INTRODUÇÃO
Hodiernamente, é sedimentada a idéia de que as empresas não devem ser vistas tão-somente por seu potencial lucrativo, mas também analisadas no que tange à sua importância social. Desponta assim a valorização do princípio da função social da empresa, reconhecendo que a empresa contribui, por diversas formas, para a melhoria das condições de vida daqueles que fazem parte da sociedade e, sendo assim, também merece ser protegida, quando possível, pelo Estado, pois que são as empresas responsáveis por auxiliar, ainda que indiretamente, na consecução dos fins estatais.
Em síntese, o princípio da função social da empresa deve ser analisado em mão-dupla, as empresas são importantes para o Estado e, sendo assim, cabe ao Estado garantir meios para que as mesmas possam exercer o seu papel social.
Daí que a empresa não pode, nem deve, visar somente o lucro, mas também preservar o meio ambiente, respeitar a dignidade das pessoas e o direito dos consumidores, dar cumprimento fiel aos direitos trabalhistas, recolher tributos e, com isso, financiar as atividades estatais, etc.
A princípio, pode-se pensar que quanto maior o porte lucrativo de uma empresa, maior será a sua respectiva função social. Contudo, não é bem assim a relação entre função social e porte lucrativo. Não há dúvidas de que as empresas de grande porte sempre desempenharam uma relevante função social. Por outro lado, também não há controvérsia acerca da existência de uma função social específica e importantíssima das empresas de menor porte lucrativo, chamadas no Brasil de microempresas e empresas de pequeno porte.
Com efeito, apesar de suas atividades não refletirem na elevação do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, as empresas de menor porte lucrativo são responsáveis por uma função social atrelada mais às populações locais, viabilizando o acesso ao mercado de trabalho e, consequentemente, ao desenvolvimento econômico, social e político local etc., segundo bem exposto por Irene Patrícia Nohara:
“As pequenas empresas são, em geral, fontes de recursos para as camadas mais pobres da população e frequentemente empregam força de trabalho menos qualificada. Desempenham, portanto, importante papel na geração de empregos e, consequentemente, na inclusão social. Elas colaboram muito mais do que as grandes na distribuição de riquezas e servem para a incubação de serviços e teste de mercados locais, ampliando as oportunidades de empreendedorismo.
Pelos motivos expostos, geram desenvolvimento econômico para as populações locais, pois, muito embora não sejam mais responsáveis do que as grandes pela elevação em ermos percentuais do produto interno bruto de um pais, são importantes para que haja um crescimento econômico sustentável, uma vez que se apóiam no mercado local ou regional e induzem uma melhor distribuição de renda, gerando estabilidade social e política.” (MAMEDE; MACHADO SEGUNDO; NOHARA; MARTINS, 2007: 267)
Conclui-se, pois, que é possível visualizar a função social da microempresa e empresa de pequeno porte como espécie do gênero função social da empresa. Visando justamente promover tais empresas de menor porte lucrativo ante a sua função social peculiar, o Estado vem, ao longo do tempo, editando várias normas protetivas e beneficiadoras de tais empresas.
Tais normas, outrossim, são evidentes ações afirmativas (affirmative actions), pois que tratam de forma diferenciada as microempresas e empresas de pequeno porte, em comparação com o tratamento dispensado às demais empresas, com o escopo de que consigam, efetivamente, iniciar suas atividades, ter êxito nos negócios e permanecerem desempenhando seu papel social.
A legislação sobre o tema sofreu considerável mudança com a edição da Lei Complementar 123/06, também chamada de “Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte”. O mencionado diploma normativo, dentre outras tantas inovações, estabeleceu tratamento específico acerca da denominada “pré-empresa” – objeto de estudo no presente artigo.
Sem dúvida, a principal ratio legis da normatização da “pré-empresa” é incentivar que várias categorias empresariais de lucratividade reduzidíssima (ex.: camelô, pipoqueiro, cabeleireiro) saiam da informalidade, ante as desburocratizações e facilitações operadas pela nova norma. No presente artigo, busca-se tecer alguns comentários sobre as regras próprias da “pré-empresa”.
2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA ACERCA DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE
Ao longo da história, o Estado foi percebendo o relevante papel econômico-social desempenhado pelas microempresas e empresas de pequeno porte. Para estimular o nascimento e desenvolvimento desta categoria empresarial, vários foram os diplomas normativos editados, sendo que alguns deles se destacaram por conta de sua maior abrangência e mudanças revolucionárias.
Dentre tais normas, pode-se dizer que a vanguardista foi a Lei 7.254/84, também chamada de “Estatuto da Microempresa”, na qual se estabeleceu tratamento diferenciado, simplificado e favorecido às microempresas, com reflexos nos campos administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista e creditício – todos voltados ao desenvolvimento empresarial.
Posteriormente, com a redemocratização do Brasil e promulgação da atual Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, o tratamento diferenciado das microempresas e empresas de pequeno porte ganhou superior status constitucional, pois que no inc. IX do art. 170 e no art. 179, estabeleceu-se a diretriz cogente de se conferir tratamento jurídico diferenciado, simplificado e favorecido a tais empresas, in verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. (redação anterior à edição da EC nº 6)
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
Tais normas constitucionais são do tipo programáticas, pois que transferem ao legislador a missão de editar leis que assegurem o referido tratamento diferenciado, simplificado e favorecidos às microempresas e empresas de pequeno porte.
Outrossim, interessante observar, na esteira da melhor doutrina sobre o tema, que o princípio programático de direito econômico, previsto no inc. IX, art. 170, da Constituição Federal, tem uma carga programática pelo simples fato de ser um princípio, conforme ensinamentos de André Ramos Tavares, in verbis:
“Longe de pretender-se aqui uma mera e desnecessária repetição acerca da normatividade dos princípios, é preciso afirmar que as normas programáticas possuem elementos característicos dos princípios (CRISAFULLI, 1985: 57). Mas há um ‘reverso da moeda’, porque os princípios, ainda quando tratam e imediatamente de certa matéria, servem como diretrizes de desenvolvimento para o ordenamento jurídico (caráter programático dos princípios em geral). Pode-se concluir, a partir das lições de Crisafulli, que toda norma principiológica carrega consigo uma carga ‘programática’ ou ‘dirigente’. Assim, os princípios, ainda que não-programáticos na usual classificação adotada no Brasil, devem atuar na modelagem das leis e demais atos estatais, servindo como ‘programas’ a serem observados. A generalidade de que se revestem (princípio-quantitativo) ou a fundamentalidade (princípio-qualitativo) impõem sua realização também gradativa pelo Estado. [...] A carga programática dos princípios não-programáticos (na classificação usual) tem sido inadvertidamente olvidada pela doutrina nacional.” (TAVARES, 2006: 103-104)
Em que pese a transferência da tarefa de regulamentação ao legislador infraconstitucional, as comentadas normas constitucionais já teriam o condão de evitar que, a partir do momento que a lei definisse as empresas enquadráveis como microempresas e empresas de pequeno porte, fossem editadas outras leis que conferissem tratamento mais gravoso a tais empresas se comparado com o tratamento dispensado as demais empresas não-enquadráveis naquela categoria.
Em outras palavras, definindo-se por lei vigente quais são as microempresas e as empresas de pequeno porte, não poderia o legislador editar outras normas que lhes conferissem obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias ou creditícias mais pesadas do que as exigidas das demais empresas, sob pena de inconstitucionalidade diante do inc. IX do art. 170 e do art. 179, ambos da Constituição Federal.
Pois bem, concretizando o comando contido nos referidos dispositivos constitucionais, mormente no art. 179, foi editada a Lei 8.864/94, que definiu os requisitos para o enquadramento de uma empresa como microempresa (ME) ou empresa de pequeno porte (EPP). Ademais, também estabeleceu novos tratamentos diferenciados e simplificados nos campos administrativo, fiscal, previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial.
Em 15 de agosto de 1995, mediante a Emenda Constitucional nº 06, promoveu-se pequena alteração na redação do princípio de direito econômico previsto no inc. IX do art. 170 da Constituição Federal, impondo que o tratamento favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte fosse exclusivo daquelas constituídas sob as leis brasileiras e que, cumulativamente, tivessem sede e administração no Brasil, senão veja-se:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Perceba-se que o inc. IX do art. 170 supra, tanto em sua redação atual, quanto na pretérita, referiu-se somente às empresas de pequeno porte, omitindo-se quanto às microempresas. Entretanto, interpretando-se sistematicamente o ordenamento jurídico-constitucional, conclui-se que também as microempresas com sede e administração no Brasil devem receber tratamento favorecido, como um dos princípios basilares da filosofia econômica da República Federativa do Brasil, para que possam, enfim, concorrer eficazmente com empresas estrangeiras. Teleologicamente, se às empresas de pequeno porte é assegurado referido tratamento favorecido, com maior razão deverá sê-lo às microempresas, pois que estas são hipossuficientes face as empresas de pequeno porte em si.
Daí que, há que se conferir uma interpretação extensiva ao termo “empresa de pequeno porte” contido no inc. IX do art. 170 da Constituição Federal para abarcar, inclusive, as microempresas, tal qual definidas por lei infraconstitucional.
Em seguida, no campo tributário, a Lei 9.317/96 revolucionou ao instituir o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (SIMPLES), por meio do qual vários tributos federais, devidos pelas microempresas e empresas de pequeno porte, seriam recolhidos conjuntamente, mediante um único pagamento. Tal sistemática de pagamentos de tributos também é, por vezes, chamada de “SIMPLES FEDERAL”, haja vista que englobava tão-somente o pagamento de tributos de competência federal.
Posteriormente, editou-se a Lei 9.841/99 ou “Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte”, aumentando o tratamento simplificado, favorecido e diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porto.
Com a vigência do atual Código Civil, a partir de 11 de janeiro de 2003, ressaltou-se, mais uma vez, a obrigatoriedade de tratamento favorecido, diferenciado e simplificado às microempresas e empresas de pequeno porte, no que se refere aos requisitos para inscrição no Registro Empresarial, bem como quanto à desnecessidade de manter escrituração contábil organizada, nos termos do art. 970 c/c art. 1.179, §2º daquele Código, in verbis:
Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.
Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
[...]
§2º É dispensado das exigências deste artigo o pequeno empresário a que se refere o art. 970.
O art. 970 do Código Civil, no entanto, não se referiu diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte, preferindo utilizar a expressão “pequeno empresário”, conceito jurídico indeterminado que, a princípio, foi interpretado pela doutrina como sinônimo de microempresa e empresa de pequeno porte, consoante definições contidas na então vigente Lei 9.841/99. Referida interpretação doutrinária perdurou até a vigência da Lei Complementar 123/06, conforme será visto mais à frente.
Objetivando viabilizar a concessão de mais benefícios tributários às microempresas e empresas de pequeno porte, a Emenda Constitucional nº 42/03 incluiu a alínea “d”, no inc. III do art. 146 da Constituição Federal, adicionando ainda um parágrafo ao mesmo dispositivo constitucional, cujas alterações ficaram dispostas assim:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
[...]
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
[...]
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que:
I - será opcional para o contribuinte;
II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;
III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;
IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.
Nesse contexto, foi editada a Lei Complementar 123/06 – “Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte”, o qual não trata somente da instituição de um regime tributário diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte, mas também traça normas voltadas aos campos trabalhista, administrativo, cível, empresarial, previdenciário, políticas públicas de acesso ao crédito etc. Atualmente, a Lei Complementar 123/06 é o principal diploma normativo que se encarrega de regulamentar as normas programáticas da Constituição Federal, relacionadas diretamente com as microempresas e empresas de pequeno porte.
3. REGIME JURÍDICO DA “PRÉ-EMPRESA”
A Lei Complementar 123/06, além de reformular a sistemática para o enquadramento facultativo das empresas como microempresas ou empresas de pequeno porte, acabou criando diversas regras sobre uma situação peculiar, qual seja, a “pré-empresa” – nomenclatura que vem, rotineiramente, sendo usada para se referir àquele microempresário individual (ou seja: pessoa física) que aufira receita bruta anual de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais), nos termos do art. 68 da referida Lei Complementar, in verbis:
Art. 68. Considera-se pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira receita bruta anual de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais).
Na doutrina, na imprensa e no âmbito do Sebrae, o empresário a que se refere o art. 68 supra-transcrito vem sendo chamado indistintamente de “pré-empresa”, “microempreendedor individual” ou, simplesmente, como “pequeno empresário do Código Civil”. Não há, ainda, pacificação quanto ao trato do tema.
Ocorre que, nenhuma dessas nomenclaturas é imune de críticas.
Com efeito, a nomenclatura “pré-empresa” é inadequada porque dá a entender que sequer há empresa, quando na verdade a “pré-empresa” já existe, em estado inicial de desenvolvimento – é verdade – mas não há dúvidas de que já se encontra configurada a atividade empresarial no caso.
Por seu turno, “microempreendedor individual” é um termo ambíguo, hábil a causar confusões interpretativas. Com efeito, basta pensar que se houver microempresa de titularidade exclusiva de uma pessoa natural (empresário individual), tal titular poderá ser, facilmente, chamado de “microempreendedor individual”, sem distinção com a situação peculiar do art. 68 da Lei Complementar 123/06, na qual o empresário, além de “microempreendedor individual”, deve ter receita bruta anual de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais).
Por fim, a expressão “pequeno empresário do Código Civil” não é interessante porque ressalta que tal empresário tem um tratamento diferenciado no que tange ao Direito Civil, esquecendo-se o fato de que também lhe é conferido tratamento diferenciado em outras searas, como no campo tributário.
Em que pesem tais críticas, data maxima venia, o melhor é chamar o empresário do art. 68 da Lei Complementar 123/06 de “pré-empresa”, haja vista que tal nomenclatura parece ser a que menos inconvenientes interpretativos causa no tratamento da matéria e, ademais, é a que vem sendo usada com maior freqüência, tanto pela imprensa, quanto pelo Sebrae.
Superada a questão da nomenclatura, mister traçar algumas observações quanto à interpretação dos dispositivos da Lei Complementar 123/06 que tratam direta ou indiretamente da “pré-empresa”.
3.1 Requisitos para o enquadramento como “pré-empresa”
Nos termos do art. 68 da Lei Complementar 123/06, a “pré-empresa” é o empresário individual, enquadrável como microempresa, e que aufira receita bruta anual de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais).
O primeiro requisito é que seja um empresário individual, isto é, uma pessoa natural que exerça atividade empresarial, sem sócios ou mediante uma pessoa jurídica. A contrario sensu, não há que se falar em sociedade, seja empresária ou simples, caracterizada como “pré-empresa”.
Ser enquadrável como microempresa, nos termos do art. 3º da Lei Complementar 123/06, é o segundo requisito. Há situações em que a empresa, apesar de contar com uma receita bruta anual de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais), não poderá se beneficiar das regras da “pré-empresa”, tendo em vista que lhe é vedado se enquadrar como microempresa, pois que se encontra em alguma das vedações do §4º do referido art. 3º. Nesse sentido, Gladston Mamede observa que,
“[...] embora se tenha uma microempresa, trata-se de um tipo especial, restrito: a todo pequeno empresário [‘pré-empresa’] corresponde uma microempresa mas, mutatis mutandis, nem toda microempresa corresponde a um pequeno empresário [‘pré-empresa’]” (2007: 106)
Ademais, Gladston Mamede também lembra que é indispensável que o empresário esteja devidamente registrado na Junta Comercial, sendo vedado ao trabalhador autônomo gozar dos benefícios da “pré-empresa”, in verbis:
“[...] no alusivo à pessoa natural, o registro é indispensável para o gozo do benefício. Não há falar em microatividades negociais ou atividades negociais de pequeno porte no que tange a trabalhadores autônomos; somente o empresário, devidamente registrado na Junta Comercial, pode beneficiar-se dos regimes definidos para [...] o pequeno empresário [‘pré-empresa’] [...]” (2007: 110)
Num terceiro momento, exige-se que a receita brutal anual da empresa seja de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais). Aqui é preciso atenção, porque a interpretação não é tão simples quanto parece.
O art. 68 não foi suficientemente claro ao estabelecer o período no qual deve ser verificada a receita bruta parâmetro, pois que apenas se referiu ao adjetivo “anual”. Analogicamente, deve ser adotado o ano civil ou ano-calendário (de 1º de janeiro a 31 de dezembro), que é a mesma sistemática adotada no art. 3º da Lei Complementar 123/06, para fins de enquadramento da empresa como microempresa ou empresa de pequeno porte.
Nessa mesma toada, a despeito de ausência de previsão expressa, a regra contida no § 2º do referido art. 3º também se aplica aqui por analogia. No caso de a “pré-empresa” iniciar suas atividades no curso do ano-calendário, o montante de R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais) deve ser aferido proporcionalmente aos meses restantes para o fim do ano-calendário.
3.2 Simplificação de obrigações de direito empresarial
O art. 68 da Lei Complementar 123/06 foi responsável por determinar uma interpretação autêntica ou legislativa da expressão “pequeno empresário” dos arts. 970 e 1.179, §2º, do Código Civil e solucionar a questão quanto à abrangência das regras contidas nestes últimos dispositivos.
Sobre a interpretação autêntica ou legislativa, são sempre atuais os ensinamento de Carlos Maximiliano, in verbis:
“A interpretação é uma só. Entretanto se lhe atribuem várias denominações conforme o órgão de que procede; ou se origina em uma fonte jurídica, o que lhe da força coativa; ou se apresenta como um produto livre da reflexão. Chamam-lhe autêntica, no primeiro caso; doutrinal no segundo. Aquela domina pela autoridade, esta pelo convencimento; uma vincula o juiz, tem a outra um valor persuasivo. Denomina-se autêntica a interpretação, quando emana do próprio poder que fez o ato cujo sentido e alcance ela declara. Portanto, só uma Assembléia Constituinte fornece a exegese obrigatória do estatuto supremo; as Câmaras, a da lei em geral, e o Executivo, dos regulamentos, avisos, instruções e portarias. O regulamento pode esclarecer o sentido da lei e completá-lo; mas não tem o valor de interpretação autêntica a oferecida por aquele, ou por qualquer outro ato ministerial: os tribunais tomam conhecimento das dúvidas levantadas sobre a correção da exegese constante de um regulamente, e, se lhes parecem procedentes, fulminam o mesmo, consideram-no írrito e nulo, por incompatível com a lei a que se refere.” (2005: 71-72)
Pois bem, antes da edição da Lei Complementar 123/06, o termo “pequeno empresário” era considerado, tecnicamente, um conceito jurídico indeterminado[1], cuja vagueza peculiar dava ensejo a amplas possibilidades interpretativas, inclusive, com a possibilidade de alterações significativas, quando forem necessárias a evitar o “obsoletismo da norma e a inflação legislativa” (FARIAS; ROSENVALD, 2006: 35). Nessa época, a maior parcela da doutrina entendia que o “pequeno empresário” seria tanto a microempresa, quanto a empresa de pequeno porte, consoante definidas, à época, pela Lei 9.841/99. Nesse sentido, foi editado o Enunciado 235 das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, in verbis:
Enunciado 235 do CJF “O pequeno empresário, dispensado da escrituração, é aquele previsto na Lei n. 9.841/99”
Havia, contudo, opiniões no sentido de que o “pequeno empresário” era tão-somente o empresário individual, tal qual entendido por Láudio Camargo Fabretti, ipsis litteris:
“O referido art. 1.179, em seu §2º dispensa da escrituração o pequeno empresário referido no art. 970. Entende-se que o NCC está referindo-se ao pequeno empresário estabelecido com empresa individual. Portanto, essa dispensa não se estende à pequena empresa constituída sob a forma de sociedade empresária.” (2003: 88)
Independentemente da interpretação que se adote, o certo é que antes da vigência da Lei Complementar 123/06, empresas com renda bruta superior a R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais) poderiam vir a se beneficiar das regras dos art. 970 e do §2º, art. 1.179, ambos do Código Civil, desde que também fossem enquadráveis como microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da revogada Lei 9.317/96.
No caso do art. 970, pode-se dizer que não havia qualquer benefício concreto, haja vista que o próprio artigo transfere ao legislador infra-constitucional a incumbência de facilitar, simplificar e diferenciar a inscrição do “pequeno empresário” e os efeitos dela decorrentes.
Noutro giro, já no que tange ao §2º do art. 1.179, o “pequeno empresário” era dispensado de manter escrituração contábil no que se refere ao livro Diário (exigido pelo art. 1.180 do Código Civil para os demais empresários em geral). Contudo, o “pequeno empresário” deveria escriturar, normalmente, outros livros exigidos por leis especiais, sejam elas de direito empresarial, tributário, trabalhista, previdenciário, etc.
Sobre a obrigatoriedade de o “pequeno empresário” manter escrituração dos livros exigidos por leis especiais, é oportuna a observação prática feita por Fábio Ulhoa Coelho, no sentido de que se o “pequeno empresário” fosse optante do SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (ou SIMPLES FEDERAL, regulado pela já revogada Lei 9.317/96), a benesse do §2º, art. 1.179 seria praticamente inócua, pois que o “pequeno empresário” seria dispensado de escriturar o livro Diário, mas, ao mesmo tempo, obrigado a escriturar os livros Caixa e Registro de Inventário (art. 7º da Lei 9.317/96), sob pena de não poder aderir ao regime tributário do SIMPLES.
“Em suma, devem-se distinguir [...] três situações. Se o microempresário ou empresário de pequeno porte não é optante pelo SIMPLES, ele atende aos requisitos legais de dispensa do dever geral de escrituração, estando, por isso, desobrigado de escriturar qualquer livro. Se é microempresário ou empresário de pequeno porte optante pelo SIMPLES, está obrigado a escriturar os livros Caixa e Registro de Inventário, já que o Código Civil de 2002, por ser norma geral, não revogou a Lei n. 9.317/96, diploma especial. Nas demais hipóteses, o empresário está obrigado a escriturar o livro Diário.” (ULHOA, 2006: 83)
Em 15 de dezembro de 2006, entrou em vigor a Lei Complementar 123/06, pois que publicada no Diário Oficial União que circulou naquela data. A única parte da referida lei que não entrou em vigor em na data da publicação foi a que trata do novo regime de tributação das microempresas e empresas de pequeno porte (“SUPER SIMPLES” ou “SIMPLES NACIONAL”), haja vista a exceção legal expressa determinado uma data futura para sua vigência (1º de julho de 2007), nos termos do seu art. 88, in verbis:
Art. 88. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, ressalvado o regime de tributação das microempresas e empresas de pequeno porte, que entra em vigor em 1º de julho de 2007.
Destarte, a partir de 15 de dezembro de 2006, o termo “pequeno empresário” contido no §2º do art. 1.179 do Código Civil não mais é considerado um conceito jurídico indeterminado, pois que deve ser interpretado de acordo com as determinações autênticas ou legislativas traçadas pelo art. 68 da Lei Complementar 123/06.
Nesse passo, é bom alertar para o fato de que tal interpretação autêntica imposta pelo art. 68 da Lei Complementar 123/06 somente se aplica pro futuro, sob pena de ofensa à cláusula constitucional que veda a irretroatividade de leis contrárias ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito ou à coisa julgada (art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal). Nesse sentido, Carlos Maximiliano é taxativo ao prever a irretroatividade das leis editadas com índole interpretativa, ipsis litteris:
“Opera-se a exegese autêntica, em regra, por meio de disposição geral, e, ainda que defeituosa, injusta, em desacordo com o verdadeiro espírito do texto primitivo, prevalece enquanto não a revoga o Poder Legislativo; é obrigatória, deve ser observada por autoridades e particulares. Entretanto só se aplica aos casos futuros, não vigora desde a data do ato interpretado, respeita os direitos adquiridos em conseqüência da maneira de entender um dispositivo por parte do Judiciário, ou do Executivo.” (2005: 72)
Ressalte-se que a interpretação autêntica, na maioria dos casos, não se trata de uma interpretação propriamente dita, mas sim de uma nova normatização[2] sobre determinado tema – daí o motivo da irretroatividade dos efeitos de tal lei. In casu, pode-se dizer que houve uma nova normatização, e não mera interpretação, sobre a conceituação do “pequeno empresário” do Código Civil. Logo, atualmente, é conferido somente à “pré-empresa” a benesse de não ter obrigatoriedade de escriturar o livro Diário.
3.3 Simplificação de obrigações acessórias de direito tributário
A Lei Complementar 123/06 instituiu um regime tributário diferenciado e mais benéfico às microempresas e empresas de pequeno porte, pelo menos na maioria dos casos[3]. É importante ressaltar que nem todas as microempresas e empresas de pequeno porte têm a faculdade de se submeterem ao “SIMPLES NACIONAL”. Com efeito, basta verificar que o art. 17 da Lei Complementar 123/06 elenca um rol de situações em que é vedada, à microempresa e empresa de pequeno porte, optar pelo “SIMPLES NACIONAL”, razão pela qual se pode concluir que toda empresa optante do “SIMPLES NACIONAL” é, necessariamente, uma microempresa ou empresa de pequeno porte, mas a recíproca não é verdadeira.
Como visto, a “pré-empresa” é uma microempresa com características próprias. No que se refere ao direito tributário, se tal “pré-empresa” tiver feito opção pelo pagamento de tributos pela sistemática do “SIMPLES NACIONAL”, automaticamente, terá a faculdade de substituir algumas obrigações tributárias acessórias[4] por outras mais simplificadas, consoante prevê o art. 26 da Lei Complementar 123/06, in verbis:
Art. 26. As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional ficam obrigadas a:
I – emitir documento fiscal de venda ou prestação de serviço, de acordo com instruções expedidas pelo Comitê Gestor;
II – manter em boa ordem e guarda os documentos que fundamentaram a apuração dos impostos e contribuições devidos e o cumprimento das obrigações acessórias a que se refere o art. 25 desta Lei Complementar enquanto não decorrido o prazo decadencial e não prescritas eventuais ações que lhes sejam pertinentes.
§ 1º Os empreendedores individuais com receita bruta acumulada no ano de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais):
I – poderão optar por fornecer nota fiscal avulsa obtida nas Secretarias de Fazenda ou Finanças dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios;
II – farão a comprovação da receita bruta, mediante apresentação do registro de vendas independentemente de documento fiscal de venda ou prestação de serviço, ou escrituração simplificada das receitas, conforme instruções expedidas pelo Comitê Gestor;
III – ficam dispensados da emissão do documento fiscal previsto no inciso I do caput deste artigo caso requeiram nota fiscal gratuita na Secretaria de Fazenda municipal ou adotem formulário de escrituração simplificada das receitas nos municípios que não utilizem o sistema de nota fiscal gratuita, conforme instruções expedidas pelo Comitê Gestor.
§ 2º As demais microempresas e as empresas de pequeno porte, além do disposto nos incisos I e II do caput deste artigo, deverão, ainda, manter o livro-caixa em que será escriturada sua movimentação financeira e bancária.
§ 3º A exigência de declaração única a que se refere o caput do art. 25 desta Lei Complementar não desobriga a prestação de informações relativas a terceiros.
§ 4º As microempresas e empresas de pequeno porte referidas no §2º deste artigo ficam sujeitas a outras obrigações acessórias a serem estabelecidas pelo Comitê Gestor, com características nacionalmente uniformes, vedado o estabelecimento de regras unilaterais pelas unidades políticas partícipes do sistema.
§ 5º As microempresas e empresas de pequeno porte ficam sujeitas à entrega de declaração eletrônica que deva conter os dados referentes aos serviços prestados ou tomados de terceiros, na conformidade do que dispuser o Comitê Gestor.
O §1º do art. 26 supra-transcrito elenca as obrigações tributárias acessórias que podem ser simplificadas exclusivamente no que tange às “pré-empresas”, referidas naquela sede como “empreendedores individuais com receita bruta acumulada no ano de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais)”.
Via de regra, as microempresas e empresas de pequeno porte são obrigadas a emitir documento fiscal de venda ou prestação de serviço (nota fiscal), consoante instruções expedidas pelo Comitê Gestor (inc. I, §1º, art. 26).
Contudo, a “pré-empresa” tem a faculdade de substituir a emissão da nota fiscal tradicional (destacada de um bloco com várias notas fiscais em branco), pela emissão de nota fiscal avulsa. Essa nota fiscal avulsa é que será o documento idôneo para comprovar o negócio realizado, que poderá ser relativo à produção ou circulação de bens ou serviços.
A possibilidade de a “pré-empresa” emitir nota fiscal avulsa é bem interessante, haja vista que não haverá necessidade de custeio prévio acerca da confecção de todo um bloco com inúmeras notas fiscais em branco.
Com efeito, bastará que o empresário interessado vá à Secretaria da Fazenda ou de Finanças do respectivo Estado, Município ou, eventualmente, do Distrito Federal, para adquirir uma nota fiscal avulsa, necessária para documentar cada negócio específico, na época de sua realização.
Dessa forma, a “pré-empresa” somente arcará com o custo da nota fiscal em si no momento em que o respectivo negócio, a ser documentado, for praticado. Interessante notar que a necessidade de se dirigir às Secretarias da Fazenda ou de Finanças, a cada negócio entabulado, para fins de adquirir a respectiva nota fiscal avulsa, pode ser um benefício à “pré-empresa”, cujo volume de negócios é baixo, mas é um entrave às grandes empresas.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal analisou caso envolvendo de um lado a mega-empresa VARIG S/A - Viação Aérea Rio Grandense e, noutra banda, o Estado de Santa Catarina, pois que este ente federativo aplicou sanções administrativo-tributárias àquela empresa, no sentido de obrigá-la a emitir nota fiscal avulsa a cada negócio realizado, em decorrência da inadimplência verificada quanto ao pagamento do ICMS – Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços.
O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal entendeu que tal sanção era inconstitucional, dentre outros motivos, porque ia de encontro ao direito de livre exercício de atividade econômica, previsto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal. O acórdão restou ementado nos seguintes termos:
Ementa: “DÉBITO FISCAL - IMPRESSÃO DE NOTAS FISCAIS - PROIBIÇÃO - INSUBSISTÊNCIA. Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual que proíbe a impressão de notas fiscais em bloco, subordinando o contribuinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, ao requerimento de expedição, negócio a negócio, de nota fiscal avulsa.”
(STF, Tribunal Pleno, RE 413782 / SC, Rel. Min. Marco Aurélio de Mello, DJ 03-06-2005)
Com razão o Supremo, pois exigir que uma grande empresa emita somente nota fiscal avulsa, impedindo-a de adquirir notas fiscais em bloco, é inequivocadamente algo que vai de encontro ao princípio da função social ou da conservação da empresa. Ademais, a Fazenda Pública tem outros meios para cobrar eventuais dívidas tributárias, não necessitando fazer exigências tão gravosas que possam implicar, a bem da verdade, na inviabilização dos negócios em alta escala praticados por grandes empresas.
Destaque-se que a “pré-empresa” pode vir a optar ou não pelo fornecimento da nota fiscal avulsa, após analisar o custo-benefício de tal operação. É uma faculdade da “pré-empresa”, ao contrário do caso submetido à apreciação no Supremo Tribunal Federal, em que a empresa VARIG S/A fora sancionada e, consequentemente, obrigada a só expedir notas fiscais avulsas, não sendo permitido adquirir blocos com várias notas fiscais em branco.
Noutro giro, as “pré-empresas” podem até mesmo deixar de emitir nota fiscal convencional (seja aquela oriunda de bloco de notas, seja a avulsa). Nesse caso, deverá a empresa (i) requerer nota fiscal gratuita junto a Secretaria da Fazenda ou de Finanças do Município; ou, eventualmente, (ii) adotar formulário de escrituração simplificada das receitas, caso o Município da circunscrição fiscal da “pré-empresa” não utilize o sistema de nota fiscal gratuita. Tudo isso nos termos do inc. III, §1º, art. 26, da LC 123/06 c/c inc. III, art. 7º, da Res. nº 10/07 do Comitê Gestor do Simples Nacional – CGSN[5].
Outrossim, nos termos do inc. II, art. 7º, da Res. nº 10/07 do CGSN, as “pré-empresas” poderão comprovar sua receita bruta mediante (1) apresentação do mero registro de vendas (ex.: recibo da venda); ou, (2) via escrituração simplificada. Independem, em ambos os casos, da emissão de documento fiscal de venda ou prestação de serviço. Esse dispositivo da Res. nº 10/07 reproduz, em outras palavras, a redação confusa do inc. II, §1º, do art. 26 da Lei Complementar 123/06.
De qualquer forma, as “pré-empresas” estão dispensadas de escriturarem, por exemplo, o livro Caixa, utilizado para registro de sua movimentação financeira e bancária, pois o §2º do art. 26 se refere tão-somente às demais microempresas e empresas de pequeno porte.
Por fim, interpretando-se a contrario sensu o §4º do art. 26, infere-se que é vedado que outras leis estabeleçam mais obrigações tributárias acessórias às “pré-empresas”, sendo permitido tal regulamentação extra tão-somente quanto às demais microempresas e empresas de pequeno porte.
3.4 Atualização dos valores
Há vários segmentos que estão insatisfeitos com o patamar legal de R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais) para fins de enquadramento do microempresário individual como “pré-empresa”, pois que entendem que deveria ser estabelecido um teto bem superior, sob pena de não se alcançar os fins almejados.
Na verdade, só o tempo e aplicação na prática da Lei Complementar 123/06 trará respostas a tal divergência. Portanto, caso no futuro o patamar legal para o enquadramento como “pré-empresa” se revele muito baixo e insuficiente, caberá ao Comitê Gestor de Tributação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte a incumbência de rever tais valores, consoante prevê o §1º, do seu art. 1º, in verbis:
Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:
I – à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias;
II – ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias;
III – ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão.
§1º Cabe ao Comitê Gestor de que trata o inciso I do caput do art. 2º desta Lei Complementar apreciar a necessidade de revisão dos valores expressos em moeda nesta Lei Complementar.
Ressalte-se que é atribuição do citado Comitê Gestor revisar quaisquer valores expressos em moeda na Lei Complementar 123/06, não sendo sua incumbência apenas atualizar monetariamente tais valores, mas efetivamente revê-los quando se mostrarem insatisfatórios ao cumprimento dos objetivos elencados nos incisos do caput do supra-transcrito art. 1º.
CONCLUSÃO
O objetivo da Lei Complementar 123/06 é conferir um tratamento favorável, simplificado e diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte. Contudo, sobretudo no campo tributário, há vários empresários que estão vislumbrando piora no regime jurídico aplicável a seus negócios – o que leva a crer que só o tempo demonstrará o acerto ou não de tal lei.
Especificamente no que se refere à previsão de um tratamento mais diferenciado ainda às “pré-empresas”, espera-se que a Lei Complementar 123/06 consiga atingir o seu objetivo, qual seja, retirar da informalidade várias atividades, praticadas por inúmeras pessoas, como o caso do “camelô” (ambulantes), do pipoqueiro, do cabeleleiro, etc. Desburocratizar para formalizar – eis o lema da “pré-empresa”!
Como vantagem à formalização de tais atividades, espera-se que as respectivas “pré-empresas” possam aumentar seu volume de compras e negócios, sem temer os efeitos da fiscalização, mormente no que se refere à apreensão de mercadorias não legalizadas.
A sistemática adotada pela Lei Complementar 123/06 é, a priori, arrojada e inovadora, mas só o tempo demonstrará sua real eficácia social para promover a formalização de atividades historicamente desempenhadas pelo setor informal da economia brasileira. Para tanto, imprescindível a divulgação e conscientização de tais setores da economia, valendo-se dos meios de comunicação que tenham mais penetração neste público peculiar.
BIBLIOGRAFIA
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2003;
ANDRADE JÚNIOR, Milso Nunes de. Definição de “Pequeno Empresário”, aplicável ao § 2º do art. 1.179 do Código Civil, em Relação aos Conceitos de “Microempresa” e de “Empresa de Pequeno Porte” definidos pela Lei nº 9.841/99. Estudo elaborado em 2005 para a Câmara dos Deputados, disponível em 25/07/2007 no seguinte endereço eletrônico: http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/estnottec/tema10/2004_10638.pdf;
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004;
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 10 ed. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2006;
FABRETTI, Láudio Camargo. Prática Tributária da Micro, Pequena e Média Empresa. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2003;
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006;
MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro. 2 ed. vol. 1. São Paulo: Atlas, 2007;
MAMEDE, Gladston; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; NOHARA, Irene Patrícia; MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários ao Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. São Paulo: Atlas, 2007;
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005;
OLIVEIRA, Aristeu de. Manual de Prática Trabalhista. 41 ed. São Paulo: Atlas, 2007;
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 2005;
TAVARES, André Ramos. Fronteiras da Hermenêutica Constitucional. vol. 1. São Paulo: Método, 2006.
[1] Não devem ser confundidos os “conceitos jurídicos indeterminados” com as “cláusulas gerais”. Sobre o tema, preciosas são as lições de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery: “Ocorre que em ambos há extrema vagueza e generalidade, que tem de ser preenchida com valores pelo juiz. Quando a norma já prevê a conseqüência, houve determinação de conceito legal indeterminado: a solução a ser dada pelo juiz é aquela prevista previamente na norma. Ao contrário, quando a norma não prevê a conseqüência, dando ao juiz a oportunidade de criar a solução, dá-se ocasião de aplicação da cláusula geral: a conseqüência não estava prevista na norma e foi criada pelo juiz para o caso concreto. O juiz pode dar uma solução em um determinado caso, e outra solução diferente em outro caso, aplicando a mesma cláusula geral. A função do juiz, ao aplicar a cláusula geral, é integrativa.” (2005: 159)
[2] Recentemente, foi questionada junto aos tribunais pátrios a retroatividade da interpretação autêntica imposta pelo art. 3º da Lei Complementar 118/05, relativamente à prescrição da ação do contribuinte em face do Estado, quando envolva tributo cujo lançamento se dê por homologação. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a referida interpretação autêntica teria escopo normativo, razão pela qual não poderia produzir efeitos retroativos. Nesse sentido, dentre tantos, confira-se:
Ementa: TRIBUTÁRIO – RESTITUIÇÃO/COMPENSAÇÃO – TRIBUTO DECLARADO INCONSTITUCIONAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – PRESCRIÇÃO – CINCO ANOS DO FATO GERADOR MAIS CINCO ANOS DA HOMOLOGAÇÃO TÁCITA – NÃO-APLICAÇÃO DO ART. 3º DA LC N. 108/2005 ÀS AÇÕES AJUIZADAS ANTERIORMENTE AO INÍCIO DA VIGÊNCIA DA MENCIONADA LEI – ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA SEÇÃO – AUSÊNCIA DE EIVA NO JULGADO EMBARGADO.
[...]
2. A Primeira Seção pacificou o entendimento no sentido de não se considerar como norma interpretativa o art. 3º da Lei Complementar n. 118, uma vez que inovou no plano normativo, negando-lhe aplicação retroativa. Ademais, quando do Julgamento do EREsp 327.043/DF, entendeu a Primeira Seção, no tocante à Lei Complementar n. 118/05, que não houve reconhecimento de inconstitucionalidade, sendo
desnecessário invocar-se a violação do art. 97 da CF.
[...]
(STJ, EDcl no AgRg no REsp 735136 / SP, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 29.06.2007)
[3] As vantagens ou desvantagens de se optar pelo sistema do Super Simples ou Simples Nacional devem ser verificadas, minuciosamente, caso a caso. Em comparação com o antigo Simples Federal, um dos principais casos em que se verifica uma alta elevação da carga tributária se dá com relação às empresas prestadoras de serviços que, para evitar o Super Simples ou Simples Nacional, recolherão a contribuição previdenciária sobre a folha de salários em separado. É o caso, por exemplo, de algumas academias de ginástica, escritórios de contabilidade e serviços de limpeza e vigilância e de outras empresas que estão no anexo IV e V da Lei Complementar 123/06, consoante reportagem publicada no jornal goiano “O Popular” do dia 21 de julho de 2007.
[4] Sobre as obrigações tributárias acessórias, confira-se a definição de Luciano Amaro, in verbis: “As obrigações tributárias acessórias (ou formais ou, ainda, instrumentais) objetivam dar meios à fiscalização tributária para que esta investigue e controle o recolhimento de tributos (obrigação principal) a que o próprio sujeito passivo da obrigação acessória, ou outra pessoa, esteja, ou possa estar, submetido. Compreendem as obrigações de emitir documentos fiscais, de escriturar livros, de entregar declarações, de não embaraçar a fiscalização etc.” (2003: 243)
[5] Interessante observar que o inc. I do art. 2º da Lei Complementar 123/06 teria estabelecido que o nome completo de tal comitê seria “Comitê Gestor de Tributação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte”, e não “Comitê Gestor do Simples Nacional”...
Mestre em Direito Agrário e Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Especialista em Direito Processual pelo Axioma Jurídico. Professor da Especialização em Direito Empresarial do Instituto Goiano de Direito Empresarial (IGDE). Palestrante da Escola Superior de Advocacia da OAB-GO. Procurador do Estado de Goiás. Advogado em Goiânia. [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHEIRO, Frederico Garcia. Aspectos jurídicos da "Pré-empresa" Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2008, 09:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/15509/aspectos-juridicos-da-quot-pre-empresa-quot. Acesso em: 24 dez 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Eduarda Vitorino Ferreira Costa
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: Adriano Henrique Baptista
Por: Alan Carlos Moises
Precisa estar logado para fazer comentários.