergências significativas, mas também de convergências que apontam para uma compreensão comum dos princípios fundamentais. As decisões refletem a complexidade dos casos e as tensões entre a aplicação das leis e a proteção dos direitos fundamentais.
A relevância do estudo deve-se a análise dos direitos e deveres assegurados pelo texto constitucional sobre a efetivação do direito à saúde, o fenômeno da judicialização do direito à saúde no Brasil, quais os motivos da demanda atual decorrente de ações levadas ao judiciário em face do estado, como também identificar os impactos dessas decisões, no momento em que o estado é obrigado a cumprir as sentenças proferidas pelos tribunais, na maioria das vezes excessivamente onerosas para o estado.
A importância deste estudo releva-se na análise da judicialização das políticas de saúde no Brasil revela uma intricada teia de desafios legais, interpretativos e práticos. A inclusão da União em disputas judiciais referentes à provisão de medicamentos e tratamentos não cobertos pelas políticas de saúde pública evidencia a complexidade do sistema jurídico e a sua interseção com as demandas sociais por acesso equitativo à saúde. As decisões judiciais têm um papel crucial na definição dos rumos das políticas de saúde e na garantia do direito à saúde como um direito fundamental.
Sendo assim, a relevância jurídica deve-se a necessidade de uma colaboração interinstitucional que supere os desafios existentes e promova um sistema de saúde que atenda às necessidades de todos os cidadãos de maneira justa e sustentável. A judicialização, embora não seja a solução ideal, tem se mostrado uma via para garantir o acesso à saúde e para pressionar o Estado a cumprir suas obrigações constitucionais nessa área, contribuindo para aprofundamentos no assunto e como fundamento para próximos trabalhos acadêmicos.
Sendo assim, o estudo tem como objetivo geral analisar o acesso a medicamentos de alto custo através do poder judiciário como forma de garantir e resguardar o direito à saúde como direito fundamental e objetivos específicos: apresentar o direito à saúde no Brasil como direito fundamental e social; apresentar a judicialização da saúde no Brasil e analisar as possibilidades da judicialização do direito à saúde no Brasil nos casos de pessoas que necessitam de medicamentos de alto custo que o Sistema Único de Saúde (SUS) não fornece.
O artigo foi baseado em uma revisão bibliográfica a respeito de julgados que trataram da temática, com o escopo de evidenciar decisões do STJ e STF, empregando abordagem qualitativa, que quanto à natureza pode ser classificada como descritiva, assumindo a forma de pesquisa exploratória.
O estudo foi dividido em três sessões de desenvolvimento. Na primeira aborda a introdução através do delineamento da pesquisa. Na segunda, a pretensão foi conceituar a judicialização na área da saúde. A terceira aborda uma análise da judicialização dos medicamentos de alto custo. Na quarta apresenta as divergências jurisprudenciais em decisões das cortes do STF e do STJ. E por fim as considerações finais.
2 JUDICIALIZAÇÃO NA ÁREA DA SAÚDE
A judicialização é definida como ativismo judicial, ou seja, quando o Poder Judiciário interfere nas escolhas políticas de outros poderes (Ferreira et. al. 2021). É um fenômeno criticado por muitos doutrinadores brasileiros, por considerarem uma invasão do poder judiciário em outros poderes.
O termo “judicialização dos cuidados de saúde” descreve o uso de litígios baseados em direitos para exigir acesso a produtos farmacêuticos e tratamentos médicos (Santos e Neto, 2022). Ações judiciais por negligência médica, assunto comum nos estudos de direito sanitário, enquadram-se na alçada da negligência profissional e geralmente são excluídas da judicialização da literatura sobre saúde.
De acordo com a literatura existente, a judicialização dos cuidados de saúde tem duas características definidoras que a diferenciam de outros casos comparáveis. Em primeiro lugar, em países latino-americanos altamente litigiosos, a judicialização dos cuidados de saúde tem sido conduzida de forma individualizada por milhares de demandantes que, agindo separadamente, exigem rotineiramente acesso a tratamentos e produtos farmacêuticos específicos.
De acordo com Ferreira et. al. (2021), a judicialização é impulsionada pelas elites urbanas e por interesses privados e é usada para aceder a medicamentos de alto custo que não fazem parte dos formulários governamentais. É relatado que as pessoas que iniciam ações judiciais são litigantes abastados que estão explorando a expansão do direito constitucional do país à saúde. Os litigantes são retratados como prejudicando as políticas de saúde pública e promovendo os interesses do sector privado que restringem e esgotam o bom governo.
A judicialização dos cuidados de saúde na América Latina é altamente farmacêutica, uma vez que a maior parte das despesas públicas relacionadas com litígios sobre direitos de saúde é investida no pagamento de medicamentos caros (Freitas, 2020). No Brasil, por exemplo, os custos dos litígios sobre direitos de saúde estão concentrados em um grupo de medicamentos biotecnológicos caros para o tratamento de condições médicas crônicas como câncer, artrite e doenças raras (Souto, 2019).
A maior parte dos estudos sobre judicialização enfatiza a intervenção negativa dessa demanda pela gestão da saúde, argumentando que intensificaria as iniquidades no acesso à saúde, privilegiando determinado segmento e indivíduos, com maior poder de reivindicação, enquanto outros ficariam sem atendimento (Santos e Neto, 2022).
2.1 JUDICIALIZAÇÃO NO BRASIL
A judicialização da saúde está cada vez mais presente no cotidiano das instituições de saúde pública no Brasil. Esta expressão foi incorporada ao debate público, gerando múltiplos usos e significados. O tema tem sido pouco explorado nos estudos jurídicos e médicos, sendo uma lacuna teórico-empírica que necessita urgentemente de preenchimento (Freitas, 2020). A judicialização é considerada um fenômeno recente, constituído pela influência do Poder Judiciário nas instituições políticas e sociais. No Brasil, o tema começou a ser estudado após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que afirma no artigo 196 que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado.
De acordo com Gomes e Amador (2015), a judicialização na saúde apresenta-se como um fenômeno recente no Brasil, cujo objetivo é a obtenção de bens e direitos nos tribunais, aqueles que são importantes para garantir a saúde dos cidadãos. Entre eles afirmam que medicamentos especiais, acesso a leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), cirurgias, tratamentos prolongados, entre outros.
Esse fenômeno pode indicar falhas no SUS, que por algum motivo não consegue concretizar seus princípios ideológicos como a universalidade, a equidade e a integralidade (Pivetta, 2014). Para alguns, a judicialização na saúde é vista como uma forma de garantir o acesso aos cuidados de saúde, para outros seria um obstáculo para a gestão da saúde, pois o cumprimento de diversas liminares resultaria em gastos não planejados.
O acesso universal à saúde no Brasil, embora garantido na Constituição, nem sempre é cumprido em todas as situações que o reivindicam e, assim, um número cada vez maior de cidadãos recorre ao poder judiciário para reivindicar o direito à saúde e garantir o acesso às demandas que o sistema não recebe (Gomes e Amador, 2015). Nesse contexto, o fato de recorrer às instâncias jurídicas para ter acesso ao que está garantido na Constituição representa um grande paradoxo, que considerando que a política de saúde se desenvolve num Estado de Direito, com amplo espaço democrático, envolvendo a Sociedade Civil e os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário nas decisões e discussões sobre os rumos da Política de Saúde Brasileira.
Nas práticas profissionais percebe-se um vínculo fraco entre os usuários e os serviços de saúde. O fraco apoio dos serviços e o descaso no cuidado diário também podem culminar na busca de pessoas jurídicas para colocar em prática o direito à saúde, ou seja, no funcionamento do sistema, a falta de serviços complexos e de alto custo pode por vezes produzem relações conflituosas entre profissionais, usuários e serviços de saúde (Vieira, 2020).
O poder judiciário tem comumente recebido reivindicações de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) para ter acesso aos recursos necessários à recuperação da saúde, como medicamentos de alto custo ou que não constam na lista oficial de dispensação padronizada pelos entes públicos oficiais; internação em leitos de alta complexidade e custos elevados (leitos de terapia intensiva e de especialidades, como oncológicos, por exemplo) e solicitar atendimento médico, por meio de consultas ambulatoriais e procedimentos diagnósticos e terapêuticos (Vieira, 2023).
As medidas judiciais permitem que os sujeitos apresentem publicamente seus pontos de vista, tornando a judicialização um canal de discussão mais acessível a todos, principalmente quando o debate ocorre em um campo em que os cidadãos não têm posição majoritária de decisão (Xavier, 2018). Ressalta-se que as decisões mais favoráveis na judicialização da saúde beneficiam os usuários mais favorecidos socialmente, contribuindo para o agravamento das injustiças sociais no acesso aos produtos e serviços de saúde, pois as pessoas em melhores condições socioeconômicas têm maior acesso ao Poder Judiciário, assim caracterizando um mecanismo que promove a injustiça distributiva.
As medidas legais tendem a expressar uma das estratégias para manifestar a cidadania. As demandas dos usuários são ouvidas e atendidas suas necessidades e expectativas, que nem sempre são acolhidas no contato com os serviços de saúde (Pivetta, 2014). As decisões judiciais tornam-se expressão da voz e do poder dos cidadãos sobre sua saúde, o que nem sempre é aceito em ambientes onde prevalece a hegemonia dos profissionais de saúde na condução dos casos clínicos. Essas divergências e desencontros, por vezes mediados por comunicações precárias, são terreno fértil para a disseminação de ações judiciais em saúde.
As solicitações de leitos de internação são cada vez mais frequentes, principalmente para cuidados intensivos e procedimentos cirúrgicos. Existem importantes gargalos nas linhas assistenciais de média e alta complexidade e alto custo, que dificultam a prestação de atenção integral no SUS (Vieira, 2020). Embora o sistema ofereça os recursos de forma universal, ele não consegue atender a todas as demandas.
A internação em leitos de terapia intensiva acontece a partir da determinação do nível de risco que uma determinada doença oferece para a vida da pessoa. Esta indicação é técnica e respeita protocolos visando indicações seguras para os usuários, além de otimizar o uso deste recurso escasso na rede pública (Vieira, 2023). Nem sempre critérios técnicos são empregados na reivindicação judicial desses leitos, pois essas solicitações estão associadas à falta de experiência de alguns profissionais e até mesmo ao desejo da família que, por questões culturais, acredita que a internação nesses serviços seja a melhor alternativa de cuidado.
A representação social sobre a judicialização da saúde parece estar relacionada com as representações do SUS e do hospital, fortalecendo a ideologia hospitalocêntrica. Assim, essa representação do SUS parece influenciar a demanda judicial por hospitais, leitos, procedimentos, insumos e medicamentos de alta complexidade e tecnologicamente inovadores, nem sempre disponíveis na rede pública de saúde.
A atitude dos profissionais justifica-se pelas vias administrativas lentas e por vezes insensíveis às necessidades dos usuários, em oposição ao poder judiciário, que é ágil neste serviço (Xavier, 2018). Assim, a atuação do Poder Judiciário na saúde acontece para solucionar as dificuldades do Estado em atender às necessidades da população. Portanto, essas ações decorrem de diferentes dificuldades vivenciadas pelos usuários no sistema público de saúde, apontando que a judicialização da saúde não é um problema por si só, mas resulta de uma série de dificuldades e problemas construídos ao longo das últimas décadas.
Na visão de Oliveira e Júnior (2023), a atuação do Poder Judiciário é de extrema importância para a efetivação do direito à cidadania e para o pleno acesso e exercício do direito à saúde. Pelo contrário, esta intervenção caracteriza-se como um ponto de tensão entre decisões políticos e executores, que se veem obrigados a garantir os direitos sociais, com alguns casos discordando da política e ultrapassando as possibilidades orçamentais.
O Judiciário desempenha um papel importante ao determinar que o Estado cumpra o seu dever de garantir o fornecimento dos medicamentos incorporados ao SUS, em conformidade com as diretrizes e regulamentações das políticas públicas. Em pesquisa recente, 46% dos magistrados afirmaram não observar diretrizes e regulamentos (Oliveira, 2017).
Entretanto, são tomadas na União decisões de política fiscal com grande impacto negativo nos direitos sociais, como a implementação do limite máximo de despesas para despesas primárias, o congelamento de aplicações mínimas na saúde e na educação, a ausência de limitação de despesas financeiras, e a expansão das despesas fiscais.
Dada a importância da política fiscal para garantia de direitos, são discutidos princípios de direitos humanos para a política fiscal, visando aproximar Economia e Direito (Oliveira e Júnior, 2023). O Judiciário precisa exercer a macro justiça, que exige controle dos processos que envolvem políticas macroeconômicas que afetam o financiamento do SUS. Se o Judiciário não exercer a macro justiça, continuará a promover iniquidades em saúde.
3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DA JUDICIALIZAÇÃO DOS MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO
A judicialização do acesso à saúde possui particularidades que impactam a estrutura e aplicabilidade das políticas públicas do Sistema Único de Saúde (SUS) e também dos cofres públicos, conforme observado anteriormente, e demandam de uma compreensão mais aprofundada, sendo crucial para evitar o agravamento das finanças públicas, independentemente do ente federativo envolvido.
Como forma de melhor observar esse fenômeno, primeiro é necessário entender que para a concessão de um fármaco pleiteado que não se encontra registrado pela Anvisa e nem é constante na lista do RENAME, o magistrado precisa analisar os custos que serão sentidos nos cofres públicos e a necessidade de quem solicita esse medicamento, a hipossuficiência é um fator que tende a ser decisivo nas decisões, senão vejamos decisão proferida pela 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:
EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. TEMA 793 DO STF. DIRECIONAMENTO DO CUMPRIMENTO. INTERVENÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. RESSARCIMENTO NA VIA ADMINSITRATIVA. AGRAVO IMPROVIDO.
1.Trata-se de recurso agravo de instrumento interposto pelo ESTADO DO CEARÁ, em face de decisão proferida pelo Juízo da 7ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará que, em sede de ação ordinária, deferiu a tutela de urgência para determinar aos réus (UNIÃO FEDERAL e do ESTADO DO CEARÁ) que prestem assistência farmacêutica ao autor/agravado, fornecendo-lhe, no prazo máximo de 20 (vinte) dias úteis, o medicamento ACALABRUTINIBE na dose prevista em relatório médico mais atualizado, a fim de garantir o seu tratamento e sobrevivência, em face do diagnóstico de LINFOMA NÃO HODGKIN MANTO.
[...]
4. Quanto à solidariedade passiva, ressalta-se que, embora o STF (Tema 793) tenha ressalvado a possibilidade de o magistrado direcionar o cumprimento da obrigação conforme as regras de repartição de competências, não se trata de medida obrigatória, uma vez que se impõe a análise da sua viabilidade, no caso concreto, sob o prisma da tutela efetiva do direito à saúde do jurisdicionado. Isso não significa que o ente que suportou o ônus financeiro guardará para si prejuízos, ante o direito ao ressarcimento dos valores pelo ente responsável - por lei ou pactuação entre os gestores - pelo cumprimento da obrigação imposta. Isso porque, levando- se em consideração que, administrativamente, encontram-se estabelecidas as atribuições de cada ente público nas ações e nos serviços de saúde, bem como diante dos mecanismos próprios de compensação orçamentária dos gastos realizados a mais por um dos entes, esta Corte Regional vem entendendo que o ressarcimento deve ocorrer na via administrativa, conforme legalmente previsto, mediante pedidos administrativos próprios para ajustamento dos gastos, e não em processo judicial. Caso contrário, estar- se-ia alterando o próprio modelo de gerência dos recursos do SUS por meio da utilização da via judicial. 5. Agravo improvido. (PROCESSO: 08096427920234050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO AUGUSTO NUNES COUTINHO, 7ª TURMA, JULGAMENTO: 31/10/2023)
Conforme depreende-se, em julgamento recente, o magistrado entendeu por improver o agravo interposto pelo Estado do Ceará que foi obrigado, por força de liminar, a fornecer o medicamento de fins oncológicos para o autor da ação. Observa- se também que, conforme observado anteriormente, há políticas públicos e instituições que são mantidas e prestadas por cada um dos Entes no âmbito do SUS e, conforme narrado no acórdão acima, isso fica bem evidente, pois a Política Oncológica Nacional é financiada pela União e o encarregado de fornecer esse medicamento foi o Estado do Ceará.
Conseguimos identificar também, a questão da onerosidade negativa que o Estado virá a sofrer e há a indicação, em juízo, através do acórdão, de que ressarcimento desse ônus financeiro deverá ser ressarcido, em conformidade com o Tema 793, mas a obrigação principal de fornecimento da medicação para o autor é o principal ponto a ser cumprido nesta questão. Até porque a solidariedade merece e deve prosperar nesse âmbito.
Em todas as demandas judiciais desse tipo, também há necessidade de demonstração de uso de outros fármacos anteriores ao pleiteado e laudo médico detalhado, especificando todos os detalhes e o motivo pelo qual o medicamento virá a funcionar no paciente. Conforme resta demonstrado a seguir:
CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE FÁRMACO. MEDICAMENTO BEVACIZUMABE (AVASTIN). AUTOR PORTADOR DE NEOPLASIA DE CÓLON (CID C18). RELATÓRIO MÉDICO QUE RECONHECE A NECESSIDADE DO USO DO FÁRMACO. PARECER DO NATJUS CONCLUI PELA EXISTÊNCIA DE DADOS TÉCNICOS A JUSTIFICAR O USO DO MEDICAMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. 1. Agravo de instrumento interposto pelo interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE contra decisão proferida pelo MM Juiz Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, que, nos autos do procedimento comum nº 0811103- 43.2022.4.05.8400, deferiu o pedido de antecipação de tutela para determinar que os réus forneçam ao autor o medicamento BEVACIZUMABE 400 mg/16mL na dosagem prescrita pelo médico assistente, e, em caso de descumprimento da ordem pela União, determinou que a Secretaria intimasse o ESTADO DO RN para que, no prazo de 15 (quinze) dias, disponibilize ao autor a quantidade frascos necessários ao tratamento semestral, ou deposite em Juízo o valor necessário ao tratamento semestral, no quantum de R$ 75.960,00. 2. Consoante relatório médico, o caso dos autos se refere ao paciente WELDES GONÇALVES FONTOURA, 38 anos, portador de Adenocarcinoma de cólon (CID C18) desde maio de 2021. Foi submetido à primeira linha paliativa com FLOX, e em seguida ficou em manutenção com xeloda. Após surgimento de novo nódulo pulmonar foi optado por reiniciar quimioterapia venosa (com FOLFIRI) associado ao AVASTIN, devido ao paciente ter apresentado muita toxicidade com uso do Erbitux, após, o médico assistente solicitou o uso do Avastin, em segunda linha para o paciente em questão, pois o mesmo se enquadra nos requisitos de uso da droga. [...]
4. O STJ, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo REsp nº 1.657.156/RJ (Tema 106), em 24/04/2018, fixou entendimento acerca do fornecimento de medicamentos não constantes nos atos normativos do SUS. Modulou os efeitos da decisão para considerar que "os critérios e requisitos estipulados somente serão exigidos para os processos que forem distribuídos a partir da conclusão do presente julgamento". A tese fixada estabelece que constitui obrigação do poder público o fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, desde que presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; b) Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e c) Existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 5. A parte agravada preenche os três requisitos citados na decisão do STJ: a) laudo/relatório médico anexado informando a necessidade de submissão do paciente ao tratamento com o medicamento; b) a medicação possui registro na ANVISA; c) o paciente é hipossuficiente para comprar a medicação na dose recomendada, haja vista declaração de pobreza colacionada. [...] 8. Registre- se que que no julgamento do RE 855.178/SE (Tema 793), especificou que, em se tratando de demandas prestacionais do fornecimento de medicamentos, a responsabilidade se apresenta solidária, de forma a alcançar igualmente qualquer dos entes federados componentes do SUS. Nessa seara, a responsabilidade pelo financiamento/custeio do medicamento e o ressarcimento de valores ao ente público que suportar o ônus financeiro pelo fornecimento da medicação é questão afeta à organização do SUS, cabendo aos entes públicos envolvidos dirimir tal questão na via administrativa ou judicial. [...] 10.Em se tratando de adoção de uma política pública de saúde, caberá aos profissionais de saúde, dentro de suas convicções profissionais, tomarem as decisões que espelhem os interesses de toda a Sociedade. Nessa análise, necessariamente serão eleitas prioridades, como a análise de custo-benefício para cada caso. Nesse consectário, logicamente, o expert responsável pela assistência à saúde da ora agravada, entendeu que o medicamento pleiteado se mostra necessário e eficiente para a comorbidade que o acomete, não cabendo, em princípio, ao Poder Judiciário ponderar acerca de procedimentos e medicamentos que possam vir a melhorar a qualidade de vida do paciente. 11. No mesmo sentido, cito o seguinte julgado, de minha relatoria, 08132459720224050000 - Agravo de Instrumento, Desembargador Federal SEBASTIÃO JOSÉ VASQUES DE MORAES, 6ª Turma, Julgamento 20/06/2023. 12. Agravo de instrumento desprovido. (PROCESSO: 08062252120234050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADOR FEDERAL SEBASTIÃO JOSÉ VASQUES DE MORAES, 6ª TURMA, JULGAMENTO: 31/10/2023)
Essa é outra questão que também vem sendo levantada pelos Tribunais e Turmas Recursais, pois durante o processo em que o magistrado não concede a tutela por questões de que os medicamentos encontrados no RENAME e que estão na lista da Anvisa, também podem surtir o mesmo efeito no paciente, podendo então ser levado em consideração outra tentativa de tratamento e até menos custosa para os cofres públicos.
No ponto 2 do referido acórdão o magistrado frisou e levou em consideração a necessidade do medicamento a ser usado pelo autor, por conta dos tratamentos anteriores que já havia realizado e que não tiveram efeito. Muitas vezes, ele precisa se ater ao que o médico e o perito legal recomendam para o paciente, onde muitas vezes há uma discordância entre os dois, que leva a sua não concessão.
Muitos são as facetas encontradas nos acórdãos proferidos pelos Tribunais Federais, no entanto, mesmo de forma concisa é possível compreender que por parte do magistrado há questionamentos feitos, critérios sendo analisados corretamente e acima de tudo o seguimento das regras e pontos estabelecidos dentro dos temas e principalmente do 793, onde em ambos observa-se que foi cumprido e segue surtindo seus efeitos.
Contudo, é imperioso demonstrar que mesmo não sendo devidamente patrocinado e financiado para atender as demandas da população, os serviços públicos de saúde ainda conseguem atender a uma parte da população e, embora esse fenômeno da judicialização venha causando danos significativos nos cofres públicos e desgastando ainda mais aquelas pessoas que estão lutando para viver, as decisões judiciais vem servindo como um mecanismo paliativo de combate a essa ineficiência, uma vez que se faz necessário uma maior atenção a esses casos e essa crescente demanda, pois, dessa maneira, o principal bem-jurídico que merece proteção vem sendo deixado de lado e o Sistema Único de Saúde vem cada vez mais sendo sucateado em detrimento desse ciclo vicioso, em que se encontra o acesso à saúde sobre a assistência farmacêutica atualmente.
No mais, o direito à saúde e o direito à vida são direitos fundamentais tutelados pela Magna Carta de 1988, respectivamente, no art. 5o, caput, e art. 196, garantidos a toda e qualquer pessoa e ainda atribui conjuntamente à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, a competência para a promoção desses direitos fundamentais, de forma que nenhuma das esferas de Poder pode eximir-se de sua responsabilidade pelo atendimento ao cidadão. Importante frisar, em última análise, que esse conjunto de ações e serviços de Saúde compõem o SUS e que a realização dos direitos fundamentais demanda uma absoluta prioridade do Estado, mas que observamos estar sendo negligenciada.
4 DIVERGÊNCIAS JURISPRUDÊNCIAIS EM DECISÕES DAS CORTES DO STF E DO STJ
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido um pilar fundamental na garantia do direito à saúde no Brasil, especialmente quando as políticas administrativas dos entes públicos se mostram ineficazes. O Poder Judiciário, ao ser acionado, tem o poder de determinar que o Poder Executivo adote medidas administrativas para melhorar a qualidade dos serviços de saúde prestados à população.
Essas decisões do STF consolidam o entendimento de que o direito à saúde é um direito constitucional que deve ser efetivado pelo Estado, e que o Poder Judiciário tem um papel crucial em assegurar que esse direito seja respeitado. A atuação do Judiciário, nesse contexto, reflete o compromisso com a justiça social e a garantia de que os princípios constitucionais sejam mais do que promessas, mas sim realidades concretas na vida dos cidadãos. A jurisprudência do STF, serve como um guia para a atuação dos poderes públicos, assegurando que a saúde seja acessível a todos, conforme preconizado pela Constituição Federal do Brasil.
Nos recentes temas, pontuados no julgamento do REx 855.178, responsável por fixar a tese do Tema 793, de repercussão geral do STF, consolidado após publicação do julgamento dos embargos de declaração, em 16/04/2020, além de reafirmar a solidariedade dos Entes Públicos, nas demandas prestacionais de saúde, incumbiu ao magistrado, o dever de direcionar o cumprimento da obrigação em face daquele que possui o dever legal, conforme normas de competência estabelecidas no âmbito do SUS, de fornecer medicamentos ou realizar exames, ou cirurgias.
Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
Tese estabelecida pelo STF no Tema 793, destaca que os entes federativos, devido à competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde. Isso implica que, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, cabe à autoridade judicial direcionar o cumprimento das obrigações conforme às regras de repartição de competências e assegurar o ressarcimento ao ente que suportou o ônus financeiro. Este entendimento é crucial para garantir que os pacientes tenham acesso aos serviços de saúde necessários, independentemente de qual ente federativo tem a responsabilidade principal.
No caso em apreço, conforme validamente apontado pelo NATJUS (ID nº 27946818, à fl. 04), a medicação prolia (denosumabe), não está inclusa ao RENAME. Não havendo, inclusive, normativa Estadual ou Municipal delimitando a responsabilidade de fornecimento da medicação. Por ser do Ministério da Saúde a competência para analisar a necessidade de incorporação a exclusão, ou alteração de novos medicamentos, produtos e procedimentos. Do mesmo modo como a constituição ou alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, nos moldes do art. 19-Q da Lei 8.080/90, é de rigor a inclusão da União no polo passivo da lide. Tal premissa é confirmada didaticamente pelo Ministro Edson Fachin, no voto vencedor, sem qualquer ressalva que a responsabilidade solidária dos entes federativos decorre da competência material comum de prestar saúde.
O Ministro Edson Fachin, esclareceu que o usuário tem direito a uma prestação solidária, e que cada ente federativo deve responder por prestações específicas, que influenciam a composição do polo passivo e a competência judicial. Ademais, mesmo que um ente tenha a responsabilidade principal, é permitido incluir outro ente, no polo passivo, para ampliar a garantia do direito à saúde. Se o indivíduo responsável pelo financiamento principal não estiver no polo passivo, o órgão julgador deve incluí-lo, mesmo que isso, implique em deslocamento de competência. Quando o pedido envolve tratamento ou medicamento não incluído nas políticas públicas, a União deve compor o polo passivo, pois detém a competência para a incorporação de novas tecnologias no SUS, originário do Tema 793 do STF:
i) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss. CF);
[...]
vi)A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto federal n. 7.508/11.
Destaca-se, ainda, que os embargos, declaração destacados, objetivam à elucidação de diversos aspectos, inclusive das responsabilidades, atribuições e composição do polo passivo nas demandas da área de saúde. Adentrando, desta forma, de maneira mais específica nas competências infraconstitucionais de cada Ente Público.
Outrossim, inobstante existam julgamentos do STJ (recurso em mandado de segurança Nº 68.602), no sentido diametralmente oposto, é inegável que o entendimento do STF pela necessidade de inclusão da União nos casos narrados. A Primeira Turma do STF, na sessão presencial de 22/03/2022, com vistas a solucionar as divergências sobre a adequada aplicação do Tema 793, pautando diversos agravos regimentais e embargos de declaração em reclamações relativos ao tema, por unanimidade, assim dirimiu a controvérsia, ou seja, divergências.
O STF tende a reconhecer a responsabilidade solidária entre todos os entes federativos, enquanto o STJ propõe uma divisão de competências alinhada às diretrizes do SUS. Essa discrepância cria desafios jurisprudenciais notáveis, especialmente na definição de responsabilidades pelo acesso a medicamentos e tratamentos não pelo sistema público.
A inclusão da União nos litígios adiciona complexidade ao debate, questionando sua obrigação de fornecer medicamentos e tratamentos. Isso suscita reflexões sobre a interpretação dos princípios constitucionais de solidariedade e dignidade humana e como eles se aplicam no contexto da saúde pública, além da distribuição equitativa de responsabilidades entre os entes federativos.
Ao considerar as decisões das Cortes do STF e do STJ, é relevante considerar as dissensões sobre a responsabilidade solidária e a inclusão da União nos litígios, bem como os desafios decorrentes dessa inclusão. Esses elementos sublinham a complexidade e a importância do debate sobre a judicialização da saúde no Brasil, ressaltando a acuidade de garantir o direito fundamental à saúde e a implementação efetiva das políticas públicas.
Ao julgar o RE 855.178 ED/SE (Tema 793/STF), o Supremo Tribunal Federal foi categórico ao estabelecer na ementa do acórdão que: “É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente ou conjuntamente.”
Embora tenha sido apresentada proposta pelo Ministro Edson Fachin, que na prática poderia implicar litisconsórcio passivo da União, tal premissa/conclusão não integrou o julgamento que a Corte Suprema realizou no Tema 793.
(...) o STJ já se manifestou reiteradas vezes sobre a quaestio iuris, estando pacificado o entendimento de que a ressalva contida na tese firmada nesse julgamento, quando estabelece a necessidade de se identificar o ente responsável a partir dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização do SUS, relaciona-se ao cumprimento de sentença e às regras de ressarcimento aplicáveis ao ente público que suportou o ônus financeiro decorrente do provimento jurisdicional que assegurou o direito à saúde. Entender de maneira diversa seria afastar o caráter solidário da obrigação, o qual foi ratificado no precedente qualificado exarado pela Suprema Corte (STJ. 1ª Seção. RE nos EDcl no AgInt no CC 175.234/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 15/03/2022).
Assim, o entendimento jurisprudencial sedimentado reforça a importância da cooperação entre os entes federativos na concretização do direito à saúde, sem prejuízo da responsabilidade individual de cada um. A análise criteriosa dos discernimentos constitucionais e a observância das peculiaridades de cada caso são essenciais para assegurar o acesso universal e igualitário aos medicamentos necessários à preservação da vida e da dignidade humana.
Sob outa perspectiva, a 1ª Turma do STF, decidiu que é obrigatória a inclusão da União no polo passivo de demandas que buscam o fornecimento gratuito de medicamentos registrados na Anvisa, mas não incorporados aos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS. Essa decisão está alinhada a tese fixada pelo STF nos embargos de declaração do RE 855.178 (Tema 793), reforçam a ideia de que a União tem um papel central na garantia do acesso à saúde.
O Ministro Edson Fachin, ao julgar a Rcl 49593 AgR, pontou que, conforme o Tema 793, há um dever solidário dos entes federados na assistência à saúde. Mencionou ainda que, a formação de litisconsórcio necessário é importante para direcionar o cumprimento das decisões judiciais conforme as competências e para assegurar o ressarcimento ao ente que arcou com o ônus financeiro.
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao abordar o Tema 793, estabeleceu que os entes federativos são solidariamente responsáveis pelas demandas prestacionais na área da saúde. Essa solidariedade decorre da competência comum entre União, estados e municípios. Assim, a autoridade judicial deve direcionar o cumprimento da decisão conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
Por outro lado, o Tema 500 da repercussão geral trouxe uma importante ressalva, pois resolve que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais e que a ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) impede, como regra geral, o fornecimento desses medicamentos por decisão judicial. No entanto, excepcionalmente, em casos de mora irrazoável da ANVISA, é possível conceder judicialmente o fornecimento de fármacos sem registro sanitário.
Por conseguinte, a harmonização entre a responsabilidade solidária e as exceções quanto a medicamentos experimentais é fundamental para garantir o acesso à saúde de forma equilibrada e eficaz, considerando as particularidades de cada situação. A asseveração supracitada é corroborada em petições apresentadas ao Supremo Tribunal Federal.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS E TRATAMENTOS MÉDICOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 855.178-RG/SE (TEMA 793). EQUÍVOCO NA APLICAÇÃO DA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL NA ORIGEM. MEDICAMENTOS OU TRATAMENTOS PADRONIZADOS E INCLUÍDOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS IMPLEMENTADAS PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA TRATAR ENFERMIDADE DIVERSA DAQUELA INICIALMENTE DEFINIDA PELO FABRICANTE OU PELOS ÓRGÃO DE SAÚDE (USO OFF LABEL). NECESSIDADE DE A UNIÃO COMPOR O POLO PASSIVO DA AÇÃO OBRIGACIONAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (STF - Rcl: 50415 MS 0064398-32.2021.1.00.0000, Relator: CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 16/05/2022, Primeira Turma, Data de Publicação: 18/05/2022).
O excerto de decisão monocrática proferida pela Ministra Carmem Lúcia na Reclamação 50.415, publicada em 16/05/2022, bem resume a interpretação adotada pelo STF sobre o Tema 793:
4. A incompreensão sobre o conteúdo e a extensão do entendimento adotado naquele precedente de repercussão geral pelos tribunais pátrios, em especial sobre o alcance da responsabilidade solidária dos entes federados pelo fornecimento de medicamentos e tratamentos não incorporados às políticas públicas implementadas pelo SUS (não padronizados), tem ensejado o ajuizamento de plúrimas reclamações neste Supremo Tribunal. Nessas ações, os reclamantes sustentam má aplicação do precedente de repercussão geral e pedem a inclusão da União no polo passivo da demanda. […] Fica assim, evidente que a maioria absoluta dos Ministros do STF (reclamações ns. 50.481-AgR, 49.909-AgR-ED, 49.919-AgR- ED, 50.458-AgR, 50.649-AgR, 50.726-AgR, 50.866-AgR e 50.907-AgR, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, e as Reclamações ns. 49.890-AgR e 50.414-AgR, de relatoria do Ministro Dias Toffoli) já se manifestou expressamente, pela necessidade de inclusão da União nas demandas em que medicamentos reivindicados, não estão padronizados no SUS, motivo pelo qual não mais pairam dúvidas acerca do entendimento firmado quando do julgamento dos aclaratórios no Tema 793.
Pontua-se, por julgar necessária, que por mais que a determinação ainda esteja se consolidando, no âmbito dos tribunais brasileiros, alguns, face à repercussão geral que engloba, como dito os embargos de declaração, já estão a decidir neste sentido.
Conforme suprarreferido, verifica-se consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, especialmente no que concerne à inclusão da União no polo passivo das demandas que envolvem medicamentos não padronizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Desse modo, observa-se que, devido à insegurança quanto ao polo passivo das decisões, em razão da divergência de entendimento entre os Poderes STF e STJ, os tribunais têm adotado o posicionamento que melhor se enquadra à realidade fática.
A judicialização das políticas de saúde no Brasil, marcada pela complexidade e constante evolução, destaca-se particularmente pela inclusão da União em disputas legais que envolvem a provisão de medicamentos e tratamentos não cobertos pelo SUS. Essa dinâmica levanta aspectos cruciais sobre a responsabilidade solidária dos entes federativos, embasadas pelas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Logo, essas decisões e diretrizes refletem o esforço contínuo do judiciário brasileiro em garantir o direito à saúde, equilibrando as responsabilidades dos entes federativos e assegurando que os cidadãos possam exercer seus direitos fundamentais. A complexidade do tema exige uma análise cuidadosa e uma interpretação jurídica que considere tanto a legislação vigente quanto às necessidades da população.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste estudo foi alcançado, tendo em vista que foi extremamente necessário estabelecer critérios de atuação e interpretação da Lei, como forma de resguardar esse direito à saúde, com a finalidade de garantir esse acesso à saúde, mesmo que de maneira individualizada. Embora ainda não seja a maneira ideal de garantia, ainda se faz necessária, a realização de reuniões entre os poderes para que essas demandas vejam a ser suprimidas de modo que não afetem tanto assim os cofres públicos, através da sua devida resolução ainda em sede administrativa entre os entes federativos e os cidadãos, devendo ser de tal maneira que os dois lados saiam com prejuízos mínimos.
Uma vez que as ações judiciais são onerosas ao Estado, também não conseguem ser rápidas e céleres, em sua grande maioria, para as quem dá entrada, já que ao tutelar a concessão de um medicamento, está enfrentando uma doença e que só se torna cada vez mais desgastante para o cidadão ter acesso a esse direito.
Em síntese, a análise da judicialização das políticas de saúde, no Brasil, revela um enredamento de desafios legais, interpretativos e práticos. A inclusão da União em disputas judiciais referentes à provisão de medicamentos e tratamentos não garantidos pelas políticas de saúde pública, evidencia o enredamento do sistema jurídico e a sua interseção com as demandas sociais por acesso equitativo à saúde.
Ao buscar compreender as divergências entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em relação às incumbências e competências no âmbito da saúde, este estudo cumpriu seus objetivos de forma abrangente e compreensiva.
A análise das recentes decisões do STF e do STJ sobre a judicialização da saúde revelou um panorama de divergências significativas, mas também de convergências que apontam para uma compreensão comum dos princípios fundamentais. As decisões refletem a complexidade dos casos e as tensões entre a aplicação das leis e a proteção dos direitos fundamentais. Este estudo identificou que apesar das diferenças, há um esforço contínuo dos tribunais em harmonizar a interpretação dos direitos à saúde com os imperativos sociais, buscando equilibrar a letra da lei com o espírito da justiça.
As nuances que disciplinam as decisões judiciais são um reflexo da complexidade inerente aos casos de saúde que chegam aos tribunais superiores. Estas decisões são moldadas não apenas pelas leis vigentes, mas também pelas circunstâncias individuais de cada caso, exigindo dos magistrados uma sensibilidade jurídica que transcende o texto legal. Portanto, o estudo demonstrou que, embora existam divergências, o tema da judicialização do acesso aos medicamentos de alto custo insere-se nesse debate como um fator relevante dos direitos fundamentais.
REFERÊNCIAS
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[1] Professor e Orientador do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). Graduado em direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em direito civil pela Universidade federal do Piaui. Mestre do Programa de Pós -Graduação em Direto -Mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]
Especialista em Finanças Públicas pela Universidade Federal do Piauí - UFPI, Graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Piauí - UFPI, Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Bernardo Souza de Aquino. Medicamentos de alto custo: análise da judicialização do direito fundamental à saúde no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2025, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/68460/medicamentos-de-alto-custo-anlise-da-judicializao-do-direito-fundamental-sade-no-brasil. Acesso em: 30 abr 2025.
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