1 – Considerações preliminares
Antes de adentrarmos no estudo dos princípios propriamente ditos, é de todo conveniente analisarmos a etimologia do vocábulo “princípio”.
Segundo Rogério Lauria Tucci, sua origem “deriva do latino – principium, principii – de princeps, principis (o primeiro), forma sincopada de primiceps, de primus (adjetivo superlativo de prae ou pro, por intermédio de pris, advérbio que significa antes, primeiramente, antigamente – o mesmo que prius) e de capere (captar, tomar, segurar, prender, conceber), cujo significado vulgar se mostra na origem, começo, início de qualquer coisa” (Princípios e regras orientadoras do novo processo penal brasileiro, p. 4).
Aristóteles apontou múltiplas significações para o termo princípio, aplicando-o: ”(1) ao ponto de partida no movimento de uma coisa; (2) ao melhor ponto de partida; (3) ao elemento primeiro e imanente da geração; (4) à causa primitiva e não imanente da geração, do ponto de partida natural do movimento ou da mudança; (5) ao ser cuja vontade deliberada move o que move e faz mudar o que muda; (6) ao ponto de partida do conhecimento de uma coisa, às premissas” (Idem, p. 5)
Para Canotilho, princípios “são ordenações que se irradiam e imantam o sistema de normas; começam por ser a base de normas jurídicas, e podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio” (José Cretella Neto, Fundamentos Principiológicos do Processo Civil, p. 24/25).
Veremos no adiantar de nosso estudo que o ordenamento jurídico pátrio consagrou em normas inúmeros princípios jurídicos (v.g., isonomia, contraditório, ampla defesa, etc.).
Diferenciam-se os princípios das normas porque àqueles falta a determinação (comando escrito). Ademais, os princípios são intuitivos, podem ser deduzidos a partir conceitos maiores como Direito e Justiça.
Norberto Bobbio magistralmente esclarece que “quando duas normas entram em conflito, isto é, são contraditórias ou antinômicas, uma delas deve ser excluída do ordenamento jurídico. Conflito de normas é resolvido, assim, mediante a utilização dos critérios cronológico (lex posterior derogat priori), hierárquico (lex superior derogat inferiori) e de especialidade (lex especialis derogat generalis); entre princípios inexiste antinomia em sentido próprio: em caso de conflito entre dois ou mais princípios, nenhum deles é excluído do ordenamento jurídico. Ocorre uma conjugação dos valores neles contidos, ou, quando isso não for possível, deve ser feita uma opção sobre qual deverá ser o princípio aplicável ao caso concreto; nesses casos, a fundamentação é de ordem predominantemente política e social, em detrimento da jurídica” (Teoria do ordenamento jurídico, Brasília, Ed. Polis, 1991, p. 91/97, apud José Cretella Neto, Fundamentos Principiológicos do Processo Civil, p. 27).
Os princípios informadores são em todas as Ciências o ponto de partida para o seu estudo. É certo, todavia, que os princípios abordados neste trabalho não se circunscrevem às provas; são, antes de tudo, princípios processuais e, por vezes, constitucionais, como veremos. Também é certo que não esgotamos o estudos dos princípios atinentes ao Direito Processual, posto que nos restringimos à análise dos princípios que de uma forma ou de outra nos pareceram mais atrelados à questão da prova no juízo cível.
2 – Princípio da isonomia
Também denominado de “princípio da igualdade perante a lei” ou “princípio da igualdade processual das partes”, o princípio da igualdade está insculpido no artigo 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal, in verbis:
“Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País e inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (grifo nosso).
Releva salientar, por oportuno, que o princípio da isonomia esteve consagrado em todas as Constituições brasileiras: Constituição do Império de 1824, art. 179, inc. 13; Constituição de 1891, art. 72, §2º; Constituição de 1934, art. 113, 1º; Constituição de 1937, art. 122, 1º; Constituição de 1946, art. 141, §1º; Constituição de 1967, art. 150, §1º; e Emenda Constitucional nº 1 de 1969, art. 153, §1º.
No direito comparado, podemos citar idêntica previsão nas Constituições de Portugal (art. 13), Itália (art. 3º), França (art. 1º), Alemanha (art. 3º) e Argentina (art. 16), dentre outras.
Em profundo estudo acerca do princípio da igualdade (Democracia, Liberdade, Igualdade: os três caminhos, p. 485/487), Pontes de Miranda leciona o seguinte:
“A regra ‘Todos são iguais perante a lei’ pertence à técnica da igualdade. Dirige-se, principalmente, aos legisladores, democráticos ou não. Se não há democracia, o princípio da igualdade perante a lei já sofre, inicialmente, grave mutilação: nem todos são iguais quanto à participação na criação da ordem estatal. Só um ou mais fazem as leis, e só um ou alguns mandam. Bastaria isso para se ver a propriedade lógica do princípio e, pois, da técnica da igualdade, em relação ao princípio e à técnica da democracia (...).
A despeito da praticabilidade e dos serviços enormes que o princípio da igualdade perante a lei ou princípio de isonomia prestou e tem de prestar, encontrou, ainda depois de 1919, alguns inimigos. A argumentação deles foi que, embora incluído nas Constituições, se trata de princípio abstrato, semelhante a outros preceitos de ordem natural ou racional, e não de princípio de direito positivo (...).
Não há por onde se possa considerar abstrato preceito que morde tão fundo a realidade, que tão bem decepa, aqui e ali, injustiças concebidas, mediante exceção favorável ou desfavorável. Com a incidência dele, derrubaram-se privilégios, direitos atribuídos a certos grupos, ou classes ou indivíduos, e funções hereditárias.
(...)
O princípio é imperativo para os legisladores e para os executores administrativos ou judiciais.
(...)
Se explorarmos o conteúdo do princípio, temos que lhe cabem duas funções: (1) regular a feitura das leis, o direito in fieri, submetendo-o à exigência de ser igual para todos; (2) quanto ao direito já feito, a) servir, ou de regra de interpretação, no caso de dúvida, ou como preceito que autoriza recorrer-se à analogia, b) ser fonte de direito, em si-mesmo, preenchendo as lacunas das leis anteriores ou posteriores à sua ação, c) ser preceito de direito intertemporal e de ordem pública, d) servir de regra de exegese ou interpretação da própria Constituição, e) ser fundamento de outros princípios (e.g., igual acesso aos cargos públicos), só ou em conjunção om outros direitos fundamentais”.
Nos dizeres de Walter Ceneviva, “o ideal ético de igualdade rigorosa de todos, ainda que só perante a lei, se encontra repetido em Constituições de ditaduras e de democracias. Nesse nível, seu significado é formal, tem um objetivo idealístico não realizável no plano dos homens e das mulheres, pois dá garantia à parte dominante da sociedade. Na aplicação específica para situações concretas, é constantemente invocado e orienta a exegese dos aplicadores da lei” (Direito Constitucional Brasileiro, 2º ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 1991, p. 48, apud José Cretella Neto, Fundamentos Principiológicos do Processo Civil, p. 51).
Para José Cretella Neto, “a igualdade deve ser entendida como a equiparação de todos os homens no que diz respeito à fruição e ao exercício de direitos, assim como à sujeição a deveres e obrigações. Não consiste em uma igualdade de tratamento apenas perante o direito, mas de uma igualdade real e efetiva perante os bens da vida” (Op. Cit., mesma página).
A aplicação do princípio da isonomia no processo judicial dá origem ao princípio da igualdade processual das partes que permeia e oxigena o processo civil.
Assim, além da já mencionada exortação ao legislador, há no Código de Processo Civil expressa orientação aos magistrados para que se atenham às balizas impostas pelo princípio em estudo.
É o que reza o artigo 125, I, in verbis:
“Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento“ (grifo nosso).
Afirma Nelson Nery Junior que “a norma do art. 125, n. I, do CPC teve recepção integral em face do novo texto constitucional. Dar tratamento isonômico entre às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades” (Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p. 72).
Modernamente, entende-se que a igualdade no processo, no sentido substancial, consiste na par conditio ou paridade de armas.
E por estarem em conformidade com este postulado, merecem destaque as normas insertas nos artigos 4º, I, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que considera o consumidor como a parte mais fraca na relação de consumo, e 6º, VIII, que permite ao juiz que determine a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor.
Por outro lado, há no âmbito processual prerrogativas especiais concedidas a certas categorias de litigantes, tais como a Fazenda Pública, o Ministério Público, altas autoridades, sob a justificativa de se atender ao interesse público, que é um bem maior. Vejamo-los.
O benefício de prazo concedido à Fazenda Pública e ao Ministério Público (CPC, art. 188) constitui-se, na opinião Nelson Nery Junior, “como afirmação e efetivação do princípio (da isonomia), traduzindo-se em medida de equidade” (Idem, p. 77) e complementa asseverando que “quem litiga com a Fazenda Pública ou com o Ministério Público não está enfrentando um outro particular, mas sim o próprio povo, razão bastante para o legislador beneficiar aquelas duas entidades com prazos especiais” (Idem, p. 79). Convém registrar, todavia, que a questão não é pacífica havendo fortes opositores na doutrina.
O art. 20, §4º, do CPC, permite que o juiz, quando vencida a Fazenda Pública, fixe os honorários por apreciação equitativa, portanto, abaixa de 10% sobre o valor da condenação. Neste ponto, Nelson Nery diverge, asseverando que se trata de um “privilégio violador do princípio da isonomia” (Idem, p. 85).
O art. 411, I a X, do CPC, relaciona funções e cargos, cujos ocupantes possuem a prerrogativa de serem inquiridos, em decorrência de um processo judicial, em suas residências ou locais de trabalho.
O art. 511, §1º, do CPC, dispensa o Ministério Público, a União, os Estados e os Municípios e respectivas autarquias de recolherem o preparo dos seus recursos.
O art. 475, do CPC, prevê a remessa obrigatória em favor da Fazenda Pública. Segundo Nery, “conferir-se à remessa necessária efeito translativo ‘pleno’ porém secundum eventum afigura-se-nos contraditório e inconstitucional. Contraditório porque se há translação ‘ampla’, não pode ser restringida à reforma em favor da fazenda; inconstitucional porque, se secundum eventum, fere a isonomia das partes no processo” (Idem, p. 95/96).
Há outras prerrogativas (ou privilégios) que deixamos de abordar por serem secundárias em relação ao objeto do estudo.
Em arremate, pontua Liebman que “o processo deve ser feito de modo “équo’, pondo todas as partes em condições de poder deduzir e defender adequadamente as suas razões. Um aspecto especial da ‘equidade’ do processo reside justamente no princípio da igualdade das partes” (Manual de Direito Processual Civil, 2ª Ed., Ed. Forense, p. 12, apud José Cretella Neto, Fundamentos Principiológicos do Processo Civil, p. 61).
3 – Princípio da ampla defesa
O princípio da ampla defesa está grafado no art. 5º, inciso LV, da Carta da República, in verbis:
“(...) aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (grifo nosso).
O princípio da ampla defesa remonta aos tempos antigos. Há inúmeras passagens bíblicas que o revelam e uma das mais conhecida é do fratricídio praticado por Caim, ocasião em que o Senhor lhe pergunta: “Que fizeste?” (Gênese, 4:10). Podemos mencionar, ainda, o trecho do Evangelho de São João no qual se questiona: “Por ventura condena a nossa lei um homem sem primeiro o ouvir e ter conhecimento do que faz?” (7:51).
No direito comparado igualmente encontram-se manifestações de prestígio ao princípio da ampla defesa, haja vista o disposto no art. 111 da Constituição italiana, art. 18 da Constituição argentina, etc. No direito inglês o princípio está positivado desde a Magna Carta de 1215.
Da leitura do art. 5º, LV, da CF, verifica-se que de um único inciso emanam os princípios do contraditório e da ampla defesa. Talvez devido ao fato de que por longo tempo tenham sido confundidos na doutrina. Entrementes, é necessário que sejam diferenciados posto que um seja mais abrangente do que o outro: “a defesa contém a contradição, mas não se reduz somente a ela” (José Cretella Neto, op. cit., p. 63).
Os princípios supracitados têm aplicação aos litigantes em qualquer espécie de processo, seja administrativo ou judicial, de natureza cível ou criminal. Inovou a atual Constituição à medida que na anterior havia previsão expressa apenas quanto à sua aplicação no processo penal (art. 153, §16, CF/69), muito embora a doutrina já preconizasse que os processos civis e administrativos também fossem abarcados (Cf. Nelson Nery Junior, op. cit., p. 169).
Como decorrência imediata do princípio da ampla defesa, temos a necessidade de que o réu em processo civil, criminal ou administrativo, deve tomar ciência da existência do processo e de todos os atos subseqüentes, durante o seu curso.
Estar-se-á diante da manifestação da ampla defesa em um processo quando: “a) o juiz defere a ambas as partes as provas pertinentes; b) o juiz admite o depoimento das testemunhas que efetivamente contribuam para esclarecer os fatos controversos; c) o processo se desenvolve sem qualquer espécie de cerceamento dos depoimentos pessoais das partes” (José Cretella Neto, op. cit., p. 67).
Por outro lado, quando o juiz indeferir a produção de prova relevante para o deslinde da causa, haverá cerceamento de defesa.
4 – Princípio do contraditório
O artigo 5º, inciso LV, da Lei Maior, nos fornece o princípio do contraditório, in verbis:
“(...) aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (grifo nosso).
Nelson Nery Junior ensina que “o princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, têm íntima ligação com o da igualdade das partes e do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório” (Op. cit., p. 170).
Humberto Theodoro Júnior afirma que o contraditório “consiste na necessidade ouvir a pessoa perante a qual será proferida a decisão, garantindo-lhe o pleno direito de defesa e de pronunciamento durante todo o curso do processo” (Curso de Direito Processual Civil, p. 25).
Joaquim Canuto Mendes de Almeida leciona que “o contraditório é a expressão da ciência bilateral dos atos e termos do processo, e a possibilidade de contrariá-los” (Luiz Francisco Torquato Avolio, Provas Ilícitas, p. 23).
Cretella Neto assevera que “o contraditório pode ser representado pelo binômio informação-reação, sendo que a primeira é sempre necessária, sob pena de provocar nulidade dos atos e termos do processo e tornar ilegítimo o provimento final; a segunda é apenas possível” (Fundamentos Principiológicos do Processo Civil, p. 63).
O princípio do contraditório traz em seu arcabouço três conseqüências básicas: “a) a sentença só afeta as pessoas que foram parte no processo, ou seus sucessores; b) só há relação processual completa após regular citação do demandado; c) toda decisão só é proferida depois de ouvidas ambas as partes” (Humberto Theodoro Júnior, op. cit., p. 25).
Nery Junior, ainda muito arraigado ao princípio dispositivo, propugna que “o contraditório deve ser observado em consonância com as peculiaridades do processo sobre o qual esteja sendo aplicado, alcançando diferente incidência no penal e no civil” (Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p. 172/174). E mais adiante o mestre paulista conclui que “o princípio, para o processo penal, significa contraditório efetivo, real, substancial”, “no processo civil o contraditório não tem essa amplitude. É suficiente que seja dada oportunidade aos litigantes para se fazerem ouvir no processo, por intermédio do contraditório recíproco, da paridade de tratamento e da liberdade de discussão da causa”.
Veremos, quando do estudo do princípio dispositivo, que hodiernamente não viceja como outrora a dicotomia existente entre contraditório efetivo e contraditório mitigado, verdade real e verdade formal, de modo que o juiz não só pode como deve fugir da letargia que lhe é impingida por este princípio.
5 – Princípio da proibição da prova ilícita
O princípio da proibição da prova ilícita está previsto no artigo 5º, inciso LVI, da Lex Legum, nos seguintes termos:
“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Como se vê, o texto constitucional proíbe expressamente a utilização de provas obtidas por meio ilícito. Entretanto, a questão é extremamente palpitante, suscitando entendimentos que transitam entre os que nunca a admitem aos que a admitem sem exceções.
O processo civil não é um campo de batalhas sem regras; o processo não é um fim em si mesmo, mas um meio de se alcançar a realização da justiça. E é exatamente por isso que “a busca da verdade não é um valor absoluto e está a serviço da legitimação da decisão judicial, não se justificando a qualquer preço, devendo ser temperada, no contexto dos demais valores a serem tutelados pelo ordenamento jurídico, o qual, inclusive, pode admitir a restrição dessa busca da verdade em nome de outros interesses considerados mais relevantes, perante as circunstâncias dos casos concretos e dos fins a serem perseguidos pelo direito voltado à realização da justiça” (Eduardo Cambi, A Prova Civil, p. 63).
A admissibilidade ou rejeição de provas ilícitas no processo pode ensejar um conflito de princípios ou de direitos fundamentais, de modo que o aproveitamento ou não de provas ilícitas dependerá da ponderação acerca do bem jurídico que se repute mais importante.
Hodiernamente, afastados os radicalismos de outrora, o balanceamento de valores é realizado no processo através da teoria da proporcionalidade.
Esclarece Luiz Francisco Torquato Avolio que “a teoria da proporcionalidade ou da razoabilidade, também denominada teoria do balanceamento ou da preponderância dos interesses, consiste, pois, exatamente, numa construção doutrinária e jurisprudencial que se coloca nos sistemas de inadmissibilidade da prova obtida ilicitamente, permitindo, em face de uma vedação probatória, que se proceda a uma escolha, no caso concreto, entre os valores constitucionalmente relevantes postos em confronto” (Op. cit., p. 23).
Para Nery Junior, “segundo o princípio da proporcionalidade, também denominado de ‘lei da ponderação’, na interpretação de determinada norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional, devem ser sopesados os interesses e direitos em jogo, de modo a dar-se a solução concreta mais justa. Assim, o desatendimento de um preceito ao pode ser mais forte e nem ir além do que indica a finalidade da medida a ser tomada contra o preceito a ser sacrificado” (Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p. 197).
Assim, em última análise, a eventual admissibilidade de um meio de prova dependerá da valoração (discricionária) que o juiz da causa dará aos bens jurídicos contrapostos.
Até aqui estudamos princípios correlatos ao Direito Processual Civil com guarida na Constituição Federal. De agora em diante, verificaremos alguns outros princípios informadores do processo civil com escopo normativo infraconstitucional.
6 – Princípios dispositivo e inquisitivo
De acordo com o princípio dispositivo, também denominado princípio da controvérsia, as partes têm a incumbência de levar o litígio a juízo, provocando a atuação do Judiciário e produzindo o máximo de provas possíveis, para que o juiz, com fundamento única e exclusivamente no que consta dos autos, decida a lide.
Pelo princípio inquisitivo, ao juiz é conferida total liberdade na instauração da relação processual, bem como no seu desenvolvimento, utilizando de todos os meios ao seu alcance para descobrir a verdade real independentemente da iniciativa ou colaboração das partes.
Cretella Neto encarece que “modernamente, nenhum dos dois princípios, em sua pureza clássica, domina completamente o processo civil, já que as legislações processuais são mistas, apresentando preceitos tanto de um quanto de outro princípio. A razão da limitação ao princípio dispositivo é que o processo civil é uma encruzilhada onde, freqüentemente se defrontam o Direito Público e o Direito Privado. No iudicium vigoram as normas publicísticas, já que a pretensão é apreciada por um órgão do Estado; na res in iudicum deducta, ao contrário, em grande parte das lides, o conflito é resolvido com fundamento em regras que regulam relações jurídicas privadas, de direito material disponível. Caso típico das restrições impostas ao princípio dispositivo ocorre quando as pretensões das partes dizem respeito ao Direito de Família. Nem toda convenção ou acordo entre as partes pode ser homologado pelo juiz, dados os interesses em jogo, razão pela qual é chamado a intervir o Ministério Público” (Fundamentos Principiológicos do Processo Civil, p. 183).
Marcus Vinícius Rios Gonçalves afirma que “a atual dinâmica do processo civil não se compadece mais com a imagem do juiz como mero expectador, que assiste passivamente a produção de provas pelas partes” (Novo Curso de Direito Processual Civil, p. 38).
E prossegue, aduzindo que “é preciso distinguir: a iniciativa para a propositura da ação continua sendo das partes (salvo raríssimas exceções, como o inventário que pode ser iniciado e ofício), cabendo a eles decidir o momento oportuno para tanto. Compete-lhes também fixar os contornos objetivos da lide. Ao autor cumpre expor na petição inicial os fundamentos de fato em que fundamenta o seu pedido, e ao réu, os da defesa, as motivações pelas quais entende que o pedido inicial deva ser acolhido” (Idem, p. 39).
Complementa o raciocínio, o precitado autor, asseverando que “proposta a ação o processo corre por impulso oficial, e o juiz, como destinatário das provas, deve ter participação ativa na sua produção. Deve indeferir as provas requeridas pelas partes, quando impertinentes ou desnecessárias, e, ainda, no silêncio delas, determinar as que lhe pareçam necessárias para um julgamento mias justo. Está ultrapassada a idéia de que, no processo civil o juiz deve contentar-se com a verdade formal, quando a verdade real pode ser alcançada. O CPC, no art. 130, não deixa dúvidas a respeito, atribuindo ao juiz os mesmos poderes instrutórios que à parte” (Idem, mesma página ).
O artigo 130, do CPC, não deixa dúvidas acerca dos poderes instrutórios do juiz no processo, in verbis:
“Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.
O artigo 440 do mesmo Codex converge para idêntica compreensão, in verbis:
“O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse para a decisão da causa”.
7 – Princípio da oralidade
Quanto à forma, os procedimentos podem ser classificados em oral, escrito ou misto. O Brasil não adota a forma oral pura, posto que os atos e termos do processo tem que ser documentados. As audiências, evidentemente, são feitas oralmente, bem como os requerimentos, reduzindo-se a escrito o seu conteúdo (Cf. Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de Direito Processual Civil, p. 41).
O procedimento do Juizado Especial Cível (Lei nº 9.099/95) empresta maior prestígio ao princípio da oralidade, todavia, mesmo nele há a necessidade de se documentar os principais atos realizados. Forçoso concluir, portanto, que o procedimento utilizado é o misto (Cf. Idem, mesma página ).
Caracterizam o processo oral os seguintes elementos: a) identidade da pessoa física do juiz, de modo que este dirija o processo desde o seu início ao julgamento; b) concentração dos atos processuais; c) irrecorribilidade das decisões interlocutórias (Cf. Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, p. 25).
Verifica-se, por oportuno, que das características do princípio da oralidade provêem quatro subprincípios, são eles:
“a) Imediação: o julgador deve colher diretamente a prova. Não há, como em outros países, a distinção entre um juiz, responsável pela instrução, e outro, pelo julgamento. Quem vai julgar deve, de forma direta e sem intermediação, fazer a colheita das provas. As exceções a esse subprincípio ficam por conta da necessidade eventual de produção de provas em outras comarcas ou países, que é realizada por carta precatória.
b) Identidade física do juiz: o magistrado que colhe prova oral em audiência fica vinculado ao julgamento do pedido. Ainda que não esteja mais judicando no mesmo órgão, deverá proferir sentença, sendo necessário remeter-lhe os autos. A redação do art. 132 do Código de Processo Civil sugere que do simples encerramento da instrução resulte a vinculação do juiz. Mas não é isso, e sim a colheita de prova oral na audiência, que o faz. Se, em uma audiência de instrução, as partes desistem dos depoimentos pessoais e da ouvida de testemunhas, dar-se-á por encerrada a instrução, passando-se à fase de alegações finais. O juiz não se terá vinculado, porque não houve colheita de provas orais. Quando a realização de audiência desdobra-se em mais de um dia, pois nem todas as testemunhas comparecem ou o número é tal que não é possível ouvi-las de uma vez, o juiz que iniciou a colheita da prova oral deve terminá-la, pois terá ficado vinculado, ressalvadas as exceções estabelecidas no art. 132. O magistrado que ouvir as primeiras testemunhas deverá ser o mesmo a ouvir as restantes na audiência em continuação.
(...)
Desvincula-se o juiz que for: a) convocado (...); b) licenciado (...); c) afastado; d) promovido; e) aposentado.
Verificadas essas hipóteses, a sentença será proferida pelo juiz que suceder aquele que estava vinculado. Para garantir-lhe o livre convencimento, a lei faculta-lhe a possibilidade de mandar repetir as provas produzidas (art. 132, parágrafo único).
c) Concentração: a audiência de instrução é uma e concentrada. A colheita da prova oral deve ser feita em uma única audiência, para que o juiz consiga uma visão sistemática dos fatos e possa recordar-se, com maior clareza, das provas produzidas ao proferir o julgamento. Razões práticas, no entanto, podem fazer com que a audiência, embora uma, possa realizar-se em mais de um dia. Isso ocorrerá, por exemplo, quando na mesma ocasião não for possível ouvir todas as testemunhas, seja em razão da ausência de alguma delas, seja em virtude do grande número de pessoas que devam ser ouvidas.
d) Irrecorribilidade das interlocutórias: a enunciação deste subprincípio pode induzir à falsa idéia de que as decisões interlocutórias, que não põe fim ao processo, são irrecorríveis. No entanto, o Código de Processo Civil indica o recurso apropriado contra elas, o agravo. Ocorre que esse recurso, como regra, não tem efeito suspensivo, de forma que a sua interposição não retarda o julgamento do processo. Com isso, o magistrado continua próximo da colheita de provas, não havendo longo transcurso de tempo entre ela e a prolação da sentença. Nos procedimentos do Juizado Especial, em que a oralidade é observada de forma mais intensa, as decisões interlocutórias são irrecorríveis. No CPC, verifica-se uma tendência a limitar a interposição de recursos contra as decisões interlocutórias. Em regra, o agravo fica retido nos autos, podendo o relator converter o de instrumento em retido quando não houver risco de prejuízo irreparável” (Marcus Vinicius Rios Gonçalves, op. cit., p. 41/43).
Como visto, o Código de Processo Civil vigente conserva traços característicos do princípio da oralidade, a exemplo do disposto nos artigos a seguir transcritos:
a) Imediação: art. 446, I e II, in verbis:
“Art. 446. Compete ao juiz em especial:
I - dirigir os trabalhos da audiência;
II - proceder direta e pessoalmente à colheita das provas"
b) Identidade física do juiz: art. 132, in verbis:
Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.
c) Concentração: art. 455, in verbis:
Art. 455. A audiência é una e contínua. Não sendo possível concluir, num só dia, a instrução, o debate e o julgamento, o juiz marcará o seu prosseguimento para dia próximo.
d) Irrecorribilidade das interlocutórias: art. 132, in verbis:
Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.
No direito comparado predomina o princípio da oralidade nos direitos lusitano (art. 652, nº 5), italiano (art. 180, §1º, 1ª parte) e alemão (art. 128, §1º). Por seu turno, no direito argentino predomina o princípio da escrita (art. 416), com exceção do processo trabalhista (Cf. José Cretella Neto, Fundamentos Principiológicos do Processo Civil, p. 282/284).
8 – Princípio do ônus da prova
Cada parte deve afirmar os fatos necessários ao deslinde do caso posto sub judice, e se possa verificar se realmente os fatos narrados ensejam o enquadramento legal invocado. Dentre esses fatos, alguns ou todos podem ser admitidos pela parte ex adversa; outros não são aceitos.
Ao autor incumbe apresentar as suas alegações na petição inicial. Quanto ao réu, este deve apresentar toda a matéria de defesa no prazo da contestação (art. 300), bem como oferecer reconvenção ou exceções (art. 299) no mesmo prazo. Quando o réu alegar exceção, fica ao seu encargo a prova dos fatos aduzidos, como se fosse autor (reus in exceptione actor est), a exemplo do disposto no artigo 333, do CPC, in verbis:
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
O réu deve impugnar os fatos articulados pelo autor, sob pena de serem admitidos como verdadeiros, exceto se: a) não for admissível a confissão (direitos indisponíveis); b) a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento público a que a lei considerar como da substância do ato; c) estiver em contradição com a defesa, sob o enfoque do conjunto probatório (Cf. Idem, ibidem ).
No tocante à impugnação, não estão obrigados a fazê-lo de forma especificada o Ministério Público, o defensor dativo e o curador especial (art. 302, § único), ou seja, poderão contestar por negação geral.
Por fim, convém mencionar a existência de microssistemas como o do Código de Defesa e Proteção do Consumidor que dispõem, com fundamento em justificados motivos (art. 4º, I), de forma diversa o ônus da prova.
Tecidos estes breves apontamentos, buscamos na doutrina a seguinte conceituação sobre o princípio do ônus da prova: pode ser conceituado como aquele pelo qual à parte prejudicada pela falta de prova do direito fundamental à afirmação do seu direito incumbe demonstrá-lo, sob pena de sucumbir no processo, exceto se a lei dispuser de modo diverso (Cf. Idem, p. 272).
9 – Princípio da livre investigação das provas
O procedimento probatório se desenvolve em três etapas sucessivas e vinculadas: a proposição, a admissão e a produção de provas. A proposição é ato das partes, realizado mediante indicação ou especificação (arts. 282, VI, e 300, do CPC). A admissão é ato do juiz que efetua juízo de admissibilidade, com suporte em critérios de relevância e utilidade da prova indicada. A produção da prova é ato dirigido ao juiz e pode se dar de diversas formas (documentos, testemunhas, perícias, etc).
Ao juiz é admitido determinar de ofício a produção de provas que no seu sentir sejam pertinentes à causa. Essa liberdade concedida ao juiz atende ao denominado princípio da livre investigação das provas e não constitui exceção ao princípio dispositivo (Cf. Idem, p. 248).
O princípio da livre investigação das provas deriva do princípio do impulso oficial e se opõe ao princípio da prova formal, segundo o qual o juiz fica adstrito ao exame da matéria de fato, limitando-se a julgar única e exclusivamente com supedâneo no que consta dos autos.
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Advogado militante, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Santos<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SYLVIO GUERRA JúNIOR, . Princípios atinentes às provas no juízo cível Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 set 2008, 21:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/14919/principios-atinentes-as-provas-no-juizo-civel. Acesso em: 23 dez 2024.
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