RESUMO: O presente artigo jurídico tem como objetivo trazer reflexões jurisprudenciais e doutrinárias acerca da interpretação dada ao art. 5o, LVI, da Constituição da República Federativa do Brasil. Primeiramente, serão feitas as considerações introdutórias sobre o instituto jurídico-processual da prova, momento em que serão sumariamente explorados temas afetos à teoria geral da prova, abrangidos o conceito, objeto, história e ônus da prova, dentre outros temas. Posteriormente, o trabalho dedicar-se-á a trazer explanações sobre a tese da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, a partir da origem e do contexto no qual foi construída a teoria em questão. Finalmente, será construída uma proposta de interpretação do citado dispositivo constitucional, considerando-se a origem e as finalidades institucionais da tese da inadmissibilidade das provas obtidas por méis ilícitos. Metodologicamente, o trabalho se desenvolverá a partir de análises de direito comparado e de história jurídica comparada.
Palavras Chaves: prova, ilicitude, legitimidade, interpretação teleológica, poder público, proporcionalidade.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO 1. TEORIA GERAL DA PROVA 1.1 Prova: conceito e princípios 1.2 Objeto da prova 1.3 Ônus da prova 1.4. Inversão do ônus da prova 1.5. Sistemas de valoração da prova 1.6. Provas inadmissíveis: ilícitas e ilegítimas 2. TESE DA INADMISSIBILIDADE PROCESSUAL DA PROVA ILÍCITA 2.1. História e fundamentos 2.2. Teorias interpretativas 2.3 Nossa posição sobre a tese da inadmissibilidade 2.4 Nossa interpretação do art. 5°, LVI, da Constituição Federal CONCLUSÃO REFERÊNCIAS
Para que se declare a existência de uma responsabilidade ou reconheça um direito, é necessário que, por meio da observação e interpretação do conteúdo probatório trazido aos autos, o juiz esteja certamente convencido de que o autor ou o réu realizaram determinada conduta ou de que estes preenchem os devidos requisitos fáticos ou jurídicos hábeis a, por si só, apontar como procedente ou não determinado pleito. É imprescindível, portanto, que o magistrado tenha alcançado a verdade acerca dos fatos discutidos na relação processual, verdade esta que deverá ser apurada na fase instrutória, na qual as partes, através da prova, procuram demonstrar o que objetivam, evidenciando e demonstrando a veracidade de todos os elementos circunstanciais que possam influir no desfecho da atividade jurisdicional.
Apesar de sua natural e inevitável aptidão de influir na certeza que se tem em relação a determinada circunstância, a prova sofre limitações quanto à sua eficácia, dado que, uma vez constituída por meios ditos ilícitos, não pode ser referenciada como fundamento que embase a pretendida decisão judicial que tenha como objeto a alegação acerca do fato apurado na relação processual, já que o Art. 5° da Constituição Federal, em seu inciso LVI, dispõe que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, regra esta que se encontra elencada dentre os Direitos e Garantias Individuais.
Pela literalidade da norma, a impressão que se tem é a de que o Poder Constituinte Originário almejou, em princípio, impor ineficácia jurídica a toda e qualquer prova obtida com infringência a normas de direito material, mesmo que restasse faticamente atestada a veracidade da circunstância que se pretendia provar. Tal, evidentemente, tem o condão de trazer prejuízos ao mérito de quem invoque a prova obtida por meios formalmente ilícitos.
A depender do caso concreto, este prejuízo pode ter consequências incalculáveis, principalmente quando, em afronta a direito material constitucional, esta for a única maneira de se comprovar determinada circunstância juridicamente relevante, sob pena de injustamente ser declarado improcedente determinado pleito.
A questão ganha maior importância com o fato de que o parágrafo quarto do art. 60, do mesmo Diploma Constitucional, estabelece que, dentre outros institutos, não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.
De acordo com Alexandre de Moraes[1], “tendente a abolir” significa “tendente a diminuir ou a enfraquecer a amplitude” do instituto consistente no objeto de eventual proposta de emenda à Constituição. Desta forma, percebe-se que qualquer proposta de emenda constitucional que pretenda mitigar o disposto no inciso LVI do art. 5°, da CF, sequer será objeto de deliberação, uma vez que os Direitos e Garantias Individuais constituem uma das chamadas cláusulas pétreas constitucionais.
Constatada a irredutibilidade legislativa da eficácia normativa do citado dispositivo constitucional, resta recorrer à hermenêutica jurídica, a fim de interpretá-lo da maneira que mais se coadune com as demais regras e princípios consagrados pela Constituição Federal.
Posto isto, dada a precípua função e importância da prova no processo, a que conclusões se poderia chegar quanto à regra disposta no inciso LVI do Art. 5° da Constituição da República, de modo a tornar a mais ampla possível a admissibilidade, no processo, dos elementos probatórios formalmente obtidos por meios ilícitos? Antes de adentrarmos no cerne da questão, façamos primeiramente algumas considerações sobre o instituto jurídico da prova na doutrina e jurisprudência pátrias, bem como em legislação infra-constitucional. Ressalte-se que, neste trabalho, estaremos nos referindo às provas obtidas por meios ilícitos quando mencionarmos a expressão “provas ilícitas”.
A função jurídica do instituto da prova origina-se de que todo direito consiste na consequência de um fato configurador de sua existência, sempre que preenchidas as exigências legais para que reste formado o mesmo direito.
Afirma Fernando de Almeida Pedroso[2] que a noção de prova pertence, mais amplamente, aos domínios da filosofia, “na medida em que diz respeito ao vasto campo das operações de intelecto na busca e na comunicação do conhecimento”.
Prossegue o referido autor dizendo que, nas ciências experimentais, o pesquisador pode ter um contato direto com os fenômenos que se repetem na natureza, o que não ocorre na atividade de investigação judicial. Desta forma, diz-se que os elementos probatórios, no âmbito jurídico, reconstituem, por meios indiretos, acontecimentos passados. Por esta razão, diz-se que a prova processual tem uma tarefa reconstitutiva.
Consoante leciona Daniel Amorim Assumpção Neves[3], o termo prova provém do latim e deriva da palavra probatio, que significa verificação, inspeção, argumento, exame. Assim, prova é o meio utilizado pela parte para demonstrar ao julgador a existência de fatos relevantes, interessantes à lide, que foram alegados e discutidos anteriormente, convencendo-o de que são verdadeiros. Não se busca pela prova a certeza absoluta, quase impossível, mas o suficiente para a convicção do magistrado. Podem consistir em exames periciais, documentos, depoimentos testemunhais, dentre outros elementos de conteúdo jurídico-atestatório.
Nas palavras de Norberto Avena[4],“prova é o conjunto de elementos produzidos pelas partes ou determinados pelo juiz visando à formação do convencimento quanto a atos, fatos e circunstâncias”.
Constitui a prova, portanto, elemento dotado de veracidade, admitido judicialmente, ademais, por qualquer meio não defeso em lei. Desta forma, não são taxativos os meios de tipicidade probatória, uma vez que, visando o processo ao interesse público de manutenção da justiça e da ordem jurídico-constitucional, excessiva limitação à prova prejudicaria a obtenção da verdade e, portanto, a justa aplicação da lei.
Permitindo a norma jurídica qualquer meio, não defeso pelo ordenamento, apto a demonstrar a pretendida veracidade, diz-se que, no processo, de acordo com o princípio da comunhão dos meios de prova, poderá ser utilizada a prova a favor de qualquer interessado que seja, independentemente de quem de fato a produziu, motivo pelo qual a testemunha arrolada por uma das partes pode ser inquirida pela outra, além de que um documento produzido por qualquer delas pode ser invocado pela adversária.
Sobre as bases principiológicas, além dos princípios gerais referenciados implícita ou explicitamente pelo ordenamento jurídico, recaem alguns outros tidos como específicos, como o princípio da auto-responsabilidade das partes, de acordo com o qual estas assumem a responsabilidade pela produção da prova ou pela sua inércia, suportando todas as consequências provenientes de tais; o da audiência contraditória, segundo o qual toda prova admite contraprova (princípio do contraditório); e o já citado da aquisição ou comunhão.
Além dos supracitados princípios, há também o princípio da oralidade, o qual traz que, tanto quanto possível, as provas devem ser realizadas oralmente, na presença do juiz. Este princípio implica a valoração de dois subprincípios; o da concentração e o da imediação. O primeiro prescreve que a produção probatória deve ser concentrada ao máximo em uma só audiência ou, ao menos, no menor número delas, enquanto que o segundo defende seja assegurado ao juiz o contato físico com as provas no ato de sua obtenção, para que, então, possa conservar em sua memória aspectos relevantes do momento em que tenham sido produzidos os elementos probatórios.
Mencionem-se ainda os princípios da publicidade e da não auto-incriminação. Consoante o primeiro, as provas devem ser tratadas publicamente, tanto quanto possível, e, quanto ao segundo, diz-se que ninguém poderá ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.
A prova, conforme leciona Júlio Mirabete, pode ser classificada de diversas formas, a saber: quanto ao objeto, direta, se por si só for capaz de comprovar a circunstância, como um laudo traumatológico, que atesta a materialidade de um crime de lesão corporal, ou indireta, se capaz de comprovar circunstância incompatível com a alegação contra a qual se pretende defesa, como uma passagem de avião que ateste que o réu encontrava-se viajando no momento da ocorrência do crime; quanto ao efeito ou valor, plena, completa e absolutamente convincente, ou não plena, quando apenas denotar certo grau de probabilidade de procedência da alegação sobre o fato; real, consistente em coisa concreta exterior ao indivíduo, ou pessoal, proveniente de conhecimento subjetivo pessoal do indivíduo, como os depoimentos testemunhais e as conclusões dos peritos e, finalmente, quanto à sua forma ou aparência, documentais, testemunhais e materiais.
Importante mencionar a denominada prova emprestada, a qual é definida como aquela produzida em um processo para nele gerar efeitos, sendo depois transportada documentalmente para outro, com o fim de gerar efeitos neste, submetida ao contraditório no primeiro processo, que tem como partes as mesmas do segundo.
Quanto a este tipo de prova, observam-se controvérsias sobre a possibilidade de interceptações telefônicas legalmente obtidas, para fins de instrução de processo penal, serem transplantadas para processos civis. A doutrina tradicional, amparada por Nelson Nery Júnior, tende a entender ser possível a utilização deste tipo de prova emprestada no processo civil, desde que a parte contra a qual ela vai ser usada tenha participado do processo penal onde houve a sua produção, a fim de que não haja violação ao princípio do contraditório[5].
Neste sentido já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4º Região, nos autos do Reexame Necessário n. 8443 PR 2003.70.02.008443-5, 4º. Turma. Rel. Des. MARGA INGE BARTH TESSLER. D.E. 09/11/2009:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PROVA EMPRESTADA. PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL E PRODUÇÃO PARA FIM DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. SUSPEITA DE DELITOS COMETIDOS POR AUTORIDADES E AGENTES PÚBLICOS. USO EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. ADMISSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DOS ART. 1º E 8º DA LEI Nº 9.296/96. PRECEDENTES DO EXCELSO STF.
1. Segundo entendimento consolidado pelo Pleno do E. STF, "os dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova".
2. Embargos de declaração acolhidos para sanar a omissão quanto à aplicabilidade dos dispositivos legais invocados, atribuindo-se efeitos infringentes para prover o apelo e, assim, denegar a segurança.
Feitas estas considerações, convém agora salientar em que consiste o objeto da prova e a quem cabe o ônus de provar.
Sabe-se que todo direito consiste na conseqüência que a lei atribui à ocorrência de determinados fatos, os quais, aliás, têm também o condão de modificar e extinguir direitos. Portanto, necessário se torna serem provadas determinadas circunstâncias que, controvertidas, possam ensejar reconhecimento, modificação ou extinção de determinados direitos. Assim, não resta dúvida de que a função das provas é justamente constatar a ocorrência de ditos fatos criativos, modificativos ou extintivos de direitos[6]. A regra é a de que as circunstâncias precisam ser provadas, não os direitos em si. Há hipóteses, todavia, em que precisam ser provados os direitos, quando, por exemplo, estes provierem de legislação estadual, municipal ou estrangeira, dado que não é razoável ser exigido do juiz o conhecimento de toda legislação diversa da federal ou nacional. Mencionem-se ainda, no processo do trabalho, as normas convencionais e regulamentos empresariais. Nestes casos, a parte interessada deve provar a existência, o conteúdo e a vigência dos respectivos direitos (normas jurídicas) nos quais fundamentar sua pretensão.
Leciona Daniel Amorim Assumpção Neves[7] que existe divergência doutrinária sobre o que constituiria o objeto do instituto jurídico da prova. Para alguns, tal consistiria nas alegações de fato, e, para outros, os próprios fatos. O argumento dos primeiros baseia-se na assertiva de que fatos apenas existem ou acontecem. Se nada disso ocorrer, não se terá um fato. Consoante explica o citado doutrinador[8],
“A melhor doutrina ensina que o ônus da alegação dos fatos pelas partes limita-se aos fatos jurídicos (principais), que vinculam a atividade jurisdicional. O mesmo, entretanto, não ocorre com o fato simples (secundário), que poderá ser levado em consideração pelo juiz ainda que não tenha sido alegado pelas partes. Esses fatos, que o juiz pode conhecer de ofício, podem não ser objeto de alegação das partes e, ainda assim, influenciarão o julgamento. O melhor, portanto, é afirmar que o objeto de prova não são os fatos nem as alegações de fato, mas os pontos e/ou questões de fato levadas ao processo pelas partes ou de oficio pelo próprio juiz”.
Sem adentrarmos no mérito da questão, preferimos afirmar que, por conseguinte, a prova repousa sobre circunstâncias, as quais podem ser alegadas ou tão somente verificadas. Se constatada a veracidade da ocorrência de alguma circunstância, ter-se-á, então, um fato.
O instituto jurídico da prova, assim, tem como objeto, no processo, todas aquelas circunstâncias que possam decisivamente influir na decisão de mérito. Diferentemente do que ocorre nos processos civil, trabalhista e administrativo, ressalvadas as competentes exceções legais, no processo penal o magistrado não necessariamente deve admitir a presunção de veracidade acerca de circunstâncias meramente admitidas ou não contestadas pelas partes, o que salienta ainda mais a relevante importância da prova no Processo Penal.
Ademais, de acordo com o inciso LVII do Art. 5°, da CF, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, e que, em consonância com o Decreto 678/92 (Pacto de São José da Costa Rica), toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente a sua culpa, razão pela qual pode o magistrado sempre indagar sobre todos os elementos que entender dúbios ou controvertidos, inclusive determinando a produção de elementos probatórios, bem como, à revelia das partes interessadas, determinar a reprodução de provas e colher as que julgar indispensáveis ou úteis.
Não é necessário que sejam provados os fatos ditos intuitivos, evidentes por si mesmos; os notórios e, por fim, os presumidos, sobre os quais poderá recair a presunção absoluta ou relativa. O primeiro tipo de presunção, diferentemente do segundo, não admite prova em contrário. Exemplificativamente, é absoluta a presunção de imputabilidade do menor de dezoito anos e, no crime de incêndio (Art. 250, do CPB), a de que a conduta delituosa necessariamente expôs a perigo a vida e/ou o patrimônio de terceiros. Relativa seria a presunção de que teria agido em legítima defesa uma pessoa indefesa que acabasse por ceifar a vida de um homicida contumaz.
Ônus significa encargo, indispensável à satisfação de interesse próprio ou alheio. Difere ônus de dever ou de obrigação, já que estes supõem a realização de determinada conduta no interesse de outrem. Destarte, observa-se que deveres e obrigações necessariamente serão ônus, mas nem todo ônus os serão. Assim, ônus probatório traduz o encargo que tem determinada parte de demonstrar a ocorrência de uma dada circunstância, sob pena de ter de suportar os efeitos de uma decisão contrária aos seus interesses.
De acordo com Amauri Mascaro Nascimento[9],
“Ônus da prova é a responsabilidade atribuída à parte para produzir uma prova e que, uma vez não desempenhada satisfatoriamente, traz, como conseqüência, o não reconhecimento, pelo órgão jurisdicional, da existência do fato que a prova destina-se a demonstrar”.
A doutrina costuma dividir o onus probandi em ônus subjetivo e ônus objetivo. O primeiro designa a quem cabe a responsabilidade de provar, enquanto que o segundo recai sobre a suficiência atestatória da prova. O ônus objetivo indica quem será prejudicado com a insuficiência ou inexistência da prova produzida. Assim, em razão do ônus objetivo, diante de ausência ou insuficiência de provas, deve o magistrado indicar qual das partes tinha o ônus subjetivo de provar e colocá-la numa situação de desvantagem processual[10].
Quanto ao ônus subjetivo da prova, a regra geral - válida para as várias espécies de processo, como o civil, o penal, o trabalhista e o administrativo - é a de que incumbit probatio, qui dicit non qui negat (incumbe provar àquele que afirma e não quem nega). Neste sentido, dispõe o art. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que a prova das alegações incumbe à parte que as fizer. De acordo com o art. 333 do CPC, ao autor cabe a demonstração dos fatos constitutivos do seu direito e, ao réu, a dos fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito daquele. Tal, entretanto, comporta exceções, consoante exposto na legislação, conforme será analisado.
Embora disponha o Código de Processo Penal, em seu Art. 156, que a prova da alegação caberá a quem a fizer, o que nos faz concluir que, via de regra, o ônus probatório consiste no encargo que tem a respectiva parte de demonstrar a real ocorrência de um fato que alegou em seu interesse, pode o juiz, no curso da instrução, ou antes de proferir a sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir ponto relevante (inciso II do Art. 156 do CPP).
No âmbito do processo civil, ainda, resta possibilitado no art. 130, do Código de Processo Civil, que o juiz, de ofício, determine a produção de provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Feitas estas considerações, em que hipóteses pode ser invertido o ônus de provar?
Consoante já dito, a regra é a de que o ônus de provar cabe a quem invocar determinada circunstância. Esta regra, entretanto, comporta exceções, além de que, conforme já mencionado, o juiz pode determinar, de ofício, a produção de provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Em que hipóteses, entretanto, poderia ser invertido o ônus probatório?
Primeiramente, cabe salientar que não se admite no Processo Penal a inversão do ônus da prova. Assim, o órgão acusador não se abstém do dever jurídico de provar o alegado. O réu, consequentemente, por sua vez, tem o ônus de demonstrar sua inocência, de acordo com a jurisprudência do STJ[11].
No âmbito do Processo civil, existem três formas de inversão do onus probandi; a saber, a legal, a judicial e a convencional. Esta última decorre de acordo entre as partes e não pode ocorrer quando a prova recair sobre direitos indisponíveis, ou quando tal implicar excessiva dificuldade ao exercício do direito de provar. Quanto à inversão legal, os mais conhecidos exemplos são as disposições dos artigos 12, § 3°; 14, §3°; e 38; do Código de Defesa do Consumidor.
Dispõem ditos dispositivos, respectivamente, que é ônus do fornecedor provar que não colocou o produto no mercado, que ele não é defeituoso ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros pelos danos gerados; que é ônus do fornecedor provar que o serviço não é defeituoso ou que há culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro nos danos gerados; e que, finalmente, é ônus do fornecedor provar a veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária que patrocina.
Judicialmente, será invertido o ônus de provar quando na demanda restar constatada pelo juiz a verossimilhança das alegações ou a hipossuficiência do consumidor. Nesta hipótese, o magistrado decidirá pela inversão do ônus da prova em favor do consumidor, que ficará dispensado da comprovação do defeito do produto, da ocorrência do dano e do nexo causal entre o produto/serviço (art. 6, VIII, CDC).
Há, no processo trabalhista, disposição que, no procedimento sumaríssimo, entende a doutrina, permite haja a inversão ora analisada. De acordo com o art. 852-D, da Consolidação das Leis do Trabalho, o juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, considerado o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica. Esta regra, conforme explica Carlos Henrique Bezerra Leite[12], pode ser analogicamente aplicada em procedimento diverso do sumaríssimo.
Ademais, a jurisprudência trabalhista, com aplicação analógica do inciso VIII do art. 6, do CDC, usa a hipossuficiência do trabalhador, geralmente econômica, em relação ao empregador, para fins de inversão do ônus da prova. Exemplificativamente, cite-se a súmula número 338, do TST:
JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 234 e 306 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-Súmula nº 338 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)
II - A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. (ex-OJ nº 234 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)
III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. (ex-OJ nº 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003).
Outrossim, relativamente, em geral, às demandas que envolvam relações de emprego, a doutrina trabalhista pugna pela extensão, ao direito processual do trabalho, dos princípios materiais relacionados à proteção do trabalhador, ante a desigualdade, ao menos jurídica ou econômica, entre este e o empregador. Assim, o processo do trabalho se caracterizaria, em matéria de distribuição ônus de prova, por compensar a desigualdade existente entre empregador e empregado, por meio da inversão deste encargo.
Neste sentido, argumenta-se que, em regra, o trabalhador tem muito mais dificuldade do que o empregador para provar certos fatos ou obter certas informações ou documentos. Comentando a tendência legislativa acerca do tema, Amauri Mascaro Nascimento[13] afirma que
A tendência é no sentido de uma manifestação de uma redução deliberada das obrigações do trabalhador, substituída por uma redução deliberada das obrigações do trabalhador, substituída por um sistema de presunções relativas militando em seu favor, passível de demonstração a contrário, pelo empregador. Sobre este recairiam maiores encargos, não só como decorrência da sua superioridade econômica, que se reflete sobre o nivelamento e a posição das partes no processo, mas também como conseqüência dos fatos da vida real próprios da relação jurídica trabalhista, na qual o trabalhador está em situação de dependência, daí advindo dificuldades práticas que se refletem no momento da produção da prova.
Cite-se, ainda, a doutrina da distribuição dinâmica do ônus da prova, de acordo com a qual o juiz deve distribuir o ônus da prova no caso concreto, dependendo de qual parte tenha maior facilidade na produção da prova. O Superior Tribunal de Justiça vem aplicando a regra da inversão do ônus da prova em ações civis por danos ambientais[14].
Entende-se por valorar o ato de ponderar, apreciar ou estimar alguma coisa. Os sistemas de valoração da prova, logo, constituem conjuntos de princípios que, reunidos, formam um corpo doutrinário ou ideológico de ponderação, apreciação ou estimação dos elementos aos quais se atribui a aptidão de demonstrar a veracidade e a ocorrência de alguma circunstância juridicamente relevante.
Os sistemas de valoração da prova, em seu desenvolvimento, acompanham os estágios de desenvolvimento do próprio Direito, bem como de suas fontes, sejam estas formais ou materiais. O mais tradicional sistema surgiu na época em que Direito e religião não se distinguiam com tanta nitidez, dota tão somente de valor histórico, uma vez que desprovido dos mais consagrados princípios jurídicos mínimos. Tal é o sistema ordálio ou religioso, que se apóia na invocação do julgamento divino como critério de definição probatória.
Referido sistema baseava-se, para a consecução de seus fins, em desafios físicos, como atravessar uma fileira de brasa ou despejar óleo quente na pele[15]. A verdade seria demonstrada através de sinais oriundos do mundo divino, em meio à submissão do suposto culpado a determinados experimentos corporais dolorosos. Caso o acusado não sofresse nada, seria então considerado inocente. Os ordálios eram chamados de Juízos de Deus, firmando-se na crença na intervenção da divindade dos julgamentos.
Passados séculos de evolução, o Direito chega, no século XIX, ao estágio do positivismo jurídico. O momento histórico era o dos ideais liberais, consagradores da liberdade e de abstração do Estado para com os particulares e suas atividades econômicas. Pensava-se, neste momento da história, que, portanto, a lei deveria ser genérica e abstrata, o que traria repercussões no exercício da atividade jurisdicional. A lei não podia considerar determinados valores ou posições sociais e, por conseguinte, o juiz estava proibido de interpretar a normaa considerando as diferenças entre as pessoas.
Trata-se da era jurídica em que o Direito consiste na lei e tão somente na lei. Assim, as decisões judiciais seriam necessariamente, independentemente de qualquer argumentação, válidas ou inválidas, à medida que fossem compatíveis ou contrárias à lei. Conforme leciona Luiz Marinoni[16], o positivismo não se preocupava com o conteúdo da norma, uma vez que a validade da lei estava apenas na dependência da observância do procedimento estabelecido para a sua criação.
Neste contexto surge o sistema tarifado de apreciação da prova, no qual esta, independentemente do grau do seu real teor probante, tem valores probatórios predeterminados. Explica Daniel Neves[17] que
“No sistema da prova legal, ou prova tarifada, a carga probatória já vem preestabelecida em norma escrita, tom ando o juiz um simples matemático, que somava as provas produzidas para verificar a ocorrência dos fatos alegados. Nesse sistema, valendo a prova testemunhal um ponto, a documental, dois pontos e a confissão, três pontos, basta ao juiz somar a prova produzida e declarar vitorioso aquele que somar um maior número de pontos”.
O sistema da prova tarifada, perceba-se, tinha como ponto central a total ausência de liberdade do juiz na valoração dos elementos probatórios. Apesar de ultrapassada a concepção idealizada por este sistema, há salientar que o mesmo não foi totalmente abolido. No Direito brasileiro, por exemplo, lembre-se das hipóteses de presunção legal absoluta. Cite-se também o disposto no art. 401, do CPC, consoante o qual a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados. Lembre-se, ainda, da disposição contida no art. 62 do Código de Processo Penal, de acordo com a qual a extinção de punibilidade pela morte do réu apenas poderá ser determinada à vista de certidão de óbito, e, mesmo assim, após prévia oitiva do Ministério Público.
A neutralidade ou a falta de conteúdo da lei e da jurisdição fez perceber que a igualdade social constituía requisito para a efetivação da própria liberdade, para fins de desenvolvimento da sociedade. Começa-se a perceber que a invariável aplicação da lei, interpretada tão somente em seu sentido gramatical, compromete a justiça nas decisões judiciárias. Passa-se a entender a lei como uma das fontes do Direito, devendo ser interpretada de forma que fundamentadamente se trate de maneira igual os iguais e desigual os desiguais, obedecidos certos princípios constitucionais[18].
Em um primeiro momento, o sistema simetricamente oposto ao da prova tarifada consistiu no da livre persuasão, ou livre convencimento. Neste, o magistrado decidia a lide com base em sua convicção íntima. Assim, tudo o que o juiz considerasse informador, fosse o que fosse, poderia ser entendido como prova. Tal é a fase da plena liberdade de convencimento do juiz, que não precisava fundamentar as suas escolhas.
Encontram-se ainda resquícios deste sistema, como, por exemplo, os julgamentos afetos ao Tribunal do Júri, caso em que o veredicto origina-se em um Conselho de Sentença, integrado por cidadãos comuns, os jurados. Conforme ensina Norberto Avena[19],
“Nos julgamentos pelo Júri, com efeito, não há motivação, limitando-se os jurados a responder, secretamente e sem nenhuma comunicação entre si, os quesitos que lhes são formulados pelo juiz e que correspondem às teses acusatória e defensiva. Até por não existir necessidade de fundamentação, não está o Conselho de Sentença, necessariamente, vinculado às provas existentes no processo, podendo decidir a partir de critérios subjetivos, sendo possível até mesmo que venha a julgar em sentido contrário ao que indicarem os elementos angariados aos autos”.
Percebeu-se, com o tempo, que tanto o sistema da prova tarifada como o do livre convencimento pecavam pelo excesso. Os dois extremos, um de liberdade excessiva e o outro de exacerbado formalismo positivista, mereciam ponderação: a verdade não pode ser apurada através de meios probatórios engessadamente artificiais, nem através de uma utópica idéia de livre convencimento imotivado do magistrado. Este último extremo comprometeria diversos princípios processuais, como o da publicidade, igualdade, imparcialidade e do juiz natural.
Nesta perspectiva surgiu o sistema atualmente adotado pelo Direito Brasileiro, conhecido como sistema do livre convencimento motivado, de acordo com o qual o magistrado tem livre convencimento que, entretanto, deverá ser motivado: na tomada de suas decisões em sede processual, o juiz deve apresentar argumentação e fundamentação coerentes com as provas carreadas as autos, bem como compatíveis com a lei. Comentando o princípio em análise, assevera Avena que[20]
“O juiz é livre para formar seu convencimento, dando às provas produzidas o peso que entender cabível em cada processo, não havendo uma hierarquia entre os meios de prova. Isso, claramente, não significa que o juiz possa decidir fora dos fatos alegados no processo, mas sim que dará aos fatos alegados a devida consideração diante das provas produzidas”.
A exigência de motivação decorre, constitucionalmente falando, mormente do inciso IX do art. 93, da Constituição da República, sob pena de nulidade. Saliente-se, ademais, que as provas deverão constar nos autos do processo sobre o qual repousam.
O sistema do livre convencimento motivado constituiu a principal característica do neoconstitucionalismo, corrente jurídico-filosófica que vê o Direito não mais como um meio de aplicação da vontade genérica, abstrata e invariável do Parlamento, formalizada através da lei.
Com o livre convencimento motivado, imagina-se que, em tese, qualquer tipo de prova poderia ser utilizado pelo juiz, na formação de seu convencimento, desde que houvesse a devida fundamentação no ato de decisão, o que não é verdade. Quais, então, seriam os meios probatórios considerados inadmissíveis em sede processual?
Inadmissível, evidentemente, é tudo aquilo que não pode ser considerado ou levado em conta para fins de cumprimento do que se pretende. A doutrina pátria entende que são inadmissíveis as provas obtidas em meio à invocação ao sobrenatural, assim como também o são as provas ilícitas e ilegítimas. Tem-se que, constitucionalmente, no que pese à limitação à admissibilidade dos meios de prova, conforme já explanado, o Art. 5° da Constituição Federal, em seu inciso LVI, dispõe que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
De acordo com o entendimento doutrinário clássico, provas ilícitas e ilegítimas são espécies do gênero provas ilegais. Seriam ilícitas as provas que, de algum modo, na produção, conteúdo ou na introdução aos autos, contrariassem dispositivos normativos de direito material. Há corrente doutrinária que, ao menos no processo penal, vislumbra ter deixado de existir a diferença entre ilegitimidade e ilicitude, em virtude de o art. 157, do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.690/2008, prescrever serem inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais (grifo nosso). Pela literalidade da norma, padeceria de ilicitude, portanto, não só a prova que violasse direito ou garantia individual, mas, sim, toda aquela que afrontasse qualquer norma constitucional ou infra-constitucional. Não concordamos com este posicionamento, conforme razões adiante expostas.
Entende Norberto Avena, em arrazoada fundamentação, que a ilicitude, para viciar, deve consistir em afrontamento direto ou indireto de garantias ou preceitos tão somente de índole constitucional, não importando ilicitude a violação de norma de direito material qualquer. Violação direta seria, por exemplo, a prova obtida mediante violação de correspondência lacrada, implicando afronta ao art. 5°, XII, da Constituição, enquanto que indireta seria a obtida através de interrogatório judicial do réu sem a presença de advogado, em desrespeito reflexo ao princípio do contraditório e aos direitos à ampla defesa e/ou ao silêncio[21], decorrente de afronta direta ao art. 185, do CPP, e indireta ao art. 5°, LV, da Carta Magna.
Entendemos dever ser salientado que nem toda violação a preceito constitucional tem o condão de viciar a prova, dado que somente as normas que repousam sobre direitos fundamentais o teriam. Exemplificativamente, não seria ilícita a prova testemunhal oferecida por parlamentar obrigado, como qualquer cidadão, a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, em inobservância do disposto no § 6º do art. 53 da Constituição Federal.
Não difere deste posicionamento o adotado pelo Legislador Constituinte do Canadá. Analisando-se a Carta Constitucional Canadense de Direitos e Liberdades, verifica-se no parágrafo único da seção 24 que, sempre que a corte concluir ter sido obtida a prova de modo que tenham sido infringidos ou violados quaisquer direitos ou liberdades garantidos pela Carta, a prova deverá ser excluída se restar estabelecido que, levando-se em conta todas as circunstâncias concretas, a admissão levaria a administração da justiça ao descrédito.
A mesma orientação foi adotada também pela Lei Orgânica do Poder Judiciário da Espanha, a qual, no seu art. 11, dispõe que não surtirão efeito as provas obtidas, direta ou indiretamente, em violação a direitos ou liberdades fundamentais. Em sentido semelhante, a Constituição Portuguesa, em seu art. 32 (8), prescreve serem nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
Portanto, concordamos que a ilicitude, para viciar a prova, deve recair sobre direitos fundamentais conferidos pela Constituição, considerando, ademais, os fundamentos acerca dos quais foi construída a tese da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, assunto que será abordado no capítulo seguinte.
Ilícita a prova, não havendo outros meios probatórios disponíveis, o magistrado terá que acabar por sacrificar o direito faticamente comprovado, ou, valendo-se da prova em questão, terá como nula a decisão ou sentença, em razão de serem as mesmas carecedoras de fundamentação, uma vez que o Direito Brasileiro adotou o sistema do livre convencimento motivado, conforme disposto no artigo 93, IX, da Constituição Federal. Saliente-se, ademais, que o STF entende serem nulas as provas e as alegações respectivamente obtidas e feitas com fundamento na prova produzida mediante o ilícito[22]. Deve-se reforçar que as provas ilícitas não implicam nulidade de decisões judiciais quando estas últimas se fundamentarem também em provas obtidas licitamente[23].
Seria nula, portanto, por exemplo, decisão judicial que se fundamentasse em prova obtida em meio à interceptação indevida de uma conversa telefônica, dado que o inciso XII do Art. 5°, da CF, dispõe que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Assim, seria ilícita, ainda, a prova obtida mediante a gravação de um vídeo feita no domicílio de um suposto homicida, sem a devida autorização, em hipótese na qual, no vídeo, sem qualquer coação, o investigado admitisse a prática do delito, posto que o inciso X do citado dispositivo constitucional estabelece serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, além de que o inciso XI prescreve que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
Interessante citar que a Suprema Corte do Canadá tem entendido que somente a violação a direitos e liberdades da parte contra quem foi produzida a prova ilícita pode ensejar a inadmissão das respectivas provas. Isso significa que, se a prova tiver sido obtida mediante a violação da esfera jurídica de terceiros, o Poder Judiciário não necessariamente deverá determinar a sua exclusão. Segue-se que não se deve inadmitir a prova quando esta for obtida em lugares nos quais a parte não tenha expectativa de privacidade, mesmo que privados, porém de titularidade jurídica de terceiros[24]. Ilustre-se a situação com a hipótese de se descobrir a autoria de um delito, mediante a interceptação telefônica ilegal de uma conversa entre duas testemunhas que, em virtude de medo, não iriam prestar seus depoimentos. Igual tratamento seria dado ao caso em que fossem ilegalmente apreendidos, em violação de domicílio de terceiro, instrumentos lá escondidos pelo investigado, sem a devida autorização, incriminadores do mesmo.
Ilegítimos seriam os meios probatórios que, da mesma forma, fossem incompatíveis com as regras de direito processual. Preferimos dizer que não poderiam sequer ser tecnicamente chamados de prova determinados meios pelos quais se pretendesse provar circunstâncias juridicamente relevantes, se, em sua essência, lhes faltassem quaisquer dos necessários requisitos existenciais de ordem processual, já que a prova é um instituto de natureza eminentemente processual. A nosso ver, então, somente em sentido estrito poder-se-ia considerar prova o meio probatório latu sensu que fosse essencialmente constituído pelos requisitos processuais de existência. Assim, a legislação processual, quando dispusesse fosse necessário o preenchimento de determinados requisitos, não estaria estabelecendo critérios para admissão ou não de provas, mas sim pressupostos processuais de existência dos elementos probatórios. Quando a Constituição Federal menciona a palavra prova, fa-lo já pressupondo a obediência aos requisitos processuais de existência, definidos em legislação processual.
Seria inconstitucional admitir que normas infraconstitucionais previssem a inadmissibilidade de certos tipos de provas, uma vez que tal implicaria afronta a diversos princípios consagrados pela Carta Magna, como os do contraditório, devido processo legal, da inafastabilidade jurisdicional e de outros eventualmente concernentes ao caso concreto. Logo, entendemos que provas ilegítimas seriam na verdade provas em sentido amplo que, por serem incompatíveis com normas de direito processual, já que desprovidas dos intrínsecos requisitos existenciais, não poderiam ser consideradas provas em sentido estrito ou técnico.
Por esta razão fazemos questão de manifestar a nossa discordância da interpretação de que, ao menos no processo penal, teria deixado de existir a diferença entre ilegitimidade e ilicitude, uma vez que a inadmissibilidade de meios probatórios deve ser considerada estritamente para fins de cumprimento do disposto no inciso LVI do art. 5° da Constituição Federal e normas congêneres, pois outras hipóteses de limitação ao direito à prova, calcadas no fundamento do conceito de ilicitude, conforme explanado, padeceriam de inconstitucionalidade.
Destarte, somente norma constitucional pode relativizar a amplitude da eficácia jurídica de normas de igual status. Assim, não haveria razão por que se entender inadmissível depoimento de testemunha descompromissada, em violação ao constante no art. 203, do CPP. Tal representaria apenas uma irregularidade, mas não uma ilicitude. Por esta razão, ademais, não se poderia estender a inadmissibilidade às provas derivadas das ilícitas, uma vez que tal sanção a Constituição prevê somente às provas diretamente obtidas ilicitamente.
Do vício da ilegitimidade, que, a nosso ver, consiste em atipicidade probatória, padeceria, por exemplo, em sede processual penal, um exame pericial realizado por apenas um perito não oficial, enquanto deveria sê-lo por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tivessem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame, conforme prevê a regra do art. 159, § 1º, do CPP.
Ressalte-se, ainda, que os vícios processuais podem ser sanáveis ou insanáveis. Sanável é o vicio de nulidade relativa e insanável o de nulidade absoluta. Veja-se então que o elemento probatório latu sensu poderia tornar-se prova em sentido estrito se restasse sanado o seu vício relativo, o que não poderia ocorrer relativamente aos elementos portadores de vícios dotados de nulidade absoluta. No caso do exemplo citado no parágrafo anterior, conforme assevera Norberto Avena[25], seria insanável o vício respectivo e, destarte, inexistente a prova, ou, conforme prefere a doutrina, ilegítima.
Feitas estas considerações sobre o tema das distinções entre provas ilícitas e ilegítimas, percebe-se que, em linhas gerais, o primado da licitude dos meios de prova constitui base jurídico-ideológica constitucional que, em tese, vai de encontro a outros princípios também portadores de status constitucional, como, conforme já dito, os da ampla defesa, do contraditório e da inafastabilidade. Em que contexto histórico ou jurídico teria se originado a tese da inadmissibilidade das provas ilícitas? Qual seria a razão para a institucionalização de tais conflitos entre bases principiológicas de índole constitucional? Em outras palavras, o que argumentam aqueles que defendem a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos?
A tese ideológica abarcada pela tese da inadmissibilidade da prova obtida por meios ilícitos originou-se em tempos de emergência do liberalismo, num contexto de insurgência contra os ideais do Estado Absolutista, o qual, para a consecução de seus fins, valia-se de meios arbitrários e desarrazoados, mediante a invasão das mais básicas prerrogativas individuais, desconhecendo-as ou solapando-as, em nome de interesses aos quais indevidamente se atribuía o caráter público. Era a era em que o Estado revestia-se de irresponsabilidade absoluta sobre quaisquer de seus atos, uma vez que tudo o que o rei determinava era sempre legítimo. Trata-se da época de consagração da teoria da irresponsabilidade do Estado. Doutrinariamente, esta teoria é identificada pela máxima the king can do no wrong.
Na perspectiva liberal, a entidade estatal deve adotar uma posição negativa e não intervencionista em relação aos seus cidadãos, em respeito aos conhecidos direitos de primeira geração, assecuratórios da liberdade e das prerrogativas individuais. Consoante explicam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[26], os direitos fundamentais têm origem nos ideais consagrados pela Revolução Francesa ou, conforme preferem outros autores, na Declaração de Direitos do Homem americana, além de que,
“Os primeiros direitos fundamentais têm o seu surgimento ligado a necessidade de se impor limites e controles as atos praticados pelo Estado e suas autoridades constituídas. Nasceram, pois, como uma proteção à liberdade do individuo frente à ingerência abusiva do Estado. Por este motivo – por exigirem uma abstenção, um não fazer do Estado em respeito à liberdade individual – são denominados direitos negativos, liberdades negativas ou direitos de defesa”.
Assim, tradicionalmente, a inadmissibilidade da prova ilícita visa a coibir a atuação abusiva do Estado, o qual, para perseguir os objetivos respectivos, não poderá coibir o gozo dos direitos fundamentais conferidos aos seus cidadãos. Bem ratificadoras da questão são as palavras do Ministro Celso de Mello, no julgamento do RE 251.445-GO, publicado em 03 de agosto de 2000:
“Como se sabe, o processo penal condenatório, em nosso ordenamento positivo, delineia-se como estrutura jurídico-formal em cujo âmbito o Estado desempenha a sua atividade persecutória. Nele, antagonizam-se exigências contrastantes que exprimem uma situação de tensão dialética configurada pelo conflito entre a pretensão punitiva deduzida pelo Estado e o desejo de preservação da liberdade individual manifestado pelo réu. Essa relação de conflituosidade, que opõe o Estado ao indivíduo, revela-se, por isso mesmo, nota essencial e típica das ações penais tendentes à obtenção de provimentos jurisdicionais de caráter condenatório. A persecução penal, cuja instauração é justificada pela suposta prática de um ato criminoso, não se projeta e nem se exterioriza como uma manifestação de absolutismo estatal. De exercício indeclinável, a persecutio criminis sofre os condicionamentos que lhe impõe o ordenamento jurídico (grifo nosso). A tutela da liberdade, desse modo, representa uma insuperável limitação constitucional ao poder persecutório do Estado. A própria exigência de processo judicial já traduz poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de restrição ao poder de coerção do Estado. A cláusula nulla poena sine judicio exprime, no plano do processo penal condenatório, a fórmula de salvaguarda da liberdade individual (grifo nosso).
[...] Tenho tido a oportunidade de enfatizar, neste Tribunal, que a exclusionary rule - considerada essencial, pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, na definição dos limites da atividade probatória desenvolvida pelo Estado - destina-se a proteger os réus, em sede processual penal, contra a ilegítima produção ou a ilegal colheita de prova incriminadora (Garrity v. New Jersey, 385 U.S. 493, 1967 - Mapp v. Ohio, 367 U.S. 643, 1961 - Wong Sun v. United States, 371 U.S. 471, 1962, v.g.), impondo, em atenção ao princípio do due process of law, o banimento processual de quaisquer evidências que tenham sido ilicitamente coligidas pelo Poder Público (grifo nosso). No contexto do sistema constitucional brasileiro, no qual prevalece a inadmissibilidade processual das provas ilícitas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o sentido e o alcance do art. 5º, LVI, da Carta Política, tem repudiado quaisquer elementos de informação, desautorizando-lhes o valor probante, sempre que a obtenção dos dados probatórios resultar de transgressão, pelo Poder Público, do ordenamento positivo (grifo nosso).
[...] Foi por tal razão que esta Corte Suprema, quando do julgamento da Ação Penal 307-DF, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, desqualificou, por ilícita, prova cuja obtenção decorrera do desrespeito, por parte de autoridades públicas (grifo nosso), da garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar (RTJ 162/4, item n. 1.1)”.
Não foi outro o fundamento para a edição, nos Estados Unidos, da Emenda Constitucional IV, da qual se depreende que o direito das pessoas de permanecerem seguras em suas vidas privadas, contra buscas e apreensões desarrazoadas, não deverá ser violado, além de que nenhum mandado será expedido, salvo em razão de causa provável, precedido de juramento ou afirmação, com a descrição particular do lugar a ser procurado e das pessoas ou coisas a serem apreendidas.
Neste país, a regra da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, construída jurisprudencialmente a partir da interpretação da Quarta Emenda Constitucional, ganha atenção e relevo primordialmente na seara processual penal, com a ideia de que o Estado, em sede de persecução criminal, não deve deixar de respeitar os direitos e garantias constitucionalmente conferidos aos seus cidadãos, razão pela qual as provas obtidas com infringência a esta disposição devem ser inadmitidas. Atente-se aí para o destinatário da inibição da sanção da inadmissibilidade da prova ilícita: o Estado.
De acordo com David H. Taylor, desenvolveram-se, na seara criminal, regras tendentes a excluir elementos probatórios considerando a maneira com que foram obtidos. A mais notável é a conhecida “regra exclusionária”, a qual reforça a garantia da Quarta Emenda, excluindo a admissibilidade da prova que, em processos afetos às Justiças Federal e Estadual, é obtida em violação mediante atos ilícitos praticados pelas autoridades estatais competentes. Prossegue o autor afirmando que, entretanto, as regras exclusionárias são limitadas a agentes estatais, e, assim, são inaplicáveis em ações civis e criminais nas quais a prova oferecida tenha sido ilicitamente obtida por pessoas privadas[27]. A jurisprudência norte-americana tende a aplicar este preceito em outras ações em que o Estado seja parte, como as de âmbito tributário.
Entretanto, não obstante ter a inadmissibilidade fundamento nos arbítrios do Estado, tal tese vem sendo extensivamente interpretada pela doutrina, no sentido de que o tratamento dado às provas ilícitas obtidas pelo Estado deve ser também conferido às deste modo obtidas por particulares.
Na Alemanha, observou-se especial atenção conferida aos valores humanos. Já em 1950 o constituinte proibiu quaisquer tipos de maus-tratos, bem como formas de redução da capacidade intelectiva das pessoas, violência moral ou qualquer outra maneira violadora de direitos fundamentais na obtenção das provas, considerando ilícitas, se desta maneira produzidas. De início a jurisprudência limitou a regra da inadmissibilidade aos atos praticados pelo Poder Público, relegando ao juiz a atribuição de valorar as provas ilícitas obtidas por particulares. Entretanto, considerável parte da doutrina e jurisprudência germânicas tendem a inadmitir tal tipo de prova nos casos em que esta é produzida por particulares[28].
Na Espanha, encontra-se o repúdio à valoração de provas ilicitamente obtidas também por particulares. De acordo com o entendimento do Tribunal Constitucional Espanhol, a inadmissibilidade deve alcançar as provas obtidas por qualquer pessoa, pois inquestionável que os particulares – e não só a polícia, como sustenta a jurisprudência norte-americana – podem obter provas violando direitos fundamentais[29].
Historicamente, no Common Law, três teorias têm justificado a aplicação das regras de inadmissibilidade: o reforço da tutela dos direitos fundamentais individuais; a manutenção da integridade do Poder e o repúdio aos atos oficiais arbitrários.
Na tradição jurídico-constitucional brasileira, a regra de inadmissibilidade probatória foi aos poucos sendo doutrinária e jurisprudencialmente construída a partir de previsões constitucionais relativas a inviolabilidades de direitos individuais, ganhando previsão constitucional expressa a partir da Constituição Federal de 1988. Antes da promulgação da atual Constituição, a Constituição de 1967/69 não trazia a proibição da admissibilidade de meios de prova obtidos ilicitamente, com violação a suas normas, dispondo, no art. 153, § 9º, tão somente sobre a inviolabilidade do sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas. Esta omissão era também compartilhada pelas leis processuais, quanto à cominação da sanção de nulidade às provas obtidas com violação a direitos e garantias individuais.
Neste contexto, até antes da promulgação da Constituição de 1988, a doutrina e o costume jurídico jurisprudencial se dividiam entre os que defendiam a admissibilidade deste tipo de prova e aqueles que a repudiavam. Entre os primeiros, o então Ministro Raphael de Barros Monteiro, citado por Maria Cristina faria Magalhães[30], em acórdão de 1951, sustentou que:
“Os tribunais têm de julgar conforme as provas que lhes são apresentadas e não lhes compete investigar se elas foram bem ou mal adquiridas pelo respectivo litigante. Essa investigação é estranha ao processo e o juiz que a fizer exorbitará de suas atribuições processuais”.
Entretanto os que integravam o segundo grupo encontravam fundamentos nas normas de legislação processual que regulavam a inadmissibilidade de certas provas, além da interpretação analógica do art. 332 Código de Processo Civil, o qual condiciona a admissibilidade das provas à legalidade e à moralidade.
De acordo com supramencionada autora, a atual conjuntura constitucional brasileira sobre o tema deve-se ao trabalho de Ada Pellegrini Grinover, defensora da tese da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, cuja orientação a jurisprudência pátria procurou acompanhar.
Conforme leciona César Dario Mariano da Silva[31], embora sob a égide da Constituição anterior não existisse norma proibitiva expressa, entendia-se implícita a proibição do emprego da prova ilícita que ferisse direitos garantidos, como a intimidade, integridade corporal etc.
Finalmente, a tese da inadmissibilidade das provas ilícitas ganhou status constitucional a partir de 1988, com o art. 5º, LVI, constituindo, inclusive, cláusula pétrea, consoante exposto no art. 60, § 4º, IV, da atual Constituição Federal.
Quanto à discussão acerca do âmbito processual de aplicabilidade da regra em questão, a doutrina e a jurisprudência, diferentemente da tradição norte-americana, fixaram entendimento de que tal se aplica tanto ao poder público quanto a particulares que ajam ou não em nome deste, seja em processo penal ou cível. Neste sentido, cite-se o já mencionado Acórdão proferido no Recurso Extraordinário n. 251.445-GO, publicado no dia 03 de agosto de 2000, de relatoria do Min. Celso de Mello:
EMENTA: PROVA ILÍCITA. MATERIAL FOTOGRÁFICO QUE COMPROVARIA A PRÁTICA DELITUOSA (LEI Nº 8.069/90, ART. 241). FOTOS QUE FORAM FURTADAS DO CONSULTÓRIO PROFISSIONAL DO RÉU E QUE, ENTREGUES À POLÍCIA PELO AUTOR DO FURTO, FORAM UTILIZADAS CONTRA O ACUSADO, PARA INCRIMINÁ-LO. INADMISSIBILIDADE (CF, ART. 5º, LVI).
A cláusula constitucional do due process of law encontra, no dogma da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras, pois o réu tem o direito de não ser denunciado, de não ser processado e de não ser condenado com apoio em elementos probatórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites ético-jurídicos que restringem a atuação do Estado em sede de persecução penal. - A prova ilícita - por qualificar-se como elemento inidôneo de informação - é repelida pelo ordenamento constitucional, apresentando-se destituída de qualquer grau de efícácia jurídica (grifo nosso). - Qualifica-se como prova ilícita o material fotográfico, que, embora alegadamente comprobatório de prática delituosa, foi furtado do interior de um cofre existente em consultório odontológico pertencente ao réu, vindo a ser utilizado pelo Ministério Público, contra o acusado, em sede de persecução penal, depois que o próprio autor do furto entregou à Polícia as fotos incriminadoras que havia subtraído. No contexto do regime constitucional brasileiro, no qual prevalece a inadmissibilidade processual das provas ilícitas, impõe-se repelir, por juridicamente ineficazes, quaisquer elementos de informação, sempre que a obtenção e/ou a produção dos dados probatórios resultarem de transgressão, pelo Poder Público, do ordenamento positivo, notadamente naquelas situações em que a ofensa atingir garantias e prerrogativas asseguradas pela Carta Política (RTJ 163/682 - RTJ 163/709), mesmo que se cuide de hipótese configuradora de ilicitude por derivação (RTJ 155/508), ou, ainda que não se revele imputável aos agentes estatais o gesto de desrespeito ao sistema normativo, vier ele a ser concretizado por ato de mero particular (grifo nosso).
[...] Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado de Goiás contra decisão do Tribunal de Justiça local, consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 586/587): "ABUSO SEXUAL CONTRA MENORES. NULIDADES: PREJUÍZO INDEMONSTRADO. SENTENÇA. PROVAS ILÍCITAS E ILEGÍTIMAS. CONSERVAÇÃO DA PARTE IMACULADA. ABSOLVIÇÃO DAS IMPUTAÇÕES QUE DELAS DEPENDAM. CORRELAÇÃO ADEQUADA ENTRE A SINTÉTICA DENÚNCIA E A CONDENAÇÃO BASEADA EM ELEMENTOS DOS AUTOS. PENA: DIMINUIÇÃO.
[...] ninguém pode ser denunciado, processado ou condenado com fundamento em provas ilícitas, eis que a atividade persecutória do Poder Público, também nesse domínio, está necessariamente subordinada à estrita observância de parâmetros de caráter ético-jurídico cuja transgressão só pode importar, no contexto emergente de nosso sistema normativo, na absoluta ineficácia dos meios probatórios produzidos pelo Estado.
[...] Se, no entanto, como ocorreu no caso ora em exame, a prova penal incriminadora resultar de ato ilícito praticado por particular, e a res furtiva, por efeito de investigação criminal promovida por agentes policiais, for por estes apreendida, também aqui - mesmo não sendo imputável ao Poder Público o gesto de desrespeito ao ordenamento jurídico, posto que concretizado por um menor infrator - remanescerá caracterizada a situação configuradora de ilicitude da prova (grifos nossos).
[...] é irrelevante indagar se o ilícito foi cometido por agente público ou por particulares (grifo nosso), porque, em ambos os casos, a prova terá sido obtida com infringência aos princípios constitucionais que garantem os direitos da personalidade. Será também irrelevante indagar-se a respeito do momento em que a ilicitude se caracterizou (antes e fora do processo ou no curso do mesmo. [...] será, por fim, irrelevante indagar-se se o processo no qual se utilizaria prova ilícita deste jaez é de natureza penal ou civil (grifos nossos).
Oportuno se faz tecer alguns comentários acerca dos seguintes trechos do acórdão citado no tópico anterior:
[...] limito-me a examinar o presente recurso extraordinário unicamente no ponto em que o Tribunal de Justiça local, ao reconhecer a ilicitude da prova fotográfica produzida contra os ora recorridos, veio a absolvê-los da imputação referente ao delito tipificado no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13/7/90). Esse específico aspecto da questão foi bem resumido pelo Ministério Público Federal, que, ao expor os limites da controvérsia instaurada na presente sede recursal extraordinária, fez consignar, em seu parecer, que o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, ao declarar a insubsistência da condenação penal dos ora recorridos, imposta em primeira instância com fundamento no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, "sustentou que as fotografias acostadas aos autos foram obtidas de forma ilícita..." (fls. 663). A douta Procuradoria-Geral da República, embora discordando da decretação, pelo Tribunal de Justiça local, da ilicitude da prova fotográfica, reconhece que as fotografias em questão "foram entregues, espontaneamente, a policiais civis, pelo menor Francisco Brito Correia" (fls. 663) e que "Possível evento criminoso anterior, com arrombamento de cofre por parte de terceiro, que recolheu as fotos de seu interior, entregando-as depois à polícia, não tem o condão de afastar a realidade objetiva, que é a ocorrência ilícita consumada com o ato de fotografar crianças e adolescentes em poses pornográficas, e, assim, impedir a apuração e punição do fato".
[...] Esse, pois, é o quadro fático, dentro do qual caberá analisar-se a questão concernente à licitude, ou não, da utilização, em juízo, pelo Estado, de material fotográfico incriminador, cuja apreensão, pela Polícia, no curso de investigação penal, somente ocorreu, porque entregue pelo menor adolescente que o havia furtado do consultório profissional de um dos recorridos.
[...] Nesta colocação, não parece aceitável (embora sugestivo) o critério de 'razoabilidade' do direito norte-americano, correspondente ao princípio de 'proporcionalidade' do direito alemão, por tratar-se de critérios subjetivos, que podem induzir a interpretações perigosas, fugindo dos parâmetros de proteção da inviolabilidade da pessoa humana. [...] sempre que a violação se der com relação aos direitos fundamentais e a suas garantias, não haverá como invocar-se o princípio da proporcionalidade (grifos nossos).
[...] Vê-se, portanto, tendo-se presentes as circunstâncias do caso ora em exame, que a Polícia Judiciária incidiu em dupla ilicitude em suas diligências probatórias, provendo o Ministério Público com elementos informativos que não podiam ser utilizados, no processo, contra os ora recorridos, porque contaminados pelo vício da transgressão constitucional. Não vejo, desse modo, como acolher a postulação recursal deduzida pelo Ministério Público do Estado de Goiás. Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, não conheço do presente recurso extraordinário.
Percebe-se, portanto, que, apesar de reconhecidamente constatada a comprovação das circunstâncias pretendidas, restou inadmitida a prova obtida ilicitamente e peremptoriamente afastada a aplicação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, o que resultou na impunidade de um crime cometido contra um menor incapaz.
No presente caso, ademais, observa-se que os fundamentos para o não provimento do recurso entraram em conflito com as disposições constitucionais do art. 5°, inciso XXXV, e do art. 227. De acordo com o primeiro dispositivo, do qual decorre o direito à prova, a lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Consoante expresso no segundo, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Erigida a tese da inadmissibilidade das provas ilícitas - ou, como chamada no sistema do Common Law, da exclusionary rule - surgiram, diante de problemas deste tipo (conflito entre normas ou entre princípios de igual status no ordenamento jurídico), pelos menos três teorias sobre a interpretação da regra abarcada pela tese que ora se estuda. Analisemos cada uma delas.
2.2.1. Teoria obstativa
A teoria obstativa, mais tradicional, pugna pela incondicional inadmissibilidade processual de provas ilícitas, uma vez que estas afrontariam princípios e garantias de ordem e interesses eminentemente públicos, conforme menciona Ada Pellegrini Grinover[32].
De acordo com esta teoria, inexiste o meio probatório desta natureza, dado que dotado de atipicidade constitucional. Assim, devem ser absolutamente inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos, por mais relevante que seja o bem jurídico tutelado.
Os defensores desta tese argumentam que não se pode deixar de preservar os direitos da parte contra quem se pretende oferecer a prova, razão pela qual tais não podem ser atingidos ou violados em virtude da busca da verdade. A busca da verdade, destarte, não poderia significar um valor mais precioso do que a proteção das garantias desta parte.
À semelhança do que ocorre nos Estados Unidos, no Canadá, a inadmissibilidade de provas ilícitas também se justifica para coibir atuações abusivas do Estado. Sobre este direito individual constante na segunda parte da seção 24, da Carta Constitucional Canadense de Direitos e Liberdades Individuais, os julgadores da Suprema Corte deste país entendem que, no âmbito processual penal,
“Nunca deveríamos perder de vista o fato de que até mesmo uma pessoa acusada dos mais abomináveis crimes, não importando se a pessoa de fato os praticou, está devidamente amparada pela total proteção da Carta. Diminuir ou relativizar estes direitos afeta não somente o acusado, mas também toda a reputação do Sistema Judiciário. Deve ser enfatizado que os objetivos de preservar a integridade do Judiciário, assim como de promover a decência das técnicas de investigação, são de fundamental importância para a aplicação da seção 24 da Carta de Direitos [33].”
Nesta perspectiva, argumenta-se ainda que, ao se admitir provas produzidas ilicitamente, parece haver uma presunção de culpa do acusado, mesmo antes de haver julgamento. Somente a presunção da culpa do investigado justificaria a invasão de seus direitos a fim de que fosse efetivamente provada a sua condição, o que transformaria as cortes judiciais em verdadeiras “empresas investigadoras da verdade”. No entanto, deve ser lembrado que, até que seja licitamente constatada a culpa do acusado, as cortes têm o dever constitucional de presumir a sua inocência[34].
Ademais, conforme afirma Fernando Pedroso[35], comentando a teoria em análise, “o ilícito é um só, atingindo e alcançando, portanto, qualquer ramo ou seara do Direito. Desta sorte, existente um ilícito material, não pode o mesmo, sob prisma processual, ser havido como indiferente ou como válida a prova dele derivada”.
Diz-se, ainda, que é preferível a impunidade de um crime à outorga de eficácia à prova que o desvende, sempre que os meios de produção de tal prova implicarem violação dos direitos fundamentais do acusado, aduzindo-se que o que se pretende com a vedação da prova ilícita é a prevenção de eventual cometimento de atos juridicamente ilícitos. A norma contida no art. 5º, LVI, da Constituição, teria, desta forma, caráter preventivo.
Destarte, num conflito entre a possível verdade que seria atingida pela utilização da prova e a sua ilicitude, a corrente restritiva ou obstativa prefere privilegiar a segunda, entendendo legítimo o sacrifício da verdade para se preservar direitos que seriam violados com a produção da prova ilícita.
Acentua Daniel Neves[36] que decorre da teoria obstativa a dos frutos da árvore envenenada: seriam consideradas ilícitas as provas que, mesmo lícitas, derivassem da obtenção de uma prova ilícita. Exemplifique-se o testemunho de um sujeito que tenha sido mencionado em fita gravada clandestinamente. Tal deverá ser desconsiderado, ainda que a prova seja lícita em seu meio e na forma de sua obtenção, já que derivada da prova obtida ilicitamente. Tem-se aqui o que a doutrina chama de provas ilícitas por derivação.
Norberto Avena[37] conceitua as provas ilícitas por derivação como aquelas que “embora lícitas na própria essência, decorrem exclusivamente de prova considerada ilícita ou de situação de ilegalidade manifesta ocorridas anteriormente à sua produção, restando, portanto, contaminadas”.
Ressalte-se que o autor penal-processualista estendeu à ilegalidade o condão de viciar a prova derivada, em razão do disposto no art. 157, do Código de Processo Penal, que, modificado pela Lei 11.690/2008, prescreve serem inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas (CPP, art. 157, § 1o), sendo estas (provas ilícitas) as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais (CPP, art. 157, caput). Esta orientação, adotada pelo legislador processual, tecnicamente não fulmina a distinção entre ilicitude e ilegitimidade, conforme já demonstrado, além de não poder divergir das regras e interpretações constitucionais.
2.2.2. Teoria Permissiva
Para a teoria permissiva a prova obtida ilicitamente deve sempre ser reconhecida no ordenamento jurídico como válida e eficaz, uma vez que o processo se destina à busca da verdade, indispensável ao convencimento e motivação do julgador. Assim, não haveria exceções à admissibilidade dos meios probatórios e a busca da verdade seria o fim supremo e absoluto do processo, o que não significa que a parte a quem aproveitasse o elemento probatório deveria ficar isenta de qualquer sanção decorrente da prática do ilícito[38].
A tese da inadmissibilidade, de acordo com esta teoria, deve ser interpretada como uma ideologia de caráter meramente pedagógico e orientador: não se devem violar direitos individuais, para fins de instrução processual, mas, caso tal ocorra, não restará saída que não o reconhecimento da verdade revelada. Por outro lado, uma vez contrariado o princípio da licitude na obtenção dos meios de prova, a parte que deste modo obtém a prova deve arcar com a responsabilidade pelos atos praticados, sofrendo a sanção correspondente.
2.2.3. Teoria da Proporcionalidade ou Razoabilidade
A teoria da proporcionalidade ou razoabilidade baseia-se nos princípios constitucionais implícitos da proporcionalidade e da razoabilidade, de acordo com os quais as decisões judiciais ou administrativas devem se coadunar com o ordenamento constitucional como um todo. Sempre que a decisão implicar o choque entre um ou mais princípios ou preceitos constitucionais, o sacrifício de uns ou de outros deve ser mínimo e, se possível, inexistente.
De acordo com Rafael Rezende de Oliveira[39], o princípio da razoabilidade surge no Direito Norte-Americano, com a consagração da cláusula do devido processo legal substantivo. Em um primeiro momento, a doutrina norte-americana adotava o entendimento de que o devido processo legal consistia em um processo repletamente realizado tão somente de acordo com os ditames legais. O desenvolvimento do processo, nesta perspectiva, baseava-se no estrito cumprimento da lei. Assim, as únicas prerrogativas das quais poderiam se valer as partes seriam, invariavelmente, as estritamente previstas na lei.
Posteriormente, surge neste país a ideia do devido processo legal substantivo, segundo a qual os atos processuais devem conter, além de garantias legais, fundamentos substantivamente razoáveis. Traz-se um conteúdo material ao devido processo legal, que também é transportado para a administração pública: o Estado deve atuar com razoabilidade, sem excesso.
O princípio da proporcionalidade, por sua vez, tem origem no Direito alemão e consiste na prescrição de que os atos do Estado, jurisdicionais ou não, devem ser proporcionais. Subdivide-se em três subprincípios que demonstram se o ato estatal é proporcional: adequação, necessidade e proporcionalidade estrita. A atenção é voltada para o caso concreto, analisando-se se eventual decisão é cumulativamente adequada, necessária e estritamente proporcional.
Vê-se que, apesar de não se confundirem razoabilidade e proporcionalidade, ditas bases principiológicas em muito se assemelham, uma vez que têm um objetivo em comum: a resolução ponderada do choque entre um ou mais princípios ou preceitos constitucionais. Conveniente ressaltar que, todavia, no Brasil, o STF vem adotando a ideia de que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade são sinônimos ou fungíveis entre si. Na tese da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, razoabilidade e proporcionalidade têm significativo peso no desenrolar de decisões tanto na jurisprudência pátria como na estrangeira.
Nos Estados Unidos, entende-se que o balanceamento de interesses é pressuposto de todas as decisões que envolvam as exclusionary rules baseadas na Quarta Emenda Constitucional. Tal foi explicitado pela Suprema Corte Americana no Caso “Estados Unidos vs. Calandra”. A corte entendeu ser necessário o sopesamento entre os potenciais benefícios da exclusão das provas ilícitas e o potencial dano decorrente da perda de relevante acervo probatório[40].
O parágrafo único do artigo 24, da Carta Constitucional de Direitos Canadense, prevê que, sempre que a corte concluir ter sido obtida a prova de modo que tenham sido infringidos ou violados quaisquer direitos ou liberdades garantidos pela Carta, a prova deverá ser excluída se restar estabelecido que, levando-se em conta todas as circunstâncias concretas, a admissão levaria a administração da justiça ao descrédito.
Interpretando este preceito, a Suprema Corte do Canadá, no julgamento de apelação criminal no conhecido Caso Collins, do ano de 1987, enumerou alguns fatores que devem ser considerados e mensurados no ato de se levar em conta as “circunstâncias concretas”. Estes fatores incluem: que tipo de prova foi obtido? Que direito individual foi infringido? A violação foi grave ou foi meramente de natureza técnica? Tal violação foi deliberadamente e intencionalmente praticada ou foi cometida inadvertidamente, sob os ditames da boa-fé? A obtenção da prova se deu em circunstância de urgência e necessidade? Havia outros meios de investigação disponíveis? A prova obtida teria sido produzida em qualquer outro tipo de evento? A prova é essencial para a instrução do processo?
No Brasil, a teoria que ora se estuda, majoritariamente adotada pela doutrina, defende a ideia de que, em tese, a prova obtida por meios ilícitos não deve ser admitida em processo, salvo se, com estrita obediência ao princípio em questão, destinar-se à proteção de um bem jurídico de maior valor.
Uma vez que os direitos e garantias individuais são relativos, o intérprete deve coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros. Defende-se, assim, proporcionalidade entre bem sacrificado e bem tutelado[41]. De igual modo, Nelson Nery Junior entende que não devem ser adotados peremptoriamente qualquer dos dois extremos: não se pode a priori admitir, no processo, a prova obtida por meios ilícitos, nem, de mesmo modo, absolutamente recusar eficácia a tal meio probatório.
Deve-se, logo, analisar-se caso a caso, em observância ao referido princípio constitucional[42], de modo que sempre se alcance o significado da norma e a harmonia do texto constitucional com a sua finalidade precípua. Esta a tese básica da teoria da proporcionalidade e razoabilidade, que, por conseguinte, adquire diversos desdobramentos doutrinários e jurisprudenciais. Analisemo-los.
2.2.3.1. A inexistência de ilicitude na teoria da razoabilidade e proporcionalidade
Registre-se forte tendência doutrinária no sentido de que o fundamento da razoabilidade e proporcionalidade torna lícita a prova, sempre que, mesmo obtida por meios formalmente ilícitos, considerando-se a relevância do teor revelador que carrear, esta for admitida, em sede processual, como meio de se provar o alegado.
Conforme o magistério de Mirabete, se a prova foi obtida para resguardo de outro bem protegido pela Constituição, de maior valor jurídico do que aquele a ser resguardado pela norma do art. 5o, LVI, da Carta Magna, não há falar aqui em ilicitude e, portanto, inexistirá a restrição da inadmissibilidade da prova[43]. Não se pode conceber que certos direitos, perseguidos no processo em que se utiliza a prova, deixem de ser tutelados ante uma exacerbação de tutela de meios em detrimento de fins. A proporcionalidade e/ou razoabilidade, na valoração entre o bem jurídico tutelado e o sacrificado, teria, portanto, o condão de excluir a ilicitude da prova.
Com muito louvor e acerto afirma Alexandre de Morais que
“As liberdades públicas não podem ser utilizadas como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Dessa forma, aqueles que ao praticarem atos ilícitos inobservarem as liberdades públicas de terceiras pessoas e da própria sociedade, desrespeitando a própria dignidade da pessoa humana, não poderão invocar, posteriormente, a ilicitude de determinadas provas para afastar suas responsabilidades civis e criminais perante o Estado”[44].
Assim, entende-se admissível a prova quando indispensável e produzida pelo próprio interessado, em hipótese, por exemplo, de gravação de conversação telefônica, em crime de extorsão. Tal tipo de caso, consoante leciona Ada Pellegrini Grinover, traria a configuração do instituto da legítima defesa, que é caracterizado pelo uso moderado de meios necessários à reação contra injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou de terceiro, o que excluiria a ilicitude do meio de produção probatória[45].
Lícita seria, portanto, ademais, a utilização de uma gravação feita por um filho, que, sem o conhecimento do pai-agressor, registrasse a conduta delituosa de violência doméstica; ou a filmagem de uma babá que, sozinha na casa onde trabalha, sem saber que está sendo filmada, agride a criança da qual deveria cuidar.
Em idêntico sentido já decidiu o STF, no AI 50.367-PR, 2ª. Turma. Rel. Min. Carlos Velloso. J. 01/02/05. DJ 04/03/05:
"EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. - gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. II. - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. - A questão relativa às provas ilícitas por derivação "the fruits of the poisonous tree" não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. - Agravo não provido" (AI 50.367-PR, 2ª. Turma. Rel. Min. Carlos Velloso. J. 01/02/05. DJ 04/03/05).
"Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu. Precedentes do Supremo Tribunal HC 74.678, DJ de 15-8- 97 e HC 75.261, sessão de 24-6-97, ambos da Primeira Turma." (RE 212.081, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 5-12-97, DJ de 27-3-98). No mesmo sentido: HC 75.338, Rel. Min. Nelson Jobim, julgamento em 11-3-98, DJ de 25-9-98".
Para o Ex-Ministro Moreira Alves, no julgamento do Habeas Corpus n. 74.6781/SP,
“seria uma aberração considerar como violação do direito a privacidade a gravação pela própria vítima ou por ela autorizada, de atos criminosos, como o diálogo com sequestradores, estelionatários e de todo tipo de achacadores. No caso, os impetrantes esquecem que a conduta do réu apresentou, antes de tudo, uma intromissão ilícita na vida privada do ofendido, esta sim merecedora de tutela[46]”.
Cita ainda o supracitado doutrinador constitucionalista Alexandre de Moraes que o gozo das prerrogativas de ordem individual, para fins de incidência da regra do inciso LVI, do art. 5°, da CF, deve coadunar-se, no caso de agentes públicos ou de particulares em relacionamento com o Estado, com os princípios dispostos no art. 37 da mesma Constituição Federal[47].
Ante a exclusão da ilicitude dos elementos probatórios, quando obtidos nestas circunstâncias, há quem diga que o inciso LVI do Art. 5°, da CF, tem aplicação absoluta e, assim, não admitiria qualquer ponderação sobre a aceitação ou não da prova adquirida por meios ilícitos, pois, segundo Zélio Maia da Rocha[48], “quando alguém produz uma prova em legítima defesa, exclui-se a ilicitude, para torná-la lícita. Nesta situação, não há falar em prova ilícita admitida, mas sim em prova produzida de forma lícita e, portanto, admissível”.
Assevera Norberto Avena[49] que, apesar da proibição constitucionalmente determinada, a doutrina e a jurisprudência majoritárias há longo tempo têm considerado proporcionalmente razoável a utilização das provas ilícitas em favor do réu quando se tratar da única forma de absolvê-lo ou, então, de comprovar um fato importante à sua defesa. Nesta esteira, a previsão legal de inutilização da prova ilícita constante no art. 157, do Código de Processo Penal, deve ser interpretada como uma faculdade do juiz.
De acordo com o mesmo autor, entretanto, a doutrina e a jurisprudência dominantes entendem ser inaplicável dita exceção em prol da sociedade, em hipóteses nas quais somente mediante o ilícito se possa comprovar a culpa do réu no cometimento de crimes de ação pública incondicionada, a fim de condená-lo[50]. Tal entendimento, entendemos, afigura-se desproporcionalmente inadequado, conforme será visto no tópico seguinte. Neste sentido também se posiciona o doutrinador.
A aplicabilidade da teoria da proporcionalidade ou razoabilidade em favor da sociedade fundamenta-se em que os interesses ou direitos da coletividade não poderiam ser sacrificados por interesses ou direitos individuais. Para ilustrar o problema, gostaríamos de comentar um famoso julgamento realizado pela Suprema Corte Canadense, o Caso Feeney.
Em virtude de uma investigação de um homicídio, autoridades policiais adentraram a casa do suspeito, o senhor Feeney, após terem batido reiteradas vezes na porta, sem, contudo, obterem resposta. Ao assim fazerem, os mesmos policiais o encontraram dormindo, em ocasião em que observaram que sua bermuda encontrava-se suja de sangue, razão pela qual foi o suspeito preso e informado de seus direitos, incluindo o direito a um advogado. Porém, não lhe foi informado que poderia permanecer em silêncio, enquanto não constituísse procurador defensor. Na sequência, mesmo sem ter o suspeito nomeado defensor, as autoridades policiais começaram a interrogá-lo imediatamente, além de terem apreendido a bermuda suja de sangue.
Nesta ocasião, ademais, o mesmo suspeito, ainda sem defensor, deu informações suficientes que justificaram o pedido de um mandado de busca e apreensão de determinados itens em sua casa. Concedido o mandado e apreendidos sapatos e cigarros, constatou-se que, examinadas as impressões digitais e as marcas de sapato encontradas no local do crime, aquele suspeito, senhor Feeney, havia cometido o assassinato em questão, razão por que foi então processado e condenado no juízo de primeiro grau.
Chegado o processo na Suprema Corte, esta, em maioria apertada, determinou que a decisão condenatória fosse reformada, inadmitindo as provas obtidas pela polícia na primeira visita à casa do investigado. Argumentou-se que os policiais não portavam mandado de busca que justificasse a entrada não autorizada na casa do suspeito, além de que teria havido falha na comunicação dos direitos deste, o que viciou os elementos probatórios constituídos.
Por conseguinte, uma vez que as circunstâncias justificadoras da concessão do mandando de busca e apreensão foram descobertas ilicitamente, entendeu-se que as demais provas obtidas deveriam também ser inadmitidas, dado que amparadas por mandado judicial tido por desarrazoado. Trata-se da aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada.
Tal fato, após consecutivas decisões em semelhante sentido da Suprema Corte do Canadá, fez nascer o pensamento de que esta havia jurisprudencialmente criado uma regra de exclusão automática da prova obtida por meios ilícitos, o que causou revolta em meio à sociedade e à comunidade jurídica canadense.
Argumentou-se que a regra de exclusão automática permite que toda prova seja excluída do processo, mesmo que, em certas hipóteses, a violação aos direitos do acusado dote de excepcional necessidade. Criou-se um sentimento de impunidade em razão de que as decisões da Suprema Corte não estabeleciam a devida mensuração entre as violações realizadas e os benefícios que seriam trazidos ao interesse da comunidade de ver expurgado da sociedade aquele que comprovadamente perturbava a ordem.
Data vênia, não vemos razão por que inadmitir provas obtidas ilicitamente em prol da sociedade, quando, pelo menos, tal for a única maneira de se atender aos legítimos interesses desta. Com a inaplicação do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade pro societate, chegaríamos ao absurdo hipotético de não poder ser condenado o indivíduo que confessasse o cometimento de um genocídio e fornecesse detalhes do seu modus operandi, absolutamente compatíveis com todos os depoimentos testemunhais e demais elementos probatórios carreados aos autos de um Inquérito Policial, em razão do fato de que o meio da produção de sobredita prova teria infringido direito ou garantia individual do investigado.
Neste sentido, invoque-se analogicamente o conhecido princípio da supremacia do interesse público, de acordo com o qual o interesse público, que, neste caso, seria a ordem pública e a responsabilização criminal do deliquente, tem prevalência sobre o particular, que, aqui, consiste nos direitos fundamentais do acusado.
Celso Antônio Bandeira de Mello[51] faz a distinção entre interesses públicos primários e secundários. Dentre os primeiros estão elencados os interesses imediatos gerais da coletividade (educação, saúde, segurança etc.) e, dentre os segundos, o patrimônio do Estado; ou seja, desta própria coletividade.
A doutrina e jurisprudência vêm afirmando que o princípio da supremacia do interesse público é relativizado em relação aos interesses públicos secundários. O Estado, de maneira alguma, pode deixar de pagar o particular pelo serviço que prestou, usando o argumento de que “em nome do interesse público patrimonial, não se pagará o particular para fins de economia”. O princípio em análise, logo, é referente aos interesses ditos primários. Saúde, educação e segurança públicas não devem ceder ao interesse privado. Diz-se, também que, ao priorizar os interesses públicos primários, o Estado acaba por efetivar a preservação dos direitos e garantias fundamentais (interesses privados). Assim, o interesse público deverá sim prevalecer sobre direitos e garantias fundamentais; desde que, com proporcionalidade e razoabilidade, os interesses públicos a prevalecerem sejam os primários.
Antes de qualquer coisa, gostaríamos de deixar claro que nossa posição, exposta neste tópico, refere-se à teoria da inadmissibilidade enquanto tese, e não como regra do ordenamento jurídico. As considerações sobre o regramento em questão serão feitas no tópico seguinte. Quanto à tese ora analisada, mencionamos que o nosso posicionamento não se limita à prova utilizada no processo penal, estendendo-se também a todas as demais modalidades de exercício de jurisdição.
Em que pese à vedação da admissibilidade das provas obtidas ilicitamente ter origem e fundamento na abusiva atuação do Estado em tempos de ideais absolutistas, nos quais os poderes eram concentrados nas mãos de um monarca, tecnicamente não mais vemos sentido em estender ao conteúdo da prova o vício que contaminou o meio com que foi obtida.
Frise-se que a evolução dos sistemas jurídicos alcançou o estágio do que hoje se chama de Estado Democrático de Direito, no qual o poder não se encontra concentrado na mão de uma autoridade uniforme, além de que se encontram diversas maneiras disponíveis de se coibir e fiscalizar a atuação das autoridades públicas. Exemplificativamente, cite-se o sistema constitucional de freios e contrapesos, através do qual os três poderes da República controlam-se mutuamente, sem mencionar ainda os diversos órgãos fiscalizadores e protetores das garantias e liberdades individuais e públicas, como o Ministério Público, além de variados remédios previstos pelas constituições de tradição social-democrática.
No Brasil, quanto à responsabilização de agentes públicos pelos atos praticados no exercício de suas funções, cite-se a existência de crimes de responsabilidade, que recaem sobre os agentes políticos, e de atos de improbidade administrativa, que recaem sobre os agentes públicos de uma maneira geral, além da responsabilidade civil objetiva do Estado disposta no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. De acordo com este dispositivo, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Quanto aos remédios constitucionais aos quais se pode recorrer, citem-se o Mandado de Segurança (CF, art. 5, LXIX); o Habeas Data (CF, art. 5, LXXII); Mandado de Injunção (CF, art. 5, LXXI); a Ação Popular (CF, art. LXXIII); e a Ação Civil Pública (CF, art. 129, III), para cuja proposição, de acordo com a Lei 7347/85, têm legitimidade o Ministério Público, a Defensoria Pública, pessoas jurídicas de direito público interno e associações que, para tal, atendam os requisitos legais; além de diversos outros direitos e prerrogativas eventualmente conferidos.
Considere-se que prova é o meio através do qual se atesta a veracidade de alguma circunstância tida como juridicamente relevante para o desfecho de uma relação processual. Através deste meio, procura-se demonstrar a ocorrência de elementos circunstanciais que embasem o pedido do autor ou a defesa do réu, a fim de que se possa auferir, caso a caso, a procedência ou a improcedência de determinado pleito, de maneira que reste aplicada a efetiva justiça na atividade jurisdicional.
Observe-se, ademais, que, constituindo a prova um meio, consiste em um fim imediato o seu conteúdo. Por esta razão, caso ilícita a prova, não se poderia estender ao seu conteúdo a ilicitude que viciou os meios com que foi obtida. Destarte, concordamos que não se deveria confundir a forma com a matéria.
Por este motivo afirma-se que o teor da prova e sua origem devem ter apreciação em esferas próprias e distintas. Portanto, o valor da prova haveria de ser apurado na seara processual, enquanto o comportamento ilegal de que se originou requereria avaliação no âmbito do direito substantivo. Deste modo, há salientar que a tutela dos direitos humanos e fundamentais deve ser feita na égide própria, não na órbita do direito instrumental, motivo pelo qual se torna conveniente distinguir a prova do seu efetivo conteúdo ou teor revelador. Neste sentido, interessante citar o entendimento adotado no Reino Unido, onde, havendo uso, no processo, de provas obtidas por meios ilícitos, cabe ao juiz, com discricionariedade, a aceitação, no caso concreto, daquela prova. Adota-se aqui a teoria da validade da prova[52].
A fim de se inibir atos violadores de direitos fundamentais na produção ou obtenção de meios probatórios, entende-se que a melhor saída seria a qualificação ou a tipificação, criminal ou não, das condutas desta natureza, bem como a adaptação da legislação processual com vistas à celeridade dos procedimentos de apuração civil, criminal ou administrativa dos incidentes nas condutas tipificadas.
Esta foi a orientação adotada pela Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos, que, ratificada pelo Brasil em 1992, dispõe em seu art. 2°(3) que os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a garantir que toda pessoa, cujos direitos e liberdades reconhecidos no presente pacto tenham sido violados, possa dispor de um recurso efetivo, mesmo que a violência tenha sido perpetrada por pessoa que agiam (sic) no exercício de funções oficiais (a); garantir que toda pessoa que interpuser tal recurso terá seu direito determinado pela competente autoridade judicial, administrativa ou legislativa ou por qualquer outra autoridade competente prevista no ordenamento jurídico do Estado em questão (b); e a desenvolver as possibilidades de recurso judicial (c); garantir o cumprimento, pelas autoridades competentes, de qualquer decisão que julgar procedente tal recurso.
Certo que o Estado deve respeitar e garantir os direitos fundamentais dos seus cidadãos e daqueles que transitam pelo território nacional, devendo ser repudiadas condutas violadoras destes direitos na atividade processual de produção probatória. Para tal, mostre-se rigor na responsabilização dos agentes públicos respectivos, mas não se inadmita a prova que, mesmo ilícita, traga à tona a verdade almejada!
Assim, se uma autoridade policial, à noite, sem mandado judicial, adentrasse a casa de um suspeito da prática do crime de petrechos para falsificação de moeda (CP, art. 291) e, nestas condições, apreendesse os objetos necessários, tais deveriam ser admitidos como elementos probatórios se comprovassem ter o investigado praticado o delito. Neste caso, o mais correto seria que o agente público fosse responsabilizado na seara respectiva pela prática dos seus atos.
Igual solução daríamos à hipótese em que, em âmbito cível, um particular ajuizasse ação anulatória de negócio jurídico com fundamento na ocorrência de dolo, ilícito civil de que teria se valido a parte contrária para fins de conclusão do referido negócio. Imagine-se que o autor consiga ilegalmente instalar uma câmera e uma escuta no escritório do requerido, diante das quais este, em diálogo com terceiro, assuma ter, de fato, agido com má-fé. Indubitável que, em tese, o autor deve responder por seus atos. Não se poderia, entretanto, fechar os olhos para a verdade revelada. Dissemos “em tese” porque há de ser excepcionada a ocorrência de legítima defesa, hipótese em que a infringência dos direitos do réu seria razoavelmente necessária, conforme explanado.
Destarte, em linhas gerais, a prova obtida ilicitamente ironicamente seria, em qualquer caso, por excelência, a própria prova da ilicitude cometida pela parte que dela se valeria. Assim, não ficaria desprotegido o direito da parte contra quem se produziria o elemento probatório, dado que esta poderia reclamar tudo o que lhe fosse de direito.
Tem-se, ainda, que, ante o exposto, relativamente à teoria dos frutos da árvore envenenada, não haveria razão por que negar eficácia à prova lícita pelo simples fato de eventualmente derivar de uma ilícita! Imagine-se, exemplificativamente, que, através de uma interceptação telefônica não autorizada judicialmente (ilícita, portanto), descubra-se uma testemunha que, intimada, presta o competente depoimento por si só hábil a permitir a condenação do acusado. Pelos mesmos motivos acima expostos, entendemos não haver motivo por que não se prestar eficácia a dita prova testemunhal, ainda mais considerando que, em sua essência, esta seria lícita, além de que não há vedação constitucional de provas que, obtidas licitamente, tenham derivado de provas ilicitamente obtidas ou produzidas.
A este respeito, saliente-se que essa teoria (frutos da árvore envenenada), importada do direito norte-americano, encontra certas limitações em seu próprio país de origem. Para que a chamada prova ilícita por derivação não seja admitida, deve-se observar o nexo de causalidade, ou seja, a contaminação só atinge as provas que tenham efetivamente derivadas da prova ilícita (hipothetical independent source rule ou independent source limitation); a descoberta inevitável (inevitable discovery), ou seja, a prova deve ser admitida sempre que se demonstre que sua obtenção por meios lícitos seria inevitável; limitação da descontaminação (purged taint limitation), quando o vício pode ser convalidado mediante acontecimento posterior, como ocorre na confissão espontânea da parte[53].
Portanto, entenderíamos que a prova, tecnicamente, mesmo obtida ilicitamente, deveria ser genericamente reconhecida no ordenamento jurídico como válida e eficaz, assegurado o direito de ação contra o violador, com fundamento em sua responsabilização, ressalvando-se excepcionalíssimas hipóteses nas quais, consideradas as peculiaridades do caso concreto, a inadmissibilidade fosse a única sanção justa e eficazmente apta a coibir o comportamento que culminasse em ilicitude.
Cite-se o exemplo em que o Estado, mesmo havendo diversos meios lícitos de se atestar a veracidade da alegação pretendida, indevidamente viola a intimidade e o domicílio de um contribuinte, para fins de comprovação da existência de obrigação tributária e, intencionalmente, de maneira corrompida e articulada, retarda ou inviabiliza os trâmites necessários ao pagamento da indenização devida ao contribuinte, após admitida a prova e culminado o dever de indenizar em razão da prática de ilicitude. Patente a hipossuficiência do contribuinte frente ao poder, corrupção e má-fé do Estado, razão pela qual entendemos legítima a inadmissibilidade da prova, considerando os precípuos fins a que se destina a tese da inadmissibilidade, analisada neste capítulo.
Em outra situação, imagine-se que o contribuinte tenha sonegado os impostos em razão de graves e reais dificuldades financeiras ocorridas em virtude de caso fortuito ou força maior. Suponha-se, nesta hipótese, que, violada a intimidade e o domicílio do cidadão, a Fazenda Pública consiga atestar a existência e a exigibilidade da obrigação tributária e que, ao eventualmente admitir a prova, no mesmo ato o juiz reconheça a ilicitude e a ela culmine o dever de indenizar. Imagine-se que o valor da indenização seja consideravelmente inferior ao valor sonegado, o contribuinte tenha executada a sua obrigação, e, por conseguinte, entre em situação de extrema necessidade e pobreza ao arcar com suas dificuldades financeiras. Entendemos que, novamente, a melhor solução seria a inadmissibilidade da prova, pois não se tem por razoável que o indivíduo, cumulativamente, tenha um direito fundamental violado pelo próprio Estado, e, em razão disso, sofra os efeitos de drásticas condições financeiras para cuja ocorrência não tenha concorrido.
Conclusivamente, entendemos que, em princípio, qualquer prova deveria poder ser admitida em sede processual, independentemente dos meios com que fosse obtida. A admissibilidade, a nosso ver, deveria ser a regra e a inadmissibilidade, a exceção. Ressalte-se, entretanto, que o tratamento excepcionalizador conferido à inadmissibilidade das provas ilícitas implicaria evidente afronta ao ordenamento jurídico, uma vez que a referida tese encontra-se erigida como regra constitucional. Nestas circunstâncias, reiteramos o questionamento formulado na introdução deste trabalho: dada a precípua função e importância da prova no processo, a que conclusões se poderia chegar quanto à regra disposta no inciso LVI do Art. 5° da Constituição da República, de modo a tornar o mais ampla possível a admissibilidade, no processo, dos elementos probatórios formalmente obtidos por meios ilícitos?
A Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, caracteriza-se pelos modernos avanços de relevante importância para o constitucionalismo brasileiro e mundial. Decididamente, o texto constitucional se destina à plena realização da cidadania e democracia, de maneira livre e igualitária. A atual ordem erigiu o Estado Democrático de Direito, que, basicamente, significa a exigência de reger-se por normas democráticas, bem como pelo respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, tanto mediante posturas garantidoras como não invasivas. Entretanto, deve-se diferenciar a teoria da realidade; ou seja, o “dever ser” do “ser”.
Ora, vivemos em um país onde a democracia é usada como argumento para a prática indiscriminada de um sem número de atos e omissões, de natureza governamental ou não! A política no Brasil é na verdade um cenário teatral no qual o sistema constitucional é usado não para a real e efetiva representação dos fatores reais do poder de uma sociedade, mas para a satisfação de interesses singulares, especificamente considerados, de membros partidários e de minoritários grupos que eventualmente possam ter significativo controle e influência sobre aqueles. Os primados da cidadania e da democracia, no contexto da política nacional, infelizmente, só se cumprem quando conveniente e oportuno! Em linhas muito gerais, faltam hospitais; serviços públicos de qualidade; fiscalização dos que desempenham estes serviços; profissionais bem qualificados e bem remunerados e, principalmente; educação.
Ao lado desta conjuntura e, de certa forma, em razão dela, resta deflagrada a desigualdade econômica e jurídica entre os cidadãos, e instaurada a injustiça social, razão pela qual o Brasil é considerado um dos países mais desiguais do mundo. Aliado a isto, além de faltarem magistrados, o Poder Judiciário se vê incapaz de atender à demanda que lhe é conferida. Assim, processos demoram anos para ter desfecho, crimes prescrevem e ficam impunes. Mencione-se ainda que o próprio Estado, na maioria das vezes como réu, é o principal usuário dos serviços jurisdicionais, dotando de diversas prerrogativas processuais que ainda mais tornam morosos os processos em que figura como parte, emperrando ainda mais os afazeres do Judiciário.
Este, destarte, o contexto em que se insere a regra da inadmissibilidade que ora se analisa. Vive-se em circunstâncias fáticas nas quais a ordem constitucional não corresponde à realidade, não em virtude de técnica jurídico-constituinte, mas por causa da maneira inconveniente com que atuam aqueles que têm o dever de cumprir a Constituição. Ademais, não se culpe tão somente o Estado pelos males que permeiam a vida política brasileira. Este é o principal responsável, mas não o único! Inimaginável o número de hipóteses nas quais particulares invadem a esfera jurídica de terceiros, com a certeza de que não sofrerão sanção alguma, já que, em tese, não poderão ter seus direitos fundamentais violados!
Ademais, certo é que o art. 5°, LVI, da Constituição Federal, não faz distinção quanto à natureza do procedimento no qual deverá ser inadmitida a prova ilícita, nem, quanto ao destinatário da norma, se este seria tão somente o Estado ou o mesmo e os particulares em geral. No entanto, viu-se que a regra da inadmissibilidade tem como objetivo prevenir o cidadão de ter violadas, pelo Poder Público, suas prerrogativas fundamentais constitucionalmente conferidas.
O Estado tem, mais do que ninguém, o dever de respeitar e assegurar o gozo destes direitos, razão pela qual, a nosso ver, dita regra da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos só se justifica na medida em que se pretende coibir a atuação abusiva do Estado em sede de procedimentos administrativos ou judiciais, como na persecução criminal ou na apuração de responsabilidades e de eventuais obrigações tributárias. Entende-se que, em princípio, até mesmo nestes casos as autoridades competentes não devem violar os direitos e garantias individuais.
Fazemos, todavia, uma ressalva: vislumbramos ser legítima a violação pelo Estado quando - dentro dos limites da razoabilidade e proporcionalidade, considerando o bem jurídico protegido, o interesse público e o bem sacrificado - esta for, comprovada, estrita, conveniente e oportunamente a única maneira de se provar o alegado. Em virtude de se ter por evidente que toda interpretação deve se coadunar com o ordenamento jurídico-constitucional como um todo, a responsabilização, decorrente da ilicitude, seria, portanto, inexistente nas já estudadas hipóteses em que se invocam os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, uma vez que restaria excluída a prática de ilicitude.
Desta forma, agiria em estrito cumprimento do dever legal o agente público que, nestas hipóteses, provasse a circunstância em questão, mesmo que em violação aos direitos do investigado. Ilustre-se o problema com o seguinte exemplo, trazido por Fernando Pedroso[54]:
“Suponha-se que o réu de determinado processo possua um diário íntimo, no qual registre e relate os atos marcantes de sua vida. Suponha-se, outrossim, que esse diário lhe tenha sido subtraído pela autoridade policial, ou tenha sido objeto de busca e apreensão ilegais, encontrando-se, assim, acostado aos autos do processo-crime instaurado. Suponha-se, ainda, que, na data do crime irrogado ao acusado, encontre-se em seu diário a descrição pormenorizada do delito, que pelo imputado é em juízo negado. Em tal conjuntura, e concluindo o exame grafotécnico ser de seu punho a matéria escrita e confessando o acusado pertencer-lhe o diário, deveria ser a prova nele estampada rotulada como inadmissível porque obtida ilicitamente, absolvendo-se o réu da acusação em total antagonismo com a verdade apurada?”.
Se, neste caso esta fosse, comprovadamente, a única maneira conveniente e oportunamente disponível de se provar, não haveria falar em ilicitude, devendo o acusado sofrer a condenação que lhe coubesse. Perceba-se que, nesta hipótese, não seria razoável que a sociedade, interessada na segurança pública e na responsabilização criminal do deliquente, fosse punida com a absolvição do acusado tão somente em razão da atuação do Estado, que, através do agente respectivo, violou direitos do acusado. Nos demais casos, além de inadmitida a prova, emergiria nítido o dever estatal de indenizar a parte contra quem aquela foi produzida, mesmo que restasse ou não provada a circunstância pretendida.
Entendemos que o livre convencimento motivado só pode sofrer as limitações inevitavelmente indispensáveis à manutenção dos fins almejados pela norma constitucional em questão, uma vez que é da essência da prova proporcionar ao conhecedor, no caso o magistrado, o convencimento acerca de determinado fato ou circunstância. O convencimento apenas se adquire e à conclusão apenas se chega, independentemente da vontade do convencido, o qual tão somente pode furtar-se da análise da prova: o magistrado se convence da veracidade de certa alegação ou da ocorrência de determinada circunstância, mesmo que o elemento probatório respectivo tenha sido ilicitamente obtido. A ilicitude recai sobre a forma de obtenção, não sobre o conteúdo da prova.
Tem-se que o inciso XXXV do Art. 5°, da CF, dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, o que evidentemente estaria sendo violado quando da inadmissibilidade da prova ilícita, em hipóteses diversas das quais se tem por justificada a regra em questão, quais sejam, a abusiva intromissão do Estado nos direitos e garantias individuais.
Nesta perspectiva, não vemos razão por que tornar ineficaz a prova obtida ilicitamente pelo particular, independentemente do tipo de procedimento em que tal é feito, já que o ordenamento jurídico traz respaldos para a responsabilização daqueles que infringem os direitos alheios, pois, uma vez violada a prerrogativa individual constitucional, nada impede que o sujeito do direito violado possa recorrer ao Judiciário, em busca de apuração e persecução do ato ilícito e da respectiva indenização pelos danos que sofrer, dado que, novamente, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Em tal hipótese, a própria prova ilicitamente produzida, ironicamente, seria por excelência a incontroversa prova do direito de quem sofresse os efeitos da admissibilidade de provas ilicitamente obtidas. Desta forma, quem se valesse deste tipo de prova deveria necessariamente suportar as inevitáveis conseqüências do seu ato, ressalvadas as hipóteses de proporcionalidade e/ou razoabilidade.
Tal é o entendimento adotado na doutrina e jurisprudência norte-americanas. Nos Estados Unidos, as razões para a exclusão, em julgamentos criminais, de provas obtidas ilicitamente (em irrazoável busca e apreensão oficial) é tida por inaplicável em ações civis, nas quais as provas são obtidas por particulares, em razão de que nenhuma conduta ilegal do Estado ou violação constitucional estão envolvidos na produção probatória, bem como porque os remédios civis e criminais utilizáveis contra o produtor da prova parecem adequados para resguardar seus direitos respectivamente violados[55].
Podem alguns argumentar que a admissibilidade da prova ilícita pode implicar o desestímulo da boa-fé no processo e, consequentemente, o abarrotamento do Judiciário com novas demandas de responsabilização civil e criminal. Para tanto, sugerimos a adaptação da legislação processual com vistas à celeridade, como, exemplificativamente, o tratamento da responsabilização civil como um incidente processual, sem a necessidade de instauração de novos autos. Não se deixe, por razões de conveniência político-administrativa, de tutelar direitos faticamente verificados. Problemas jurídicos se resolvem juridicamente e, problemas políticos ou administrativos, respectivamente, política e administrativamente.
Não pretendemos estimular a violação dos direitos da parte contrária por parte de quem pretende provar suas alegações. Repudiamos condutas abusivas e violadoras de direitos individuais, razão por que deve sofrer a responsabilização respectiva quem assim age, não se estendendo ao conteúdo probatório o vício da ilicitude de que padece o meio de produção.
Também não se procura defender a ideia de que meios extorsivos, como a tortura, poderiam ser utilizados para a obtenção de elementos probatórios, dado que, à semelhança do que ocorre na declaração de vontade nos de negócios jurídicos, a confissão, em tais hipóteses, seria adquirida mediante coação e, portanto, estaria viciada. Tal implicaria que tal declaração, presumidamente, sequer poderia ser considerada prova.
Em linhas gerais, não subsistiria ainda o argumento de que a regra da proibição da utilização da prova ilícita (Art. 5°, LVI), em razão de ser constitucional, tem eficácia aplicativa absoluta, não admitindo exceções de qualquer ordem, pois, conforme já mencionado, os direitos e garantias individuais não são absolutos e, ademais, são constantemente relativizados ora em razão da aplicação de outros direitos individuais, ora em razão da supremacia do interesse público, conforme ainda ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello. Neste sentido o art. XXIX da Declaração de Direitos Humanos, de acordo com o qual:
1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível;
2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito aos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática;
3. Estes direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.
Incontáveis são os casos em que se vêm particulares tentando e conseguindo obter vantagens indevidas, sob a utilização de direitos e garantias individuais como escudos protetivos que impedem sua responsabilização: a liberdade de expressão e de pensamento é usada como fundamento para práticas difamatórias, preconceituosas, desrespeitosas e invasivas e o direito à intimidade é pretexto para restarem acobertadas condutas violadoras da esfera jurídica de terceiros!
Nestes termos, mencionamos ainda que nenhuma regra ou entendimento pode ser peremptoriamente aplicado a absolutamente todo e qualquer tipo de caso. Devem-se levar em conta as excepcionais circunstâncias e peculiaridades atinentes ao caso concreto. Toda regra ou entendimento deve admitir exceção.
Estas, entendemos, devem ser as interpretações dadas ao dispositivo constitucional em questão, ainda mais considerando que, consoante foi exposto, os direitos e garantias individuais não são absolutos, não podendo servir de escudos para a prática de atividades invasivas e violadoras das esferas jurídicas de terceiros.
Ante todo o exposto, defendemos que a tese da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, positivada no o art. 5°, LVI, da Constituição Federal Brasileira, deve, em princípio, sob os ditames da proporcionalidade e da razoabilizadade, ter sua aplicação limitada às hipóteses nas quais o Estado, nos procedimentos em que, sendo parte, possa vir a violar direitos fundamentais diante dos quais deva adotar uma posição negativa. Este o fundamento tradicional da tese da inadmissibilidade, estudada neste trabalho: coibir a arbitrária, abusiva e desarrazoada ingerência do Estado nas prerrogativas fundamentas constitucionalmente conferidas aos cidadãos.
Nos demais casos, já que não se confundem o conteúdo da prova e o meio com que esta é obtida, a prova obtida ilicitamente deve ser admitida e ter valorado o seu respectivo teor revelador, salvo se, em excepcionalíssimas circunstâncias concretas, a inadmissibilidade for o único meio de sancionar quem indevida ou injustificadamente desrespeite direitos fundamentais. Por outro lado, deve ser apurada a responsabilidade de quem viola estes direitos, nas hipóteses em que a violação não é proporcional ou razoavelmente um relevante meio de se provar o direito pleiteado.
Propomos nestes termos a modelação interpretativa do inciso LVI do Art. 5°, da CF, o qual, da mesma forma com que continuaria a proteger outros direitos e garantias individuais em âmbito de instrução processual, seria mais compatível com a precípua função da Justiça, a qual, destarte, ficaria isenta de excessiva e desnecessária limitação aos meios de prova faticamente hábeis, por si só, independentemente de sua origem, a trazer a verdade, tão necessária à efetiva prestação da tutela jurisdicional.
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[1] Moraes, Alexandre de. Direito constitucional. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2010.
[2] PEDROSO, Fernando de Almeida. Prova Penal: doutrina e jurisprudência. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 19.
[3] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2 ed. São Paulo: Método, 2010. p. 378.
[4] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal Esquematizado. 3.ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011. p. 468.
[5] SILVA, Cesar Dario Mariano da. Provas ilícitas: princípio da proporcionalidade, interceptação e gravação telefônica, busca e apreensão, sigilo e segredo, confissão, Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e sigilo. 6 ed. São Paulo : Atlas, 2010. p. 85-86.
[6] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume III. 3 ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 44.
[7] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2 ed. São Paulo: Método, 2010. p. 383.
[8] Idem. p. 383/384.
[9] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação Ao Processo do Trabalho. Saraiva. 6ª Ed. 2011. p. 274.
[10] Idem, p. 389.
[11] HABEAS CORPUS N.º 27.684-AM, Relator: Ministro Paulo Medina, STJ/DJU de 9/4/07.
[12] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 570.
[13] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação Ao Processo do Trabalho. Saraiva. 6ª Ed. 2011. p. 277.
[14] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2 ed. São Paulo: Método, 2010. p. 389.
[15] Idem, p. 395.
[16] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Proceso. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 32.
[17] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2 ed. São Paulo: Método, 2010. p. 395-396.
[18] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Proceso. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 42-47.
[19] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal Esquematizado. 3.ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011. p. 476.
[20] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2 ed. São Paulo: Método, 2010. p. 396.
[21] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal Esquematizado. 3.ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011. p. 492.
[22] SILVA, Cesar Dario Mariano da. Provas ilícitas: princípio da proporcionalidade, interceptação e gravação telefônica, busca e apreensão, sigilo e segredo, confissão, Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e sigilo. 6 ed. São Paulo : Atlas, 2010. p. 14.
[23] PRADO, Leandro Cadenas. Provas ilícitas no processo penal: teoria e interpretação dos tribunais superiores. Niterói, RJ: Impetus, 2006. p. 10.
[24] SKINNIDER, Eileen. IMPROPERLY OR ILLEGALLY OBTAINED EVIDENCE: THE EXCLUSIONARY EVIDENCE RULE IN CANADA. Disponível em: <http://www.icclr.law.ubc.ca/publications/reports/es%20paper%20-%20exclusionary%20evidence%20rule.pdf> Acesso em 01 Jun, 2013a.
[25] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal Esquematizado. 3.ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011. p. 504.
[26] PAULO, Vicente. ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 6 ed. Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : MÉTODO : 2010. p. 94.
[27] David H. Taylor, ARTICLE: Should It Take a Thief?: Rethinking the Admission of Illegally Obtained Evidence in Civil Cases. Copyright (c) 2003 The University of Texas at Austin School of Law Publication The Review of Litigation. Disponível em: <https://litigation-essentials.lexisnexis.com/webcd/app?action=DocumentDisplay&crawlid=1&doctype=cite&docid=22+Rev.+Litig.+625&srctype=smi&srcid=3B15&key=f6fd26f06c5f06e0a9609ab8dc6e09e4> Acesso em Jun 13, 2013a.
[28] PRADO, Leandro Cadenas. Provas ilícitas no processo penal: teoria e interpretação dos tribunais superiores. Niterói: Impetus, 2006. p. 16.
[29] SILVA, Bruno Cesar Goncalves da. DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA POR PARTICULAR NO PROCESSO PENAL. Disponivel em:
Acesso em Jun 21, 2013 a.
[30] MAGALHAES, Maria Cristina Faria. A evolução da avaliação processual das provas ilícitas. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, jan/jun. 2006. p. 179-194.
[31] SILVA, Cesar Dario Mariano da. Provas ilícitas: princípio da proporcionalidade, interceptação e gravação telefônica, busca e apreensão, sigilo e segredo, confissão, Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e sigilo. 6 ed. São Paulo : Atlas, 2010. p. 81.
[32] GRINOVER, Ada Pellegrini; FILHO, Antonio Magalhes Gomes; FERNANDES, Antonio Scarance. As Nulidades do Processo Penal. 12.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 137-138.
[33] SKINNIDER, Eileen. IMPROPERLY OR ILLEGALLY OBTAINED EVIDENCE: THE EXCLUSIONARY EVIDENCE RULE IN CANADA. Disponível em: <http://www.icclr.law.ubc.ca/publications/reports/es%20paper%20-%20exclusionary%20evidence%20rule.pdf> Acesso em 01 Jun, 2013a.
[34] Idem.
[35] PEDROSO, Fernando de Almeida. Prova Penal: doutrina e jurisprudência. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 160.
[36] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2 ed. São Paulo: Método, 2010. p. 400.
[37] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal Esquematizado. 3.ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011. p. 496.
[38] PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo Penal: O Direito de Defesa - Repercussão, amplitude e limites. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 409.
[39]Princípios do Direito Administrativo – Aula 3 (6 vídeos). 2009. Princípios do Direito Administrativo[online].Visto em Jun 05, 2013 a. proveniente da World Wide Web: <http://saber-direito.blogspot.com/2009/06/principios-do-direito-administrativo.html>.
[40] ANDREOLI, Christine I. Admissibility of Illegally Seized Evidence in Subsequent Civil Proceedings: Focusing on Motive to determine deterrence. Fordhan Law Review. Volume 51, Tissue 5, 1983. Disponivel em <http://ir.lawnet.fordham.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=4634&context=flr> Acesso em: Jun, 22. 2013 a.
[41] MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 278.
[42] NERY JUNIOR, Nelson. Proibição das Provas Ilícitas na Constituição de 1998. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 79.
[43] Mirabete, Julio Fabrini, Processo Penal, 18° edição, Ed. Atlas, São Paulo, pg. 255.
[44] Moraes, Alexandre de. Direito constitucional. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 116.
[45] GRINOVER, Ada Pellegrini. As provas ilícitas na Constituição. Livro de Estudos Jurídicos. Instituto de Estudos Jurídicos, Rio de Janeiro, 1991, v.3.
[46] STF – 1 T. – HC n. 74.678/SP – Rel. Min. Moreira Alves, votação unânime, Diário da Justiça, Seção I, 15 ago. 1997. Serviço da Jurisprudencia do Supremo Tribunal Federal – Ementario n. 1.878-02.
[47] Moraes, Alexandre de. Direito constitucional. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 116.
[48] ROCHA, Zélio Maia da, Das Provas Lícitas e o Supremo Tribunal Federal, Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5222.
[49] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal Esquematizado. 3.ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011. p. 500.
[50] Idem. p. 501/502.
[51] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 99-101.
[52] PRADO, Leandro Cadenas. Provas ilícitas no processo penal: teoria e interpretação dos tribunais superiores. Niterói: Impetus, 2006. p. 42.
[53] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2 ed. São Paulo: Método, 2010. p. 400.
[54] Idem. p. 176.
[55] Evidence Illegally Obtained by Private Persons Held Admissible in State Civil Action. Columbia Law Review. Vol. 63, No. 1 (Jan., 1963), pp. 168-175.Published by: <Columbia Law Review Association, Inc.
Article Stable URL: http://www.jstor.org/stable/1120673>.
Bacharel em direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós-Graduado Lato Sensu em Direito Público pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Fernando Costa Santos. Constitucionalidade das provas obtidas por meios ilícitos: enfoque na interpretação teleológica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jul 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50434/constitucionalidade-das-provas-obtidas-por-meios-ilicitos-enfoque-na-interpretacao-teleologica. Acesso em: 12 nov 2024.
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