Amianto e competência legislativa concorrente - 16
O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou improcedente ação direta ajuizada contra a Lei 12.684/2007, do Estado de São Paulo, que proíbe o uso de produtos, materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto no território estadual. Além disso, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 9.055/1995 (1), que permite a extração, industrialização, comercialização e a distribuição do uso do amianto na variedade crisotila no País (vide Informativos686, 848 e 872).
O Colegiado salientou que, no tocante à competência legislativa para normatizar a matéria, a necessidade de busca, na Federação, de um ponto de estabilidade entre centralização e descentralização. Dessa forma, compete concorrentemente à União a edição de normas gerais e aos Estados-Membros suplementar a legislação federal no que couber [Constituição Federal (CF), art. 24, §§ 1º e 2º] (2). Somente na hipótese de inexistência de lei federal é que os Estados-Membros exercerão competência legislativa plena (CF, art. 24, § 3º) (2). Sobrevindo lei federal dispondo sobre normas gerais, a lei estadual terá sua eficácia suspensa naquilo que contrariar a federal (CF, art. 24, § 4º) (2). De igual modo, aos Municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal ou estadual no que couber (CF, art. 30, I e II) (3).
Frisou ser imperativo que a competência concorrente exercida pela União englobe os interesses nacionais, que não podem ser limitados às fronteiras estaduais. Entretanto, a competência federal para editar normas gerais não permite que o ente central esgote toda a disciplina normativa, sem deixar competência substancial para o Estado-Membro. Isso significa, também, não se admitir que a legislação estadual possa adentrar a competência da União e disciplinar a matéria de forma contrária à norma geral federal.
No caso, a Lei 9.055/1995 admite, de modo restrito, o uso do amianto, de modo que a legislação local não poderia, em tese, proibi-lo totalmente. Porém, no momento atual, a legislação nacional sobre o tema não mais se compatibiliza com a Constituição, razão pela qual os Estados-Membros passaram a ter competência legislativa plena sobre a matéria até que sobrevenha eventual nova lei federal.
A Corte ressaltou que o processo de inconstitucionalização da Lei 9.055/1995 se operou em razão de mudança no substrato fático da norma. A discussão em torno da eventual necessidade de banimento do amianto é diferente da que havia quando da edição da norma geral. Se, antes, tinha-se notícia de possíveis danos à saúde e ao meio ambiente ocasionados pela utilização da substância, hoje há consenso em torno da natureza altamente cancerígena do mineral e da inviabilidade de seu uso de forma segura. Além disso, atualmente, o amianto pode ser substituído por outros materiais (fibras de PVA e PP), sem propriedade carcinogênica e recomendados pela Anvisa.
Portanto, revela-se a inconstitucionalidade material superveniente da Lei 9.055/1995, por ofensa ao direito à saúde [CF, arts. 6º (4) e 196 (5)], ao dever estatal de redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança [CF, art. 7º, XXII (6)], e à proteção do meio ambiente [CF, art. 225 (7)].
Diante da invalidade da norma geral federal, os Estados-Membros passam a ter competência legislativa plena sobre a matéria, até sobrevinda eventual de nova legislação federal. Como a lei estadual questionada proíbe a utilização do amianto, ela não incide no mesmo vício de inconstitucionalidade material da lei federal.
Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Luiz Fux que julgaram procedente a ação. O ministro Marco Aurélio concluiu pela constitucionalidade do art. 2º da Lei 9.055/1995, bem como pela inconstitucionalidade da legislação estadual, por inadequação ao art. 24, V, VI, XII, e § 3º, da CF (8).
Já o ministro Luiz Fux, entendeu que os Estados-Membros não tem competência legislativa para proibir atividade expressamente admitida na Lei 9.055/1995. Pontuou que a matéria tratada pela Lei estadual transcende os limites de competência do Estado-membro porque também trata de matéria de Direito do Trabalho e Comércio Interestadual, que são de competência da União.
Vencido parcialmente o ministro Alexandre de Moraes, que julgou improcedente a ação, sem declaração incidental de constitucionalidade. Para ele, a competência legislativa dos Estados-membros deve ser ampliada, tendo em vista as diversas características locais.
(1) Lei 9.055/1995: “Art. 2º O asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco), do grupo dos minerais das serpentinas, e as demais fibras, naturais e artificiais de qualquer origem, utilizadas para o mesmo fim, serão extraídas, industrializadas, utilizadas e comercializadas em consonância com as disposições desta Lei”.
(2) Constituição Federal/1988: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário”.
(3) Constituição Federal/1988: “Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”.
(4) Constituição Federal/1988: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
(5) Constituição Federal/1988: “Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
(6) Constituição Federal/1988: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
(7) Constituição Federal/1988: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
(8) Constituição Federal/1988: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) V - produção e consumo; VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; (...) XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; (...)§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades”.
ADI 3937/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgamento em 24.8.2017. (ADI 3937)
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Decisão publicada no Informativo 874 do STF - 2017
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