Resumo: O presente artigo pretende analisar e apontar as principais características do princípio do contraditório, destacando a possibilidade de sua aplicação dentro do inquérito policial. Para isso utilizar-se-á ampla gama de conceituação de termos chaves para o tema. Será feita análise de preceitos e institutos fundamentais como inquérito policial, princípio do contraditório, princípio da ampla defesa, intentando explanar os principais elementos e razões da temática em questão.
Palavras-chave: Princípio do Contraditório; Inquérito Policial; Ação Penal.
Sumário: Introdução; 1. Do inquérito policial; 2. Da aplicação do princípio do contraditório no inquérito policial; 3. Conclusão; Referências Bibliográficas.
Introdução
Com o advento da Carta Magna de 1988, o processo penal brasileiro instituído, formalmente iniciado pelo Inquérito Policial, passou a ter natureza predominantemente inquisitória.
Quanto à destinação do processo penal versa Mirabete[1]:
“A finalidade mediata do processo penal confunde-se com a do Direito Penal, ou seja, é a proteção da sociedade, a paz social, a defesa dos interesses jurídicos, a convivência harmônica das pessoas no território da nação. O fim, direto, mediato, é conseguir, mediante a intervenção do juiz, a realização da pretensão punitiva do Estado derivada da prática de uma infração penal, em suma, a realização do direito penal objetivo”.
Sendo um dos mais conhecidos princípios do Direito Penal o Princípio do Contraditório, posto de maneira tão somente didática, visa dar válida à ampla defesa do acusado, permitindo que este possa contradizer as evidências apontadas contra si.
A discussão da possibilidade ou não da aplicação nasce da natureza do inquérito policial, considerado como tão somente administrativo e, em virtude disso, não abrangido pelo princípio do contraditório, com possibilidade de aplicação somente após instauração de ação penal.
No entanto, discussões recentes vem apontando na possibilidade de aplicação do princípio ainda na fase do inquérito policial, uma vez que, a inquérito policial pode vir a resultar em uma ação penal contra o acusado, o que, indubitavelmente lhe acarretaria os mais diversos prejuízos.
Devido à possibilidade real de prejuízos e, visando assegurar a garantia constitucional da ampla defesa, a aplicação do princípio do contraditório justificar-se-ia, ainda que na fase de inquérito policial.
1. Do inquérito policial
Consistindo em dos mais importantes instrumentos estatal o Inquérito Policial finaliza o levantamento de indícios suficientes contra suspeito de prática de conduta antijurídica tipificada, para futura propositura de ação penal, tendo natureza inquisitória e administrativa.
No ordenamento jurídico brasileira a figura do Inquérito Policial passou a existir com Lei 2033 de 20 de setembro de 1871, posteriormente regulamentada pelo Decreto-lei nº 4824, também do ano de 1871, conforme artigo 42 da lei supramencionada[2], a seguir transcrito:
“Art. 42. O inquérito policial consiste em todas as diligencias necessárias para o descobrimento dos factos criminosos, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices; e deve ser reduzido a instrumento escripto, observando-se nelle o seguinte: [...]”.
Os ditames dados pelo Decreto-lei nº 4824 de 1871 perduraram até o advento do Decreto-lei nº 3689, de 3 de outubro de 1941, que institui o até hoje vigente Código de Processo Penal Brasileiro.
Para conceituar inquérito policial nos valemos dos ensinamentos de Mirabete[3]:
“[...] inquérito policial é todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários a apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como auto de flagrante, exames periciais etc”.
Ainda na tarefa de conceituar o instrumento do inquérito policial socorre-nos Lopes Jr.[4]:
“Inquérito é o ato ou efeito de inquirir, isto é, procurar informações sobre algo, colher informações acerca de um fato, perquirir. O CPP de 1941 denomina a investigação preliminar de inquérito policial em clara alusão ao órgão encarregado da atividade. O inquérito policial é realizado pela polícia judiciária, que será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria (art 4º) [...] Trata-se de um modelo de investigação preliminar policial, de modo que a polícia judiciária leve a cabo o inquérito policial com autonomia e controle. Contudo, depende da intervenção judicial para a adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais”.
Preleciona Muccio[5]:
“O inquérito policial nada mais é do que um procedimento informativo, revestido de sigilosidade e inquisitoriedade, no qual, obedecida a forma escrita, tem lugar a primeira fase da persecução penal – a persecutio criminis – que implica na apuração da infração penal e da sua autoria, sem prejuízo da colheita de outras provas que guardem relação com o fato”.
Conclui-se que, o inquérito policial consiste em um procedimento administrativo, realizado pela Polícia Judiciária através de linhas investigativas e diligências, objetivando a constatação de autoria e materialidade do fato antijurídico penalmente tipificado, para futura instauração de ação penal.
Com relação à natureza jurídica do inquérito policial, a corrente majoritária o aponta como sendo um procedimento administrativo, entendimento corroborado por Garcia[6]:
“O inquérito não é processo, constituindo-se simplesmente num procedimento administrativo. Como não poderia deixar de ser, seu caráter é inquisitivo, tendo o presidente do inquérito poderes discricionários (limitados pelo direito), mas não arbitrários, para conduzir as investigações”.
Importante adendo nos faz Mirabete[7] com relação à distinção entre inquérito policial e instrução criminal, ao estabelecer que o primeiro não pode ser entendido, de maneira alguma, como um processo, corroborando com o estabelecimento da natureza jurídica do mesmo:
“Não é o inquérito “processo” [...] A investigação procedida pela autoridade policial não se confunde com a instrução criminal, distinguindo o Código de Processo Penal o “inquérito policial” (arts. 4º a 23º) da “instrução criminal” (arts. 394 a 405). Por essa razão, não se aplicam ao inquérito policial os princípios processuais estado de inocência, iniciativa das partes e do impulso oficial, nem mesmo o contraditório. Constitui-se em um dos poucos poderes de autodefesa que é reservado ao Estado na esfera da repressão ao crime, com caráter nitidamente inquisitivo, em que o réu é simples objeto de um procedimento administrativo, salvo em situações excepcionais em que a lei o ampara (formalidades do autor de prisão em flagrante, nomeação de curador a menor etc.)”.
As principais características do inquérito policial são sua discricionariedade, ser escrito, sigilosidade, obrigatoriedade e indisponibilidade.
2. Da aplicação do princípio do contraditório no inquérito policial
Antes que se defina o que é entendido por princípio do contraditório faz-se necessário destacar que o mesmo é uma garantia fundamental constitucionalmente assegurada.
O princípio do contraditório guarda indissolúvel relação com o princípio da ampla defesa, chegando até mesmo a confundirem-se entre si, conforme explica e diferencia Morais[8]:
“Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe apresente, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor”.
Corroborando com a definição e função do contraditório, versa Tourinho Filho[9]:
“[...] de acordo com tal princípio, a defesa não pode sofrer restrições, mesmo porque o princípio supõe completa igualdade entre acusação e defesa. Uma e outra estão situadas no mesmo plano, em igualdade de condições, e, acima delas, o Órgão Jurisdicional, como órgão “superpartes”, para, afinal, depois de ouvir as alegações das partes, depois de apreciar as provas, “dar a cada um o que é seu”.
Entende a corrente majoritária que, a aplicação do princípio do contraditório só faz-se aplicável depois de instaurada a ação penal, não sendo passível de aproveitamento durante a fase de inquérito policial.
No entanto, o entendimento de que, mesmo ainda durante a fase inquisitiva, a aplicação do princípio do contraditória já se faz possível, uma vez que, tal instrumento pode vir a instaurar uma ação penal contra a pessoa do investigado, o que viabiliza a aplicação do princípio, conforme salienta Lopes Jr.[10]:
“É inegável que o indiciamento representa uma acusação em sentido amplo, pois decorre de uma imputação determinada.
Por isso o legislador empregou acusados em geral, para abranger um leque de situações, com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal e com o intuito de proteger também ao indiciado”.
Apontando a importância do contraditório, preleciona Almeida[11]:
“A verdade atingida pela justiça pública não pode e não deve valer em juízo sem que haja oportunidade de defesa ao indiciado. É preciso que seja o julgamento precedido de atos inequívocos de comunicação ao réu: de que vai ser acusado; dos termos precisos dessa acusação; e de seus fundamentos de fato (provas) e de direito. Necessário também que essa contrariedade seja feita a tempo de possibilitar a contrariedade: nisso está o prazo para conhecimento exato dos fundamentos probatórios e legais da imputação e para a oposição da contrariedade e seus fundamentos de fato (prova) e de direito”.
Outro importante fator possibilitador da aplicação do princípio em questão dentro da fase do inquérito policial é que, alguns atos do mesmo são dotados de irrepetibilidade, o que, em caso de instauração de ação penal, culminaria em cerceamento da defesa do acusado.
Em razão disso, a despeito do pensamento ditado pela corrente majoritária, entende-se que, a aplicação do princípio do contraditório no inquérito policial faz-se possível e representa a efetivação máxima de uma garantia fundamental constitucionalmente defendida.
Conclusão
Com seu indubitável valor social o princípio da contraditório, sendo constitucionalmente assegurado, tem na aplicação a consolidação de uma das mais importantes garantias aos acusados da prática de crime.
A aplicação do contraditório, até os dias presentes, tem sido apontada como desnecessária ou impossível dentro do inquérito policial, devido à natureza administrativa do mesmo, o que, em tese, inviabilizaria a sua aplicação neste momento.
No entanto, tratando-se o Direito de uma ciência em constante reconstrução, tem se apontado na direção de que a aplicação do contraditório na fase inquisitiva tem sua possibilidade calcada na prevenção de possíveis danos ao investigado em caso de instauração penal, caso o mesmo não seja aplicado.
Referências bibliográficas
BRASIL. Decreto-lei 4824 de 1871. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DIM/DIM4824.htm> Acesso em 18 mar. 2015.
GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 8. ed. Goiânia: Cultura e Qualidade, 1999, p. 10.
LOPES JR, Aury. Direto Processual Penal: E sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 239-241.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 40/41.
MORAIS, Alexandre de. Direito constitucional. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2000. p. 116.
MUCCIO, Hidejalma. Curso de Processo Penal. São Paulo: Edipro, 2000, p. 168.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p.49.
[1] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 40/41.
[2] BRASIL. Decreto-lei 4824 de 1871. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DIM/DIM4824.htm> Acesso em 18 mar. 2015.
[3] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 76.
[4] LOPES JR, Aury. Direto Processual Penal: E sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 239-241.
[5] MUCCIO, Hidejalma. Curso de Processo Penal. São Paulo: Edipro, 2000, p. 168.
[6] GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 8. ed. Goiânia: Cultura e Qualidade, 1999, p. 10.
[7] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2003, p. 77.
[8] MORAIS, Alexandre de. Direito constitucional. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2000. p. 116.
[9] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p.49.
[10] LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 245.
[11] ALMEIDA, Apud. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. p. 44.
Advogada e pós-graduanda em Direito no Complexo Educacional Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, Rafaela Miareli. A aplicação do princípio do contraditório no inquérito policial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 abr 2015, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/43675/a-aplicacao-do-principio-do-contraditorio-no-inquerito-policial. Acesso em: 31 out 2024.
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