ANDRÉ DE PAULA VIANA
(Orientador)[1]
RESUMO: O presente trabalho tem por escopo apresentar o sistema de investigação criminal no Brasil, atualmente tendo como regra o Inquérito Policial. Por meio de revisão bibliográfica, comparou-se os sistemas processuais de investigação criminal adotado nos Estados Unidos e na França com o rito pátrio. Diante da necessária modernização da investigação criminal no país, concluiu-se que determinados aspectos das legislações estadunidenses e francesas poderiam ser aplicados na legislação nacional para aprimorar a investigação pré-processual.
Palavras-chave: Investigação Criminal. Inquérito Policial. Modelos de Persecução Penal.
ABSTRACT: The present work aims to present the criminal investigation system in Brazil, currently having as a rule the Police Inquiry. Through a bibliographical review, the procedural systems of criminal investigation adopted in the United States and in France were compared with the patriot rite. Faced with the necessary modernization of criminal investigation in the country, it was concluded that certain aspects of US and French law could be applied in national legislation to improve pre-procedural investigation.
Keywords: Criminal Investigation. Police Inquiry. Models of Criminal Prosecution.
SUMÁRIO: 1. CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL; 1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO INQUÉRITO POLICIAL; 2. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NA FRANÇA; 3. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NOS ESTADOS UNIDOS; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Eleito como instrumento de colheita de dados para a investigação criminal no país, o Inquérito Policial é de longa data usado no país, pouco se mudando desde sua concepção. Tais características são melhor abordadas no início da primeira seção.
Com bases fixadas no século XIX, o Inquérito Policial apresenta-se com características obsoletas, frutos de um período em que a realidade tecnológica estava distante da atual. Buscando dados históricos, observou-se que o citado procedimento investigativo foi o mais indicado para a época de sua implementação, porém deixou de sê-lo na atual conjuntura. Assim sendo, faz-se necessário buscar outros elementos para melhor complementar a investigação criminal nacional. Tais constatações são observadas na seção secundária da primeira seção.
A partir de elementos extraídos das obras constantes na referências bibliográficas, buscou-se o funcionamento dos sistemas investigatórios criminais vigentes nos Estados Unidos e na França. Analisando-se referidos sistemas e suas características, foi possível comparar os elementos que norteiam a instrução pré-processual penal daqueles países com o adotado Inquérito Policial.
Observou-se que o juizado de instrução, adotado na França, permite a instalação do contraditório antes da fase de julgamento. Assim sendo, a dilação probatória pré-processual não necessita ser repetida perante o julgador. As peculiaridades francesas foram apresentadas na segunda seção. Já nos Estados Unidos, observou-se uma interação maior entre a polícia e o Ministério Público e maior poder decisório deste ao fim da instrução pré-processual. O sistema investigatório estadunidense foi discutido no âmbito da terceira seção.
Tais observações foram sugeridas a serem adaptadas ao ordenamento pátrio, após ser feita comparação entre os três sistema, aproveitando-se o melhor que cada um deles poderia oferecer.
1. CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL
A investigação criminal no Brasil em regra se dá por intermédio do Inquérito Policial. Conforme artigo 4° do Código de Processo Penal e artigo 2° §1° da Lei 12830/2013, a presidência de tal procedimento caberá a ocupante de cargo de Delegado de Polícia de carreira, sendo indelegável a outros agentes públicos tal atribuição.
Uma das características desse procedimento é ser escrito. Todas as providências tomadas no âmbito do Inquérito Policial devem reduzidas a termo e juntadas nos autos do procedimento. Assim sendo, existe o carecimento de providências burocráticas para o seu regular trâmite tais como autuação, rubricação de folhas, certidões, termos de conclusão, recebimento, data, juntada e remessa. Devido à característica da escrituração, ainda há a responsabilidade de guarda dos feitos e trânsito entre a Polícia, Ministério Público e Judiciário, o que gera probabilidade de delongas excessivas em seu andamento, bem como o risco de extravio.
Tem ainda o Inquérito Policial característica inquisitorial. Durante a investigação no âmbito extrajudicial, não existe os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que a especificação e colheita de provas se dá de forma unilateral, não tendo a defesa do investigado direito de manifestar-se nos autos quanto à forma de obtenção dos elementos de prova.
1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO INQUÉRITO POLICIAL
A denominação Inquérito Policial, conforme conhecida na atualidade, remonta a sétima década do século XIX, advinda da Lei 2033/1871, a qual foi regulamentada pelo Decreto-Lei 4824, do mesmo ano. No artigo 42 do mencionado dispositivo normativo regulamentar estava esculpido: “O inquérito policial consiste em todas as diligencias necessárias para o descobrimento dos factos criminosos, de suas circunstancias e dos seus autores e cúmplices; e deve ser reduzido a instrumento escrito”.
Apesar de tal dispositivo não estar mais em vigor, a essência da norma referida continua em vigor. O artigo 9° do Código de Processo Penal vigente vige da seguinte forma: “Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.”
Quando da feitura da atual lei de ritos penais, datado de 1941, o relator do projeto legislativo e então Ministro da Justiça Francisco Campos, na exposição de motivos do projeto em questão descartou uma alternativa ao Inquérito Policial, mais por questões práticas para a época do que jurídicas:
Foi mantido o inquérito policial como processo preliminar ou preparatório da ação penal guardadas as suas características atuais. O ponderado exame da realidade brasileira, que não é apenas a dos centros urbanos, senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio do sistema vigente.
O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. Para atuar proficuamente em comarcas extensas, e posto que deve ser excluída a hipótese de criação de juizados de instrução em cada sede do distrito, seria preciso que o juiz instrutor possuísse o dom da ubiquidade(BRASIL, 2012, p. 234).
Naquela época, a motivação exposta fez sentido em vista das enormes despesas que causaria a implantação do juizado de instrução com as condições de infraestrutura de transportes e comunicação de tal período.
Não havia um sistema rodoviário eficaz em tal período, sendo que somente no governo do presidente Juscelino Kubitschek, na década seguinte a promulgação do Código de Processo Penal, que a construção de estradas de rodagem ligando uma parte do país a outra ganharia intensidade(TRANSPORTE EM FOCO, 2015). Da mesma forma, a vinda de automóveis para o país, bem como a fabricação de veículos nacionais teriam força considerável apenas na segunda metade do século XX(TRANSPORTE EM FOCO, 2015).
A tecnologia disponível e as comunicações à distância também deixavam a desejar. Os primeiros computadores começaram somente a chegar na quinta década do século XX(PORTAL EDUCAÇÃO, 2013). A tecnologia do fac-símile foi disponibilizada em escala comercial no país somente a partir de 1897(O GLOBO, 2013). Já o primeiro serviço de internet fora dos meios acadêmicos seria concebido em 1994(OFICINA DA NET, 2017). Dessa forma, a comunicação envolvendo transmissão de dados como hoje é concebida era tida por ficção na década de 1940.
Tais contextos mostram o porquê preferiu o legislador manter o sistema de inquérito policial naquela época em vez do juizado de instrução, uma vez que o país não possuía interligação viária e de comunicações sólidas naquela época, o que inviabilizaria a implantação de tal sistema investigatório naquele período.
2. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NA FRANÇA
Tendo origens napoleônicas, o juizado de instrução subsiste na França como meio de colheita de provas antes do julgamento da causa penal(LEHMAN, 2009). Em cognição sumária de prática delitiva, a persecução penal inicia-se com a fase de inquérito, onde um policial ou Membro do Ministério Público inicia a colheita de provas preliminares e indícios de autoria delitiva. Por ser apenas de cognição inicial, vigora o princípio inquisitivo e a imposição de sigilo.
A segunda fase trata-se da instrução. Diferentemente do que ocorre no Brasil onde já se há uma acusação apresentada, neste momento há a colheita de provas para verificar se há condições de viabilidade para apresentação de uma acusação contra o investigado.
Nessa segunda etapa processual, quem conduz a investigação é o juiz de instrução. Ele detêm o poder de diligenciar a fim de trazer ao processo os elementos probatórios a fim verificar se haverá causa para demanda penal(CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2016). Tanto o Ministério Público, quanto o investigado podem requerer produção probatória, que será atendida conforme deliberação do juiz de instrução. Ainda há sigilo na investigação, porém as partes têm acesso ao conteúdo probatório já colhido. Tais provas colhidas gozam de caráter jurisdicional.
Por fim, havendo admissibilidade dos fatos alegados contra o investigado é que este será submetido a julgamento perante algum tribunal a depender da natureza da infração penal cometida. O julgamento é feito por juiz diferente daquele que promoveu a instrução(E-JUSTICE, 2016).
3. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NOS ESTADOS UNIDOS
Nos Estados Unidos, em virtude do federalismo “sui generis” ali adotado, há diversos sistemas processuais no território estadunidense. Cada unidade da federação adota um modelo próprio, bem como há um rito penal adotado em casos de competência federal para processo e julgamento(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, [20-?]). Há, no entanto, algumas particularidades entre ambos, as quais serão abordadas.
A investigação criminal é conduzida tanto pela polícia ou conjuntamente pelo Ministério Público e pelos órgãos policiais com atribuição específica para determinado tipo de delito(CABRAL, 2009).
Na fase de investigação, tal como no sistema pátrio, a colheita de provas se dá por meio inquisitivo, não havendo a participação efetiva da defesa em tal momento.
O órgão acusador dispõe de liberdade para deliberar sobre a instauração de ação penal contra o investigado. A depender dos elementos colhidos e da gravidade delitiva, o promotor poderá deixar de promover o processo penal, não necessitando de homologação judicial tal decisão de não-prosseguimento da demanda penal.
O Ministério Público tem grandes de poderes de transação penal, muito mais amplos que os conferidos pela Lei 9099/1995 aos membros do “parquet” brasileiro. Nos Estados Unidos, os promotores têm discricionariedade para barganhar penas, confissões, condições de cumprimento de pena, colaborações premiadas e entre diversas outras medidas. Tal liberdade tem permitido que diversas ações que poderiam acumular-se nos tribunais, sejam resolvidas antes de irem à pauta de instrução judicial.
CONCLUSÃO
Observou-se que não há sistemas de investigação perfeitos, seja pelo fato de serem burocráticos, ocuparem diversos agentes públicos em sua execução ou não permitirem que o investigado possa exprimir seu direito de defesa na fase pré-processual.
O Inquérito Policial teve suas bases fixadas no século XIX e delas não saiu. Continua sendo o mesmo procedimento extrajudicial de cunho inquisitorial e presidido somente por ocupantes do cargo de Delegado de Polícia. Também manteve o seu caráter escrito e burocrático, que acaba por prejudicar a celeridade das investigações.
Observando o juizado de instrução francês, apesar de possuir diversas falhas que possuírem algumas condições a serem sanadas, pode-se extrair de tal sistema investigatório algumas particularidades para incorporá-las ao padrão nacional de investigação.
Se quando do advento do atual Código de Processo Penal o país carecia de infraestrutura viária e de comunicações eficazes, a realidade atual é diferente. Apesar de não primar em excelentes rodovias e conexões de internet semelhantes a de países desenvolvidos, os gargalos materiais de outrora já não mais atravancariam a implantação do juizado especial.
Com o advento da lei 12830/2013, a carreira de Delegado de Polícia foi reconhecida como sendo de natureza jurídica, essencial e exclusiva de Estado. Como o trabalho de instrução no âmbito do Inquérito Policial é repetido em juízo, o Delegado de Polícia poderia ser considerado como juiz de instrução, não havendo necessidade de repetição de colheita de atos probatórios semelhantes, sendo que os trabalhos investigativos realizados pela autoridade policial teriam cunho jurisdicional. Da mesma forma que no sistema francês, as partes teriam oportunidade de intervenção no feito, estabelecendo-se o contraditório e ampla defesa. Após diligências de caráter unilateral pela polícia com o único condão de verificar se há mínimos indícios de cometimento de delito e de autoria delitiva, a colheita de provas pelo juiz de instrução se iniciaria. Somente após a formação do conjunto probatório apto a firmar uma convicção sobre a procedência das acusações é que o caso seria submetido a um órgão jurisdicional competente para julgamento.
Dos sistemas investigatórios estadunidenses também é possível extrair algumas características que poderiam ser proveitosas no país. Com a colheita de indícios de materialidade e autoria delitiva, o Ministério Público, que seria cientificado do início da investigação preliminar a instrução, poderia abreviar o curso processual com medidas de transação penal. Com base nas provas preliminares carreadas, o órgão acusador poderia propor transação penal com a parte investigada antes de iniciada a fase de instrução. Outrossim, se não aceita pela parte a transação, após o fim da instrução, nova oportunidade de transação seria realizada. Em qualquer dos casos, a transação necessitaria de homologação de órgão jurisdicional propriamente dito.
Diante de todo o exposto, observa-se que tal proposta aproveitaria a estrutura policial existente, não necessitando de novas contratações em massa para atender tal sistemática.
Haveria economia de recursos, a celeridade processual seria evidente e desde a colheita de provas o contraditório e ampla defesa estariam assegurados, evitando-se qualquer prejuízo ás partes.
REFERÊNCIAS
A Evolução do transporte rodoviário no Brasil e no Mundo, 2015. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2017.
BRASIL. Exposição de Motivos do Código de Processo Penal. Decreto Lei nº. 3.689 de 03 de outubro de 1941. In: Vade mecum penal e processual penal. 3ª ed. Niteroi, RJ: Impetus, 2012. p.234-289.
CABRAL, Bruno Fontenele. Direito comparado: os órgãos de segurança pública e a persecução criminal no Brasil e nos Estados Unidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2150, 21 maio 2009. Disponível em: . Acesso em: 16 jun. 2017.
[1] http://lattes.cnpq.br/4428702481856069
Bacharelando em Direito pela Universidade Brasil e Escrivão de Polícia Civil do Estado de São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: STAFUSA, André Eduardo Peres. O inquérito policial no direito comparado: a necessária reforma da investigação criminal no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50985/o-inquerito-policial-no-direito-comparado-a-necessaria-reforma-da-investigacao-criminal-no-brasil. Acesso em: 07 nov 2024.
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
Por: Marcela Eugenia Gonçalves
Por: Ana Julia Possebom Bologna
Por: Fernanda Gouvea de Carvalho
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