RESUMO: A integração da América Latina faz parte de um processo bastante remoto e representa os anseios de grande parte do povo latino-americano. Em 1991, foi criado o MERCOSUL juntamente à Argentina de início e posterior adesão do Paraguai e Uruguai por meio do Tratado de Assunção. Ao MERCOSUL foi atribuída personalidade jurídica de Direito Público Internacional, em 1994, por meio do Protocolo de Ouro Preto. Foram criados 3 órgãos: o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do MERCOSUL, que possuem capacidade decisória e detém natureza intergovernamental, ou seja, a estrutura institucional do Mercosul, relativa a seus órgãos decisórios, não engloba a supranacionalidade. As normas emanadas de tais órgãos terão caráter obrigatórios, com exceção das propostas, devendo, quando necessário, serem incorporadas ao patrimônio jurídico de cada país membro. Foram criadas e consolidadas medidas de caráter social e laboral, especialmente se considerarmos a ampla competitividade e a redução das tarifas alfandegárias, gerando nos integrantes do bloco como um todo. O Protocolo de Olivos visou estabelecer a solução dos conflitos que surjam entre os Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, e das decisões obrigatórias dos órgãos do Mercosul. Ademais, quando imprescindível regulamentou que poderão ser estabelecidos mecanismos expeditos para resolver divergências entre Estados-Partes sobre aspectos técnicos regulados em instrumentos de políticas comerciais comuns.
INTRODUÇÃO
De início, impende-se ressaltar que a integração da América Latina faz parte de um processo bastante remoto e representa os anseios de grande parte do povo latino-americano, o qual, em sua maioria, possui identidade histórica e cultural comum.
Com efeito, frise-se, apenas a título ilustrativo, o pan-americanismo preconizado por Simón Bolívar, no século XIX, visando à integração da América Espanhola, bem assim diversos movimentos esparsos que perpassaram a história latino-americana.
Como marco inicial de interação entre os povos latino-americanos, e aqui de forma mais contundente e organizada, tem-se a criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), no ano de 1960, objetivando primordialmente a organização em uma zona de livre comércio na região integrada, permitindo:
“a formação de mercados mais abrangentes e dinâmicos, que facilitariam o processo de substituição das importações”. [1]
Não tendo cumprido com seu objetivo primordial tal associação foi sucedida pela Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), na década de 80, tendo com fulcro a consecução dos objetivos anteriormente pactuados. Observe-se que aqui não houve a fixação de um prazo para a criação de uma zona de livre comércio, mas apenas a primazia de tal meta.
De fato, a ALADI norteou alguns progressos na interação internacional. Baseando-se nela, o Brasil e a Argentina firmaram algumas integrações bilaterais, merecendo destaque a Declaração do Iguaçu (1985), o Programa de Integração e Cooperação Econômica Brasil –Argentina (1986) e o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento (1988), que posteriormente, com a adesão do Paraguai e do Uruguai tornar-se-ia o Tratado de Assunção, formalizando o Mercosul, em 1991.
A ALADI, ainda hoje, existe, com sede em Montevidéu e representa um importante papel dentro do MERCOSUL, na medida em que os membros da Associação, se celebrarem acordos de livre comércio com o bloco e adotarem a democracia como regime político.
Importante ressaltar, nesse ínterim, que a República Federativa do Brasil predispôs, em sua Constituição Federal de 1988, como princípio fundamental, a promoção da integração regional com os países vizinhos, in verbis:
“Art. 4º (...)
Parágrafo único: A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Assim, cumprindo com um dos princípios basilares do Estado brasileiro foi criado, em 1991, juntamente à Argentina de início, conforme supracitado, e posterior adesão do Paraguai e Uruguai o MERCOSUL, por meio do Tratado de Assunção. Em 2012, a Venezuela passou a integrar tal bloco econômico.
Ocorre que, à época da entrada da Venezuela, surgiram diversas dúvidas acerca da possibilidade ou não da entrada de tal país sem a ratificação do Paraguai, o qual se encontrava suspenso. Em que pese as regras do processo decisório preverem que todos os países devem aprovar, consensualmente, medidas relativas ao funcionamento do MERCOSUL, o STF entendeu que, como o Paraguai estava suspenso, passou a haver um consenso entre todos os países, sendo desnecessária a ratificação de tal país para o ingresso da Venezuela.
Como membros associados, tem-se a Bolívia, o Chile, a Colômbia, o Equador e o Peru. Saliente-se que tais Estados não compõem o bloco, apenas firmaram acordos de livre comércio com este, visando à eventuais zonas de livre comércio. Podem, ainda, participar das reuniões dos órgãos do MERCOSUL, quando convidados, não tendo, contudo, direito a voto.
1. OBJETIVOS, NATUREZA JURÍDICA E DIREITO DO MERCOSUL.
Paulo Henrique Gonçalves Portela traça alguns dos objetivos do Mercosul:
“contribuir para o desenvolvimento da região por meio da criação de um espaço econômico comum, que permita a ampliação dos mercados nacionais, a elevação do grau de competitividade das economias dos Estados-membros, o fortalecimento das posições dos países do bloco nos foros internacionais, a obtenção de vantagens comerciais com outros parceiro, a modernização econômica e, em suma, a melhor inserção internacional de seus integrantes. Para isso, o MERCOSUL pretende criar um mercado comum entre seus membros, incluindo, portanto, uma zona de livre comércio, uma união aduaneira e a livre circulação dos fatores de produção”.[2]
Primordialmente, foi estabelecida uma zona de livre comércio, em que os países signatários não tributariam as importações uns dos outros. Converteu-se, em 1995, em união aduaneira, na qual os componentes estabeleceriam uma tarifa externa comum, com fulcro no crescimento inter-regional. Tal estágio, todavia, resta incompleto, em virtude da grande quantidade de produtos nas listas de exceções à tarifa externa do bloco [3].
Saliente-se que, de acordo com a jurisprudência do STF todas as determinações dos órgãos do bloco nos Estados e dos tratados concluídos no âmbito deste, dependem da incorporação ordinária nos respectivos ordenamentos internos. Com efeito, não há qualquer prioridade de quórum ou qualquer outra facilidade para incorporação das diretrizes e tratados firmados pelo MERCOSUL.
Assim é que, não há previsão de um ordenamento jurídico comunitário, de efetividade supranacional, prevalente sobre os demais estados e prelecionando as diretrizes e seguimento das normas do Mercosul no direito interno, tal qual se vê na União Européia.
Decerto, possuindo uma ordem jurídica própria dotada de função jurisdicional e força coercitiva para determinar o cumprimento do direito por ele declarado, a integração entre os membros bem assim os delineados seriam, de certa forma, melhor alcançados, tendo em vista não haver oposição severa à implantação das diretrizes impostas.
Observe-se que ao MERCOSUL foi atribuída personalidade jurídica de Direito Público Internacional, em 1994, por meio do Protocolo de Ouro Preto. Com isso, o bloco regional passou a ter capacidade jurídica para realizar e concretizar os objetivos esposados em seu tratado constitutivo bem assim comparecer em juízo, alienar bens móveis e imóveis, celebrar acordos sede e quaisquer outros atos reservados à personalidade civil.
O direito do MERCOSUL, por sua vez, representa um ramo do direito que se compõe de normas jurídicas, buscando a integração dos sistemas jurídicos dos países membros do bloco econômico. Alguns doutrinadores o classificam como direito de integração, diferindo, todavia, do da União Europeia, já que neste, consoante visto, representa uma interação mais “sofisticada”.
Divide-se, pois, em direito originário, decorrente dos tratados constitutivos, ulteriormente vistos (Tratado de Assunção, Protocolo de Brasília, por exemplo) e direito derivado, o qual representa as decisões, resoluções e diretrizes dos órgãos do MERCOSUL, sendo estas, obrigatórias para os Estados-membros.
Mencione-se, por fim, os princípios, os quais estão delineados expressa e implicitamente no âmbito dos tratados constitutivos do bloco econômico, tais como os princípios da gradualidade, da flexibilidade e do equilíbrio.
2. PRINCIPAIS TRATADOS REGENTES DO BLOCO.
2.1. Tratado de Assunção
Consoante fora visto, o Tratado de Assunção, firmado em 1991 (Decreto 350, de 21/11/1991), representou o pacto de criação do Mercosul. Traz à tona, pois, diretrizes gerais acerca da conformação e regência do Mercosul, frente à comunidade internacional, bem assim à integração entre os povos, em caráter regional.
De início, em seu art. 1º, preleciona a livre circulação econômica e a eliminação de barreiras e restrições ao mercado, bem assim o estabelecimento de uma tarifa externa comum (restrita, consoante mencionado no tópico 1).
Com o objetivo primordial de fomentar o crescimento e desenvolvimento salutar da economia dos países integrantes do bloco, preleciona, ainda, a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, dentre outros. Destaca, ainda, o compromisso dos Estados no processo de integração do bloco regional.
No art. 2º, traz-se à baila o princípio da reciprocidade de direitos e obrigações entre os estados partes, a fim de estabelecer uma integração, ainda que com diversas características econômicas entre os Estados-membros.
Enfatizando, ademais, a necessidade de diferenciar, de forma especial, atingindo a isonomia entre os estados, o ritmo entre os países menos desenvolvidos do bloco, tal como o Uruguai e o Paraguai (Art. 6º).
No que tange à matéria tributária (Art. 7º), todos os produtos originários do território de um Estado-Parte gozarão, nos outros estados, do mesmo tratamento aplicável ao produto nacional.
Preleciona, no art. 17, como idioma oficial o português e o espanhol, bem assim a versão oficial dos documentos, o qual terá como idioma o do país sede de cada reunião ou assembleia.
A adesão do presente tratado, segundo o art. 20, será objeto de aprovação unânime dos demais Estados-Partes. Ressalve-se aqui a adesão da Venezuela, de acordo com o que foi prelecionado no tópico 1, a qual foi dispensada a aprovação do Paraguai, membro temporariamente suspenso do bloco.
2.2 Demais tratados
Apenas a título ilustrativo, faz-se menção a diversos tratados firmados, para garantia do objetivo almejado pelo Mercado Comum do Sul, dentre os quais: Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias (1993), tendo com objetivo predispor sobre a solução de litígios, sendo derrogado posteriormente pelo Protocolo de Olivos, em 2004 (objeto de tópico específico); Protocolo de Ouro Preto (1994), o qual, conforme já visto, foi responsável por denotar o MERCOSUL de personalidade jurídica; Protocolo de Ushuaia (1998) sobre compromisso democrático no MERCOSUL, Bolívia e Chile (2002), estabelecendo a necessidade do regime democrático para o implemento dos direitos referentes ao tratado em sim.
Frise-se, ademais, que diversos outros tratados foram firmados, sobre temas específicos, visando atingir finalidades como a educação, solução de controvérsias, arbitragem, seguridade social, extradição e assistência jurisdicional, dentre outros. Cite-se, por exemplo, o Protocolo de Las Leñas; o Protocolo de Buenos Aires sobre jurisdição internacional; o Protocolo de medidas cautelares, o Protocolo de Defesa e Concorrência do Mercosul; o Acordo Multilateral de Seguridade Social; o Acordo sobre Arbitragem Internacional do Mercosul; o Acordo de Extradição; o Acordo de admissão de títulos e graus universitários para o exercício de atividades acadêmicas; dentre outros.
Imprescindível salientar que tais tratados respeitam o mandamento do Tratado de Assunção, trazendo à tona a integração e consecução dos objetivos almejados, bem assim o funcionamento efetivo do bloco regional, conforme os ditames prelecionados no Tratado.
3. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO
Como forma de desconcentrar as atividades do MERCOSUL, visando atingir os objetivos orgânicos do bloco econômico, dotado de personalidade jurídica internacional, foram criados alguns órgãos.
De acordo com o Art.2º do Protocolo de Ouro Preto, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do MERCOSUL, possuem capacidade decisória e detém natureza intergovernamental, ou seja, a estrutura institucional do Mercosul, relativa a seus órgãos decisórios, não engloba a supranacionalidade, como na União Europeia.
Tal natureza intergovernamental pode ser entendida como uma solução intermediária entre a soberania tradicional e a supranacionalidade, apresentando-se como uma via alternativa. É que o Estado mantém sua soberania, no que se refere ao auto-regramento e, ainda assim, faz parte de um processo de integração.
O Conselho do Mercado Comum foi criado pelo Tratado de Assunção (Art. 9º), tendo suas competências delineadas do Protocolo de Ouro Preto (Seção I – Art. 3º ao 9º), o qual passou a delimitar as funções do Conselho, sem, contudo, alterar o quadro definido no Tratado de Assunção.
Representa, pois, o órgão superior do Mercosul, responsável pela condução política do processo de integração bem assim pela tomada de decisões para assegurar o cumprimento do Tratado de Assunção e a constituição final do mercado comum. Tais competências serão manifestadas por meio de decisões, as quais vincularão os Estados Partes, fazendo parte, pois, do Direito derivado do Mercosul.
Compõe-se de Ministro das Relações Exteriores, os quais coordenarão as reuniões do Conselho, e Ministros da Economia. A Presidência do Conselho, por sua vez, será exercida pela rotação dos Estados-Partes, num período de seis meses. Reunir-se-ão, pelo menos uma vez por semestre, sendo obrigatória a presença do Presidente de cada Estado-Membro.
São funções do Conselho:
Art. 8. (...)
I. Velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito;
II. Formular políticas e promover as ações necessárias à conformação do mercado
comum;
III. Exercer a titularidade da personalidade jurídica do Mercosul;
IV. Negociar e assinar acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organizações internacionais. Estas funções podem ser delegadas ao Grupo Mercado Comum por mandato expresso, nas condições estipuladas no inciso VII do artigo 14;
V. Manifestar-se sobre as propostas que lhe sejam elevadas pelo Grupo Mercado
Comum;
VI. Criar reuniões de ministros e pronunciar-se sobre os acordos que lhe sejam
remetidos pelas mesmas;
VII. Criar os órgãos que estime pertinentes, assim como modificá-los ou extingui-los;
VIII. Esclarecer, quando estime necessário, o conteúdo e o alcance de suas Decisões;
IX. Designar o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul.
X. Adotar Decisões em matéria financeira e orçamentária;
XI. Homologar o Regimento Interno do Grupo Mercado Comum;
O Grupo Mercado Comum (GMC), por sua vez, representa o órgão executivo do Mercosul, sendo integrado por quatro membros titulares e alternados, por país, nomeados pelos respectivos governos e coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores. Observe-se que tais membros devem ser necessariamente representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, da Economia e dos Bancos Centrais, reunindo-se quantas vezes se fizerem necessárias para a consecução dos objetivos. Pode, ainda, quando julgar necessário pode convocar membros de diversos órgãos da Administração Pública ou da própria estrutura do Mercosul.
As manifestações do GMC operam-se por meio de resoluções, sendo, da mesma forma que o Conselho, vinculantes aos estados partes.
As atribuições do Grupo são:
Art. 14. (...)
I. Velar, nos limites de suas competências, pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito;
II. Propor projetos de Decisão ao Conselho do Mercado Comum;
III. Tomar as medidas necessárias ao cumprimento das Decisões adotadas pelo
Conselho do Mercado Comum;
IV. Fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do
mercado comum;
V. Criar, modificar ou extinguir órgãos tais como subgrupos de trabalho e reuniões
especializadas, para o cumprimento de seus objetivos;
VI. Manifestar-se sobre as propostas ou recomendações que lhe forem submetidas
pelos demais órgãos do Mercosul no âmbito de suas competências;
VII. Negociar, com a participação de representantes de todos os Estados Partes, por
delegação expressa do Conselho do Mercado Comum e dentro dos limites
estabelecidos em mandatos específicos concedidos para esse fim, acordos em nome
do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organismos internacionais. O
Grupo Mercado Comum, quando dispuser de mandato para tal fim, procederá à
assinatura dos mencionados acordos. O Grupo Mercado Comum, quando autorizado
pelo Conselho do Mercado Comum, poderá delegar os referidos poderes à Comissão
de Comércio do Mercosul;
VIII. Aprovar o orçamento e a prestação de contas anual apresentada pela Secretaria
Administrativa do Mercosul;
IX. Adotar Resoluções em matéria financeira e orçamentária, com base nas
orientações emanadas do Conselho do Mercado Comum;
X. Submeter ao Conselho do Mercado Comum seu Regimento Interno;
XI. Organizar as reuniões do Conselho do Mercado Comum e preparar os relatórios e estudos que este lhe solicitar.
XII. Eleger o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul;
XIII. Supervisionar as atividades da Secretaria Administrativa do Mercosul;
XIV. Homologar os Regimentos Internos da Comissão de Comércio e do Foro
Consultivo Econômico-Social;
Por fim, como órgão de capacidade decisória, a Comissão de Comércio do Mercosul (Art. 16 a 21), é encarregada de assistir o Grupo Mercado Comum, sendo competente para velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados Partes para o funcionamento da união aduaneira, bem assim para fiscalizar as matérias relacionadas a política comum.
Compõe-se de forma semelhante à GMC, manifestando-se por meio de diretrizes e propostas, sendo que somente as diretrizes são obrigatórias aos Estados-Partes, as propostas representam meras recomendações.
São funções da Comissão:
Artigo 19: (...)
I. Velar pela aplicação dos instrumentos comuns de política comercial intra-Mercosul e com terceiros países, organismos internacionais e acordos de comércio;
II. Considerar e pronunciar-se sobre as solicitações apresentadas pelos Estados Partes com respeito à aplicação e ao cumprimento da tarifa externa comum e dos demais instrumentos de política comercial comum;
III. Acompanhar a aplicação dos instrumentos de política comercial comum nos
Estados Partes; IV. Analisar a evolução dos instrumentos de política comercial comum para o funcionamento da união aduaneira e formular Propostas a respeito ao Grupo Mercado Comum;
V. Tomar as decisões vinculadas à administração e à aplicação da tarifa externa
comum e dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados
Partes;
VI. Informar ao Grupo Mercado Comum sobre a evolução e a aplicação dos
instrumentos de política comercial comum, sobre o trâmite das solicitações recebidas e sobre as decisões adotadas a respeito delas;
VII. Propor ao Grupo Mercado Comum novas normas ou modificações às normas
existentes referentes à matéria comercial e aduaneira do Mercosul;
VIII. Propor a revisão das alíquotas tarifárias de itens específicos da tarifa externa
comum, inclusive para contemplar casos referentes a novas atividades produtivas no
âmbito do Mercosul;
IX. Estabelecer os comitês técnicos necessários ao adequado cumprimento de suas
funções, bem como dirigir e supervisionar as atividades dos mesmos;
X. Desempenhar as tarefas vinculadas à política comercial comum que lhe solicite o
Grupo Mercado Comum;
XI. Adotar o Regimento Interno, que submeterá ao Grupo Mercado Comum para sua
homologação.
Ressalte-se que os três órgãos supramencionados representam os órgãos decisórios do MERCOSUL. Observe-se que as normas emanadas de tais órgãos, conforme supracitado, terão caráter obrigatórios, com exceção das propostas, devendo, quando necessário, serem incorporadas ao patrimônio jurídico de cada país membro. Ou seja, se tais normas tiverem caráter de lei e interferirem, diretamente, no ordenamento jurídico interno dos Estados-Partes deverão passar pelos ordenamentos internos. As que não tiverem tal característica podem ser incorporadas por meio de portarias e ministérios.
Ocorre que, no âmbito do Estado brasileiro, muitas normas já promulgadas não precisam da incorporação no país, na medida em que foram feitas considerando regras já existentes e em vigor no Brasil, sendo dispensável qualquer ato que faça ingerir a norma dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
Por fim, no âmbito da estrutura organizacional, há diversos outros órgãos, sem caráter decisório e desprovido de natureza intergovernamental, representando meras entidades técnicas de consecução dos objetivos, dentre os quais se pode mencionar a Secretaria Administrativa do Mercosul e o Foro Consultivo Econômico-Social.
Destaque-se o Parlamento do Mercosul, criado em 2005, substitutivo da Comissão Parlamentar Conjunta, representa um órgão unicameral, sediado em Montevidéu. Alguns doutrinadores, como Florisbal de Souza Del’Olmmo consideram-no como um órgão intergovernamental. Saliente-se que tal órgão representa os interesses dos cidadãos dos Estados-Partes e é voltado a contribuir para a qualidade e equilíbrio institucional, na tentativa de construir um espaço comum que reflita o pluralismo e as diversidades da região.
4. PROTEÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E HUMANOS
De se ver que apesar de ter um viés essencialmente econômico, o Mercosul, em que pese não deter em seus tratados constitutivos normas reguladores de direitos garantistas, é perpassado por um amplo processo integracionista, tendo em vista o intuito de formação de um mercado comum.
Assim é que resta evidente a necessidade de consolidação de medidas de caráter social, especialmente se considerarmos a ampla competitividade que a redução das tarifas alfandegárias bem assim que as demais vantagens gerarão nos integrantes do bloco como um todo.
Alguns doutrinadores, como a Ministra do TST Maria Cristina Peduzzi criticam sobremaneira a ausência de menção às demandas sociais no âmbito dos tratados internacionais, prelecionando que estas são, de fato, olvidadas, frente aos interesses comerciais e tributários de implementação do sistema.
Portanto, diversos vem sendo os esforços no sentido de regular, especialmente, as relações laborais. Cite-se como marco a Declaração Sociolaboral do Mercosul, de 1998, estabelecendo diversas diretrizes das relações de trabalho, nos ditames da Organização Internacional do Trabalho. No âmbito da seguridade social, traz-se a colação, o Acordo Multilateral de Seguridade Social do Mercado Comum do Sul.
Em 2008, foi criado no Brasil o Programa Mercosul Social e Participativo, visando a uma maior participação da sociedade nos temas que envolvem o mercado comum, por meio de diálogos entre os mais diversos setores sociais.
Observe-se que ainda não há, como na União Européia, uma integração entre os trabalhadores dos mais diversos países integrantes do bloco, em que a mão-de-obra pode livremente estabelecer-se nos países, fixar residência e buscar trabalho. É que, conforme o próprio mandamento predisposto no tratado internacional de Assunção, o Mercado Comum implicará na livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, sem qualquer menção à classe trabalhista.
No entanto, com o objetivo de facilitar a circulação de pessoas dentro do bloco foi pactuado o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul (2009), predispondo que basta a posse de documentos como, os relativos à nacionalidade, o passaporte válido, a certidão de nascimento e a certidão negativa de antecedentes penais, para a concessão de residência temporária e posterior conversão em permanente, se requestado.
Por fim, traz-se a colação o entendimento de Lafayet Pozzoli:
“ os tratados assinados entre os países latino-americanos parecem atribuir bem poucos direitos aos cidadãos, enquanto o aspecto econômico ainda é o mais privilegiado”[4].
Concernente ao tema dos direitos humanos cumpre trazer à colação o Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul (2005), dando primazia à cooperação e promoção efetiva dos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Estabelece para a consecução desses objetivos um mecanismo de consultas envolvendo os Estados do Mercosul e um Estado-membro do bloco onde estejam ocorrendo graves violações dos direitos humanos, seja em situação de crise institucional seja durante a vigência de estados de exceção.
Não servindo as consultas, as medidas serão mais drásticas, tomadas mediante consenso de todos os Estados-membros, que poderão incluir a suspensão do direito de participar do MERCOSUL ou dos direitos e obrigações emergentes do fato de o Estado integrar tal bloco.
Traz-se à baila a questão atual da Venezuela, em que os direitos humanos estão sendo violados contra os opositores da atual gestão, de Nicolás Maduro. Diversas estão sendo as afrontas à dignidade da pessoa humana conquanto nenhum Estado-Membro do Mercosul tenha se curvado a tomar alguns dos mecanismos imprescindíveis ao combate da situação existente na Venezuela, por ser considerada uma situação interna.
Ora, conforme visto, o bloco regional aqui estudado repugna o desrespeito e a violação aos direitos humanos. Nada mais do que razoável o reconhecimento por parte dos Estados-Membros de uma situação caótica e deprimente envolvendo os venezuelanos.
Deve, pois, o Mercosul aplicar as medidas coercitivas existentes no acordo de proteção aos direitos humanos firmado pelos integrantes do bloco bem assim quaisquer reprimendas para fazer cessar a drástica situação que acomete os cidadãos da Venezuela.
5. MECANISMO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS
Impende-se ressaltar, inicialmente, que o sistema de solução de controvérsias e o seu funcionamento passaram por quatro fases distintas: a) anexo III do Tratado de Assunção; b) Protocolo de Brasília; c) Protocolo de Ouro Preto; d) Protocolo de Olivos.
Uma das principais queixas relativas o MERCOSUL residia na fragilidade de seus mecanismos de solução de controvérsias. Decerto, no anseio, conforme fora delineado no decorrer do trabalho, de construir uma integração dos países formalizados em um bloco de livre comércio, com uma estrutura flexível, os conflitos porventura existentes foram olvidados frente à necessidade de interação.
No entanto, com o crescimento do bloco regional e da elevada importância dada a este, restou imprescindível a construção de um sistema que fosse dotado de segurança jurídica e resolvesse os anseios dos negócios firmados em seu âmbito Envidam esforços, atualmente, os Estados-Membros para a criação de um sistema de soluções de controvérsias cada vez mais equiparado ao Europeu.
Na fase inicial (Anexo III do Tratado de Assunção), a previsão para a solução das controvérsias surgidas da aplicação das normas contidas do Mercosul seriam resolvidas por meio de negociações diretas entre os Estados envolvidos. Se ainda assim a questão controvertida persistisse, tal seria encaminhada ao Grupo Mercado Comum, órgão executivo do Mercosul que resolveria o litígio em 60 dias.
O Protocolo de Brasília (Decreto 992, de 10/09/1993), predispôs que o Órgão de Solução de Controvérsias era responsável para a resolução dos conflitos referentes à interpretação, à aplicação ou ao não cumprimento das diretrizes gerais do Tratado de Assunção, bem assim dos acordos celebrados no âmbito do Mercosul, das resoluções do Grupo do Mercado Comum e das decisões do Conselho de Mercado Comum.
Observe-se que, apesar de terem sido criados para resolver os litígios existentes entre os componentes do bloco, os particulares também podiam provocar o procedimento, o qual se dividia em três fases: negociações diretas, intervenção do Grupo Mercado Comum e Procedimento Arbitral.
O Protocolo de Ouro Preto, por sua vez, criou o procedimento geral para reclamações perante a Comissão de Comércio do Mercosul, dispondo que a parte reclamante apresentará estas perante a Presidência da Comissão. De se ver que tal protocolo não impediu a utilizaçõa do Protocolo de Brasília, uma vez que a reclamação limita-se às questões de competência da Comissão.
O Protocolo de Olivos (Decreto 4.982/2004), firmado em 2002, representou um mecanismo bastante sofisticado no que tange à solução das controvérsias derrogando o Protocolo de Brasília. Ainda assim, os conflitos surgidos sob o regime do Protocolo de Brasília continuaram sendo regidas por este enquanto sua apreciação não tivesse totalmente concluída.
Tal protocolo visou estabelecer a solução dos conflitos que surjam entre os Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, e das decisões obrigatórias dos órgãos do Mercosul. Ademais, quando imprescindível regulamentou que poderão ser estabelecidos mecanismos expeditos para resolver divergências entre Estados-Partes sobre aspectos técnicos regulados em instrumentos de políticas comerciais comuns.
Em geral, o Protocolo de Olivos insere uma regra de eleição de foro, no qual os Estados Partes da controvérsia tem a faculdade de escolha entre o sistema do Mercosul ou outro sistema competente para decidir o litígio. De se ver, todavia, que uma vez iniciado o procedimento, outro não poderá ser adotado, a posteriori.
Estruturou o mecanismo de solução de conflitos, por meio da criação de três instâncias: negociações diplomáticas, arbitragem e Tribunal Permanente de Revisão.
A primazia da resolução dos conflitos é dada às negociações diretas entre as partes em litígio. Trata-se, pois, de meio não jurisdicional de resolução dos conflitos visando à solução mais “amigável” entre as partes e a ausência de conflitos discrepantes e diretos entre ambos os Estados. Apesar de solução ter contornos políticos, resta evidente o respeito às normas do MERCOSUL.
Iniciam-se, pois, por meio da iniciativa dos Estados, não podendo exceder o prazo de 15 dias. Posteriormente ao acordo durante as negociações, os Estados-Partes em uma controvérsia informarão ao Grupo Mercado Comum, por intermédio da Secretaria Administrativa do Mercosul, sobre as gestões que se realizarem durante as negociações e os resultados destas. É facultado, ainda, aos estados, na falta de acordo, recorrerem ao Grupo Mercado Comum, o qual emitirá recomendações a respeito do conflito, apreciando-o, discricionariamente, no prazo máximo de trinta dias.
A segunda instância é a dos tribunais arbitrais ad hoc, a qual somente será provocada se houver fracasso nas negociações supracitadas. Tal tribunal será composto por três membros, sendo dois nacionais dos estados envolvidos na lide, elencados na lista de árbitros da Secretaria Administrativa do Tribunal e o terceiro, de outro Estado, como presidente do foro arbitral.
A decisão do tribunal, por óbvio, deve ser fundamentada nas normas do MERCOSUL e deverá ser proferida por meio de laudo arbitral, em 60 dias prorrogáveis por mais trinta, determinando ainda, se for o caso, medidas de natureza cautelar.
Com relação ao Tribunal Permanente de Revisão, insta salientar que este representa uma espécie de órgão revisor por excelência. Com efeito, tal tribunal, considerado a grande inovação deste protocolo, é o órgão jurisdicional competente para julgar em grau de recurso as decisões dos tribunais arbitrais. Ainda, é competente para examinar questões não decididas em negociações diplomáticas quando as partes quiserem desde logo levar o caso a tal tribunal, além de poder emitir opiniões consultivas sobre o direito da integração.
No caso de recurso proveniente do tribunal arbitral, o prazo a ser observado é o de quinze dias, estando tal impugnação limitada às questões de direito às interpretações jurídicas explanadas no laudo arbitral. O prazo para contestação por parte do outro Estado é de 15 dias, devendo após transcorrido este, iniciar o prazo de contagem de trinta dias, para decidir a respeito do conflito.
O julgamento é definitivo e a decisão é obrigatória, salvo eventual recurso de esclarecimento, que possui efeito suspensivo, em até 15 dias após a notificação do laudo, com o intuito de solicitar explicações sobre seu teor e a forma de seu cumprimento. Equivalente, portanto, a um embargo de declaração, no âmbito do direito interno.
O descumprimento do laudo, de caráter obrigatório, impõe ao Estado desobediente diversas medidas compensatórias seguidas, se não cumpridas aquelas, medidas coercitivas, como a suspensão de concessões ou de outras obrigações e direitos equivalentes.
Será composto por cinco membros, sendo quatro destes indicados pelos Estados-Partes, nacionais destes, com mandato de dois anos, renovável por mais um período igual e consecutivo, e o outro escolhido por unanimidade entre estes, por um período de três anos, não renovável. Tais árbitros, além de obrigatoriamente serem juristas, devem ter conhecimento pleno do arcabouço normativo do Mercosul e agirem com imparcialidade na resolução dos conflitos.
Observe-se que a parte tem disponibilidade sobre o pedido da reclamação. Assim é que em qualquer fase dos procedimentos, quem apresentou a controvérsia poderá desistir da reclamação.
Os particulares lesados também detém legitimidade para formalizar reclamação contra um Estado-Membro do Mercosul, o que se dá junto à Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado onde tenham domicílio pessoal ou profissional. Saliente-se que ao particular é ilegítima a provocação do particular na reclamação direta ao Tribunal Arbitral ou Tribunal Permanente de Revisão.
CONCLUSÃO
Por fim, deve-se ter em mente que o Brasil, no que tange ao recebimento de tal norma internacional, não deve obrigatoriamente incorporar o reconhecimento do laudo arbitral e dos demais sistemas de soluções de controvérsias. Nada impede, contudo, que o judiciário passe a decidir de acordo com as decisões advindas de tais laudos, o que frequentemente ocorre no Brasil e que serve de regra aos demais países pertencentes ao bloco econômico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Tratados Internacionais no Brasil e Integração. São Paulo: LTR Editora. 1998.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 5ª Ed. Bahia: Juspodvim, 2013.
NOTAS
[1] AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Manual do Candidato, 2008, p. 261.
[2] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 5ª Ed. Bahia: Juspodvim, 2013, p. 1032.
[3] MACHADO, Diego Pereira; DEL´OLMO, Florisbal de Souza. Direito da Integração, Direito Comunitário, MERCOSUL e União Européia. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 132.
[4] POZZOLI, Lafayette. Direito comunitário europeu. São Paulo: Método, 2003, p. 354.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIOGO, Cristiane Sampaio. Aspectos jurídicos do Mercosul: contexto da criação e constituição do Bloco Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 ago 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50587/aspectos-juridicos-do-mercosul-contexto-da-criacao-e-constituicao-do-bloco. Acesso em: 08 nov 2024.
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