A pretensão de ser reduzida a menoridade penal é motivada por alguns fatores, mas provavelmente o mais relevante é o acréscimo da criminalidade e, ainda, a elevação do envolvimento de adolescentes na prática de delitos. Apesar de importante a causa de tal intenção, a análise restringir-se-á ao estudo da possibilidade jurídica de ser realizada essa redução, sendo necessário alguns esclarecimentos preliminares.
O Código Penal (Decreto-Lei nº 2848/1940), em seus arts. 26 a 28, regula a imputabilidade penal, considerando como inimputáveis os seguintes casos:
1) a pessoa que, ao tempo da ação ou da omissão, apresenta-se inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, quando decorrente das seguintes hipóteses: - por doença mental; - desenvolvimento mental incompleto ou retardado; - embriaguez completa, desde que proveniente de caso fortuito ou força maior;
2) os menores de 18 (dezoito) anos.
Portanto, a menoridade penal, prevista no art. 27 do Código Penal, mostra-se como uma das causas excludentes da imputabilidade ou de inimputabilidade.
Conforme ensinamento de Damásio E. de Jesus[1], a imputabilidade penal apresenta-se como o conjunto de condições pessoais que propiciam ao agente a capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível. Assim, imputável é o sujeito com desenvolvimento mental normal, com capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.
Por sua vez, as hipóteses que excluem a imputabilidade, já referidas acima, são denominadas de causas de inimputabilidade.
Relevante registrar que se excluindo a imputabilidade, não haverá culpabilidade e, por conseqüência, não há falar em aplicação de pena.
Com tais esclarecimentos, tem-se que, ao falar de imputabilidade, fala-se da possibilidade de alguém poder ser processado criminalmente pela realização de um delito e de ser punido por tal fato. Com efeito, como a menoridade é uma causa de inimputabilidade, a norma apropriada para regular a questão é o Código Penal.
Apesar de tal afirmação, em nosso ordenamento jurídico outras normas também tratam da menoridade penal, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), em seu art. 104. Importante lembrar que tal legislação, em seu art. 103, regula que as condutas previstas como crime ou contravenção, quando praticadas por menores de 18 (dezoito) anos, são consideradas ato infracional. Ainda, em seu art. 112, incisos I a VII, prevê as seguintes medidas a serem aplicadas:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
Além disso, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 228, também trata da menoridade penal, prescrevendo que (...) são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, (...).
Aliás, exatamente por também ser prevista em nossa Carta Magna é que se discute a possibilidade de ser reduzida a menoridade penal. Aqueles que defendem sua impossibilidade sustentam que se apresenta compreendida nos direitos e garantias individuais, uma das cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, incisos I a IV, da CF/88), por isso seria vedada sua alteração por emenda constitucional. Tal tese decorreria do raciocínio de que a inimputabilidade do menor de 18 (dezoito) anos envolve a liberdade do indivíduo.
Apesar de respeitada a posição, há fatores que afastam a caracterização de tal tema como cláusula pétrea.
É certo afirmar que os direitos e garantias individuais não se encontram regulados apenas no art. 5º e incisos, da CF/88, mas também estão previstos em outras normas constitucionais, como, por exemplo, as constantes no art. 150, inciso III, alínea "b" (princípio tributário da anterioridade de exercício), e no art. 195, § 6° (princípio da anterioridade nonagesimal para as contribuições sociais), ambos da Carta Magna, conforme expressado em julgamentos pelo Supremo Tribunal Federal, mais especificamente na ADI 939/DF[2], que teve como relator o Min. Sydney Sanches, e na ADI Nº 2666/DF[3], que teve como relatora a Min.ª Ellen Gracie. Todavia, essa circunstância, por si, não confere ao art. 228 da CF/88 natureza de cláusula pétrea.
Relevante fazer uma distinção entre direitos e garantias: direitos são expressos em normas de cunho material, ou seja, em disposições que declaram e conferem existência legal à faculdade do indivíduo de realizar ou deixar de realizar um ato, de exigir de outrem a prática ou abstenção de certos atos, etc.; por sua vez, as garantias são expressas em disposições instrumentais, em outras palavras, servem para proteger a efetiva aplicação dos direitos. Prestam-se, como exemplo, o direito à liberdade de locomoção, que tem como instrumento de proteção o habeas corpus (garantia prevista no art. 5º, inciso LXVIII, da CF/88), bem como o direito ao conhecimento de informações relativas ao indivíduo existentes em registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, que tem como meio de proteção o habeas data (garantia prevista no art. 5º, inciso LXXII, alínea "a", da CF/88).
Assim, a menoridade penal, caso compreendida nos direitos e garantias individuais, seria uma garantia, por assegurar ao menor de 18 (dezoito) anos que não poderá ser processado criminalmente por eventual prática de um delito, ou melhor, de ato infracional.
Mas hipótese que assegure alguém de não ser punido, tal situação pode ser entendida somente como garantia constitucional ou pode também ser compreendida como fator de impunidade?
Importante lembrar que o menor de 18 (dezoito) anos é considerado inimputável porque se presume não ter capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.
A fixação da idade de 18 (dezoito) anos para a menoridade penal não é um fim em si mesmo, mas decorre da conclusão acima descrita. Assim, pode-se questionar se esse fator é imutável. Será que todas as mudanças ocorridas na sociedade, como tecnológica, de valores, de comportamentos, dentre outras, não afetaram no desenvolvimento da maturidade do ser humano? Não se observa mudanças no comportamento dos adolescentes nos dias de hoje, em comparação com os jovens do início do século XX?
As respostas a essas indagações levam a concluir que, na realidade, a fixação da idade de 18 (dezoito) anos para que se presuma que a pessoa passe a ter capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento não se apresenta como fator imutável.
Portanto, a fixação da idade de 18 (dezoito) anos para a menoridade penal não pode ser entendida como matéria compreendida como cláusula pétrea, por dois motivos: primeiro, porque decorre de uma presunção da existência de outros fatores; segundo, porque não se apresenta como fator imutável.
Aliás, essa característica de mutabilidade é frontalmente contrária à natureza imutável das cláusulas pétreas.
Ainda, importante o registro que há matérias tidas por constitucionais por estarem previstas na Constituição, mas que, pelo seu conteúdo, deveriam ser reguladas apenas na legislação infraconstitucional, por isso denominadas tais hipóteses de normas formalmente constitucionais. Por sua vez, há matérias que, pelo seu conteúdo, devem ser reguladas no texto constitucional, por isso intituladas de normas materialmente constitucionais.
Assim, considerando que, conforme já referido, a norma apropriada para regular a imputabilidade e as causas que a excluem é o Código Penal, tem-se que o art. 228 da CF/88, que trata da menoridade penal, apresenta-se como normal formalmente constitucional. Por mais essa razão, não se mostra adequado considerar esse tema como compreendido dentre as matérias arroladas como cláusulas pétreas.
Portanto, tem-se ser possível a alteração da menoridade penal, mas, como há previsão em norma constitucional, não se pode alterar por norma infraconstitucional, é necessário que a mudança ocorra mediante emenda constitucional. Claro que, apesar de tal possibilidade, essa mudança não significa, por si, que trará redução na criminalidade, pois a solução para esse problema não se limita à redução da menoridade penal.
[1] JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado. 13ª edição. Saraiva: São Paulo, 2002, pág. 122
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939/DF. Requerente: Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio - CNTC. Requerido: Congresso Nacional. Rel.: Min. Sydney Sanches, publicado no DJ de 18/03/1994, p. 5165. Disponível em: . Acesso em: 29/05/2008
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2666/DF. Requerente: Partido Social Liberal - PSL. Requerido: Congresso Nacional. Rel.ª Min.ª Ellen Gracie, publicado no DJ de 06/12/1996, p. 51. Disponível em: . Acesso em: 29/05/2008
Analista judiciário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, especialista em Direito Público pelo Instituto de Desenvolcimento Cultural - IDC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: EVANDRO LUíS FALCãO, . Redução da menoridade penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 set 2008, 23:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/14889/reducao-da-menoridade-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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