1. INTRODUÇÃO
Não obstante a derivação da palavra trabalho do termo latino tripaliare, o qual representa um objeto de tortura utilizado no martírio dos condenados, gladiadores do circo romano e os escravos em tempos antigos, bem como, a visão negativa do trabalho ostentada por alguns pensadores, é certo afirmar que, assim como defende Hegel, o trabalho é uma atividade construtiva na vida social e individual[1].
Trata-se de um direito inerente ao Homem, vez que propicia o atendimento de suas necessidades fundamentais, fortalece a sua inserção no âmbito social e corrobora para dar efetividade à dignidade humana. Vislumbrando o caráter imprescindível do trabalho, principalmente nos tempos modernos onde prevalece o espírito capitalista, e para fins de proteção do direito ao trabalho, em 1963, a Organização Mundial do Trabalho – OIT emitiu a Recomendação nº 119, que tratava sobre o Término da Relação de Trabalho e em 22 de junho de 1982 emitiu as proposições da Convenção 158, que também trata sobre o tema. Mauricio Godinho Delgado ensina que:
Neste plano, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana – com necessária dimensão social, da qual é o trabalho seu mais relevante aspecto –, ao lado do princípio da subordinação da propriedade à sua função sócioambiental, além do princípio da valorização do trabalho e, em especial, do emprego, todos expressam o ponto de maior afirmação alcançada pelo Direito do Trabalho na evolução constitucional dos últimos séculos. [2]
A nossa Constituição Federal de 1988, contemplou em seu artigo 6º, o direito ao trabalho como um direito social, dispondo, ainda, em seu art. 7º, inciso I, uma proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, com o ideal de dar efetividade ao direito consubstanciado anteriormente. O legislador constituinte dispôs, também, que a República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos o valor social do trabalho (art. 1º, IV), bem como a valorização do trabalho humano como fundamento da ordem econômica e a busca do pleno emprego (art. 170) e o trabalho como base da ordem social (art. 193), com o objetivo de assegurar a todos uma existência digna, promover o bem de todos, reduzir as desigualdades sociais e construir uma sociedade livre justa e solidária.
Porém, embora haja uma aparente proteção legal ao referido direito, esse parece não ser efetivo em nossa sociedade, pois é comum visualizarmos um sistema laboral desprovido de garantias ao trabalhador, ensejando, portanto, em meras normas programáticas, dependentes da avaliação de um juízo de oportunidade e da própria evolução das situações de fato.
É nessa esteira que o presente trabalho pretende abordar o direito fundamental ao trabalho frente à despedida arbitrária ou sem justa causa no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. Aborda, ainda, a problemática das políticas públicas de emprego no Brasil, aparentemente ineficaz frente à demanda, gerando, dentre outras situações, uma alta taxa de desemprego, dificuldade na qualificação da mão-de-obra, bem como, a alta taxa de rotatividade de emprego.
Aborda, também, a o caso da demissão em massa, ocorrido na Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), no ano de 2009, quando mais de 4.000 trabalhadores foram demitidos. Tal caso repercutiu na imprensa nacional, bem como no mundo jurídico, uma vez que por meio de uma decisão inovadora o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região suspendeu as demissões. Na decisão citada a fundamentação foi a prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito fundamental ao trabalho perante o poder diretivo do empregador.
2. O TRABALHO COMO FUNDAMENTO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
O artigo 1º de nossa Carta Magna dispõe que a “República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito” e elenca em seus incisos os fundamentos do Estado Brasileiro, os quais devem ser compreendidos como valores primordiais de nosso sistema jurídico e social. Assim, o referido artigo traz em seu inciso IV “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” como, alguns dos alicerces de nosso Estado, pois é somente com a força do trabalho que o indivíduo contribui para o avanço e o progresso de nossa sociedade, atingindo, também, a satisfação pessoal através de sua participação na construção da riqueza do país e alcançando o respeito dos demais. Torna-se, portanto, clara a correlação entre o trabalho e a cidadania e foi com base nessa intima relação que Ulysses Guimarães, denominou de “Constituição Coragem” o texto que anteriormente integrava nossa Carta Magna e que posteriormente retirado sob alegação de inconstitucionalidade:
O Homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania. A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o país. Diferentemente das sete constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a constituição cidadã. Cidadão é o que ganha, come, sabe, mora, pode se curar. (...) [3]
Porém, tais princípios que visam à proteção do trabalhador nem sempre estiveram constitucionalmente protegidos, tal conquista foi construída ao longo do tempo através da evolução da sociedade e da legislação pertinente. Andréia Pereira Zanella cita que:
Os princípios, anteriormente, estavam revestidos de uma “alegada indeterminação” [4] que servia para colocá-los em um plano fora da atuação do mundo real. Eram meras diretrizes, mas, por serem qualificadas como abstratas, não possuíam aplicabilidade e efetividade imediata. [5]
Tal evolução principiológica não ocorreu em um só momento, mas sim foi construída de forma paulatina até atingirem um conteúdo jurídico e, consequentemente, aplicabilidade. Nesse contexto pode-se dizer que tal evolução deu-se em três fases, conforme ensina Paulo Bonavides:
A mais antiga e tradicional é a fase jusnaturalista; aqui os princípios habitam ainda a esfera por inteiro e abstrata e sua normatividade, basicamente nula e duvidosa, contrasta com o reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa de idéia que inspira os postulados de justiça. (...)
A segunda fase da teorização dos princípios vem a ser a juspositiva, com os princípios entrando nos Códigos como fonte normativa subsidiária. [6]
Tem-se, portanto, a passagem de um sistema de princípios de forma abstrata e valorativa para um sistema codificado, o que lhe traz uma maior vinculação e aplicabilidade em nosso sistema jurídico. Temos, ainda, segundo Paulo Bonavides, a terceira fase da evolução dos princípios, denominada coma a fase do pós-positivismo, e definida como:
a qual corresponde aos grandes momentos constituintes das últimas décadas do século XX. As novas constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual se assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais. [7]
É correto afirmar que a afirmação dos valores sociais do trabalho em nosso ordenamento jurídico, significa que “esse não deve conferir ou reconhecer privilégios econômicos condenáveis, uma vez que apenas o trabalho é capaz de promover a dignidade da pessoa humana”. [8]
3. O DIREITO AO TRABALHO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana, constante no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1948, pode ser conceituada como um atributo inerente à pessoa humana, individualmente considerada, sendo, portanto, qualidade integrante e irrenunciável, a qual deve ser respeitada, promovida e protegida. Maria Celina Bodin de Moraes, utiliza um conceito negativo para a definição da dignidade da pessoa humana “(...) será desumano, isto é, contrário à dignidade da pessoa humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa (o sujeito de direitos) à condição de objeto.” [9] Já Ingo Wolfgang Sarlet propõe a seguinte definição:
(...) por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. [10]
Por se tratar de atributo intrínseco ao ser humano, possui caráter absoluto e não depende de criação ou reconhecimento através do ordenamento jurídico, porém, apesar de não depender de tal atuação legislativa o presente instituto foi normatizado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, tornando-se, também, um dos alicerces de nossa sociedade assim como o trabalho. Temos, portanto, que a dignidade da pessoa humana deixou de ser apenas um direito natural para tornar-se um princípio capaz de atingir os seus fins no seio da sociedade brasileira. Sobre o tema Flávia Piovesan acrescenta que “os direitos humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais”. [11]
É inegável que no sistema social vigente, os princípios fundamentais do valor social do trabalho e o princípio da dignidade da pessoa humana estão intimamente ligados, daí a proteção dada pelo artigo 23, da referida Declaração Universal dos direitos do Homem que consagrou, também, o direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
Tais princípios devem ser considerados como informador do sistema jurídico-político e orientador dos fins a serem perseguidos na execução dos atos públicos ou particulares, a fim de proporcionar um mínimo existencial, o que corresponde ao conjunto de situações materiais indispensáveis a uma existência digna, nos aspectos econômicos, culturais e sociais, demandando uma efetiva participação dos indivíduos nas deliberações públicas, a fim de tornar as ações correspondentes exigíveis perante o Estado.
Não inutilmente, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela assembléia Geral das nações Unidas em 16 de dezembro de 1966, reconhece o direito ao trabalho em seu artigo 6.1, in verbis:
Os Estados Partes do Presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho, que compreende o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, e tomarão medidas apropriadas para salvaguarda esse direito.[12]
Segue em sintonia, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocola de são Salvador) que prevê em seu artigo 6º, que trata do direito ao trabalho:
1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, o que inclui a oportunidade de obter os meios para levar uma vida digna e decorosa por meio do desempenho de uma atividade lícita, livremente escolhida ou aceita.
2. Os Estados Partes comprometem-se a adotar medidas que garantam plena efetividade do direito ao trabalho, especialmente as referentes à consecução do pleno emprego, à orientação vocacional e ao desenvolvimento de projetos de treinamento técnico-profissional, particularmente os destinados aos deficientes. Os Estados Partes comprometem-se também a executar e a fortalecer programas que coadjuvem um adequado atendimento da família, a fim de que a mulher tenha real possibilidade de exercer o direito ao trabalho.[13]
Dessa forma, fica evidente a correlação entre os princípios do direito ao trabalho e da dignidade da pessoa humana, o que enseja que o não cumprimento das obrigações estatais concernentes à proporcionar esse mínimo existencial, em especial a efetividade do direito ao trabalho, é uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, podendo tal demanda ser exigida judicialmente.
4. O CONCEITO DE DIREITO FUNDAMENTAL
Antes de adentrarmos ao tópico, faz-se mister fazer uma breve diferenciação entre os termos “direitos do homem” ou “direitos humanos” e “direitos fundamentais” uma vez que os termos podem parecer sinônimos, mas não o são. Os doutrinadores expõem que direitos fundamentais são os direitos do homem transformados em direito positivo diferenciando-se do direito do homem os quais são direitos suprapositivos válidos para todos os povos e em todos os tempos, conforme ensinamentos de Canotilho. [14] Alexandre de Moraes define direitos fundamentais como:
O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais. [15]
Por sua vez, Mauricio Godinho Delgado define direitos fundamentais como “prerrogativas ou vantagens jurídicas estruturantes da existência, afirmação e projeção da pessoa humana e de sua vida em sociedade”, e acrescenta que esses só chegaram a produzir efeitos relevantes a partir da segunda metade do século XIX com a incorporação de sua matriz nos extensos segmentos socioeconômicos destituídos de riqueza, os quais, pela primeira vez na história, passam a possuir prerrogativas e vantagens jurídicas no seio da sociedade.[16]
Para Arion Saião Romita define direito fundamental como os direitos que “asseguram a cada homem as garantias de liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça.” [17] Na seara trabalhista podemos definir direito fundamental como os mandamentos acima descritos aplicáveis nas relações entre trabalhadores e o Estado, bem como nas relações entre empregado e empregador, de forma propiciar uma existência digna ao Homem.
4.1 O direito ao trabalho como direito fundamental
Em nosso ordenamento jurídico, a idéia de fundamentalidade de um direito é extraída através da constituição federal de 1988, uma vez essa traz em seu texto o método interpretativo a ser utilizado para a verificação da fundamentalidade ou não de determinado direito, ou seja, há um critério formal de verificação[18] onde o direito, para ser considerado fundamental, há de constar no catálogo de direitos do Título II da Carta Magna – Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
É com base no aspecto formal que podemos declarar a fundamentabilidade do direito ao trabalho, uma vez que esse está previsto no artigo 6º, do Capítulo II, do Título II da constituição Federal de 1988.
Trata-se, portanto, de um direito fundamental de segunda geração, os quais estão ligados ao princípio da igualdade. Fazem parte desse contexto os direitos econômicos, culturais e os direitos sociais, sendo que nesse último está inserido o direito ao trabalho. O direito social, também chamado de status positivus ou a prestações, tem um caráter principiológico. Robert Alexy ensina que quando os direitos fundamentais assumem estrutura de princípio, esses passam a possuir dimensões individual e coletiva, como por exemplo, o caso do direito ao trabalho e acrescenta que:
Os princípios podem se referir tanto a direitos individuais como bens coletivos (...) o fato de que um princípio se refira a bens coletivos significa que ordena a criação ou manutenção de situações que satisfazem, na medida do possível, de acordo com as possibilidades jurídicas e fáticas, que vão além da validez ou satisfação dos direitos individuais. [19]
Com base no acima exposto podemos afirmar que os direitos sociais exigem determinada ação do Estado, mediante políticas públicas e medidas concretas de políticas sociais, para a satisfação das necessidades da sociedade, de forma a melhorar as condições de vida de seus membros. Tais ações estatais podem ser de prestações materiais, ou seja, ações fáticas positivas onde o Estado oferece diretamente os bens ou serviços, ou podem ser ações normativas positivas, onde o Estado cria normas jurídicas que tutelam interesses individuais. Bobbio acrescenta:
É supérfluo acrescentar que o reconhecimento dos direitos sociais suscita, além do problema da proliferação dos direitos do homem, problemas bem mais difíceis de resolver no que concerne àquela prática de que falei no início: é que a proteção destes últimos requer uma intervenção ativa do estado, que não é requerida pela proteção dos direitos de liberdade, produzindo aquela organização dos serviços públicos de onde nasceu até mesmo uma nova forma de Estado, o Estado Social. Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado - e, portanto, com o objetivo de limitar o poder -, os direitos sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado. [20]
4.2 O princípio da máxima efetividade e a reserva do possível
O princípio da máxima efetividade, também conhecido como princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, significa que na interpretação das normas constitucionais dê-se a maior efetividade possível a elas, ou seja, deve-se realizar tal interpretação de forma a proporcionar maior eficácia e concretizar sua função social, objeto da norma constitucional. [21]
Embora o artigo 5º, parágrafo 1º, da CF estabeleça que as normas referentes aos “direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata”, no caso dos direitos sociais tal efeito não podem ser exercidos de forma imediata, pois tais normas não possuem definições claras para as hipóteses e condições de incidência, mais ainda assim, vinculam as autoridades do Estado a tomar imediatamente ações no sentido de tornar efetivos os direitos sociais, de outra forma, teríamos apenas meras palavras sem qualquer caráter normativo.
Tem-se, ainda, que parte da doutrina entende a reserva do possível como limitador às obrigações estatais de prestação, sobretudo nos casos relacionados aos direitos sociais. Celso de Mello expôs que a prática de tais direitos pelo Estado depende da presença cumulativa da razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e da existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. [22]
É cediço que o princípio da reserva do possível teve origem na Alemanha quando o Tribunal Constitucional Federal alemão julgou improcedente a ação (BverfGE nº 33, S.333) de um estudante que requeria o ingresso em uma universidade pública para a realização do curso de medicina, uma vez que não era possível para o Estado proporcionar vagas a todos interessados a freqüentar as academias públicas.[23] Sobre essa decisão proferida pelo judiciário alemão, Sarlet acrescenta:
(...) colhe-se o ensejo de referir decisão da Corte Constitucional Federal da Alemanha, que, desde o paradigmático caso numerus clausus, versando sobre o direito de acesso ao ensino superior, firmou jurisprudência no sentido de que a prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável. Assim, poder-se-ia sustentar que não haveria como impor ao Estado a prestação de assistência social a alguém que efetivamente não faça jus ao benefício, por dispor, ele próprio, de recursos suficientes para seu sustento. O que, contudo, corresponde ao razoável também depende – de acordo com a decisão referida e boa parte da doutrina alemã – da ponderação por parte do legislador. [24]
Porém, a assimilação do princípio da reserva do possível em nosso ordenamento jurídico torna-se bastante perigosa, sem as devidas cautelas, e porque não se falar, as devidas adaptações, uma vez que o direito tem que ser estabelecido dentro de uma realidade fática e as realidades brasileira e alemã em muito se diferem. Sobre o tema Canotilho expõe que:
(...) o entendimento dos direitos sociais, econômicos e culturais como direitos originários implica, como já foi salientado, uma mudança na função dos direitos fundamentais e põe com acuidade o problema de sua efetivação. Não obstante se falar aqui da efetivação dentro de uma ‘reserva do possível’, para significar a dependência dos econômicos, sociais e culturais dos ‘recursos econômicos’, a efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais não se reduz a um simples ‘apelo’ ao legislador. Existe uma verdadeira imposição constitucional, legitimadora, entre outras coisas, de transformações econômicas e sociais na medida em que estas forem necessárias para a efetivação desses direitos (...). [25]
Nesse sentido alguns doutrinadores não vêem a possibilidade de utilização do princípio da reserva do possível como limitação à aplicabilidade imediata dos direitos prestacionais. Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins argumentam que:
O possível não é uma grandeza objetivamente aferível no que diz respeito à atuação do estado. Uma reflexão simples mostra que o Estado pode utilizar um amplo leque de medidas para tornar possível uma prestação. Indicamos a reorganização das prioridades orçamentárias, a racionalização das despesas (...). [26]
5. AS POLÍTICAS PÚBLICAS VISANDO O PLENO EMPREGO
O desemprego é uma grande preocupação da economia mundial moderna, uma vez que um enorme conjunto de motivos, dentre eles o desenvolvimento de novas tecnologias e a globalização exigem, cada vez mais, uma maior qualificação dos trabalhadores e, também, acabam por diminuir o número de vagas de trabalho existentes. Tal condição é objeto permanente de estudos por parte dos especialistas, bem como dos governos mundiais que procuram, através de políticas de públicas, diminuir a taxa de desemprego através do estimulo da economia, proporcionar a adequada formação dos trabalhadores e da manutenção das relações de empregos existentes. Rodolfo de Camargo Mancuso define política pública como:
(...) a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentida largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em norma constitucional ou legal, sujeitando-se ao controle jurisdicional amplo e exauriente, especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados alcançados. [27]
Porém, não basta somente, a existência da vaga de trabalho, esse tem que ter as condições adequadas para o exercício das funções e proporcionar uma remuneração digna, para que os anseios das normas constitucionais da dignidade de pessoa humana e o direito ao trabalho possam ser efetivados em forma máxima.
Nesse sentido a Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Justiça Social para uma Globalização Eqüitativa, adotada pela 97ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, reunida em Genebra, 2008, que estabelece o pleno emprego produtivo e o trabalho decente como elemento central das políticas econômicas e sociais.
Em âmbito nacional a situação não difere, ocasionando estudos por parte do Poder Público a fim de solucionar ou minimizar os problemas relacionados à taxa de desemprego acima elencados. No sítio da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), do Governo Federal, na internet podemos encontrar o seguinte texto sob o assunto, onde algumas metas são estabelecidas como metas para o Plano Brasil 2022:
Outro marcante desafio para o setor refere-se à tendência de aumento das taxas de desemprego em razão da evolução tecnológica e dos novos padrões de organização da produção. Por esse motivo, é necessária a regulação do mercado de trabalho, a fim de corrigir suas falhas. O bom funcionamento das instituições desse mercado é fundamental para garantir a distribuição dos benefícios sociais do desenvolvimento econômico, na medida em que favorece a implementação de políticas que possibilitem a apropriação dos ganhos de produtividade pelos trabalhadores. Exemplos atuais dessas políticas encontram-se na conquista de regras mais claras para condicionar o empréstimo de recursos públicos à geração/manutenção de postos de trabalho como contrapartida social das empresas e o aumento do poder de compra do salário mínimo, que influenciou decisivamente o crescimento do mercado interno e ajudou o País a superar a recente crise financeira internacional. [28]
A Constituição Federal do Brasil, no artigo 170 diz o seguinte: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) III – função social da propriedade; (…) VIII – busca do pleno emprego”.
O poder público tem o poder de intervir nos níveis de emprego de diversas maneiras. Pode ser através de políticas passivas que utilizam como dado o nível de emprego (ou desemprego), tendo como objetivo a assist6encia financeira ao trabalhador desempregado ou a redução do excesso de oferta de trabalho, podemos citar como exemplos o seguro-desemprego e a expulsão de população (imigrantes ilegais). [29]
Tal intervenção pode ser efetivada, também, através de políticas públicas ativas que visam o exercício de um efeito positivo na demanda de trabalho, onde temos como exemplos de instrumentos utilizáveis a intermediação de mão-de-obra, a formação e reciclagem do profissional, a criação de empregos, a subvenção ao emprego e, ainda, as medidas que elevem a elasticidade emprego-produtivo. [30]
5.1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO NO BRASIL
Apesar das economias desenvolvidas terem concentrado esforços para o desenvolvimento das políticas públicas de emprego ao final da II Guerra Mundial, no Brasil tais medidas tomaram relevância somente no início da década de 1960, com a primeira tentativa de criação de um seguro para o trabalhador desempregado, criado através da Lei 4.923/65, a qual criou o Cadastro Permanente de Admissões e Dispensas de Empregados e o Fundo de Assistência ao Desempregado (FAD), porém tal benefício não durou muito.
Em 1966 foi criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), com o objetivo de proteger o trabalhador da demissão sem justa causa, onde o empregador deposita mensalmente o equivalente a 8% do salário pago ao trabalhador em sua conta vinculada. Com sua criação os recursos do FAD, foram direcionados para esse novo fundo. Porém, o FGTS viabilizava a flexibilização das demissões dos trabalhadores, uma vez que a legislação da época obrigava as empresas a efetivar pesadas indenizações aos empregados demitidos sem justa causa, além da estabilidade no emprego adquirida pelo trabalhador que trabalhasse por dez anos na mesma empresa. A criação do FGTS estimulou a enorme rotatividade de trabalhadores uma vez que as demissões já não custavam tão caro aos empregadores. [31]
Em 1970 foram criados o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público (PASEP), unidos em 1975, tais recursos estariam disponíveis aos trabalhadores por ocasião do casamento, aposentadoria, invalidez permanente ou morte do participante. Em 1975 foi criado, também, o Sistema Nacional de Emprego (Sine), através do Decreto 76.403/75, que tinha como metas prover serviços para intermediação de mão-de-obra, orientação e qualificação do profissional e geração de informações sobre o mercado de trabalho, porém seus resultados foram muito incipientes, ficando evidente que a prioridade das políticas públicas de emprego nas décadas de 1960 e 1970 foi a de indenização ao trabalhador demitido.[32]
Na década de 1980 o país foi assolado por uma grave crise econômica com um grande aumento na taxa de desemprego e diminuição da capacidade do Estado, sobretudo nas áreas de infra-estrutura, acabando por piorar a situação dos trabalhadores, pois não havia qualquer política pública de emprego estruturada. [33]
Já na década de 1990 houve uma melhora na estrutura das políticas públicas de emprego. Em 11 de janeiro de 1990, com a aprovação da Lei nº 7.998, houve a criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT). Seus recursos advêm do PIS-PASEP, tendo a finalidade de angariar recursos para os programas de seguro-desemprego, implementação de políticas de emprego e renda, de formação profissional, intermediação da mão-de-obra e abono salarial. Nesse sentido o artigo 239 da Constituição federal:
Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo.
§ 1º - Dos recursos mencionados no "caput" deste artigo, pelo menos quarenta por cento serão destinados a financiar programas de desenvolvimento econômico, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com critérios de remuneração que lhes preservem o valor.
§ 2º - Os patrimônios acumulados do Programa de Integração Social e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público são preservados, mantendo-se os critérios de saque nas situações previstas nas leis específicas, com exceção da retirada por motivo de casamento, ficando vedada a distribuição da arrecadação de que trata o "caput" deste artigo, para depósito nas contas individuais dos participantes.
§ 3º - Aos empregados que percebam de empregadores que contribuem para o Programa de Integração Social ou para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, até dois salários mínimos de remuneração mensal, é assegurado o pagamento de um salário mínimo anual, computado neste valor o rendimento das contas individuais, no caso daqueles que já participavam dos referidos programas, até a data da promulgação desta Constituição.
§ 4º - O financiamento do seguro-desemprego receberá uma contribuição adicional da empresa cujo índice de rotatividade da força de trabalho superar o índice médio da rotatividade do setor, na forma estabelecida por lei.
Atualmente os recursos do FAT são utilizados basicamente em torno de do Programa de seguro-desemprego e dos Programas de geração de emprego e renda. O primeiro voltado para o pagamento do benefício do seguro-desemprego, da qualificação e requalificação profissional e da orientação e intermediação de emprego, utilizando para a realização de suas tarefas o SINE, as Comissões de Emprego e o Plano Nacional de Qualificação, utilizando dentre outros os seguintes sistemas: Serviço nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC e Serviço nacional de Aprendizagem Rural - SENAR. [34]
Os Programas de geração de emprego e renda são voltados em sua maioria para o micro e pequeno empresário, cooperativas e para o setor informal da economia através de programas de crédito produtivo popular, para o financiamento de insumos básicos e bens de capital sob encomenda, financiamento de infra-estrutura econômica, empreendimentos e projetos que visam à produção e comercialização de bens de reconhecida inserção internacional, dentre outros. [35]
Porém, tamanho esforço não se mostra de forma prática na sociedade brasileira, uma vez que a aplicação de tais meios não é organizada, não servindo para promover a justiça social e a promoção do emprego em território nacional e fomentando, assim, o aumento das taxas de desemprego. Souto Maior acrescenta que tal fato tem ligação com a forma de regulação das relações de trabalho e cita:
A facilidade jurídica conferida aos empregadores para dispensarem seus empregados provoca uma grande rotatividade de mão-de-obra, que tanto impulsiona o desemprego quanto favorece a insegurança nas relações trabalhistas, e, ainda, fragiliza a situação do trabalhador, provocando a precarização das condições de trabalho. [36]
Não temos, portanto, uma efetiva política pública de emprego que dê efetividade ao direito fundamental ao trabalho. Em pesquisa realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos (DIEESE), a taxa de desemprego total nas áreas metropolitanas em todo Brasil foi de 14,1% em 2008 e 14,2% em 2009[37], aumentando-se também a rotatividade no emprego, no ano de 2007, por exemplo, no país 14,3 milhões de trabalhadores foram admitidos, porém 12,7 milhões de trabalhadores tiveram seus contratos de trabalho rompidos, desses trabalhadores desligados 59,4%, ou seja, 7,6 milhões foram dispensados de forma imotivada ou sem justa causa. [38]
Trazendo dados mais atuais, podemos citar uma nova pesquisa do DIEESE que aponta a taxa de rotatividade apenas no setor bancário, no primeiro semestre de 2010, onde tivemos a contratação de 27.309 trabalhadores e 18.261 desligamentos. [39] Roberto Lima e Tarcisio Araújo acrescentam que há necessidade de:
Inserir a política pública de emprego e renda em uma estratégia maior de desenvolvimento, que leve em conta as diferenças regionais e, no caso do meio rural, a criação de uma agricultura familiar moderna e sustentável. O complemento indispensável de tal estratégia é desenvolver sistemas permanentes de monitoramento da execução dos programas e da avaliação dos impactos de emprego. A ampliação e o aperfeiçoamento dos mecanismos de apoio na sociedade civil, para o monitoramento, são peças indispensáveis (...). [40]
6. O PAPEL DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO NA EFETIVIDADE DO DIREITO AO TRABALHO
A Organização Internacional do Trabalho é uma Agência das nações unidas fundada em 1919, formada por representantes dos trabalhadores, empregadores e governos, com a finalidade de promover os princípios fundamentais e direitos no trabalho, através de um sistema de supervisão e aplicação de normas de forma a aumentar a abrangência e eficácia da proteção social. Sua Constituição traz no preâmbulo o seguinte texto: “a luta contra o desemprego é uma maneira de melhorar as condições de trabalho que contêm tal grau de injustiça, miséria e privações para um grande número de seres humanos (...)”.
É nesse contexto que a OIT procura produzir instrumentos com caráter normativos, podendo ser através de Recomendações e Convenções. As Recomendações têm caráter opcional e estabelecem orientações sobre políticas ligadas às relações de trabalho e justiça social, já as Convenções possuem caráter de tratados internacionais que devem ser ratificadas pelos Estados para ter eficácia jurídica.
Porém, apesar da possibilidade de grandes benefícios nas relações trabalhistas oriundas dos tratados internacionais fomentados pela OIT, alguns doutrinadores vêem com cautela a aplicação dos tratados nos ordenamentos jurídicos dos países membros, alegam que as diferenças econômicas, sociais e culturais dos diversos países membros, muitas vezes, impedem o bom funcionamento de determinada medida normativa. Marcio Túlio Viana adverte que não surtiram os efeitos desejados as recentes as recentes importações de normas referentes ao direito do trabalho. [41] No mesmo sentido as considerações de Marcio Pochmann que expõe que estamos caminhando para a formação de Frankenstein. [42] Acrescente-se, também, o posicionamento do Professor Jean-Claude Javilier que, no Fórum Internacional sobre Flexibilizacão do Direito do Trabalho, realizado em 2004, destacou que:
para elaborar qualquer convenio ou recomendação de aplicação geral deve-se levar em consideração aqueles países onde o clima, o desenvolvimento incompleto da organização industrial, ou outras circunstâncias particulares marquem essencialmente as diferentes condições de trabalho. [43]
6.1 A Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho e sua aplicabilidade em nosso ordenamento jurídico
A Convenção nº 158 da OIT, aprovada na 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho em 1982, visa a manutenção e a proteção das relações de trabalho contra a despedida arbitrária ou sem justa causa promovidas pelo empregador. Essa foi aprovada pelo Congresso Nacional em 1992, por meio do Decreto legislativo nº 68, sendo ratificada pelo Governo brasileiro em 1995 e foi promulgada em 1996, através do Decreto 1.855, de 10 de abril de 1996. A Confederação Nacional do Transporte (CNT) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuizaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1480), contestante a aplicabilidade da referida Convenção no ordenamento jurídico pátrio, alegando que a convenção nº 158 da OIT contraria o inciso I, do artigo 7º da Constituição, que determina que somente através de Lei Complementar poder-se-ia regulamentar a proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa. Compartilham desse entendimento Octavio Bueno Magano, Raimundo Cerqueira Ally e Arion Sayão Romita, dentre outros.
Em análise da ADI 1480, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu a liminar, em medida cautela na Ação Direta de Inconstitucionalidade, a fim de estabelecer a inconstitucionalidade dos artigos 4º a 10 da Convenção nº 158 da OIT, cuja ementa é a seguinte:
E M E N T A: - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONVENÇÃO Nº 158/OIT - PROTEÇÃO DO TRABALHADOR CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA - ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS ATOS QUE INCORPORARAM ESSA CONVENÇÃO INTERNACIONAL AO DIREITO POSITIVO INTERNO DO BRASIL (DECRETO LEGISLATIVO Nº 68/92 E DECRETO Nº 1.855/96) - POSSIBILIDADE DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - ALEGADA TRANSGRESSÃO AO ART. 7º, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E AO ART. 10, I DO ADCT/88 - REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA PROTEÇÃO CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA, POSTA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR - CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE TRATADO OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL ATUAR COMO SUCEDÂNEO DA LEI COMPLEMENTAR EXIGIDA PELA CONSTITUIÇÃO (CF, ART. 7º, I) - CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA DE INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA COMO EXPRESSÃO DA REAÇÃO ESTATAL À DEMISSÃO ARBITRÁRIA DO TRABALHADOR (CF, ART. 7º, I, C/C O ART. 10, I DO ADCT/88) - CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, CUJA APLICABILIDADE DEPENDE DA AÇÃO NORMATIVA DO LEGISLADOR INTERNO DE CADA PAÍS - POSSIBILIDADE DE ADEQUAÇÃO DAS DIRETRIZES CONSTANTES DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT ÀS EXIGÊNCIAS FORMAIS E MATERIAIS DO ESTATUTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO - PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DEFERIDO, EM PARTE, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. - É na Constituição da República - e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais - superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. - No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política. O exercício do treaty-making power, pelo Estado brasileiro - não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) -, está sujeito à necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO. - O Poder Judiciário - fundado na supremacia da Constituição da República - dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno. Doutrina e Jurisprudência. PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. - Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes. TRATADO INTERNACIONAL E RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR. - O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja suprema autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de direito internacional público. Os tratados internacionais celebrados pelo Brasil - ou aos quais o Brasil venha a aderir - não podem, em conseqüência, versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar. É que, em tal situação, a própria Carta Política subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao exclusivo domínio normativo da lei complementar, que não pode ser substituída por qualquer outra espécie normativa infraconstitucional, inclusive pelos atos internacionais já incorporados ao direito positivo interno. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, DESDE QUE OBSERVADA A INTERPRETAÇÃO CONFORME FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. - A Convenção nº 158/OIT, além de depender de necessária e ulterior intermediação legislativa para efeito de sua integral aplicabilidade no plano doméstico, configurando, sob tal aspecto, mera proposta de legislação dirigida ao legislador interno, não consagrou, como única conseqüência derivada da ruptura abusiva ou arbitrária do contrato de trabalho, o dever de os Estados-Partes, como o Brasil, instituírem, em sua legislação nacional, apenas a garantia da reintegração no emprego. Pelo contrário, a Convenção nº 158/OIT expressamente permite a cada Estado-Parte (Artigo 10), que, em função de seu próprio ordenamento positivo interno, opte pela solução normativa que se revelar mais consentânea e compatível com a legislação e a prática nacionais, adotando, em conseqüência, sempre com estrita observância do estatuto fundamental de cada País (a Constituição brasileira, no caso), a fórmula da reintegração no emprego e/ou da indenização compensatória. Análise de cada um dos Artigos impugnados da Convenção nº 158/OIT (Artigos 4º a 10). [44]
Porém, o Governo brasileiro, antes mesmo da decisão judicial, denunciou a ratificação da convenção através do Decreto 2.100 do mesmo ano, anunciando que tal dispositivo deixaria de viger em nosso ordenamento jurídico a partir de 20 de novembro de 1997.
Contrária a tal medida a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) ajuizou uma outra Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1625), a qual está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal.
Tem-se aí, uma grande celeuma jurídica onde se contesta a validade jurídica da denuncia realizada, pois teria havido o decurso do prazo de 12 meses, a contar do depósito da ratificação na Repartição Internacional do Trabalho (RIT), da OIT, realizado em 05 de janeiro de 1995, uma vez que o Decreto 2.100 foi publicado somente em 23 de novembro de 1996.
Souto Maior fundamenta seu posicionamento favorável sobre a aplicabilidade da Convenção nº 158 da OIT em nosso ordenamento jurídico dispondo que todos os requisitos legais foram cumpridos: a aprovação da Convenção no Congresso Nacional, o depósito da Carta de ratificação na RIT e o Decreto de promulgação, no entanto não houve, segundo ele, uma denúncia válida e expõe:
O problema é que a denúncia produziu efeitos internos apenas com a publicação do Decreto 2.100, o que se deu em 23 de novembro de 1996 e conforme ensina Cássio de Mesquita Barros Jr., mesmo que considerada a possibilidade de se efetuar a denúncia, tomando-se como parâmetro a vigência da Convenção 158 no âmbito internacional, a Convenção só poderia ter sido denunciada até 22 de novembro de 1996, vez que a Convenção, adotada pela 68a. da OIT, em 22 de junho de 1982, entrou em vigor no âmbito internacional em 23 de novembro de 1985, após efetivadas duas ratificações junto à OIT, conforme previsto no art. 15.2 da Convenção. Assim, mesmo considerando-se o prazo dos doze meses subseqüentes ao decênio de vigência no plano internacional, a denúncia somente poderia ser efetivada pelo Brasil até 22 de novembro de 1996. Mas, como se viu, o Decreto de denúncia foi publicado em 23 de novembro, e ainda para produzir efeitos a partir de 20 de novembro do ano seguinte. [45]
O doutrinador acrescenta, ainda:
Além disso, não é sequer correta esta interpretação de que o prazo de dez anos de vigência, para se efetuar a denúncia, conta-se a partir da vigência da Convenção no âmbito internacional. Conforme ensina Arnaldo Süssekind, o prazo de 10 anos conta-se a partir "de cada ratificação" e não do prazo de vigência internacional da Convenção original. Por fim, dê-se relevo à posição de Márcio Túlio Viana, que destaca a inconstitucionalidade da denúncia, na medida em que o ato praticado pelo chefe do Poder Executivo, de denunciar, mediante Decreto, a Convenção, extrapolou os limites de sua competência, constitucionalmente fixados. Argumenta Viana: se é o Congresso quem aprova os tratados internacionais, "como pode o Presidente, por ato isolado, denunciá-los". [46]
6.2 A vedação da dispensa arbitrária ou sem justa causa
A Convenção nº 158 da OIT, traz em texto normas que procuram promover a manutenção da relação de emprego já estabelecida, criando vedações à despedida arbitrária ou sem justa causa, conforme exposto em seu artigo 4, in verbis:
Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.
Souto Maior entende que a aplicabilidade do dispositivo acima citado seria apenas a regulamentação do disposto na Constituição Federal, pois entende o autor que a despedida arbitrária ou sem justa causa não foi recepcionada pela Carta Magna, a qual dispõe em seu artigo 7º, inciso I, que garante a “proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos". [47] Acrescenta o autor:
Ora, da previsão constitucional não se pode entender que a proibição de dispensa arbitrária ou sem justa causa dependa de lei complementar para ter eficácia jurídica, pois que o preceito não suscita qualquer dúvida de que a proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa causa trata-se de uma garantia constitucional dos trabalhadores. Está-se, diante, inegavelmente, de uma norma de eficácia plena. A complementação necessária a esta norma diz respeito aos efeitos do descumprimento da garantia constitucional.
Mesmo que assim não fosse, é evidente que a inércia do legislador infraconstitucional (já contumaz no descumprimento do comando constitucional) não pode negar efeitos concretos a um preceito posto na Constituição para corroborar o princípio fundamental da República da proteção da dignidade humana (inciso III, do artigo 1o), especialmente quando a dispensa de empregados se configure como abuso de direito, o que, facilmente, se vislumbra quando um empregado é dispensado, sem qualquer motivação, estando ele acometido de problemas de saúde provenientes de doenças profissionais, ou, simplesmente, quando a dispensa é utilizada para permitir a contratação de outro trabalhador, para exercer a mesma função com menor salário, ou vinculado a contratos precários ou a falsas cooperativas. Ou seja, quanto o pretenso direito potestativo de resilição contratual se utiliza para simplesmente diminuir a condição social do trabalhador, ao contrário do que promete todo o aparato constitucional.[48]
A referida Convenção acrescenta que a filiação a um sindicato, bem como a participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento de empregador, durante as horas de trabalho; a candidatura a representante dos trabalhadores ou a atuação nessa qualidade; a apresentação de queixa ou participação de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes; a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, a ascendência nacional ou a origem social; a ausência do trabalho durante a licença-maternidade; a ausência do trabalho por motivo de doença ou lesão não deverá constituir causa justificada de término da relação de trabalho. Mesmo havendo
Para efetivação do término da relação de trabalho, o empregador deverá justificá-la, devendo um organismo neutro, como por exemplo, um árbitro, uma junta de arbitragem ou um tribunal, decidir acerca das causas alegadas com justificadora para o término, devendo ser consideradas as provas apresentadas pelas partes e a legislação vigente. Caso esse organismo considere injustificado o término da relação de trabalho poderá ser ordenada a reintegração ou o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação considerada apropriada.
Caso o empregador promova a demissão com fundamento em motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos, esse deverá, o mais rápido possível, notificar a autoridade competente, com a exposição de motivos do ato de demissão por escrito, informando-lhe também as categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados, o número e o período durante o qual serão efetuadas as demissões. Nesses casos o empregador deverá, também, atuar conforme disposto no artigo 13 da Convenção, o qual dispõe o seguinte:
Artigo 13
1. Quando o empregador prever términos da relação de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos;
a) Proporcionará aos representantes dos trabalhadores interessados, em tempo oportuno, a informação pertinente, incluindo os motivos dos términos previstos, o número e categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados pelos menos e o período durante o qual seriam efetuados esses términos.
b) em conformidade com a legislação e a prática nacionais, oferecerá aos representantes dos trabalhadores interessados, o mais breve que for possível, uma oportunidade para realizarem consultas sobre as medidas que deverão ser adotadas para evitar ou limitar os términos e as medidas para atenuar as conseqüências adversas de todos os términos para os trabalhadores interessados, o mais breve que possível, uma oportunidade para realizarem consultas sobre as medidas que deverão ser adotados para evitar ou limitar os términos e as medidas para atenuar as conseqüências adversas de todos os términos para os trabalhadores afetados, por exemplo, achando novos empregos para os mesmos.
Na oposição do disposto na Convenção nº 158 da OIT, encontram-se parte dos empregadores, em especial os ligados à Confederação Nacional das Indústrias (CNI). Os empresários alegam que as medidas previstas na Convenção obstam o desenvolvimento e a competitividade dos empregadores, que inibiria a abertura de novas vagas de emprego, aumentando, assim, a taxa de desemprego e acrescentam que a legislação brasileira em muito favorece aos empregados. [49]
A CNI também se preocupa com a obrigação da empresa declarar publicamente que enfrenta dificuldades econômicas para efetuar o rompimento de contratos de trabalho, pois tal ação poderia agravar os problemas, uma vez que a credibilidade da empresa perante os parceiros, bancos e clientes seria afetada de forma contundente. [50] Em relação ao impacto nas relações entre os empregadores e empregados a CNI alega que:
Essa sistemática instala um clima conflitivo dentro da empresa. As desavenças entre a empresa e o empregado a ser demitido contaminam outros empregados. O sindicato entra no meio. Estimula-se a confrontação, o que também afeta a competitividade. Não é possível ganhar a guerra externa num clima de guerra interna.
O sistema praticamente cristaliza a ação trabalhista após o desligamento. Isto faz crescer o número de ações judiciais. (...)
Um dos fatores mais importantes para de alcançar boa produtividade na empresa é a parceria entre empregados e empregadores. Em clima de briga todos perdem. A Convenção 158 instiga a desavença. É ruim para todos. [51]
6.3 O caso EMBRAER
No início do ano de 2009, a Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER) anunciou a demissão de 4.273 funcionários, alegando que por conta da crise econômica mundial, vários de seus contratos haviam sido rompidos gerando, assim, o cancelamento de suas encomendas. Contrária às demissões as entidades sindicais ajuizaram Dissídio Coletivo perante o TRT da 15ª Região, onde obtiveram decisão liminar suspendendo as demissões.
As entidades sindicais alegaram que não houve por parte da EMBRAER uma tentativa de negociação coletiva visando à implementação de medidas para a manutenção dos postos de emprego, como por exemplo, a redução dos níveis de produção, a redução da jornada diária de trabalho ou férias coletivas, afirmando, ainda, a ocorrência de violação ao princípio da interveniência sindical que pressupõe a participação da entidade de classe nas discussões que envolva uma pluralidade de trabalhadores, e afirmaram não haver fundamento econômico para as demissões.
O Desembargador Presidente do TRT da 15ª Região fundamentou sua celebre decisão de concessão de liminar, priorizando o princípio da dignidade da pessoa humana e do direito fundamental ao trabalho. Em sua decisão o referido magistrado d o seguinte:
(...) No entanto, o poder diretivo do empregador, consubstanciado na possibilidade de rescindir unilateralmente os contratos de trabalho dos empregados, não é absoluto, encontrando limites nos direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana. Do mesmo modo, preleciona ALICE MONTEIRO DE BARROS (in Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 2005, p. 579), que: “Sob o pretexto de dirigir a empresa e, em consequência, de impor sanções ao trabalhador, o empregador não poderá desconhecer direitos básicos do empregado previstos na legislação trabalhista e previdenciária, nas normas coletivas, no regulamento interno das empresas, no contrato individual e, principalmente, na Constituição, onde estão inseridos os direitos fundamentais, cerne do ordenamento jurídico e cuja existência está calcada na dignidade humana, visto como ‘um ente da razão que basta-se a si mesma’. A dignidade humana é um valor superior que deverá presidir as relações humanas, entre as quais as relações jurídico-trabalhalhistas.” (...)
A par disso, é bem verdade, o princípio da ordem econômica e livre concorrência, mas desde que fundada na valorização do trabalho humano, assegurando a todos uma existência digna e conforme os ditames da justiça social, priorizando os valores sociais do trabalho sobre os valores da sociedade capitalista (art. 170). (...)
CONCLUINDO. Em síntese, talvez possamos concluir que a garantia de emprego é algo muito mais importante do que parece. E que a lei - acusada, tantas vezes, de superprotetora - dá ao trabalhador muito menos do que promete. Na verdade, proteger o emprego não é só proteger o emprego. É também proteger o sindicato e as condições de trabalho. É garantir o processo e viabilizar um verdadeiro acesso à Justiça. Em última análise, proteger o emprego é proteger cada norma trabalhista. Portanto, é proteger o próprio Direito. (g.n.) Ademais, não se pode olvidar que as organizações empresariais possuem relevante papel no desenvolvimento social e econômico do país e, nesse contexto, surge o conceito de responsabilidade social da empresa, que deve, inclusive orientar a contratação e demissão (sobretudo em massa) dos seus funcionários. Diante de todo o exposto, mediante a realização de uma cognição sumária, tenho por configurado, no caso em tela, o relevante fundamento da impossibilidade de se proceder a demissões em massa sem prévia negociação sindical, verificando-se que o indeferimento do pedido de liminar traria o risco de ineficácia da decisão, caso venha a ser, ao final, julgado procedente o presente dissídio coletivo.[52]
Porém, após recurso interposto pela EMBRAER a Seção de Dissídios Coletivos da TST afastou a suspensão das demissões, sendo afastada a abusividade das dispensas pela inocorrência de negociação com os sindicatos anterior às demissões. Apesar da decisão desfavorável aos trabalhadores os ministros dispuseram que nos casos futuros de demissão em massa seria obrigatória a negociação prévia entre o empregador e as entidades sindicais.
7. CONCLUSÃO
Diante dos argumentos expostos no presente trabalho e levando-se em consideração a realidade das relações trabalhistas, bem como a legislação vigente, pode-se afirmar que apesar da aparente proteção dada pela legislação trabalhista aos trabalhadores, essa não é efetiva em nossa sociedade, onde prevalece o capital e ficam a margem a dignidade da pessoa humana e o direito ao trabalho. Ana Regina Prytoluk Squefi, em sua tese de mestrado acrescenta:
O mercado de trabalho é sempre dinâmico, de difícil análise estática, sendo possível, contudo, observar que no Brasil tem fortes características de desemprego formal, trabalhos em atividades informais, rotatividade em ambos, tendência de terceirização, falta de qualificação profissional e não absorção plena da mão-de-obra existente. [53]
Tal condição de descaso com os trabalhadores é exposta, dentre outros exemplos, pela notória inércia do poder público na disponibilização de políticas públicas de emprego eficazes, pela alta rotatividade de emprego, pelos baixos salários pagos à grande parte dos trabalhadores e pelo elevado número de reclamações trabalhistas perante o poder judiciário.
Isso mostra que o poder público não cumpre com eficiência suas funções de fomentar adequadas políticas públicas de emprego e que boa parte dos empregadores não cumpre a legislação trabalhista vigente, restando ao trabalhador procurar a aplicação das normas legais trabalhistas através do Poder Judiciário. Ressalta-se, portanto, a importância do Judiciário Trabalhista, nesse sentido as palavras de Marcos da Silva Porto e Guilherme Guimarães Feliciano:
Para combalir esse estado de coisas, exsurge a Justiça do Trabalho como derradeiro bastião das liberdades democráticas e dos direitos humanos nas relações de trabalho. É curial discutir esse velho e novo papel que, na era tecnológica, ainda propõe ao magistrado a superação de uma inclemência social próxima do Medievo. E é curial afirmar, por esse caminho, a função político-social da Justiça do Trabalho (e do Direito do Trabalho) na sociedade pós-industrial, para assim responder, em definitivo, à perplexidade refletida no tema do XI Conamat: o Direito do Trabalho certamente avança - e avança no sentido de conferir máxima eficácia ao princípio ético inserto no artigo 1o, III, da Constituição Federal. [54]
É nessa seara que podemos concluir é necessário proporcionar a máxima efetividade aos direitos fundamentais nas relações trabalhistas, cabendo tanto ao poder público, quanto aos particulares colaborar para que os princípios da dignidade da pessoa humana e o direito fundamental ao trabalho sejam promovidos.
Acredito que as normas estabelecidas na Convenção nº 158 da OIT, vão no mesmo sentido dos direitos estabelecido pela Constituição Federal de 1988 e, portanto, deveriam ser aplicadas em nosso ordenamento jurídico de forma à limitar a despedida arbitrária ou sem justa causa, proporcionado a primazia à manutenção da relação de emprego, uma vez que o emprego é condição básica para uma vida digna em nossa sociedade. Tem-se que a justiça social só é possível com a possibilidade de emprego a todos, sendo requisito imprescindível para a participação do indivíduo na sociedade e para a construção da dignidade humana.
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[1] MELO, Cesar Adriano de. Hegel e sua Filosofia Política. Disponível em: http://www.revistafarn.inf.br/revistafarn/index.php/revistafarn/article/viewFile/33/36. Acesso em: 08/04/2010.
[2] DELGADO, Mauricio Godinho. Direitos fundamentais na relação do trabalho. Revista MPT, nº 31, Ano 2006, págs. 20 a 46. Material da 1ª aula da Disciplina Atualidades em Direito do Trabalho, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito e Processo do Trabalho – Anhanguera-UNIDERP / REDE LFG.
[3] GUIMARÃES, Ulysses. In: AMORIM, Ivan Gerage. Cidadania e Direito ao Trabalho. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/32789/public/32789-40560-1-PB.pdf. Acesso em: 08/08/2010.
[4] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. In: ZANELLA, Andréia Pereira. Direito do Trabalho, Reflexões Atuais. Curitiba: Juruá Editora, 2007. p. 31.
[5] ZANELLA, Andréia Pereira. Direito do Trabalho, Reflexões Atuais. Curitiba: Juruá Editora, 2007. p. 31.
[6] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. In: ZANELLA, Andréia Pereira. Direito do Trabalho, Reflexões Atuais. Curitiba: Juruá Editora, 2007. p. 31.
[7] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. In: ZANELLA, Andréia Pereira. Direito do Trabalho, Reflexões Atuais. Curitiba: Juruá Editora, 2007. p. 31.
[8] NOVELINO, Marcelo. Apostila de Direito Constitucional. São Paulo. [2007]. P. 91.
[9] MORAES, Maria Celina Bodin de. In: BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O princípio da dignidade da pessoa humana e o novo Direito Civil: breves reflexões. Disponível em: http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08/Artigos/WesleyLousada.pdf . Acesso em 20/08/2010.
[10] SARLET, Ingo Wlofgang. In: BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O princípio da dignidade da pessoa humana e o novo Direito Civil: breves reflexões. Disponível em: http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08/Artigos/WesleyLousada.pdf . Acesso em 20/08/2010.
[11] POIVESAN, Flávia. In: RIVABEM, Fernanda Schaefer. A dignidade da pessoa humana como valor-fonte do sistema constitucional brasileiro. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/32504/31718 . Acesso em 20/08/2010.
[12] Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em: http://www.domtotal.com/direito/pagina/detalhe/22778/pacto-internacional-sobre-direitos-economicos-sociais-e-culturais . Acesso em: 22/08/2010.
[13] Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em: http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/e.Protocolo_de_San_Salvador.htm . Acesso em: 22/08/2010
[14] FONSECA, Maria Emília. Direito ao trabalho: um direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Ed. LTR, 2009. p. 21.
[15] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. In: LIMA, Henrique. Efeitos horizontais dos direitos fundamentais. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11392 . Acesso em: 11/08/2010.
[16] DELGADO, Mauricio Godinho. Direitos fundamentais na relação do trabalho. Revista MPT, nº 31, Ano 2006, págs. 20 a 46. Material da 1ª aula da Disciplina Atualidades em Direito do Trabalho, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito e Processo do Trabalho – Anhanguera-UNIDERP / REDE LFG.
[17] ROMITA, Arion Saião. Direitos Fundamentais nas relações de trabalho. 1ª Ed. São Paulo: Ed. LTR, 2007. p. 36.
[18] MARTINS, Leonardo; DIMOULIS, Dimitri. Teoria geral dos Direitos Fundamentais, 2ªEd. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.47.
[19] ALEXY, Robert. In: MARTINS, Leonardo. DIMOULIS, Dimitri. Teoria geral dos Direitos Fundamentais, 2ª Ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010. p.47.
[20] BOBBIO, Noberto. In: SILVA, Airton Ribeiro da. WEIBLEN, Fabrício Pinto. A reserva do possível e o papel do Judiciário na efetividade dos direitos sociais. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/18718/A_reserva_do_poss%C3%ADvel_e_o_papel_do_judici%C3%A1rio.pdf?sequence=2 . Acesso em: 20/08/2010.
[21] NOVELINO, Marcelo. Apostila de Direito Constitucional. São Paulo. [2007]. P. 63
[22] STF – ADPF (MC) 45/DF
[23] NETTO, Sérgio de Oliveira. O princípio da reserva do possível e a eficácia das decisões judiciais. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=739 . Acesso em: 20/08/2010.
[24] SARLET, Ingo Wlofgang. In: JUNIOR, José Duarte de Almeida. Aspectos relevantes dos direitos sociais de prestação frente ao mínimo existencial e à reserva do possível. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10357 . Acesso em: 20/08/2010.
[25] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. In: CASTELO, Ítalo Ross Souza. A dualidade da reserva do possível. Disponível em: http://www.sintrajufe.org.br/verArtigo.asp?ID=70 . Acesso em 20/08/2010.
[26] DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 2ª Ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010. p. 93.
[27] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. In: FONSECA, Maria Emília. Direito ao trabalho: um direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. Ed. LTR, São Paulo, 2009. p. 202.
[28] Trabalho e Emprego. Disponível em: http://www.sae.gov.br/brasil2022/?p=3 . Acesso em: 22/08/2010.
[29] AZEREDO, Beatriz; RAMOS, Carlos A. IN: FONSECA, Maria Emília. Direito ao trabalho: um direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. Ed. LTR, São Paulo, 2009. p. 203.
[30] Ibidem.
[31] Políticas Públicas de Emprego, Trabalho e renda no Brasil. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/estadonacao2006/cap7_politicas.pdf . Acesso em 23/08/2010.
[32] Ibidem.
[33] Políticas Públicas de Emprego, Trabalho e renda no Brasil. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/estadonacao2006/cap7_politicas.pdf . Acesso em 23/08/2010.
[34] Disponível em: http://www.mte.gov.br/fat/historico.asp . Acesso em: 23/0/2010.
[35] Ibidem.
[36] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Convenção 158 da OIT: dispositivo que veda a dispensa arbitrária é auto-aplicável. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5820 . Acesso em: 23/08/2010.
[37] Pesquisa de emprego e desemprego. Disponível em: http://www.dieese.org.br/ped/metropolitana/pedmetropolitanaAnual2009.pdf . Acesso em: 25/08/2010.
[38] Revista eletrônica Nota Técnica, número 61, de Março de 2008. Disponível em: http://www.vigilantecntv.org.br/Dieese/nota%20tecnica%2061%20-%20RatificacaoConvencao158rev.pdf . Acesso em 25/08/2010.
[39] Disponível em: http://www.contrafcut.org.br/download/publicacoes/1081812123.pdf . Acesso em: 25/08/2010.
[40] ARAÚJO, Tarcísio Patrício de; LIMA, Roberto Alves de. In: FONSECA, Maria Emília. Direito ao trabalho: um direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Ed. LTR, 2009. p. 222
[41] VIANA, Marcio Túlio. In: PEREIRA, José Luciano de Castilho. O impacto das normas da OIT na legislação Brasileira. Revista do TST, vol. 70, nº1, jan/jul 2004.
[42] POCHMANN, Marcio. In: PEREIRA, José Luciano de Castilho. O impacto das normas da OIT na legislação Brasileira. Revista do TST, vol. 70, nº1, jan/jul 2004.
[43] JAVILIER, Jean-Claude. IN: PEREIRA, José Luciano de Castilho. O impacto das normas da OIT na legislação Brasileira. Revista do TST, vol. 70, nº1, jan/jul 2004.
[44] STF, Pleno, ADI-MC 1480/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 4.9.97, DJ 18-05-2001, p. 429, EMENT VOL- 02031-02 PP-00213.
[45] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Convenção 158 da OIT: dispositivo que veda a dispensa arbitrária é auto-aplicável. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5820 . Acesso em: 23/08/2010.
[46] Ibidem.
[47] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Convenção 158 da OIT: dispositivo que veda a dispensa arbitrária é auto-aplicável. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5820 . Acesso em: 23/08/2010.
[48] Ibidem.
[49] Convenção 158 da OIT: tema importante para as empresas e para o país. Disponível em: http://www.cni.org.br/portal/data/files/8A9015D0184D5A1501187679E6CE5B3D/Posicionamento%20CNI%20-%20Conven%C3%A7%C3%A3o%20158%20da%20OIT.pdf . Acesso em: 24/08/2010.
[50] Ibidem.
[51] Ibidem.
[52] PROC. TRT/15ª REGIÃO Nº 00309-2009-000-15-00-4
[53] SQUEFI, Ana Regina Prytoluk. Os princípios da livre iniciativa e do valor social do trabalho como norteadores da negociação coletiva. Disponível em: http://tede.ucs.br/tde_arquivos/2/TDE-2008-11-19T133837Z-240/Publico/Dissertacao%20Ana%20Regina%20P%20Squefi.pdf . Acesso em: 28/08/2010.
[54] PORTO, Marcos da Silva; FELICIANO, Guilherme Guimarães. Direito do Trabalho e Direitos Humanos na sociedade pós-industrial: a afirmação histórica da dignidade humana nas relações de trabalho. Disponível em: http://www.anamatra.org.br/publ/periodicos/rev_anamatra/rev_template_int.cfm?cod_mat=193. Acesso em 26/08/2010.
Advogado, especialista em direito e processo penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Leonardo de Sales. O direito fundamental ao trabalho frente à despedida arbitrária ou sem justa causa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2011, 09:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/23519/o-direito-fundamental-ao-trabalho-frente-a-despedida-arbitraria-ou-sem-justa-causa. Acesso em: 23 dez 2024.
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