1. O CASO "MOTTA COQUEIRO".
O "homem livre", o fazendeiro Manoel da Motta Coqueiro, foi executado no dia 6 de março de 1855, em Macaé, Rio de Janeiro, acusado de mandar matar oito pessoas de uma mesma família. Ele teria pedido a graça imperial, que foi negada pelo Imperador Pedro II. Posteriormente, surgiram dúvidas quanto a verdadeira autoria do mandante do crime. Depois disso, provavelmente, abalado pelo episódio, o Imperador quase sempre utilizava do dispositivo que a Constituição Imperial continha (Constituição de 1824, art. 101, VIII) e afastava a pena capital.
Em que pese a repercussão desse caso, há evidências que ele não foi o último "homem livre" executado no Brasil Imperial. O mais provável que o último "homem livre" executado tenha sido José Pereira de Sousa, condenado pelo júri de Santa Luzia, GO, e enforcado no dia 30 de outubro de 1861.
Posteriormente, constam apenas relatos sobre a morte de escravos. A última execução registrada foi a do escravo Francisco, em Pilar, AL, em 28 de abril de 1876. De qualquer forma o caso "Motta Coqueiro", juntamente com o caso dos "irmãos Naves" são considerados os maiores erros do judiciário brasileiro. [O caso dos irmãos Naves: Os irmãos Naves (J. e S.) foram condenados pela Justiça de Minas Gerais, em relação a um suposto homicídio, ocorrido em 1937, em Araguari - MG, e, em virtude de tal condenação, passaram mais de 8 anos em cárcere. Mas, em 1952, a pessoa supostamente morta pelos irmãos é encontrada viva. A batalha judicial somente se encerrou, em decisão do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 42723 - MG (em 1960), que reconheceu direito à indenização pelo erro judiciário].
2. GOVERNO PROVISÓRIO.
No período entre a proclamação da Republica (15-11-1889) e a primeira Constituição Republicana (24-2-1891) houve o período do chamado "Governo Provisório".
Nesse período, foi editado o Decreto n. 85-A (23-12-1889), quando foi organizado, pelo então Ministro da Guerra, Benjamin Constant, uma comissão mista militar de sindicâncias e julgamentos, destinado a apreciar os casos de oposição monarquista ao novo regime. Nesse período não há estudos detalhados sobre a execução da pena de morte, todavia encontra-se "referências a casos de fuzilamento de praças revoltadas da Marinha e do Exército, mas há, também, registros de penas máximas comutadas por outras menos drásticas. Benjamin Constant mesmo, em uma ocasião, apresentou uma sessão do Conselho de Ministros uma relação de praças implicadas em sedições militares com as respectivas penalidades impostas pela Comissão. Pediu, contudo, a substituição da pena de morte a que haviam sido condenados os líderes por uma mais branda, obtendo o assentimento de todos os ministros. Tudo indica, como observou Raimundo Magalhães Júnior, que a pena de morte valia mais como um espantalho, destinado a conter atos de indisciplina nos quartéis, do que como um método rigoroso de repressão a sediciosos" (LEMOS 1999, p. 462-463).
3. SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.
Durante a Segunda Guerra Mundial, dois militares brasileiros foram condenados à morte pelo estupro de uma jovem italiana de quinze anos e por matar um parente da jovem, que chegava ao local do crime (casa da jovem).
A condenação foi confirmada pelo Superior Tribunal Militar com a seguinte ementa: "Crime de violência carnal e de homicídio para assegurar a violência carnal. Confirma-se a sentença apelada. Unânime" (STM - Ap. 21 - Pistóia/Itália - Relator General Boanerges Lopes de Souza, sessão de 06-03-1945, DJ n. 24-03.1945).
Confira trechos do relatório: "O meu companheiro ficou de guarda e eu carreguei a mulher para a cama, tendo o resto do pessoal fugido. Eu forcei a mulher, tendo satisfeito o meu desejo sexual com ela, e o L.(B.) ficou dando rajadas no pessoal e também num homem que queria entrar. O L. gritou que me apurasse, pois ele tinha morto um homem. Depois saí para ficar de guarda, enquanto o meu companheiro se agarrava com a mesma mulher (M. G.), de 15 anos de idade! Sentindo barulho do lado de fora, e pensando que viesse gente, dei uma rajada de metralhadora para fora, pela porta de entrada que se encontrava meio aberta. Depois que o meu companheiro se serviu da mulher, nós saíamos pela mesma porta de entrada e vimos que havia um homem morto na rua, do lado direito de quem sai de casa. B., em seu depoimento, confirmou essas declarações. Assim, B., para evitar que a vítima [G. M.] recebesse socorro, ficou de guarda porta da casa e não vacilou em atirar sobre L. V., matando-o, quando este, que é tio de M. G.,regressava de uma visita que fizera, ignorando o que se passava e o perigo que o ameaçava. Apesar de ouvir que o seu companheiro já havia morto um homem, D. não só persistiu em violentar a moça, como, em seguida, para que B. pudesse servir-se dela, foi, por sua vez, colocar-se junto à porta, montando guarda, como confessou. [....] (PEREIRA, 2003, p. 54).
O relator do processo, no STM, em seu voto destaca: "Votando, como voto, pela confirmação da sentença, defendo a honra do Exército e a própria civilização brasileira. Não fossem os embaraços opostos pela moderna legislação, estou certo de que o comandante das forças brasileiras na Itália teria, com grande proveito para a boa ordem de suas tropas, feito fuzilar, sem quaisquer delongas, esses criminosos”. Entretanto, a pena de morte não foi executada, porque o então Presidente Getúlio Vargas em, 3-12-1945 concedeu indulto aos praças, oficiais e civis brasileiros que integravam a Força Expedicionária Brasileira (FEB), e que cometeram crimes durante a campanha na Segunda Guerra Mundial, excluía-se, contudo, os crimes de natureza gravíssima ou infamante.
Como não se tem registro de execução de pena de morte nesse período, os condenados também foram agraciados pela medida (PEREIRA, 2003, p. 8).
4. HISTÓRIA REPUBLICANA RECENTE
Na história republicana mais recente T. R. S., então militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) é considerado o primeiro brasileiro condenado à pena de morte durante o regime militar (1965-1985), por ter matado o Sargento da aeronáutica W. M. L., em 27-10-1970, em salvador - BA.
A sentença de morte acabou convertida, primeiro, em prisão perpétua e, posteriormente, a dezesseis anos de prisão, dos quais foram cumpridos apenas nove, devido a fuga do condenado em 1979, quando exilou-se na França, voltando para o Brasil apenas em 1985.
Outras pessoas também condenados à morte foram A. O. L. e D. S. S. e G. F. L. estes pelo morte do Tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo, A. M. J., em 10-5-1970. Devido a recursos, as penas de morte foram atenuadas e, por isso, não chegaram a ser executadas (v. Ação Penal n. 146/70 e Ap. STM n. 39.100).
Outros participantes da morte do Tenente morreram por militares, como C. L. , em 17-9-1971, na Bahia e Y. F., em 5-12-1970, em São Paulo.
5. PENA DE MORTE NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS.
A Constituição Imperial de 1824 não previu a pena de morte, mas também não a proibiu. Aquela Carta aboliu apenas "os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis" (art. 179, XIX).
O Código Criminal de 1830 (Lei Imperial de 16 Dezembro de 1830) previa a pena de morte, inclusive, estabelecia que ela seria executada na forca (art. 38), mas contra mulher prenhe não se executaria a pena de morte, nem mesmo ela seria julgada, em caso de a merecer, senão quarenta dias depois do parto (art. 41).
A Constituição de 1891 aboliu a pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra (CF/1891, art. 72, § 21).
A Carta de 1934 também previu que "não haverá pena de banimento, morte, confisco ou de caráter perpétuo, ressalvadas, quanto à pena de morte, as disposições da legislação militar, em tempo de guerra com país estrangeiro" (CF/1934, art. 113, n. 29).
Por sua vez, a Carta outorgada de 1937 trouxe alguns retrocessos, primeiro, ao prever a que a pena de morte poderia ser aplicada para diversos outros casos, além daqueles previstos na legislação militar para o tempo de guerra. A Constituição de 1937, na Redação dada pela Lei Constitucional nº 1, de 1938 foi ainda mais rígida, ao substituir a expressão "poderá" por "deverá", tornando então a pena de morte obrigatório para determinados delitos (CF/37, art. 122, n. 13).
Terminado o período ditatorial, a Constituição de 1946, praticamente retornou a redação da Constituição de 1934 (CF/1946, art. 141, § 31). Na constituição semi outorgada de 1967 previu-se a pena de morte apenas aos casos previstos na legislação militar aplicável, em caso de guerra externa.
A Constituição de 1967 considera-se semi outorgada, porque, embora promulgada pelo Congresso Nacional foi viciada na sua origem, devido à inexistência de um estado de liberdade. O Congresso Nacional foi simplesmente "convocado" para reunir-se extraordinariamente, de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967, como a finalidade de discutir, votar e promulgar o projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República, nos termos do Ato Institucional n. 4, de 7-12-1966).
No entanto, em 1969 as hipóteses de pena de morte foram aumentadas para abranger além dos casos de guerra externa, os casos de guerra "revolucionária" ou "subversiva" nos termos da lei (CF/1967, art. 150, § 11, na redação dada pelo Ato Institucional n. 14, de 1969). Ainda, em 1969, a Emenda Constitucional n. 1, 17-10-1969 deu nova redação à Constituição de 1967 e manteve praticamente a redação anterior, em relação a pena de morte.
Somente em 1978, a chamada Constituição de 1969 sofreu uma emenda (a EC n. 11, de 13-10-1978) que consignou "não haverá pena de morte, de prisão perpétua, nem de banimento. Quanto à pena de morte, fica ressalvada a legislação penal aplicável em caso de guerra externa [....]" (CF/69, art. 153, § 11). A Constituição de 1988 manteve a alteração ao dispor não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada (art. 5°, XLVII, letra "a"). Tal dispositivo está protegido por clausula pétrea (CF/88, art. 60, § 4°, IV).
6. FORMALIDADES DE EXECUÇÃO DA PENA DE MORTE.
A pena de morte é executada por fuzilamento (CPM, art. 56)."O militar que tiver de ser fuzilado sairá da prisão com uniforme comum e sem insígnias, e terá os olhos vendados, salvo se o recusar, no momento em que tiver de receber as descargas. As vozes de fogo serão substituídas por sinais" (CPPM, art. 707), por sua vez, "O civil ou assemelhado será executado nas mesmas condições, devendo deixar a prisão decentemente vestido" (CPPM, art. 707, § 1°), sendo permitido-lhe receber socorro espiritual (CPPM, art. 707, § 2°). "Da execução da pena de morte lavrar-se-á ata circunstanciada que, assinada pelo executor e duas testemunhas, será remetida ao comandante-chefe, para ser publicada em boletim" (CPPM, art. 708).
A sentença definitiva de condenação à morte é comunicada, logo que passe em julgado, ao Presidente da República, e não pode ser executada senão depois de sete dias após a comunicação, salvo se imposta em zona de operações de guerra e o exigir o interesse da ordem e da disciplina (CPPM, art. 707, § 3°).
O objetivo é que naquele ínterim de sete dias o Presidente reveja a pena e aplique outra que julgar necessária, pois a ele cabe "conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei" (CF/88, art. 84, XII).
REFERÊNCIAS
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________. Lei de 16 de dezembro de 1830. Código Criminal do Império. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>, acesso em 15-3-2016.
________. Constituição da República dos estados unidos do Brasil de 1891. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>, acesso em 15-3-2016.
_________. Constituição dos estados unidos do Brasil de 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm>, acesso em 15-3-2016.
_________. STF - RE embargos n. 42723 MG, Relator: Min. Henrique D'avilla - Convocado, Data de Julgamento: 31/12/1969, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 16-01-1960.
_________. Constituição da república federativa do Brasil de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm>, acesso em 15-3-2016.
_________. Emenda constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>, acesso em 15-3-2016.
_________. Decreto-lei n. 1.001, de 21 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1001.htm>, acesso em 15-3-2016.
_________. Decreto-lei n. 1.002, de 21 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1002.htm>, acesso em 15-3-2016.
_________. Emenda constitucional n. 11, de 13 de outubro de 1978. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc11-78.htm>, acesso em 15-3-2016.
_________. Constituição da república federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm, acesso em 15-3-2016.
LEMOS, Renato. Benjamin Constant: vida e história. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.
PEREIRA, Carolina Mendes. Delitos sexuais cometidos pelos soldados brasileiros em campanha na Itália durante a segunda guerra mundial: do estupro e homicídio ao indulto. Trabalho apresentado como requisito parcial para a conclusão do Curso de História – Bacharelado e Licenciatura, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná. Disponível em: http://www.historia.ufpr.br/monografias/2002/carolina_mendes_pereira.pdf, acesso em 15-3-2016.
Mestre em políticas públicas pela Universidade Estadual de Maringá (2016), graduado no Curso de Formação de Oficiais pela Academia Policial Militar do Guatupê (1994), graduado em Administração pela Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana (1998) e graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (2009), com aprovação no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Possui experiência na docência militar nas disciplinas de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Administrativo. Possui ampla experiência em Polícia Judiciária Militar e experiência no setor público, principalmente em gestão de pessoas e formulação de projetos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Douglas Pereira da. Breves considerações sobre a pena de morte no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 abr 2016, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/46520/breves-consideracoes-sobre-a-pena-de-morte-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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