Resumo: Em oito de março de 1857 na cidade de Nova York, 129 tecelãs pararam o seu trabalho em protesto por melhores salários, igualdade de direitos e redução de jornada. Mas este movimento terminaria em uma inesquecível tragédia. Desacostumada com motins trabalhistas, a polícia local cercou o prédio e ateou fogo. Resultado: todas foram queimadas. De lá para cá, as mulheres conseguiram alguns direitos fundamentais, mas ainda são constantemente inferiorizadas. Este trabalho busca sucintamente demonstrar a luta das mulheres pelos seus direitos, e com o agravante de enfrentarem, além do preconceito, as investiduras sexuais de patrões que usam de posições hierárquicas privilegiadas para satisfazerem seus sórdidos desejos.
Palavras chave: Direitos das mulheres, assédio sexual.
Por trás do assédio existe sempre a necessidade de abusar de alguém, mostrar que se tem mais poder, que se tem o controle. Não se trata de uma brincadeira mais pesada, nem de um galanteio. Também não é um flerte. Trata-se de um comportamento abusivo, humilhante, extremamente danoso para a pessoa que o suporta (COSTA, 1997, p.85).
Sumário: 1 - Algumas Considerações Históricas sobre o Direito das mulheres; 2 - Conceito de assédio sexual e consequências Psicológicas do Delito; 3 - Assédio Sexual e o Direito; 4 - O Assédio nos Tribunais; 5 - Considerações Finais; Referências
1 - Algumas Considerações Históricas sobre o Direito das Mulheres
Com base em Calil (2000), podemos dizer que os direitos das mulheres no Brasil tem início com a obra “Direito das mulheres e Injustiça dos Homens”, de Nísia Floresta Brasileira Augusta[i] publicada em 1832.
Figura admirada por muitos intelectuais[ii], Nísia se destacou em um Brasil que mesclava características de Colônia e Império. Neste prenúncio de país, as mulheres eram apenas sombra dos homens. Sem condições de protestar por seus direitos por sua condição análoga à mera servidora do Senhor Colonial, estas mulheres não possuíam direito a voto e a alfabetização. Quando de posses, segundo preleciona Costa (1979), a ela era reservada todas as tarefas domésticas, organizando a moradia e administrando agregados, serviçais e familiares enquanto o seu senhor caminhava pelas ruas das recém-inauguradas cidades. Quando pobres ou escravas, ou cumpriam ordens de seus patrões ou costuravam, lavavam, fiavam e roçavam para galgarem o pão de cada dia. (FALCI apud Calil, 2000, p.8).
Douglas C. Libby e Júnia F. Furtado em estudo sobre o tema descrevem que as escravas no período colonial brasileiro sofriam duplamente: primeiro, com as investidas sexuais de patrões e filhos; e em segundo, com ataques de tirania de suas patroas:
Mulheres escravas eram basicamente submetidas a uma exploração dupla: forçadas a trabalhar tanto quanto seus companheiros masculinos, elas também sofriam constante abuso sexual por parte de seus proprietários. (...) Ao mesmo tempo em que havia amplas oportunidades para os senhores de escravos e seus filhos exigiam favores sexuais das cativas que trabalhavam nas suas casas, também eram frequentes as relações amargas entre a senhora da casa e suas domésticas, pois sabe-se que a pequena tirania doméstica era Edêmica. (2006, p.165/177).
Foi somente com a entrada em ação dos médicos higienistas em meados do século XIX no âmbito familiar que as mulheres começaram a ganhar visibilidade e a conquistarem seus direitos. Preocupados em ditar normas sobre os comportamentos sociais e moldar sentimentos, os higienistas perceberam que somente com a inferiorização do pater poder é que poderiam moldar a família. Neste contexto, educar a mulher para ser uma mãe cuidadosa e higiênica significava evitar a grande mortalidade de infantes e ainda, de supetão, moldar crianças pelas mãos de suas mães para se tornarem adolescentes produtivos e suscetíveis de comando pelo estado. (COSTA, 1979).
A partir desta perspectiva, houve o recalque do domínio paterno, colocando as mulheres no centro da discussão. É que, diminuindo o poder dos homens do centro da família, o médico social pôde adentrar em seu interior e, infiltrando-se nos costumes e afazeres do lar, acabou por modificar significativamente a família Colonial, transformando-a em um prospecto de família burguesa (COSTA, 1979). Neste contexto, e com a iminente urbanização das cidades, a modernidade apresenta-se por meio de seus avanços, seja no campo da medicina com medicamentos e vacinas recém-inventados, seja com todos os apetrechos que transformaram a antiga sociedade colonial em uma nascedoura sociedade elitista burguesa. E junto com estes novos conceitos sociais, a vida das pessoas foi acentuadamente prolongada e a taxa de mortalidade infantil foi diminuída drasticamente. Este foi então o veículo que transformou um pantanoso terreno ruralista em uma promissora República comercial e industrial. Este sonho juntamente com a abolição da escravidão acabou por despontar com o limiar da república que insurgia no horizonte do país.
No limite, a República derruba a Monarquia ruralista e passa a cunhar uma nação de direitos trabalhistas, especialmente após as leis que extinguiram o trabalho escravocrata (CALIL, 2000, p.11). Leis como a do Ventre Livre (1.871), do sexagenário (1.888) e a Lei Áurea afofam o campo desumano do trabalho escravo para a germinação de uma mão de obra doravante remunerada. E esta mão de obra abarca também a imigração de vários trabalhadores de outros países, em especial, italianos que viriam para o Brasil dispostos a trabalharem na nascente indústria[iii] tupiniquim.
Porém, nem tudo seriam flores. Com a modernização das cidades, os lugares privilegiados acabaram sendo reservados aos mais favorecidos, restando aos pobres moradias insalubres nos subúrbios das cidades ou cortiços nos centros antigos. Pessoas passaram a se amontoar em casebres e sobrados centenários, prosperando neste cenário doenças e pestes. (CARVALHO, 1987).
Ocorre que neste recente sistema capitalista burguês, incidia um estranho paradoxo: enquanto as mulheres tiveram uma ligeira valorização frente ao machismo patriarcal pelas mãos higienistas, em outra vertente, (e em especial as menos abastadas) tiveram um drástico aumento em seus turnos de labor. É que a voraz indústria exigia corpos saudáveis e domesticados para trabalharem em suas maquinarias, onde em muitas ocasiões, o turno ultrapassava 16 horas[iv].
Existiram alguns fatos infames que mancharam de sangue este momento da história. Em oito de março de 1957, em Nova York, 129 mulheres inconformadas com a sua condição análoga a escravas, resolveram protestar por melhores condições de trabalho, direitos de salário iguais aos homens e diminuição de sua jornada de trabalho que chegava a 14 horas diárias.
Direitos a higiene e à saúde, como o mandamento legal de haver no local de trabalho as devidas instalações sanitárias e ventilação adequada, mais do que uma garantia legal à mulher trabalhadora, é um direito que deveria e foi, anos mais tarde, estendido a todos os trabalhadores, porque diz respeito à dignidade da pessoa humana. (CALIL, 2000, p.41)
O que não se imaginava, é que deste inocente assopro de greve, um fato insólito abarcaria a vida destas tecelãs. A polícia Nova-iorquina não estava preparada para o enfrentamento de situações de levante, e desta feita, acabou por “cercar o prédio, e de acordo com os proprietários, incendiou-o para obrigá-las a sair”. (TRINDADE, 2002, p. 144). Resultado estarrecedor: todas foram encontradas carbonizadas[v].
A recém-instalada Revolução Industrial tornou-se uma voraz consumidora de corpos. O sistema domesticava[vi] os corpos dos trabalhadores e acabava por sugar a seiva de suas vidas. O resultado eram mulheres e homens que de tanto trabalhar, acabavam pagando por estas forçadas extravagâncias com suas próprias vidas.
Neste momento histórico, germinava consideravelmente o número de mulheres “chefes de família”. As pobres sofriam duplamente com suas jornadas de trabalho, pois ganhavam menos por serem mulheres e eram julgadas por não estarem em seu lar cuidando de sua família e educando os filhos (CALIL, 2000, p.18).
Neste sentido, Calil citando João, assim se manifesta:
A segregação da mulher em reduzido número de ocupações é, talvez, o resultado mais visível e mais danoso de duas tendências contraditórias: de um lado, a proteção da mulher, exclusivamente enquanto possível reprodutora; de outro, a sua incorporação no mercado de trabalho em condições já inicialmente vantajosas, devido à própria falta de apoio efetivo que a função maternal e o cuidado das crianças encontram na sociedade. (JOÃO, apud CALIL, 2000, p.42).
Podemos constatar nas lições de Margareth Rago, que a população feminina e de crianças que trabalhava em Industrias no final dos novecentos, crescia vertiginosamente:
Em 1894, dos 5.019 operários empregados nos estabelecimentos industriais localizados na cidade de São Paulo, 840 eram do sexo feminino e 710 eram menores” (2006, p.580).
A autora ainda relata que muitos artigos da imprensa operária “denunciam as investidas sexuais de contramestres e patrões sobre as trabalhadoras e que se revoltam contra as situações a que elas viviam expostas nas fábricas”. (RAGO, 2006, p.578).
Nesta mesma obra, citando jornal O Amigo do Povo de 5 de setembro de 1902, a autora denuncia:
A que não se submete às exigências arbitrárias, não já do burguês (...) mas às dos capatazes, ao serviço dos mesmos senhores, é desacreditada e maltratada por esses homens sem consciência, até o extremo de ter de optar entre a degradação e a morte. (Del Priore, p.578).
Não obstante não termos dados para quantificar a intensidade das investidas sexuais dentro de indústrias e em residências, existem indícios de que o assédio sexual acabou acontecendo neste final de século XIX e nas primeiras décadas do século XX desordenadamente e com certa frequência.
Com efeito, os corpos continuaram a se dobrar até a promulgação do Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943 (BRASIL, 2013a). Foi com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que os direitos essenciais de ambos os sexos passaram a ser observados pelo sistema legislativo Brasileiro, e um prenúncio de cidadania encheu de esperança todos os laboriosos do país.
2 Conceito de Assédio Sexual e consequências Psicológicas do Delito
Segundo Villela, assédio sexual pode ser conceituado como:
Conduta sexual abusiva e indesejada, concretizada por meio de manifestações verbais e/ou físicas, com a finalidade de prejudicar o desempenho laboral da vítima, causando-lhe constrangimentos e intimidação, ou ainda a obtenção de favores de cunho sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de ascendência inerente ao exercício do emprego, cargo ou função. (2010, p.157).
Constantino, citando Costa define assédio sexual como sendo:
Uma pressão ou sugestão ou exigência de ‘troca de favores’ sexuais por vantagens, tais como promoção, aumento salarial e estabilidade profissional. (...) existe desde a forma mais sutil, como uma observação verbal constrangedora, até a forma mais violenta, que envolve a agressão física e demissão da vítima, caso a mesma não ceda aos apelos do agressor. (COSTA apud CONSTANTINO, 2002, p.37)
Como vimos, o Assédio Sexual em ambiente de trabalho é circunstância antiga que remonta a fase colonial e se intensifica nos idos da Revolução industrial.
Não obstante a problematização jurídica e psicológica que acompanha o tema, o interesse acadêmico e científico só teve o devido despertar no início da década de 70 do século XX. Com efeito, quando dos estudos da temática ora debatida, principalmente no que diz respeito ao gênero dos sujeitos atingidos, percebeu-se que em geral o assunto versava frequentemente sobre a fórmula ‘homem-assediante x mulher-assediada’, inobstante o Assédio poder também advir de investida feminina, ou ainda pelo assédio entre pessoas do mesmo sexo. O que é importante restar salientado desde já, é que para se ter configurado o dispositivo em comento, deverá sempre coexistir a figura do superior hierárquico, pois se assim não for, descaracterizado estará o Assédio Sexual.
Para que se verifique a conduta reprovável do assédio, é preciso que a vítima não o deseje e se tenha sentido importunada ou constrangida com as propostas do agente e que estas ponham em perigo ou afetem, de alguma forma, os direitos humanos, a dignidade, a saúde, a intimidade, a segurança, a comodidade, o bem estar ou qualquer outro direito seu, adquirido ou em espectativa. (MALUF, 1999, apud CONSTANTINO, 2002, p.37).
Segundo Albertina de Oliveira Costa, as consequências psicológicas do assédio sexual são relatadas como “aborrecimento, irritação, nervosismo, medo, humilhação, angústia e mesmo culpa por se encontrar neste tipo de situação”. Salienta a mesma autora que em geral as consequências sobre a vítima no ambiente de trabalho são extremamente negativas: “clima de indiferença, ameaças, mudança de local de trabalho, ser preterida nas promoções, posta em disponibilidade, até demissão ou pedido de demissão” (COSTA, 1997, p.74). O empregador, por outro lado, quase sempre está em situação de vantagem. Raramente é prejudicado, e quando este fato ocorre, geralmente considera a possibilidade de escândalos que acabará por atingir a empresa, ou seja, a afetação será maior na pessoa jurídica do que na física.
3 O Assédio Sexual e o Direito
O assédio sexual constitui violação a alguns direitos fundamentais, entre eles o da liberdade, da igualdade, da intimidade e da liberdade. De acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 2013a), o assédio sexual pode ser considerado como falta grave (incontinência de conduta ou ato lesivo à honra e boa fama ou mau procedimento no ambiente laboral), o que permite demitir o assediador por justa causa.
A lei nº 10.224, de 16 de maio de 2001 instituiu o art. 216-A no Código Penal para o assédio sexual nas relações de trabalho, que assim estabelece:
Art. 216-A. Constranger alguém com intuito de levar vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua forma de superior hierárquico, ou ascendência, inerentes a exercício de emprego, cargo ou função.
Pena: detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos.
No âmbito da Justiça do Trabalho, o artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 2004) dispõe: “O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando...”
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.
§ 2º - No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.
§ 3º - Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.(Incluído pela Lei nº 4.825, de 5.11.1965) (BRASIL, 2013a).
Das alíneas acima, destacam-se as seguintes: “a”, “c”, “d” e “e”. A fórmula encontrada pelo ordenamento jurídico para reparar dano causado pela violência à esfera extrapatrimonial do indivíduo foi a possibilidade jurídica de estipulação de uma compensação, não necessariamente pecuniária (apesar de ser, frequentemente, a mais adotada), para tentar amenizar a dor sofrida pela vítima. Esta sanção pelo dano sofrido poderá, inclusive, consistir em uma retratação ou desagravo público. A invasão à privacidade e dignidade do assediado caracteriza dano moral indenizável.
A reparação civil por danos morais é constantemente invocada quando se fala em assédio sexual.
O assédio sexual pede algumas classificações. Podemos relacioná-las da seguinte maneira: quanto ao sexo, o assédio moral poderá ocorrer entre pessoas de sexos diferentes bem como por pessoas do mesmo sexo. Quanto à hierarquia, o assédio poderá ocorrer do posto superior ao inferior, ou seja, de um superior hierárquico a um subordinado; de um posto inferior para um superior; do mesmo nível hierárquico; ou do próprio empregador para o empregado. Quanto à forma, o assédio poderá se dar pela forma verbal (cantadas, comentários ousados) ou escrita (cartas, bilhetinhos, comentários por e-mail) e física (gestos indicadores de desejos sexuais). Quanto ao modo, poderá se apresentar através de intimidações ou chantagens (VILLELA, p. 157/158). Quanto ao local, o assédio poderá ocorrer no ambiente de trabalho (laboral) ou fora do ambiente de trabalho (extralaboral).
A caracterização do assédio sexual exige a presença do autor (quem assedia) e do destinatário do assédio, ou seja, da vítima (assediado). Indispensável será sempre o poder do sujeito ativo sobre o sujeito passivo, decorrente da relação de trabalho, como fator de intimidação e, ipso facto, sujeição deste à lascívia daquele. Entendimento minoritário tem Rodolfo Pamplona Filho (2001), ao afirmar que a relação de poder entre assediante e assediado não é requisito essencial para configurar o delito, pois, o assédio sexual trabalhista poderá ocorrer também entre colegas de serviço, cliente e empregado ou entre empregado e empregador.
A chantagem pode ser utilizada por qualquer subalterno, bastando imaginar a hipótese de se exigir sexo mediante a ameaça de revelar algo que possa comprometer o chefe.
Deste modo, resta evidenciado que a configuração de comportamentos reiterados e repelidos, de natureza sexual, praticado por assediador, de mesmo nível hierárquico que a vítima ou em posição inferior a esta, poderá ser punível sim, como justa causa no Direito do Trabalho, caracterizado como incontinência de conduta. Mas não poderá ser tipificado como assédio sexual nos parâmetros do artigo 216-A do Código Penal, já que este dispositivo depende da relação de subordinação.
Alguns autores admitem a hipótese tentada do delito (realização incompleta do tipo penal), ou seja, quando há o início da execução de um crime, mas não ocorre a sua consumação por circunstâncias alheias à vontade do criminoso. Neste sentido, Heráclito Antonio Mossin (2002, p.25) ensina que inobstante o crime ser de natureza formal, a tentativa poderá ocorrer. Podemos colocar como exemplo a interceptação de uma carta ou bilhete com conteúdo coativo visando benefício sexual que acaba não chegando em mãos da vítima[vii].
Não obstante, a jurisprudência em larga escala tem entendido que meras conjecturas não caracterizam assédio sexual. Com efeito, tentativas de aproximação para relacionamentos amorosos ou sexuais não estão sendo considerados pelos tribunais como elementos caracterizadores do assédio sexual. Os galanteios, elogios, flertes e namoros entre colegas de serviço são inofensivos, desde que não haja a utilização do posto ocupado como instrumento de facilitação ou de coerção[viii]. A proposta pode ser aceita, ou não, livremente pelo assediado. Para que se configure, há a necessidade do uso do poder como forma de coerção[ix]
Assim, é importante frisar que as ameaças sofridas pela vítima, o sentimento de asco e repúdio causado pela procura diuturna de relação sexual pelo agressor acaba por transformar o ambiente de trabalho em local intolerável, interferindo sobremaneira na produção daquele que é com frequência assediado, levando em elevadas ocasiões a conflitos trabalhistas e problemas psicológicos por parte do assediado.
Então, este assédio poderá ser punido, tanto com fulcro nas leis já evidenciadas (Artigo 216-A do Código Penal e Artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho), como poderão sofrer respaldo também na esfera Cível. É que, como sabemos, o assediador poderá ser enquadrado no artigo 186 do Código Civil[x].
Sendo o empregador ou outro superior hierárquico, o autor da conduta de assédio sexual, é possível ao empregado a rescisão indireta do contrato de trabalho, sendo admissíveis, também, os pedidos de indenização por dano material e moral, em decorrência da violação do direito à intimidade/liberdade sexual, assegurado no art. 5º, X, da Constituição Federal (BRASIL, 2004).
É indubitável a possibilidade de responsabilizar o empregador, no caso de assédio sexual praticado por seus prepostos, executivos ou quaisquer empregados. Tal responsabilidade, para alguns, seria objetiva, independentemente de conhecimento prévio, outros, porém, exigem responsabilidade direta e efetiva, ou seja, a falta de providências concretas e a tolerância para com a chantagem sexual.
Segundo Villela, o assédio sexual “no trabalho vem sendo considerado pela jurisprudência uma forma de discriminação ilícita, independentemente da intenção de discriminar”. Ainda segundo o autor, “o valor atingido pelo assédio sexual é a liberdade sexual, ou seja, a liberdade de escolha do parceiro e do momento, causando constrangimento e ofensa à dignidade do trabalhador” (VILLELA, 2010, p.157). Configurado o crime de assédio sexual, nasce o dever de indenizar.
A competência para julgar o assédio sexual acabou pacificada no sentido de considerar a Justiça do Trabalho o único órgão competente para processar e julgar ações relativas ao dano provocado pelo assédio sexual. Neste sentido:
PROCESSO CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL E TRABALHISTA. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO SEXUAL EM AMBIENTE DE TRABALHO. EMPREGADO DOMÉSTICO.
1. Compete à Justiça Trabalhista processar e julgar ações de compensação por danos morais decorrentes de assédio sexual praticado contra empregado doméstico em seu ambiente de trabalho, ainda que por parte de familiar que nesse não residia, mas que praticou o dano somente porque a ele livre acesso possuía.
2. Na configuração do assédio, o ambiente de trabalho e a superioridade hierárquica exercem papel central, pois são fatores que desarmam a vítima, reduzindo suas possibilidades de reação.
3. Nas relações domésticas de trabalho há hierarquia e subordinação não apenas entre a pessoa que anota a Carteira de Trabalho e Previdência Social e o empregado doméstico, mas também na relação desse com os demais integrantes do núcleo familiar.
4. Conflito conhecido para o fim de declarar a competência do JUÍZO DA 1ª VARA DO TRABALHO DE JAÚ - SP, juízo suscitante. (Processo: CC 110924 SP 2010/0041857-0 - Relator(a): Ministra NANCY ANDRIGHI - Julgamento: 14/03/2011 - Órgão Julgador: S2 - SEGUNDA SEÇÃO Publicação: DJe 28/03/2011
Ao que diz respeito a configuração do assédio, os nossos Tribunais assim vem decidindo:
RECURSO ORDINÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO SEXUAL. Demonstrado nos autos que a autora foi vítima de assédio sexual, decorrente de constrangimento sofrido em razão de conduta de seu superior hierárquico, de conteúdo com conotação sexual e cunho desrespeitoso, é devida a indenização por danos morais. (...). (TRT-4 - RO: 12299520105040005 RS 0001229-95.2010.5.04.0005, Relator: CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS, Data de Julgamento: 10/05/2012, 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre)17:40 04/08/2013
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO SEXUAL. Configura dano moral a omissão da reclamada em coibir atitude com conotação sexual inadequada de empregado seu em relação a subordinados, de forma a constrangê-los no ambiente de trabalho. (...). (TRT-4 - RO: 4282820105040411 RS 0000428-28.2010.5.04.0411, Relator: JOSÉ CESÁRIO FIGUEIREDO TEIXEIRA, Data de Julgamento: 01/12/2011, Vara do Trabalho de Viamão)
DANO MORAL - ASSÉDIO SEXUAL - O assédio moral constitui-se no mais abjeto ato do empregador, pois se vale ele de sua posição de mando, subjugando a vontade da empregada ,anulando sua liberdade de escolha, causando-lhe danos psicológicos permanentes. (TRT-2 - RO: 1790200704902000 SP 01790-2007-049-02-00-0, Relator: SILVIA REGINA PONDÉ GALVAO DEVONALD, Data de Julgamento: 26/05/2009, 3ª TURMA, Data de Publicação: 16/06/2009)
DANO MORAL - ASSÉDIO SEXUAL - O assédio moral constitui-se no mais abjeto ato do empregador, pois se vale ele de sua posição de mando, subjugando a vontade da empregada ,anulando sua liberdade de escolha, causando-lhe danos psicológicos permanentes. (TRT-2 - RECORD: 1790200704902000 SP 01790-2007-049-02-00-0, Relator: SILVIA REGINA PONDÉ GALVAO DEVONALD, Data de Julgamento: 26/05/2009, 3ª TURMA, Data de Publicação: 16/06/2009)
DANO MORAL. ASSÉDIO SEXUAL. Ocorrendo violação à honra e à intimidade do trabalhador, impõe-se a integral reparação pela ofensa a estes bens componentes da própria dignidade humana. (TRT-5 - RO: 1537005420055050002 BA 0153700-54.2005.5.05.0002, Relator: VÂNIA CHAVES, 1ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 20/11/2006)
ASSÉDIO SEXUAL - CARACTERIZAÇÃO - ELEMENTOS - São elementos caracterizadores básicos do assédio sexual: 1) Sujeitos: agente (assediador) e destinatário (assediado); 2) Conduta de natureza sexual; 3) Rejeição à conduta do agente; e 4) Reiteração da conduta. A relação de poder entre os sujeitos não é essencial para a caracterização do ilícito trabalhista (...). (TRT-15 - RO: 28048 SP 028048/2006, Relator: FLAVIO NUNES CAMPOS, Data de Publicação: 09/06/2006)
A reparação do dano moral resultante de assédio sexual, porém, tem critérios subjetivos para a compensação financeira. Deverá o julgador, na fixação do quantum indenizatório agir de acordo com o ordenamento jurídico, devendo para tanto, levar em conta o tempo de serviço do assediado na empresa, o cargo exercido e sua situação econômico-social e, do lado do ofensor, como critério subjetivo, a intensidade do ânimo de ofender (culpa ou dolo), e como critério objetivo, a gravidade e a repercussão da ofensa.
TRT-PR-30-05-2008 DESCONTO EFETUADO NA RESCISÃO. DANO CAUSADO PELO EMPREGADO CONSISTENTE EM CONDENAÇÃO JUDICIAL POR ATO ILÍCITO (ASSÉDIO SEXUAL POR INTIMIDAÇÃO). Fatos apurados durante a instrução processual em ação de indenização demonstraram que o Autor praticou atos corporificadores de assédio sexual, fato que determinou a condenação da Reclamada ao pagamento de indenização na importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Havendo previsão no contrato de trabalho de possibilidade de efetuar descontos no salário em decorrência de prejuízos causados pelo empregado e demonstrado que o Autor, deliberadamente, praticou ato danoso, deve arcar com o pagamento do "quantum" que resultou de sua prática ilícita (art. 462, § 1º, da CLT). Reiteradamente as Cortes Trabalhistas vêm se deparando com ações de danos morais onde os empregadores são alertados quanto à necessidade de medidas rigorosas para coibir atitudes dessa espécie, como, aliás, ficou assentado na sentença da AIND 00031/2006. Portanto, inviável, diante de ato recomendado pelo Judiciário, dizer que este foi abusivo. Recurso do Reclamante a que se nega provimento, mantendo-se a r. sentença que declarou lícito o desconto, na rescisão, do valor a que foi condenada a Ré na ação de indenização. (TRT-9 1322200794902 PR 1322-2007-94-9-0-2, Relator: UBIRAJARA CARLOS MENDES, 1A. TURMA, Data de Publicação: 30/05/2008)
5 Considerações Finais
Durante muitos anos, um sonho de cidadania e liberdade despontou na órbita mundial e também desembarcou em terras brasileiras.
As mulheres, sempre fragilizadas com o passar dos séculos, além de submissas em seu lar, eram constantemente obrigadas a suportarem maltratos e traições de seus maridos. Escravas e empregadas domésticas, em frequentes ocasiões, eram obrigadas a se deitar com seus patrões para garantirem o pão do dia seguinte.
Com o desabrochar do Império, e doravante, com a proclamação da República, o mundo antigo caiu e uma elite industrial e ruralista passou a ditar as regras no Brasil. Este sonho de aportes liberalistas advindos dos Estados Unidos, por um efeito rebote, logo passou a escancarar a desigualdade entre as pessoas, e apesar do avolumar de chances laborais em prol da classe feminina, mulheres e crianças desclassificadas socialmente passaram a ser verdadeiras máquinas de produção capitalista. Agora, a mulher pobre teria que trabalhar largos períodos e ainda cuidar da casa e da prole.
Com o passar das décadas, após batalhas bravamente travadas pela melhoria de direitos básicos, o legislador tupiniquim presenteou homens e mulheres com uma bela Consolidação de Leis Trabalhistas, que embora longe de ser considerada a derradeira panaceia, acabou por prover-lhes com um mínimo de garantias democráticas e de cidadania. De lá para cá, o sistema aperfeiçoou alguns dispositivos legais que foram instrumentos fundamentais como fomentadores de uma proteção jurídica outrora inexistente a todos que viessem a sofrer qualquer constrangimento na ordem sexual.
A citação abaixo demonstra cabalmente que já em tempos pretéritos, a luta pela dignidade se fazia presente.
Tenho que te dar uma noticiazinha má. Como você me ensinou, para o materialista, tudo está certo. Acabam de me despedir da fábrica, sem uma explicação, sem um motivo. Porque me recusei ir ao quarto do chefe. Como sinto companheira, mais do que nunca a luta de classes! Como estou revoltada e feliz por ter consciência. Quando o gerente me pôs na rua senti todo o alcance de minha definitiva proletarização, tantas vezes adiada.[xi]
Agora, em pleno século XXI, o que nos resta é olhar para o passado buscando uma cidadania que se perdeu na poeira do tempo. Afinal, é ela (cidadania) a panaceia que curará todas as dores do futuro.
Referências:
AMARAL, Maria Eugênia; FLANDOLI, Beatriz Xavier. Duas impertinentes crônicas. Barueri, SP: Minha Editora, 2006.
BARROS, Alice Monteiro De. O assédio sexual no Direito do trabalho comparado. Revista LTR, São Paulo, 1998.
______________, Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2005.
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em Agosto de 2013. (a)
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[i] Conforme Calil, (2000, p.6) o nome real da autora era Dionísia de Faria Rocha. A obra foi publicada em recife em 1832 e é uma tradução livre do livro editado em Londres em 1792 intitulado: Vindication of the Rights of Woman.
[ii] Gilberto Freire era um grande admirador de Nísia. O autor, citado por Calil assim descreveu a escritora: “Nísia Floresta surgiu – repita-se - , como uma exceção escandalosa. Verdadeira machona entre as sinhasinhas deugosas do meado do século XIX. No meio de homens a dominarem sozinhos todas as atividades extradomésticas, as próprias baronesas e viscondessas mal sabendo escrever, as senhoras mais finas soletrando apenas livros devotos e novelas que eram quase histórias de Troncoso, causa pasmo ver uma figura como a de Nísia”. (FREYRE apud CALIL, 2006, p.7).
[iii] Calil afirma que Dom Pedro II já teria pensado na industrialização do Brasil em pleno Império, porém a questão escravocrata era grande empecilho para este desenvolvimento. Relata ainda a autora que nas décadas de 40 e sessenta dos dezenove a industrialização de tecidos de algodão já davam sinal de sua força na Bahia (2000, p.12).
[iv] Relatos apontam que “muitas mulheres eram costureiras e completavam o orçamento doméstico trabalhando em casa, às vezes até 18 horas por dia” (PRIORE, 2006, p.581).
[v] Um dos motivos da escolha do dia 8 de março como Dia Internacional da Mulher é este trágico acontecimento (AMARAL, FLANDOLI, 2006, p.15).
[vi] Sobre Docilidade de Corpos, ver a espetacular obra de Michel Foucault “Vigiar e Punir” (1997).
[vii] Neste mesmo sentido, admitindoa tentativa, conferir Aloysio Santos: Assédio Sexual nas relações trabalhistas e estatutárias. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
[viii] Neste sentido: ASSÉDIO SEXUAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Não revelam assédio sexual os bilhetes que mostram amor pela autora, sem conotação sexual e sem qualquer caráter desrespeitoso. Não foi provada a autoria dos bilhetes. O suposto autor não era supervisor da reclamante para se falar em assédio. (Recurso Ordinário nº 00318.2004.341.02.00-1 (20060395880), 2ª Turma do TRT da 2ª Região/SP, Rel. Sérgio Pinto Martins. J. 01.06.2006, Publ. 13.06.2006).
[ix] Neste sentido: ASSÉDIO SEXUAL. CONFIGURAÇÃO, DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. Se a reclamante, no interior da empresa, sofre reiteradas investidas de conotação sexual por parte do chefe de área, submetendo-se a situação vexatória e atentadora à sua dignidade, configura-se o assédio sexual que, segundo José Wilson Sobrinho é o comportamento consistente na explicitação da intenção sexual que não encontra receptividade concreta de outra parte, comportamento esse reiterado após a negativa, atraindo assim, o direito da reclamante à reparação por dano moral. (TRT – 3ª R. 4ª T.RO nº 14159/97 – Rel. Denise Alves Horta – DJMG – 13.06.08 – pág. 6).
[x] Diz o referido artigo: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (BRASIL, 2013c).
[xi] Citação realizada por Margareth Rago da obra de Patrícia Galvão de nominada Parque Industrial de 1933.
Doutorando em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (Bolsista CNPq). Desenvolve investigações vinculadas à linha de pesquisa "Diferenças: relações étnico-raciais, de gênero e etária" e participa do grupo de estudos sobre a criança, a infância e a educação infantil: políticas e práticas da diferença vinculado à UFSCar. É também Advogado. O presente artigo é parte modificada de minha Dissertação de Mestrado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Emerson Benedito. A extrema covardia: A constrangedora conjectura do assédio sexual no ambiente de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 ago 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/36208/a-extrema-covardia-a-constrangedora-conjectura-do-assedio-sexual-no-ambiente-de-trabalho. Acesso em: 06 nov 2024.
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