Palavras- chave: Verdade. Processo Penal. Limites.
INTRODUÇÃO
Todos os estudos que nos remetem a investigação da verdade, de certa forma, devem ser dotados de cautela. De fato, a busca da verdade sempre foi o que levou inúmeros estudiosos de diversas ciências em direcionar seus estudos visando o seu melhor conceito.
Mas a principal atenção ofertada nesses ensaios é justamente a investigação da verdade no processo penal, levando-se em conta, alguns parâmetros e obstáculos que fazem parte desta tarefa, não a deixando passível de arbitrariedades e ilegalidades.
Apenas sobre breve síntese, antes de se partir ao foco de discussão desses ensaios, cabe ressaltar que o termo verdade, almejado constantemente pela inteligência humana, pode ser entendida como a conformidade da noção ideológica com a realidade, sendo que no plano jurídico, o juiz se convence da verdade (adquire o estado de certeza) em virtude da demonstração lógico-racional dos vários elementos expostos ao longo da instrução, denominados provas. [1]
Em virtude do magistrado não ser imune às transformações dos costumes que regem a sociedade ao longo dos anos, bem como pelo fato dele trabalhar no processo com todas as limitações sentidas pela sua condição de ser humano falível, é dificultado a ele alcançar a verdade de como os fatos realmente aconteceram. Ademais, a velho pensamento voltado a mera alusão de que o juiz é o aplicador da lei, frio e insensível, ou de que ele é a própria ‘boca da lei’, tornou-se uma falácia que contraria as exigências da sociedade moderna. [2]
Ao longo da tarefa de presidir o processo, o juiz autoriza a produção, coleta e valoração das provas apresentadas pelas partes. Na sua tarefa maior, que é a de julgar, o juiz há de ser um homem afinado com o tempo presente, e, como tal, não lhe é dado o vezo de ignorar as alterações sociais [3], ou seja, deve ser um conhecedor dos costumes e dos parâmetros que regem a sociedade, tendo em mente que ela não é estática, sendo suscetível de evoluções e de transformações.
Mesmo com todas as dificuldades da Justiça Criminal em se adaptar a nova era, o certo é que o juiz criminal deve ter uma participação ativa no desenvolvimento do processo, adotando meios modernos de investigação da verdade proporcionados pela tecnologia e, sempre encontrando respaldo na legislação vigente.
Não obstante o número de processos dificulte o aprofundamento da investigação da verdade, na medida em que o juiz deve obedecer todos os prazos previstos em lei, a adoção de meios mais efetivos para desenrolar o processo, além de poupar tempo, dará ao juiz maiores elementos para que ele investigue verdade.
Mas, não significa dizer que é necessário apenas que o juiz conheça a tecnologia moderna e os recursos informáticos para bem exercer a árdua tarefa de buscar a verdade. Além desses conhecimentos, cabe a ele, como comenta Marco Antônio de Barros:
ser um penalista, saber utilizar-se das ciências auxiliares e que diretamente informam o direito penal; deve, ainda, conhecer antropologia, sociologia e psicologia criminais, psiquiatria, enfim ser um estudioso da criminologia. Suficiente, porém, para efeito do bom desempenho da tarefa de buscar a verdade, a confirmação de algumas dessas qualidades, tais como a imparcialidade, independência, equilíbrio e prudência.[4]
Assim, a união de todas essas qualidades se mostra de grande importância para bem delimitar a atuação do juiz acerca da investigação da verdade.
Diante de todos os contornos que passaram a pontuar e a limitar o período em que tudo era permitido ao juiz para se descobrir a verdade dos fatos, hodiernamente, em face do avanço dado à proteção dos direitos humanos, bem como pelo sistema de garantias individuais existente na Constituição Federal de 1988, algumas dessas regras também passam a limitar a busca da verdade pelo juiz, e que sem sombra de dúvidas, devem ser respeitadas.
Sem prejuízo ao reconhecimento que é atribuído aos dados históricos apontados nas constituições brasileiras, a Constituição Federal de 1988, que nas palavras ilustres de José Afonso da Silva é um texto moderno, com inovações de relevante importância para o constitucionalismo brasileiro e até mundial [5], se destaca por elevar à categoria de direitos fundamentais os princípios basilares do processo penal, com o predomínio de um novo sistema processual penal que derrogou vários dispositivos do Código de Processo Penal, bem como algumas leis processuais penais esparsas. Aliás, cabe ressaltar que entre nós, as constituições, desde o Império, contemplaram normas de garantia individual, sendo nesse aspecto pródiga a Constituição atual, que, em seu art. 5º, apresenta extenso rol de regras destinadas a assegurar os direitos individuais e coletivos. [6]
A anotação inicial que se faz acerca da Constituição Federal de 1988, acerca dos limites para a busca da verdade em face das garantias mencionadas, se volta sobre a vedação, nos termos do art. 5º, XLIX, da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento e cruéis, bem como o preceito que assegura ao réu o respeito à sua integridade física e moral, com fulcro no art. 5º, XLIX. [7]
Outra restrição é encontrada no art. 5º, III, em que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, sendo o crime de tortura tipificado no artigo 1º, I, “a”, da Lei 9.455 de 1997. Esse preceito se completa na garantia de o preso permanecer calado (art. 5º, LXIII, da CF/88); a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI, CF/88); e os comandos referentes à inviolabilidade do sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, XII, da CF/88). Acrescenta-se ainda a presunção de inocência do acusado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 5º, LVIII, CF/88); o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes (art. 5º, LV); a publicidade dos atos processuais (art. 5º, LX, CF/88); a necessidade de fundamentação de todas as decisões judiciais (art. 93, IX, CF/88) e o devido processo legal, que conforme o ensinamento de Cândido Rangel Dinamarco, visa [...] fechar o círculo das garantias e exigências constitucionais relativas ao processo, numa fórmula sintética destinada a afirmar a indispensabilidade de todas e reafirmar a autoridade de cada uma. [8]
O legislador constituinte inseriu o princípio do devido processo legal, no art. 5º, LIV, pelo qual se pode abstrair um amplo significado, pois ele vai ao encontro à obediência de outras regras que formam o Direito positivo. Segundo explanação ilustre de José Afonso da Silva:
O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Carta Magna inglesa: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Combinado com o direito de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF/88) e o contraditório e a plenitude de defesa (art. 5º, LV, CF/88), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e ‘quando se fala em processo’, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue ao Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica.[9]
Após todas essas considerações, resta concluir que a Constituição Federal de 1988 elevou os preceitos básicos do processo penal ao mais elevado nível. E por ser o simples modo de ser do Estado, bem como a lei fundamental do país, não pode sofrer ofensas por qualquer lei hierarquicamente inferior. A propósito, o Código de Processo Penal estabelece um descompasso em relação à ordem constitucional vigente, o que torna indispensável dar uma nova consistência ao sistema processual penal brasileiro, principalmente pelos sistemas dos direitos e garantias estabelecidos pelo art. 5º da Constituição Federal de 1988, que influem na investigação da verdade. Para tanto, essa adequação que é exercida pelo juiz criminal, deve ser desempenhada com cautela, porque ao juiz cabe, em ultima ratio, a salvaguarda dos direitos fundamentais.
A sociedade evolui ao longo dos anos. Desde a vida rudimentar, até o paradigma tecnológico, que, em poucos segundos, torna possível a comunicação em diferentes partes do planeta. Essa transformação, que conta com o auxílio da tecnologia, da internet e da informática para transmissão e a aquisição de informações; recebeu o nome de sociedade da informação.
Sobre a denominada sociedade da informação, Marco Antônio de Barros destaca o fato de ela contar com meios modernos de comunicação filiados à tecnologia, os quais transformam os hábitos rotineiros de grande parte da população do planeta. [10]
Pelo fato da sociedade da informação se destacar pela adoção de meios modernos de comunicação atrelados à tecnologia, o certo é que grande parte da população mundial vive numa verdadeira revolução nos hábitos diários. Aliás, esse novo modelo social, faz com que novos direitos apareçam, se tornando imperiosa a necessidade da evolução e a conquista de melhorias na efetividade da prestação jurisdicional na área penal. Como bem destaca Marco Antônio de Barros:
No bojo desse inexorável contexto tecnológico repousa o desafio de enfrentá-lo no plano das medidas de combate à criminalidade cibernética, por onde também navegam infratores da lei penal. Mais do que isto, impõem-se estimular a utilização dos sistemas de informação nos procedimentos penais, a fim de agilizar as investigações, a apuração dos fatos e os velhos ritos do processo criminal. E é especificamente nestes pontos críticos de sua definição que se localiza a absoluta necessidade de se proceder à reformulação de velhos mecanismos legais, bem como da própria estrutura judiciária, sempre com o fito de otimizar o andamento do processo e de igual modo dar maior eficácia à tutela punitiva tecnológica.[11]
Apesar de muitos setores da sociedade seguirem o ritmo acelerado ditado pelos avanços tecnológicos e informáticos, o certo é que a Justiça Criminal está distante de tal realidade. No entanto, cabe lembrar que diante deste novo contexto, são incontáveis as alterações pontuais que penetram no Código de Processo Penal por meio da Constituição Federal de 1988 e pela promulgação de leis especiais, com o surgimento de um processo penal voltado à sociedade atual.
Como se sabe, todos os avanços e transformações vividas pela sociedade provocam o aparecimento de novos direitos e interesses, o exige uma Justiça Criminal capaz de atender essa nova dinâmica. Exemplo importante de mudança está na criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, instituído pela Lei nº 9.099/95, sendo que, o simples consenso entre as partes é capaz de influir diretamente na busca da verdade, sendo facilitado o ingresso da conciliação no processo penal.
Com efeito, por meio da Lei nº 9.099/95, arquitetou-se um novo modelo de Justiça Criminal, para ter aplicação aos processos de competência dos Juizados Especiais e do Distrito Federal, que tenham por objeto, infrações de menor potencial ofensivo, que sofreram ampliação com a edição da lei 10.259/01, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na Justiça Federal. Por meio desta lei, as infrações de menor potencial ofensivo tiveram seus limites ampliados para os crimes que a lei comine pena máxima não superior a dois anos ou multa.
Mas não são apenas nos Juizados Especiais que se notam as transformações na Justiça Criminal acerca da investigação da verdade na era moderna. Hoje, a busca da verdade pressupõe uma relação entre o Estado e os membros da sociedade livre de burocracias, que como acentua Marco Antônio de Barros:
São de particular relevância para se atingir esse objetivo os instrumentos que compõem as novas tecnologias de informação, as quais precisam ser necessariamente utilizadas como fator de aproximação e de transformação das relações entre o Estado-Juiz com as partes, defensor e demais pessoas que participarem do processo. Sobretudo as novas formas de comunicação produzidas por via eletrônica, mesmo as estabelecidas em outros setores públicos ou privados, devem ser também disponibilizadas pelo Poder Judiciário, sempre com o propósito de facilitar o diálogo com os jurisdicionados e dessa forma potencializar a sua eficácia operacional, isto é, potencializar a própria resposta da Justiça. [12]
Nessa esteira, é possível afirmar que numa relação entre o Estado e a sociedade moderna, é indispensável à participação dos recursos da tecnologia e da informática, que possibilitam a queda dos entraves burocráticos e a oportunidade à facilitação da prática dos atos relativos ao processo penal, inclusive à investigação da verdade.
Percebe-se, por fim, que o uso de tais recursos permitirá uma melhor gestão das garantias individuais asseguradas pelo devido processo legal. Neste particular, deve ser lembrada a tecnologia da videoconferência, bem como a admissibilidade do documento eletrônico resguardado pela certeza de sua autenticidade e integridade, que como melhor será discutido neste trabalho, oferece não só melhorias ao desenvolvimento do processo visando o descobrimento da verdade, como também dão uma maior ampliação aos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se que a investigação da verdade é de suma importância para a aplicação da lei penal ao real infrator da norma penal.
E pelo fato da sociedade passar por transformações em diversos dos seus setores, principalmente pela inclusão da tecnologia que permite uma maior facilidade na aquisição e na transmissão de informações, cabe a cada um dos operadores do Direito se atentarem para esse fenômeno, principalmente aos atuantes da esfera criminal, que devem se adaptar com essa nova realidade social, com a inclusão de tais evidências para investigação da verdade e para conquista de uma maior efetividade e celeridade aos feitos existentes na Justiça Criminal.
NOTAS
[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.p.14.
[2] BARROS, Marco Antônio de. A busca da verdade no processo penal. 1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.116.
[3] BARROS, op.cit., p.116.
[4] BARROS, op.cit., p.121.
[5] SILVA, José Afonso de. Curso de direito constitucional positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.p.89.
[6] FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.p.18.
[7] BARROS, op.cit., p.90-95.
[8] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 5.ed. São Paulo: Malheiros, v.1, 2005.p.264.
[9] SILVA, op.cit., p.431-432.
[10] BARROS, Marco Antônio de. Tutela punitiva tecnológica. In: O direito na sociedade da informação. Liliana Minardi Paesani (Coord.). 1. ed. São Paulo: Atlas, 2007.p.275.
[11] BARROS, op.cit., p.277.
[12] BARROS, op.cit. p.278.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Marco Antônio de. A busca da verdade no processo penal. 1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
______. Tutela punitiva tecnológica. In: O direito na sociedade da informação. Liliana Minardi Paesani (Coord.). 1. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 5.ed. São Paulo: Malheiros, v.1, 2005.
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.p.14.
SILVA, José Afonso de. Curso de direito constitucional positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós Graduado em Direito de Família e Sucessões. Analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo/SP, atuante na Vara de Família e Sucessões.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GROSSO, Eduardo Luis. Os diversos parâmetros para busca da verdade no processo penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2010, 07:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/22714/os-diversos-parametros-para-busca-da-verdade-no-processo-penal-brasileiro. Acesso em: 24 dez 2024.
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