SUMÁRIO: RESUMO. ABSTRACT. 1. A INSERÇÃO DO DIREITO DE EMPRESA NA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO CIVIL DE 2002: REFLEXOS E NOVOS CONCEITOS. 2. EMPRESÁRIO E NÃO EMPRESÁRIO. 3. SOCIEDADE SIMPLES E SOCIEDADE EMPRESÁRIA. 3.1. CONCEITO E ASPECTOS DISTINTIVOS. 3.2. SOCIEDADES SIMPLES E EMPRESÁRIAS E OS TIPOS SOCIETÁRIOS.CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA.
RESUMO: O presente artigo enfatiza os principais reflexos da inserção do Direito de Empresa no Código Civil de 2002, realçando a saída da teoria dos atos de comércio, para a entrada em vigor da teoria da empresa. Para tanto, faz uma abordagem sobre as pessoas jurídicas de direito privado existentes no Brasil, ressaltando as duas espécies de sociedades: simples e empresária. A partir daí passa a tratar dos seus aspectos conceituais, abordando o conceito de empresário e de não empresário, que apóiam necessariamente a noção daquelas espécies societárias, momento em que cuida também em distingui-las. Há uma preocupação em demonstrar o relacionamento das sociedades empresárias e simples e os demais tipos societários previstos na legislação.
PALAVRAS-CHAVE: Direito de empresa – empresário – não empresário – sociedade simples – sociedade empresária – Código Civil.
ABSTRACT: This article emphasizes the main reflections of the insertion of Business Law in the Civil Code of 2002, highlighting the output of the theory of acts of trade for the entry into force of the theory of the firm. Therefore, it makes an approach to legal entities of private law existing in Brazil, highlighting the two kinds of companies: simple and businesswoman. From then goes on to consider its conceptual aspects, addressing the concept of entrepreneur and businessman not, necessarily support the notion that those species interests, time takes care to distinguish them. There is concern in demonstrating the relationship of business companies and other simple types and corporate law for.
KEYWORDS: Law firm - entrepreneur - not business - simple society - business company - Civil Code.
1. A inserção do Direito de Empresa na parte especial do Código Civil de 2002: reflexos e novos conceitos
Inicialmente, é precisar deixar evidenciado dois pontos cruciais considerando a inserção do Direito de Empresa no Código Civil. Primeiro, o legislador ao fazer essa introdução no Livro II, da Parte Especial, deve-se notar, logo após o Livro do Direito das Obrigações, assim agiu com uma mensagem muita clara: a unificação das obrigações. Não se trata, de fato, da unificação do direito privado, como quis, e ainda querem alguns, mas da centralização, por assim dizer, de um conjunto de normas obrigacionais civis e empresariais. Em segundo lugar, também é importante destacar que há de toda sorte uma autonomia didática do direito de empresa. Não é pelo simples fato de ele estar inserido no Código Civil que, como um passo de mágica, acaba o direito comercial. Este continua com sua autonomia didática, mas com sede comum para as questões civis e empresariais: o Código Civil.
Também é preciso reverberar, preliminarmente que, embora se tenha criado toda a expectativa em torno do novo diploma civil, embora tenha se falado exaustivamente sobre o assunto, só depois de ver a sua real influência no plano prático, é que os operados jurídicos se interessaram pelo tema. Precisam agora, não só se adaptar, mas estarem abertos para novos conceitos, já debatidos pela doutrina e jurisprudência, e agora positivados. É o que ocorre, por exemplo, com o empresário e o não empresário e com a sociedade simples e empresária. São temas que, de fato, representam uma efetiva mudança, e deste ângulo precisam ser estudados.
Para que se possa melhor ambientar a matéria, faz-se mister partir do rol de pessoas jurídicas de direito privado, observado no art. 44, do Código Civil de 2002. Ali se verifica o seguinte: "São pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações".
Apenas para se fazer uma rápida referência, é importante notar que a associação não se confunde com a sociedade, como parece mesmo evidente, em face do rol colocado, porque naquela "não há fim lucrativo ou intenção de dividir o resultado, embora tenha patrimônio, formado por contribuição de seus membros para a obtenção de fins culturais, educacionais, esportivos, religiosos, recreativos, morais etc", como frisa Maria Helena Diniz. Ou seja, este aspecto é importante para se evidenciar, desde já, que na sociedade, independentemente de ser simples ou empresária, há fim lucrativo, na associação, não pode haver.
As associações têm natureza civil e são personificadas a partir de seu registro no Serviço Registral de Pessoas Jurídicas, ou como é mais conhecido, nos cartórios de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, que na maioria dos casos brasileiros, estão anexados aos cartórios de Registro de Títulos e Documentos. Ali o interessado na constituição de uma associação deve levar o estatuto aprovado pela assembléia e as atas de fundação, eleição e posse da diretoria, para que seja procedido, então, o registro e a conseqüente personalização da pessoa jurídica, neste caso a associação.
O raciocínio aplicado às fundações não é diferente. São também entidades sem fins lucrativos, entretanto, não formadas por pessoas, mas por um patrimônio especial que, após a personalização é afetado para que os fins da fundação sejam alcançados. Silvio de Salvo Venosa destaca que "para a constituição da fundação há dois momentos bem delineados: o ato de fundação propriamente dito, que é a sua constituição emanada da vontade, e o ato de dotação de um patrimônio, que lhe dará vida". Realmente, o interessado ou interessados em criar a fundação primeiro emite a vontade, querendo instituir a fundação, mas esta enfrenta um ato complexo, vale dizer, não basta a vontade, há que se ter também um patrimônio destinado para a afetação e, ainda, o registro no cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
Normalmente o que ocorre primeiro é a elaboração do estatuto da fundação. Após este, deve-se fazer a escritura pública de dotação de bens. É esta escritura que tem o condão de dotar de bens a pessoa jurídica agora estudada. Tanto o estatuto como a escritura pública de dotação de bens devem ser apresentados para o membro do Ministério Público competente – nas comarcas maiores são os curadores das fundações – para que seja elaborado um parecer sobre a possibilidade de criação da respectiva fundação nos moldes desejados. Tem se sugerido que, como a escritura e o estatuto estão sujeitos ao crivo do Ministério Público, o melhor seria levar para a análise do membro ministerial as respectivas minutas, pois assim há economia de tempo e dinheiro no que concerne ao registro da fundação. O risco de modificação dos documentos, posterior ao parecer, não deve ser matéria de preocupação. É normal o parecer ser condicional à manutenção do texto analisado e ao registro, tanto assim que determina, após o registro por parte dos interessados, os documentos devem ser arquivados no próprio Ministério Público.
Dessa forma, após estar em mãos com o estatuto, com a escritura de dotação de bens e com o parecer, o interessado deve levá-los ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas para que seja procedido o registro e a conseqüente personalização da fundação.
Estas colocações sobre associações e fundações são meramente ilustrativas, para que possa se situar melhor a matéria. O escopo aqui pretendido é o estudo das sociedades, como visto, referidas no inciso segundo do art. 44.
No art. 44 o legislador apenas elencou as sociedades, não fazendo menção mais específica sobre o tema, ainda ali, na Parte Geral do Código Civil. A sociedade só voltou a ser contemplada nos arts. 981 e seguintes do mesmo diploma legislativo, onde se encontra o seguinte: "Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados". Como se vê, desde logo, as sociedades, diferentemente do que se tem no caso das associações e fundações, têm um fim econômico.
Na ótica do Diploma Civil de 2002, as sociedades estão divididas em dois grandes grupos, por assim dizer, as sociedades simples e as sociedades empresárias. A rigor se está, com isso, introduzindo, entre nós a "teoria da empresa", do direito italiano, que representa efetivamente mudança conceitual, a qual todos devem se adaptar, sem estar vinculado à velha "teoria do ato de comércio", sob pena de não vislumbrar a real modificação engendrada no direito brasileiro.
A partir de agora, portanto, passa-se a apresentar os balizamentos da teoria da empresa, para que se possa fazer a distinção correta entre sociedades simples e empresárias, entre nós. Para tanto, utilizar-se-á do conceito de empresário individual, como corolário para se entender os novos aspectos. É o que se passa a fazer.
2. Empresário e não empresário
Para se visualizar a distinção sugerida neste tópico, deve-se partir da definição observada no "caput" do art. 966, do Código Civil. Com efeito, ali se tem o seguinte: "Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços".
Primeiramente, é preciso se destaque a intenção do legislador a partir deste artigo em acabar com a figura da firma individual, introduzindo o conceito de empresário individual. Vale dizer, aqui, tratar-se-á do empresário isoladamente, não reunido com mais um ou alguns empresários, o que caracterizaria a sociedade, estudada em momento subseqüente.
Mas, quem, então, é o empresário, na ótica legislativa atual? É aquele que exerce sua atividade de maneira "organizada". Embora esta informação pareça não ter acrescido nada de novo, é preciso se diga que o grande ponto diferencial entre empresário e não empresário está exatamente no aspecto organizacional, por isso, o prestígio da palavra organizada.
É importante destacar que "organização" não tem qualquer relação direta com o tamanho da atividade, com a quantidade de empregados, com o capital envolvido, com o fato da pessoa comprar e vender mercadoria ou prestar serviço. Aliás, são exatamente estes conceitos que devem ser alijados do nosso raciocínio inicial para que se possa entender o novo significado desejado pelo Código.
O que é, então, a organização? A palavra organizada quer exprimir um sentido de organismo, como diz José Nadi Néri, ao fazer referência às sociedades empresárias. Para este autor, a atividade será "exercida através dessa forma organizada ou desse organismo, e não diretamente pelos sócios, notando-se um distanciamento com a notória aparência entre eles e a atividade".
A noção transmitida pelo autor supra citado parece traduzir facilmente o desejo do legislador de 2002. Aquele que exercer isoladamente – se desejarmos primeiro o conceito de empresário individual – através de um organismo, sua atividade, é considerado empresário. Ou seja, o organismo aqui se sobrepõe à idéia de pessoalidade, de fazer a própria pessoa diretamente. Ao invés de assim se portar, cria uma organização, arregimentando pessoas, trabalho, capital, matéria-prima, tecnologia. A realização da atividade não é exercida diretamente pelo empresário. Ele é quem coordena, quem organiza os fatores de produção, quem dá as diretrizes, por outro lado, quem aparece aos olhos de todos é o tal organismo criado. Este, entretanto, não pode ser confundido com pessoa jurídica, pois o empresário pode ser pessoa física ou jurídica.
Nesta ótica, não é empresário quem exerce pessoalmente sua atividade. Aí está, na verdade, o conceito de não empresário que, é bom se diga, não se restringe àqueles que exercem profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística. Estes, por definição ou, melhor dizendo, por desejo do Código Civil, não são empresários, a não ser que exerçam sua atividade como elemento de empresa – através do citado organismo. Mas, a rigor, não dá para se dizer, nem sequer para imaginar que um médico, um cirurgião dentista ou um arquiteto, por exemplo, que atende seu cliente pessoalmente, ainda que com a ajuda de uma ou duas pessoas – secretária e enfermeiro, por exemplo – seja considerado empresário. Onde está o organismo, elemento de empresa, que é o mais importante?
Nada impede porém, que um só médico crie um hospital, por exemplo. E aí, mais uma vez não dá para acreditar que ele sozinho, sem o tal organismo, vá levar sua atividade adiante. Certamente não o fará tudo pessoalmente. Vale dizer, contará sem embargo com a ajuda de outros médicos, de mais enfermeiros, comprará equipamentos para diagnósticos, investirá capital mas, como dito, não o fará pessoalmente e sim, através de um organismo. Nessa linha de raciocínio, o médico é, então, um empresário na forma preconizada pelo Código Civil, pois sua atividade passa a ter elemento de empresa.
O que se pode e o que se deve concluir desde já é que não é a atividade da pessoa quem definirá se ela é, ou não, empresária. Sob a égide das leis anteriores, que prestigiavam a teoria do ato de comércio, a preocupação com a atividade exercida era importante, mas agora, não mais.
A tarefa distintiva cabe ao "elemento de empresa", caracterizado no Brasil pelo caráter organizacional. O legislador fez poucas exclusões nesse sentido, como é o caso dos que exercem profissões intelectuais, de natureza científica, literária ou artística, sem elemento de empresa, pois se ainda assim tiver, serão considerados empresários. Também é importante considerar que a idéia antiga de comerciante deve ser afastada, como já se disse, pois atividade mercantil não define nada. Na conformidade com o que foi demonstrado, nada impede que um, digamos, "antigo comerciante" seja empresário ou não empresário. Se exercer pessoalmente sua atividade será, sem embargo, não empresário. Se exercer com elemento de empresa, vale dizer, "organizando" capital, trabalho, tecnologia, matéria-prima, afastando-se da atividade pessoal para, digamos, coordenar a "empresa", na ótica focalizada nesta mesma linha, então será empresário. Não adianta, sustentar que ele realiza atos de mercancia, pois isto não tem valor definidor na ótica atual.
Também é preciso se adaptar aqui à figura da firma individual. Como dito desde o início, sai a firma individual, entram as figuras dos empresário individual ou não empresário individual que, dependendo da atividade, será chamado de autônomo.
Portanto, tem-se aqui a figura do empresário e do não empresário isoladamente, ou seja, sem "sócios". Parte-se agora para a análise da sociedade empresária ou simples, aí sim, com a participação de duas ou mais pessoas.
3. Sociedade simples e sociedade empresária
3.1. Conceito e aspectos distintivos
Como já fora assinalado, primeiramente, foi realizado o estudo sobre as figuras do empresário e do não empresário, justamente para facilitar a compreensão do que se deve ter por sociedade empresária e sociedade simples. Vale dizer, a primeira preocupação foi a análise da figura do empresário ou não empresário individual, como dito, que veio a extinguir a noção de firma individual. Agora o critério de análise passa a ser societário, ou seja, não importa a pessoa isoladamente, mas sim, duas ou mais reunidas se obrigando reciprocamente a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados, como diz o art. 981, do nosso Diploma Civil.
A idéia basicamente parte de um paralelo. Seria imaginar uma linha divisória central em que, de um lado estariam o empresário e a sociedade empresária; de outro, o não empresário – ou autônomo, como talvez se preferirá – e a sociedade simples.
É importante se destacar, que o fim lucrativo, que durante muitos anos quis nortear a velha distinção entre sociedade civil e comercial, também não é importante. De fato, não é a natureza lucrativa que diferenciará se a sociedade é simples ou empresária, como já repetidas vezes fora frisado. O aspecto importante é o organizacional.
Aliás, é também relevante notar que, ao contrário do que se possa pensar, não há apenas uma mudança terminológica. Ou seja, de início muito se disse que a antiga sociedade civil seria trocada pela nomenclatura de sociedade simples e, por outro lado, a antiga sociedade comercial, teria se transformado na sociedade empresária. A rigor, esta colocação não tem procedência, pois, como visto, se o critério é o da organização, tanto se pode ter a antiga sociedade civil voltada para a prestação de serviços, como era, sendo sociedade simples como empresária. Na mesma ordem de idéias, pode se ter sociedade, antes tida comercial, sendo sociedade simples ou empresária, pois, volta-se a se dizer, o critério não é o da atividade praticada, do objeto social, mas sim o do elemento de empresa, a organização.
Em um dos melhores trabalhos publicados sobre a matéria, Graciano Pinheiro de Siqueira afirma, com maestria, o seguinte: "A teoria da empresa não se preocupa com o gênero da atividade econômica; o que importa para ela é o desenvolvimento da atividade econômica mediante a organização de capital, trabalho, tecnologia e matéria-prima, que resulta na criação e na circulação de riquezas".
Ora, diante de todas essas colocações iniciais, como então saber se a sociedade é simples ou empresária? Aparentemente o critério de distinção é fácil. Entretanto, como a linha divisória entre as duas noções acaba se apresentando muito tênue, na prática, a questão tem levantado dúvidas.
O que se deve observar, rigorosamente, é o conceito de empresário individual, já estudado. De fato, o art. 982 do Código Civil aduz o seguinte: "Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 966); e, simples, as demais".
Como se vê, o conceito de sociedade empresária, passa pela idéia de empresário. Vale dizer, se os sócios de uma determinada sociedade vão exercer seu objeto com elemento de empresa, então, ela será considerada empresária. Se a sociedade para levar adiante seus objetivos se vale da noção de organismo, aqui já discutida, então ela será uma sociedade de natureza empresária. Não, importa, insista-se, o objeto social, mas sim a forma de exercer o objeto social.
Por outro lado, o Código Civil se utilizou do critério excludente para dar a noção de sociedade simples. O que não for sociedade empresária, será simples. Ou seja, a sociedade que não exercer seu objeto com elemento de empresa, será, então, simples. Em outras palavras, e mais uma vez se apoiando nos ensinamentos de Graciano Pinheiro de Siqueira, "a sociedade simples é, em síntese, a sociedade não empresária, ou seja, aquela sociedade que explora atividade econômica de produção e circulação de bens e serviços sem algum dos fatores de produção (capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia)".
Fábio Ulhoa Coelho também caminha nesta direção. Segundo o autor, "o que irá, de verdade, caracterizar a pessoa jurídica de direito privado como sociedade simples ou empresária será o modo de explorar seu objeto. O objeto social explorado sem empresarialidade (isto é, sem profissionalmente organizar os fatores de produção) confere à sociedade o caráter de simples, enquanto a exploração empresarial do objeto social caracterizará a sociedade como empresária".
Todos estes aspectos significam que se os sócios exercem sua atividade diretamente, indo para linha de frente, se assim pudéssemos dizer e levam adiante sua atividade, a sociedade não pode ser tida como empresária. Se, por outro lado, os sócios organizam sua sociedade, não exercendo seu objeto pessoalmente, mas sim como "organismo", então estarão exercendo atividade empresária, na ótica do Código Civil de 2002.
Para melhor se visualizar os conceitos aqui discutidos, é importante tratar de alguns exemplos.
Primeiro, o da própria sociedade médica, já largamente utilizado por muitos autores por ser de fato, de fácil percepção. Alhures, tratamos do médico isoladamente, é importante não confundir, pois aqui, vamos imaginar a presença de dois ou mais médicos reunidos em sociedade. Consideremos, então, uma sociedade com dois médicos. O número de sócios, é bom lembrar, não é caráter puro e diferenciador das sociedades simples e empresárias, por isso, vamos supor uma sociedade com apenas dois médicos. Se os sócios exercem sua atividade "pessoalmente", por exemplo, numa clínica médica, ainda que com a ajuda de algumas pessoas, a tal sociedade será simples. Por que? Porque como dito, não se estará observando o elemento de empresa. Os sócios estão agindo pessoalmente, aliás, a clientela procura os dois médicos, vamos assim dizer, pelo nome e prestígio que gozam na sociedade, como profissionais gabaritados. A escolha leva em conta, não um "organismo", mas as pessoas e estas exercem seu objeto social pessoalmente.
Por outro lado, é provável que outros dois sócios não queiram criar uma clínica, mas sim um hospital, digamos. A hipótese já foi ventilada com uma só pessoa, isoladamente, aqui, vale lembrar, estamos falando de sociedade. Os dois sócios, certamente, não vão ter condições de levar a cabo seu objeto social pessoalmente. Não vão poder atender todos os casos que surgirem no "Hospital SOS", por exemplo. Para tanto, eles precisarão, de fato, da colaboração de mais pessoas, de outros médicos, especializados em outros áreas, de enfermeiros, de fisioterapeutas, enfim, de organizar uma mão-de-obra qualificada e especializada. Vão precisar, igualmente, de investir capital, de comprar equipamentos, e, enfim, os dois sócios médicos serão mais "empresários" do que propriamente "médicos", como diríamos vulgarmente. Farão eles as vezes de um peça importante num grande quebra-cabeça, qual seja, fazer a ligação de todos os fatores da produção do serviço, para que ele possa ser realizado. Nesse passo, a clientela não procurará o dr. José, digamos, mas sim, o "Hospital SOS", o "organismo" criado, o fator "pessoal" sai, então, para dar lugar a "organização".
Para quebrar, definitivamente, a barreira que existe entre a noção de teoria da empresa e dos atos de comércio, vamos imaginar, mesmo, uma antiga "sociedade comercial". Era assim tida, porque sua principal atividade era, por exemplo, comprar e vender livros, ou seja, vamos falar hipoteticamente da "Livraria Folhas Ltda". São dois sócios, também, nesta hipótese. Além deles, trabalham na sociedade mais duas pessoas, um balconista e um ajudante de entrega. Nesta sociedade, os dois sócios estão ali, vamos dizer, frente a atividade, trabalham, por exemplo, um, no balcão de atendimento, outro, no caixa, controlando os recebimentos e as finanças. Ora, se analisarmos bem, estão eles exercendo profissionalmente atividade econômica "organizada" para a circulação de bens, como quer o art. 966, do Código Civil? Não, eles estão levando adiante o objeto social, pessoalmente, sem organismo. Pode-se perguntar: Mas a sociedade não é mercantil ou comercial? Na ótica anterior, esse fator tinha relevância, na ótica atual isto não importa.
É o mesmo que analisar outra sociedade, agora considerando o mesmo objeto mas levando em conta outro modo de explorá-lo, como diz Fábio Ulhoa Coelho, já devidamente destacado. Agora, os dois sócios constituíram a sociedade "Livraria Autor Ltda". Ambos contam com o auxílio de dez atendentes de loja, vendem livros importados e para isso, um deles passa boa parte do tempo viajando indo buscar novos fornecedores. A sociedade contratou, nesse caso, uma pessoa para ser o caixa ou tesoureiro da sociedade, enquanto que um dos sócios fica numa sala coordenando os fatores de produção que ali se apresentam: a mão-de-obra, contatando com fornecedores, escolhendo o melhor investimento para a sua sociedade, imaginando que o ideal seria a colocação em sua loja de terminais de computadores capazes dos clientes se informarem sobre preço etc. Ou seja, é o empresário, o mentor, o organizador desses fatores de produção. Nesse diapasão, a sociedade será empresária.
Estes exemplos servem para se frisar mais uma vez, e por mais cansativo que pareça, que a atividade mercantil não é importante para distinguir a sociedade simples da empresária, mas sim, o modo de exploração do objeto.
3.2. Sociedades simples e empresárias e os tipos societários
Outro ponto relevante, neste assunto, diz respeito aos tipos societários e a noção de sociedade simples e empresária.
A título informativo, é importante ressaltar que o Código Civil traz os seguintes tipos de sociedades: sociedade simples, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade limitada, e as sociedades por ações, quais sejam sociedade anônima e em comandita por ações.
A impressão que se tem, inicialmente, ao verificar o referido rol, no Código Civil, é o de que há uma espécie de exclusão ou mesmo de um tipo societário autônomo, por assim dizer, que exclui outro. Isto acontece notadamente em relação a colocação da sociedade simples naquele rol.
A rigor, a idéia do legislador, quanto à sociedade simples foi a possibilidade de se ter uma sociedade simples pura, ou seja, sem se apoiar em nenhum outro tipo societário; e a sociedade simples levado a cabo por alguns dos tipos societários. Assim, nada impede que se tenha uma sociedade simples em nome coletivo, em comandita simples ou limitada. Na verdade, em face da regra do parágrafo único do art. 982, a sociedade simples só não poderá ser por ações. Quanto a sociedade simples, então, tem-se o seguinte: ou será pura ou terá um dos tipos societários autorizados por lei, normalmente, será uma simples limitada.
É importante reverberar, entretanto, que o art. 1.055, § 2º proíbe a contribuição de sócio que consista em prestação de serviço, no caso das sociedades limitadas. Assim, não se pode ter uma sociedade de capital e indústria se o tipo societário for o de limitada. A regra também serve para as sociedades simples limitadas. Por outro lado, é interessante verificar que em se estando diante de uma sociedade simples pura, há possibilidade da contribuição se dar em serviço, como se depreende do art. 1.006.
Quanto às sociedades empresárias elas podem se utilizar de todos os tipos sociais, evidentemente, excluindo-se o de sociedade simples. Vale dizer, pode ser uma sociedade em nome coletivo, em comandita simples, limitada, ou as sociedades por ações que, como dito, sempre serão empresárias. Vale frisar, entretanto, que é possível que uma sociedade empresária limitada se utilize subsidiariamente das regras de sociedade simples.
Outra questão de relevo, ainda considerando as sociedades simples e empresárias, diz respeito ao aspecto registral. O Código Civil foi bastante claro ao estabelecer regras sobre registro no art. 1.150. Ali determina que as sociedades simples serão registradas no cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e as sociedades empresárias serão levadas para o Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais.
O assunto apresenta-se relativamente fácil, mas tem gerado dúvida do ponto de vista prático: como saber se há um empresário ou um não empresário, uma sociedade simples ou empresária? Os critérios distintivos já foram apontados, cabe ao próprio interessado escolher em qual das duas espécies se enquadram. Não é competência do Estado, ainda que através de seus delegados ou autarquias fazer um controle sobre a espécie societária. Como muito bem destaca Graciano Pinheiro de Siqueira, "caberá aos interessados a opção por qualquer das duas formas associativas (sociedade simples ou sociedade empresária), não havendo razão para o Poder Público, representado pelas instituições incumbidas do registro público de uma ou de outra (Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou Junta Comercial) criar qualquer obstáculo, discutindo o motivo ou os fundamentos de ordem econômica dessa opção".
4. Conclusão
Tendo me vistas as considerações levantadas no presente artigo e o que diz, ainda, o Código Civil brasileiro de 2002, pode-se chegar às seguintes conclusões:
a) São pessoas jurídicas de direito privado no Brasil, de conformidade com o art. 44, do Código Civil, as associações, as fundações e as sociedades. As duas primeiras não podem ter finalidade lucrativa, enquanto que o fim lucrativo é ínsito às sociedades, independentemente de serem simples ou empresárias.
b) Em vista do conceito de empresário trazido no Código Civil, qual seja, o de considerá-lo aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, deve se levar em conta que não é mais a atividade ou objeto social que determinará a diferença entre empresário e não empresário. Na verdade, o modo de organizar os fatores de produção, enfim, é o elemento que deve ser prestigiado, afastando-se da teoria do ato de comércio. Quem exerce uma atividade de maneira organizada, através de um "organismo" será tido como empresário. Quem realiza seus objetivos sem organização, e esta noção transita necessariamente pela idéia de realizá-los pessoalmente é, então, considerado não empresário.
c) Em face da mudança de conceito em relação ao empresário, passa-se a ter no Brasil, o empresário individual e o não empresário individual ou autônomo.
d) Quando um ou mais empresários, assim entendidos na forma do Código Civil de 2002 estiverem reunidos em sociedade, esta terá natureza de sociedade empresária. Em sentido contrário, quando os sócios realizarem seu objeto social sem o "organismo", será considerada sociedade simples.
e) O Código Civil manteve os seguintes tipos societários: sociedade simples (pura), sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade limitada, sociedade em comandita por ações e sociedades anônimas. As sociedades empresárias podem se revestir de qualquer um dos tipos societários referidos, exceto o de sociedade simples, embora possa se utilizar subsidiariamente de suas regras. As sociedades simples não podem se organizar como sociedades por ações, entretanto pode fazer uso dos outros tipos societários, aparecendo assim na forma de sociedade simples pura, sociedade simples em nome coletivo, sociedade simples em comandita por ações e sociedade simples limitada.
f) As sociedades empresárias são registradas nas Juntas Comerciais e as sociedades simples nos cartórios de Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Aos referidos órgãos não cabe controlar ou policiar a espécie societária escolhida pela parte, eles devem se ater aos aspectos intrínsecos dos contratos. Assim, quem escolhe a espécie societária são os interessados, sem possibilidade de intervenção por parte do órgão de registro.
BIBLIOGRAFIA
ANDRADE JÚNIOR, Attila de Souza Leão. Comentários ao novo Código Civil – Direito das Sociedades. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. Novo Código Civil – A unificação das obrigações e o novo direito empresarial. Barueri: Editora Manole, 2012.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18. ed., São Paulo: Saraiva, 2012, v. 1.
Código Civil Italiano – Traduzido diretamente do italiano por Souza Diniz. Rio de Janeiro: Editora Record, 1961.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 13. ed., São Paulo: Saraiva, 2012.
HENTZ, Luiz Antonio Soares. Direito de empresa no Código Civil de 2002 – Teoria Geral do Direito Comercial de acordo com a Lei n. 10.406/02. 2.ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2012.
NÉRI, José Nadi. Sociedade simples e empresária. Revista RTD Brasil, n. 144, abril de 2003, publicação do Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil.
SIQUEIRA, Graciano Pinheiro de. O direito de empresa e o novo Código Civil. RTD Brasil, jan. 2003, n. 141, publicação do Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil.
SILVA, Bruno Matos e. A teoria da empresa no Código Civil e a interpretação do art. 966: os grandes escritórios de advocacia deverão ter registro na junta comercial? In www.rantac.com.br/users/jurista/art-966.htm, acesso em 16/09/2012.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. 3.ed., São Paulo: Atlas, 2012, v. 1.
Advogado, Administrador de Empresas e Teólogo. Graduado em Direito pela Faculdade Estácio do Recife, em Administração pela Universidade de Pernambuco e em Teologia Eclesiástica pela Faculdade Internacional de Teologia Gospel/Faculdade Gospel. Pós-graduado em Direito Administrativo e em Direito Civil, ambas as especializações pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá. Mestrando em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável pela Universidade de Pernambuco. Mestrando em Teologia com ênfase em Bibliologia pela Faculdade Internacional de Teologia Gospel/Faculdade Gospel. Servidor da Prefeitura do Recife e Conciliador do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI). Sócio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Associado à Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Articulista de sites jurídicos. Curriculum lattes: http://lattes.cnpq.br/0065877568376352
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, José Mário Delaiti de. Breves considerações acerca do empresário, do não empresário e das sociedades simples e empresárias no Código Civil de 2002 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 set 2012, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/31598/breves-consideracoes-acerca-do-empresario-do-nao-empresario-e-das-sociedades-simples-e-empresarias-no-codigo-civil-de-2002. Acesso em: 08 nov 2024.
Por: Eduarda Vitorino Ferreira Costa
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: Adriano Henrique Baptista
Por: Alan Carlos Moises
Por: FREDERICO GERALDO CLEMENTINO
Precisa estar logado para fazer comentários.