RESUMO: o artigo tem por finalidade demonstrar a inovação trazida pela Lei 10.216/01 no tocante à aplicação da medida de segurança de internação.
Palavras – chave: Lei 10.216/01. Código Penal. Lei 7.210/84. Internação.
INTRODUÇÃO
A medida de segurança consiste na resposta penal dada pelo Estado aos autores de fatos típicos e ilícitos que apresentam algum distúrbio mental que afete suas faculdades intelectivas, tendo conotação social protetora e eminentemente preventiva.
A Lei n. 10.216/2001 trouxe inovações à aplicação da medida de internação, com o objetivo de dar efetividade aos princípios constitucionais garantidos a todo ser humano, em especial, o princípio da dignidade.
No presente artigo, propõe-se a discussão acerca dos pontos relevantes expostos na Lei Antimanicomial e a divergência existente quanto à derrogação ou não de dispositivos do Código Penal e da Lei de Execução Penal que tratam das medidas de segurança, especialmente a detentiva, expondo os argumentos favoráveis à derrogação.
1. CONCEITO, PRINCÍPIOS INFORMADORES E ESPÉCIES DE MEDIDAS DE SEGURANÇA
A medida de segurança é uma providência do Estado, fundamentada no jus puniendi, imposta ao agente inimputável ou semi-imputável que pratica um fato típico e ilícito, com base no grau de periculosidade do mesmo. Medida de segurança é toda a reação criminal, detentiva.
Segundo Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli:[1]
As medidas de segurança previstas no Código Penal vigente, referem-se tão somente aos inimputáveis (art. 26, “caput”) e às pessoas que se encontram numa situação de culpabilidade diminuída, prevista no parágrafo único do artigo 26. A natureza das chamadas “medidas de segurança”, ou simplesmente “medidas”, não é propriamente penal, por não possuírem um conteúdo positivo, mas o são formalmente penais e, em razão disso, são elas impostas e controladas pelos juízes penais.
Os princípios informadores das penas também se aplicam às medidas de segurança, mas dois merecem especial destaque, o Princípio da Legalidade, nos termos de Cezar Roberto Bittencourt:[2]
Não resta a menor dúvida quanto à submissão das medidas de segurança ao princípio da reserva legal, insculpido nos artigos 5o, inciso XXXIX da Constituição Federal e 1o do Código Penal, referentes ao crime e à pena. Todo cidadão tem o direito de saber antecipadamente a natureza e duração das sanções penais – pena e medida de segurança – a que estará sujeito se violar a ordem jurídico-penal, ou, em outros termos, vige também o princípio da anterioridade legal, nas medidas de segurança.
E o princípio da proporcionalidade que preceitua que o magistrado, na determinação da medida de segurança deve observar, especialmente, o grau de periculosidade do agente.
Segundo o Código Penal atual, a medida de segurança é aplicada apenas aos inimputáveis e semi-imputáveis e possui duas espécies, a detentiva e a restritiva. A primeira, prevista no artigo 96, I, CP, representa a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, aplicando-se aos crimes punidos com pena de reclusão. Assim, o mandamento legal leva em consideração apenas a gravidade da infração perpetrada e não a periculosidade do infrator.
Guilherme de Souza Nucci argumenta ser esse preceito injusto, já que padroniza a aplicação da sanção penal e não resolve o problema de muitos portadores de doenças mentais que poderiam ter suas internações evitadas.
Por outro lado, a medida de segurança restritiva (art. 96, II, CP) refere-se ao tratamento ambulatorial, cabendo, em regra, na hipótese de delito punido com detenção, salvo se o grau de periculosidade do agente indicar necessidade de internação.
2. APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA
A execução da medida de segurança ocorrerá com o trânsito em julgado da sentença que aplica-la, ordenando a expedição de guia para a sua execução. A sentença que aplica tal medida é denominada sentença absolutória imprópria, quando se refere ao acusado que cometeu o fato, mas foi reconhecida a sua incapacidade de entender o caráter ilícito e de determinar-se conforme o direito à sua época, podendo decorrer, também, de uma sentença condenatória, no caso de semi-imputabilidade do agente.
Tal medida, seja de internação, seja de sujeição a tratamento ambulatorial, perdura enquanto persistir a periculosidade, ou seja, o simples perigo para os outros ou para a própria pessoa. A averiguação da periculosidade deve ser feita mediante perícia médica, cabendo ao juiz avaliar a opinião técnica dos médicos.
A medida de segurança possui um prazo mínimo, definido no artigo 97, § 1o do Código Penal, variando de 01 (um) a 03 (três) anos. Não há, na lei, referência à prazo máximo, devendo a sanção perdurar até a cessão da periculosidade do apenado, o que gera muitas críticas da doutrina e da jurisprudência que argumentam ser a indeterminação do seu prazo de duração incompatível com a Constituição Federal, que proíbe, em seu artigo 5o, XLVII, “b”, sanções de caráter perpétuo.
Quanto ao tema, uma primeira corrente afirma que o tempo de cumprimento da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo de trinta anos previsto para as penas privativas de liberdade, entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal.
Para outra, o tempo de cumprimento da medida não deve exceder o limite máximo da pena cominada ao fato previsto como crime praticado pelo inimputável, havendo súmula do Superior Tribunal de Justiça (súmula n. 527) e sendo este o entendimento adotado por esse Tribunal Superior.
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME APENADO COM DETENÇÃO. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA. MEDIDA DE SEGURANÇA. LIMITAÇÃO DO TEMPO DE CUMPRIMENTO AO MÁXIMO DA PENA ABSTRATAMENTE COMINADA. ACÓRDÃO RECORRIDO DEACORDO COM ENTENDIMENTO DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O prazo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito cometido. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido.
Ademais, cumpre ressaltar que o requerimento do exame de cessação de periculosidade pode acontecer antes da expiração do prazo mínimo, especialmente para prevenir que o apenado permaneça com sua liberdade cerceada por mais tempo do que o necessário.
3. A LEI 10.216/01, O CÓDIGO PENAL E A LEI DE EXECUÇÃO PENAL (LEI 7.210/1984)
A Lei 10.216/2001, mais conhecida como Lei Antimanicomial, apresentou inovações quanto ao tratamento de pessoas portadoras de transtornos mentais, restando superada a utilização da periculosidade como base de aplicação da medida de internação.
No mesmo sentido, preleciona Rogério Greco: [3]
É importante ressaltar que a classe médica, há alguns anos, vem se mobilizando no sentido de evitar a internação dos pacientes portadores de doença mental, somente procedendo a internação dos casos reputados mais graves quando o convívio do doente com os seus familiares ou com a própria sociedade torna-se perigoso para estes e para ele próprio. Em virtude desse raciocínio, surgiu em nosso ordenamento jurídico a Lei 10.216, de 06 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, redirecionando o modelo assistencial em saúde mental.
Corroborando com esse entendimento, em especial ao caráter excepcional da medida, a Resolução n° 113 do Conselho Nacional de Justiça, em seu artigo 17, afirma que o juiz competente para a execução da medida de segurança deverá, sempre que possível, buscar implementar políticas públicas antimanicomiais, conforme estabelecido pela Lei 10.216/01.
A Lei Antimanicomial, em seu artigo 4o, estabelece que a internação somente será adotada quando os recursos extra hospitalares se mostrarem insuficientes, devendo o magistrado fundamentar sua decisão, sob pena de nulidade em decorrência de avaliações periódicas que indiquem a superação do estado crítico, devendo sempre ter a finalidade de reinserção social do paciente em seu meio.
Observa-se que há uma evolução no pensamento jurisprudencial que flexibilizou a obrigatoriedade de internação hospitalar para crimes punidos com reclusão.
PENAL. INIMPUTABILIDADE DO RÉU NA ÉPOCA DOS FATOS. MEDIDA DE SEGURANÇA. TRATAMENTO AMBULATORIAL EM ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE MENTAL PREVISTOS NA LEI Nº 10.216/01, COM ACOMPANHAMENTO DE MÉDICO DA CONFIANÇA DO PACIENTE. DIREITOS ASSEGURADOS AO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL.
- Aplicada medida de segurança de tratamento ambulatorial a réu inimputável na época dos fatos, tem este, portador de transtorno mental, nos termos da Lei nº 10.216/01, dentre outros, direito de ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo com as suas necessidades; ser tratado em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis, e, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental, a fim de que possa ser reinserido socialmente em seu meio. Dessarte, ao invés da internação em Instituto Psiquiátrico Forense, fica o paciente obrigado a tratamento ambulatorial nos estabelecimentos de saúde mental previstos na Lei nº10.216/01, restando facultada a orientação e o acompanhamento do tratamento por médico de confiança pessoal do internado, nos termos do art. 43 da LEP. TRF4, ACR 2001.71.00.000774-0, Oitava Turma, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, DJ 19/11/2003.
O Superior Tribunal de Justiça também possui pronunciamento a respeito da questão:
RECURSO ESPECIAL. CRIMINAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. INIMPUTÁVEL. MEDIDA DE SEGURANÇA. DELITO PUNÍVEL COM PENADE RECLUSÃO. TRATAMENTO AMBULATORIAL. CABIMENTO. ART. 97. MITIGAÇÃO. ADEQUAÇÃO DA MEDIDA À PERICULOSIDADE DO AGENTE. 1. A par do entendimento jurisprudencial deste Tribunal Superior, no sentido da imposição de medida internação quando o crime praticado for punível com reclusão - reconhecida a inimputabilidade do agente -, nos termos do art. 97 do Código Penal, cabível a submissão do inimputável a tratamento ambulatorial, ainda que o crime não seja punível com detenção. 2. Este órgão julgador já decidiu que, se detectados elementos bastantes a caracterizar a desnecessidade da internação, e em obediência aos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, é possível a aplicação de medida menos gravosa ao inimputável se, ainda, for primário e assim o permitam as circunstâncias que permeiam o delito perpetrado. 3. Consoante consignado pela Corte de origem, no caso dos autos, o ora recorrido nunca se envolvera em fato delituoso da mesma ou de natureza diversa, além de mostrar comportamento social adaptado e positivamente progressivo. 4. Conforme concluído pelo Tribunal a quo, “não se extrai desse quadro uma conclusão de periculosidade real e efetiva do apelante, capaz de justificar uma internação em hospital psiquiátrico ou casa de custódia e tratamento”. A medida mais rígida, ademais, apresentaria risco ao progresso psicossocial alcançado pelo ora recorrido, além de nítido prejuízo ao agente, que, por retardo no julgamento dos recursos interpostos, teria restabelecida a sentença - datada de novembro de 2002 -, com a imposição da medida de internação, a qual, tantos anos após os fatos, não cumpriria seus objetivos. 5. Recurso especial não provido. REsp 912668 SP RECURSO ESPECIAL 2007/0001922-4. Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158), Sexta Turma, julgamento em 18/03/2014, DJ de 07/04/2014.
Diante da determinada inovação legislativa, passou-se a discutir se a Lei 10.216/2001 teria revogado tacitamente ou não as disposições do Código Penal e da Lei de Execução Penal que tratam da aplicação de medida de segurança.
Uma primeira corrente entende que não houve revogação, permanecendo válido o artigo 97 do Código Penal e a própria Lei de Execução Penal (Lei n. 7210/84).
Por outro lado, uma segunda corrente, ainda minoritária, entende que houve essa revogação tácita do artigo 97 do Código Penal e de artigos da Lei 7.210/1984 que tratam do tema, com fundamento no artigo 2o da Lei de Introdução às Normas do Direito Civil Brasileiro, não podendo mais o magistrado impor a internação pelo simples fato de a infração penal praticada ser punida com reclusão, de modo que o tratamento da saúde mental deve ter como cerne a aplicação do tratamento adequado ao agente, sendo a medida restritiva o último recurso, última “ratio”, apenas quando necessária, sob pena de ilegalidade da referida medida. Essa corrente preceitua que a medida detentiva somente deve ser aplicada quando comprovadamente imprescindível ao caso e apenas pelo tempo necessário.
Defende-se, também, que o artigo 1o da Lei 10.216/01, ao afirmar que os direitos e a proteção das pessoas com transtornos mentais são assegurados, sem qualquer forma de discriminação, não fez qualquer ressalva no tocante à aplicação de seus dispositivos, entendendo-se a todos os indivíduos que sofram desse tipo de problema.
Corroborando com tal entendimento, tem-se a decisão abaixo proferida por Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais do Estado do Piauí:
EXECUÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA
EXECUTADO: SILVA
PROCESSO Nº 000000-00.2014.8.18.0140
Vistos, etc.
SILVA, qualificado nos autos, teve contra si aplicada, pelo Juízo da Vara Única da Comarca, medida de segurança de internação, sendo a Guia distribuída a esta VEP em 29 de outubro de 2014.
Seguindo o feito, foi determinada a realização de exame pericial no paciente, de que resultou o laudo de fls. 58 a 61 dos autos.
Seguindo os autos ao Representante do Ministério Público, este requereu a desinternação do paciente.
Relatados.
Decido.
Consta dos autos que, processado criminalmente, o paciente teve contra si aplicada a medida de segurança da internação.
Do exame pericial realizado resultou o laudo supracitado, o qual, em resposta aos quesitos, concluiu o seguinte: “Pelo exposto, concluímos que o periciado é acometido de Transtorno esquizoafetivo do tipo maníaco (F 25.05 da CID – 10), atualmente assintomático. A análise do seu histórico de vida e o exame do estado mental revelou indícios de um único episódio de comportamento agressivo iminente (periculosidade), consequentemente ao seu transtorno mental, estando, à época, sem o uso regular de medicamentos específicos. Atualmente, não apresenta nenhum indício de periculosidade. O periciado encontra-se em condições de desinternação, atrelada ao compromisso de manter o tratamento psiquiátrico regulamente, que pode ser realizado no ambulatório especializado de psiquiatria”, respondendo ser recomendável a desinternação.
Convém ressaltar, por outro lado, que, em sintonia com a nova visão dos problemas de saúde mental, sigo o entendimento de que são aplicáveis, na execução de medida de segurança, os princípios e regras da Lei nº 10.216/2001, visando a recuperação do paciente, aplicando-se e mantendo-se a internação somente quando necessária, entendimento, também, de parte da jurisprudência nacional, como se pode observar:
TRATAMENTO AMBULATORIAL. CRIMES APENADOS COM RECLUSAO. POSSIBILIDADE. Inimputabilidade. Sentença absolutória. Doença mental. Medida de segurança. Internação. Crime de reclusão (inutilização de folhas de processo - Art. 337, Código Penal). Possibilidade de tratamento ambulatorial. A segregação hospitalar determinada no art. 97, CP, dependerá, sempre, de indicação terapêutica sobre a sua necessidade, ainda que o fato seja punido com reclusão. Essa norma impositiva da internação compulsória torna-se invalidada ante o desenvolvimento democrático da psiquiatria, especialmente com o movimento da luta antimanicomial, a inspirar a Lei 10.216/2001, que estabelece os princípios normativos do novo modelo assistencial em saúde mental: art. 4. - "A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes". Também a internação "determinada pela Justiça" vincula-se aos princípios normatizados pela nova lei, que "dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental". Se inexiste recomendação terapêutica sobre a necessidade da internação manicomial, indicando-se, ao contrário, que a ré deve "manter-se sob tratamento psiquiátrico ambulatorial", assim deverá ser cumprida a medida de segurança. Recurso provido. (TJRJ. AC - 2004.050.01219. JULGADO EM 07/06/2005. QUINTA CAMARA CRIMINAL - Unanime. RELATOR: DESEMBARGADOR SERGIO DE SOUZA VERANI).
Faz mister também registrar que, apesar de ser considerada pela LEP como espécie de liberação, a que se aplicaria as regras do livramento condicional, a desinternação é instituto plenamente aplicável em nosso direito, inclusive de forma incondicional, como se pode observar da jurisprudência que segue, do STJ:
Ademais, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Piauí editou o Provimento 43/2014 que segue o entendimento da corrente exposta, disciplinando a aplicação das medidas judiciais destinadas à pessoa portadora de transtorno mental em conflito com a lei:
CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA DO PIAUÍ. PROVIMENTO N.º 43/2014
Altera o Código de Normas da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí - Provimento Nº 20/2014, disciplinando procedimento para a execução, a avaliação e o acompanhamento das medidas terapêutico cautelares, provisórias ou definitivas, aplicáveis judicialmente à pessoa com transtorno mental em conflito com a lei, no âmbito da rede de atenção psicossocial, das clínicas, instituições e hospitais psiquiátricos vinculados ou não ao Sistema Único de Saúde.
O Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Piauí, Desembargador Sebastião Ribeiro Martins , no uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO a garantia do livre acesso ao Poder Judiciário e o princípio da eficiência que orienta a administração pública direta, estabelecidos respectivamente nos artigos 5º, XXXV e 37 da Constituição Federal;
CONSIDERANDO o disposto na Lei 10.216/ 2002, que estabeleceu que a internação de pessoa com transtorno mental deve acontecer somente quando necessária e durante o tempo necessário;
CONSIDERANDO restar induvidoso, na atualidade, que as pessoas com sofrimento mental do sistema prisional têm direito ao tratamento adequado, através do sistema público de saúde;
CONSIDERANDO que, atualmente, o Estado do Piauí possui apenas um estabelecimento de saúde para internação de pessoa com transtorno mental, uma vez que o Hospital Penitenciário Valter Alencar não é cadastrado como estabelecimento de Saúde no Ministério da Saúde;
CONSIDERANDO ser de conhecimento público que o Hospital Areolino de Abreu dispõe de vagas para pacientes particulares, apesar de hospital público;
CONSIDERANDO ser necessária a definição de regras para os encaminhamentos e internação de pessoas com sofrimento mental, pelo Poder Judiciário, para não inviabilizar a atuação do sistema público de saúde, bem assim para o acompanhamento constante de todos os casos, evitando irregularidades,
RESOLVE :
Art. 1º. Alterar os arts. 461 a 466 do Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí - Provimento Nº 20/2014, com a seguinte redação:
“ Art. 461. São consideradas medidas terapêuticas aplicadas judicialmente à pessoa com transtorno mental em conflito com a Lei:
I - internação cautelar, para realização de exame de sanidade mental;
II - medida cautelar de internação provisória;
III - medida de segurança provisória, nas modalidades internação ou tratamento ambulatorial;
IV - medida de segurança definitiva, nas modalidades internação ou tratamento ambulatorial;
§ 1º No caso do inciso I, o prazo máximo de duração da medida será de 45 dias, a teor do art. 150, § 1.º do CPP, podendo ser prorrogado por determinação judicial fundamentada em laudo técnico específico;
§ 2º No caso dos incisos II, III e IV, o prazo será indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade, podendo ser estipulado um prazo mínimo para realização de novo exame médico pericial. § 3º Recomenda-se ao juiz competente para aplicação da medida terapêutica prevista neste artigo, a efetivação de políticas antimanicomiais, em consonância com o art. 4o da Lei nº 10.216 de 2001. § 4º A internação cautelar prevista no inciso I deverá ser efetuada no Hospital Penitenciário Valter Alencar, caso não haja estabelecimento adequado na Comarca em que tramita o feito ou em município mais próximo. § 5º As medidas terapêuticas previstas nos incisos II a IV deverão ser cumpridas no Hospital Areolino de Abreu, bem como em outro estabelecimento adequado na Rede de Atenção Psicossocial, na hipótese de tratamento ambulatorial.
Art. 462. A ordem judicial de imposição de medida terapêutica, seja na forma cautelar, provisória ou definitiva, deverá conter as seguintes informações: I - a qualificação completa do paciente;
II - endereço completo atualizado em que possa ser localizado;
III - nome e endereço completo atualizado do curador, quando houver;
IV - os dados referentes ao inquérito ou processo criminal;
V - o teor da decisão, sentença ou acórdão que tiver imposto a medida terapêutica;
VI - o tipo e/ou modalidade da medida;
VII - o prazo judicial da medida terapêutica.
VIII - dados referentes aos familiares ou responsáveis pelo paciente, sempre que possível;
Art. 463. Junto com a ordem judicial de aplicação de medida terapêutica à pessoa com transtorno mental em conflito com a Lei, o juiz competente deverá encaminhar ao hospital recebedor do paciente, cópias da seguinte documentação:
I - denúncia e/ou inquérito policial;
II - incidente de Insanidade Mental instaurado (integral), caso instaurado;
III - depoimento em Juízo, quando colhido;
IV - decisão, sentença ou acórdão de aplicação da medida terapêutica, cautelar, provisória ou definitiva; V - quesitos formulados pelo Juiz, Ministério Público e Defesa, caso elaborados;
VI - cópias de outras peças reputadas indispensáveis; § 1º O juiz competente deverá comunicar o cumprimento da ordem judicial de aplicação de medida terapêutica ao Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal, através do e-mail [email protected] ou malote digital, para acompanhamento da medida junto à rede de saúde recebedora.
§ 2º Nos casos de aplicação judicial de medida terapêutica em sentença penal absolutória ou condenatória, após o cumprimento da ordem judicial de Internação ou tratamento ambulatorial, e transitada em julgado a sentença que aplicou a medida de segurança, o juiz processante expedirá a respectiva guia de execução definitiva de internação ou tratamento ambulatorial, com as peças complementares previstas na Resolução nº 113 do CNJ, em duas vias, remetendo-se uma delas ao sistema único de saúde (SUS) incumbido da execução e outra ao juízo da execução penal competente.
Art. 464. Observado o tipo de especificidade da medida terapêutica aplicada judicialmente, as informações e documentos citados nos art. 462 e 463 desta norma deverão ser necessariamente constar do expediente dirigido ao Hospital, salvo na impossibilidade de sua obtenção, o que deverá ser devidamente justificado nos autos e na referida comunicação.
Art. 465. Em qualquer das hipóteses de aplicação de medida terapêutica, concluído o laudo pericial solicitado judicialmente, a equipe de referência em saúde que assiste ao paciente internado em serviço hospitalar e acolhido na rede de atenção psicossocial deverá encaminhar o laudo, acompanhado da proposta de plano de alta do paciente, ao juízo de origem competente para decidir sobre a manutenção ou não da medida aplicada.
Parágrafo único. O serviço de saúde recebedor do paciente com ordem judicial de aplicação de medida terapêutica de internação não poderá desinterná-lo sem a ordem do juízo de origem competente, em obediência ao princípio do juiz natural.
Art. 465. Finda a medida terapêutica cautelar ou o prazo mínimo de duração da medida terapêutica provisória ou definitiva estipulada judicialmente, ou a qualquer tempo, poderá o juiz, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do interessado, seu defensor ou curador, ordenar que seja realizado novo exame médico pericial, pelo serviço de saúde de referência, assessorado pelo serviço de avaliação e acompanhamento de medidas terapêuticas aplicáveis à pessoa com transtorno mental em conflito com a lei e pelos serviços do sistema único de assistência social (SUAS), para a verificação da cessação da periculosidade.
§ 1º Constatada a possibilidade de alta do paciente, a qualquer tempo, ainda que antes de atingido eventual prazo mínimo de internação, a direção do estabelecimento de saúde deverá fazer a devida comunicação da alta ao Juízo competente, para a determinação de exame pericial.
§ 2º Realizadas as diligências que entender necessárias e após análise dos laudos, o juiz competente proferirá a sua decisão, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser de desinternação, com ou sem condições, revogação ou substituição da medida terapêutica por outro tipo e modalidade de tratamento. Art. 466. Após a desinternação, o paciente deverá ser assistido pelos serviços de saúde e programas responsáveis pelo seguimento e aplicação de medidas de tratamento em meio aberto, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer e outros, objetivando a construção de laços terapêuticos familiares e comunitários, cabendo ao Juízo competente, se for o caso, a determinação de acolhimento do paciente em residência terapêutica.
Parágrafo único. A hospitalização por longo tempo do paciente ou a caracterização de situação de grave dependência institucional, devido o quadro clínico ou ausência de suporte social, deverá ser objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob a responsabilidade do serviço de avaliação e acompanhamento de medidas terapêuticas aplicáveis à pessoa com transtorno mental em conflito com a lei e do sistema único de assistência social (SUAS), assegurando-se a continuidade do tratamento.” (NR)
Art. 2º. Este provimento entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
REGISTRE-SE. PUBLIQUE-SE. CUMPRA-SE. GABINETE DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ, em Teresina, aos 22 (vinte e dois) dias do mês de outubro de 2014. Desembargador SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS , CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA.
HC 87007 / RJ HABEAS CORPUS 2007/0163999-1
Relator(a)
Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128)
Órgão Julgador
T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento
13/08/2009
Data da Publicação/Fonte
DJe 14/09/2009
RT vol. 890 p. 561
Ementa
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. MEDIDA DE SEGURANÇA EM CURSO HÁ MAIS DE 44 ANOS EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO PENITENCIÁRIO. PACIENTE POSSUIDOR DE TRANSTORNO MENTAL DE CARÁTER DEGENERATIVO COM LAUDO ATESTANDO CONDIÇÕES PARA SUA DESINTERNAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO QUANTO À GARANTIA DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS E DA CONTINUAÇÃO DO TRATAMENTO MÉDICO. LEI 10.216/2001. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Embora facilmente perceptível a plausibilidade dos fundamentos do acórdão atacado, que entendeu, a partir do constatado abandono familiar e da longa permanência no manicômio judiciário, somados à deficiência mental comprovada, que a colocação em liberdade atentaria contra a própria segurança do paciente, é obrigação do Poder Público garantir-lhe o constitucional direito de ir, vir e ficar, bem como o de sua segurança, não podendo, seja por ordem constitucional, seja por obrigação legal, furtar-se a tais deveres. 2. A Lei 10.216/01 assegura, entre outros, o direito ao portador de transtorno mental há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário. 3. Ordem parcialmente concedida a fim de garantir a desinternação do paciente com sua transferência para o serviço comunitário de saúde mental (art. 2º, parágrafo único, inciso IX, da Lei 10.216/01), para aplicação da política de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob a responsabilidade da autoridade sanitária estadual e da Superintendência de Saúde da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro – SUSP/SEAP, com a supervisão do Juízo da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro/RJ, no caso de ausência de supervisão de instância definida pelo Poder Executivo estadual, para continuidade do tratamento.
Por fim, o ilustrado Promotor de Justiça opinou favoravelmente.
Ante o exposto, à luz das conclusões do laudo pericial, demonstrada a desnecessidade de continuação da internação de SILVA, já qualificado e atendendo à manifestação da Promotoria de Justiça, determino a desinternação do paciente, encaminhando-o a tratamento ambulatorial em unidade de saúde do município de sua residência.
Expeça-se carta à Comarca de, deprecando a realização de diligências para localização de parentes do paciente aptos a recebê-lo.
Deixo para designar audiência de entrega do paciente após a resposta da Precatória.
Adote a Secretaria as providências devidas.
P. R. I.
Teresina, 29 de janeiro de 2016.
José Vidal de Freitas Filho
Juiz de Direito
Observa-se, assim, que apesar de minoritária, essa tese de que houve uma derrogação tácita dos dispositivos do Código Penal e da Lei de Execução Penal que tratam das medidas de segurança, vem sendo seguida por parte da jurisprudência nacional, que entende que a medida de internação somente deve ser aplicada quando se mostrar indispensável e fundamental ao retorno do paciente ao convívio em sociedade.
CONCLUSÃO
Diante do estudo da doutrina e da jurisprudência acerca do tema, chega-se ao reconhecimento de que as medidas de segurança, em especial a detentiva, sofreram importantes inovações com o advento da Lei 10.216/01, devendo a medida de internação ser aplicada somente como última hipótese, quando demonstrado que os recursos extra hospitalares se mostrarem insuficientes, devendo sempre buscar-se a reinserção do paciente à sociedade.
Dessa forma, a escolha do tratamento deve levar em conta, essencialmente, o indivíduo portador do transtorno mental, sua moléstia e suas necessidades aferidas no caso concreto, deixando o foco de ser a sociedade e a proteção social baseada na periculosidade, voltando-se apenas para o paciente, como sujeito de direitos e detentor do princípio fundante da Constituição Federal de 1988, o da dignidade da pessoa humana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17a ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 15a ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, vol. 1.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 13a ed. São Paulo: RT, 2013.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. 11a ed. São Paulo: RT, 2015.
NOTAS:
[1] ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. 11a ed. São Paulo: RT, 2015. p. 761.
[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17a ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 684.
[3] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 15a ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, vol. 1. p. 435.
Advogada, pós-graduada em Direito Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Hannah Yasmine Lima. A Lei Antimanicomial (Lei 10.216/2001) e as Medidas de Segurança Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/46494/a-lei-antimanicomial-lei-10-216-2001-e-as-medidas-de-seguranca. Acesso em: 13 nov 2024.
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