Com a detenção de Henrique Pizzolato, no dia 05/02/2014, no apartamento de um sobrinho, em Maranello, próximo a Bologna, no norte da Itália, passa-se a um novo capítulo na novela do Mensalão (Ação Penal nº 470). O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, condenado a 12 anos e sete meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato, fugiu para Itália em meados de setembro de 2013, antes mesmo de ter a sua prisão determinada pelo STF.
Em decorrência de uma operação policial conjunta e com o apoio da Interpol, Pizzolato foi localizado em Maranello, cidade famosa por sediar a fábrica da Ferrari, provavelmente por conta do rastreamento de suas conexões familiares. Ao ser encontrado, o foragido estava de posse de passaporte falsificado (com o nome de seu irmão, Celso), 15 mil euros em dinheiro e mais 2 mil dólares americanos. Transferido para Modena, capital da província, Pizzolato teve sua prisão preventiva decretada pelas autoridades italianas, cabendo agora às autoridades brasileiras a solicitação formal do pedido de extradição.
Neste ponto cabem várias reflexões de natureza jurídica e política. Ao contrário de alguns pronunciamentos desavisados ou distorcidos, o Brasil e a Itália mantêm entre si um Tratado de Extradição, assinado em Roma, aos 17 de outubro de 1989, e em vigor desde 1993. Por este diploma internacional, o Brasil terá o prazo de 40 dias, a contar da comunicação italiana a respeito da prisão verificada, para oficializar o pedido extraditório (Artigo XIII).
Cabe esclarecer que as solicitações e/ou comunicações entre os governos serão obrigatoriamente feitas entre os respectivos Ministérios da Justiça, ou por via diplomática (Artigo X), jamais por iniciativa de particulares, quer políticos ou não.
De outra parte, para não pairar dúvidas na matéria, tanto o Brasil quanto a Itália estabelecem em seus ordenamentos jurídicos o impedimento de se extraditar seus nacionais, natos - no caso brasileiro (Artigo V, LI, da CF), ou mesmo com dupla cidadania – no caso italiano (Artigo 26). Esta disposição constitucional italiana, aliás, permite nova conjectura acerca desta questão, ao prever que a extradição só será permitida quando expressamente prevista por convenções internacionais.
Ora, existindo, como de fato existe, um tratado neste particular entre o Brasil e a Itália, com validade indeterminada, a matéria por ele será regida. E o referido pacto assim estatui em seu artigo 6º: “Quando a pessoa reclamada, no momento do recebimento do pedido, for nacional do Estado requerido, este não será obrigado a entregá-la”. Todavia, para que não prospere a impunidade, o mesmo dispositivo acrescenta: “ (...) não sendo concedida a extradição, a parte requerida, a pedido da parte requerente, submeterá o caso às suas autoridades competentes para eventual instauração de procedimento penal”, perante o judiciário local.
Nesta moldura se enquadra a situação de Henrique Pizzolato. Por também ter cidadania italiana, aquele país pode pura e simplesmente negar um eventual requerimento extraditório. Mas em nome do combate à criminalidade, ambos os países (se houver pedido do Brasil) podem acordar pelo cumprimento da pena atribuída ao ex-diretor no âmbito do sistema prisional italiano. E aqui vale outro alerta aos neófitos no tema: não se trata de revisar o processo em território italiano, pois isto não pode ser objeto de discussão, mas apenas de enquadrar ou mesmo adaptar o apenamento à realidade local.
Neste “imbróglio” surge mais uma questão latente. Pizzolato deverá responder pelo crime de uso de documento falso e falsidade ideológica na Itália, cuja pena pode chegar a 3 anos de cadeia. O que permite a importante ilação de que, após o curso normal de um processo de extradição perante o Poder Judiciário, o governo italiano recuse a entrega imediata do foragido, no caso de condenado na ação penal referida, com base no artigo XV da convenção de 1989, quando assevera: “Caso o pedido de extradição vier a ser acolhido, a entrega da pessoa extraditada poderá ser adiada até a conclusão do processo penal ou até o cumprimento da pena”.
Contraditando alguns posicionamentos de que Pizzolato é inextraditável apenas por manter cidadania italiana, ousa-se afirmar que esse fato é um sério óbice à pretensão brasileira. Contudo, a base definitiva para a solução do impasse reside no texto do tratado binacional já mencionado. E aqui entra o ingrediente político que faltava nesse tempero. O dito diploma legal foi descumprido pelo Brasil quando do caso Cesare Battisti, posto que naquela ocasião, apesar do STF decidir-se favorável à extradição, o presidente Lula – a quem cabia a palavra final na matéria -, no estertor do seu mandato, optou por não entregar o terrorista italiano. Ou seja, ao deixar de atender o pactuado entre as partes, o governo brasileiro parece ter deixado aberta uma brecha para a não reciprocidade por parte do governo italiano, que poderá deixar de atender o pleito extraditório no caso concreto.
É quase certo de que Pizzolato fique na Itália, para frustração de tantos quantos se batem pela manutenção ou melhoria do nosso Estado Democrático de Direito e pelo fim da corrupção em todos os sentidos. Mas só escapará do cumprimento de pena por seus crimes se houver omissão do governo brasileiro em postular pelo atendimento aos ditames judiciais da nossa mais alta Corte.
Resta ainda a hipótese de que a extradição de Pizzolato possa se tornar uma moeda de troca para o governo italiano, com a possível reabertura do caso Cesare Battisti. Quem viver verá!
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