RESUMO: A inovação empreendida pelo novo Código de Processo Civil ao criar o procedimento antecedente de concessão de tutela antecipada, com possibilidade de encerramento do processo sem cognição exauriente, preservando, ao mesmo tempo, os efeitos da decisão concessiva será fonte de inúmeros debates nos próximos anos. Até que a jurisprudência sedimente a compreensão a ser dada ao tema, a doutrina controverte-se ao investigar a matéria e conjecturar racionalmente soluções adequadas a problemas antevistos, buscando preservar a coerência do processo civil e de seus institutos. A brevidade da redação dos arts. 303 e 304 do CPC lança oportunidade de perquirir sobre a natural dicotomia entre estabilização e coisa julgada. Esse é o foco deste artigo, que pretende, em metodologia dedutiva e pesquisa teórica (bibliográfica), qualitativa e prescritiva, apresentar um panorama sobre as principais polêmicas doutrinárias sobre a tutela antecipada antecedente, com foco especial em sua estabilização e a diferenciação em relação à coisa julgada, que, enquanto garantia fundamental (art. 5º, XXXVI, CF), deve ter sua proeminência reconhecida.
Palavras-chave: Tutela provisória. Urgência. Antecipação. Tutela antecedente. Estabilização. Coisa julgada material.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Origem e características essenciais. 3.Pressupostos. 4.Extinção do processo. 5. Ação autônoma. 6. Aspectos polêmicos. 7. Estabilização e coisa julgada. 8.Conclusão. 9. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A antecipação dos efeitos da tutela provisória de urgência no novo Código em caráter antecedente é uma técnica de monitorização em que há contraditório eventual e inversão da iniciativa para o debate[1]. Por ela, o silêncio do réu resulta na estabilização dos efeitos práticos da decisão concessiva da tutela requerida pelo autor, com a consequente extinção do processo. As partes terão prazo de dois anos para reagitar o tema em ação autônoma, movida com o intuito de reformar, invalidar ou rever a decisão já estabilizada. Após esse prazo decadencial, os efeitos não poderão mais ser rediscutidos. Porém, não haverá coisa julgada material sobre a relação jurídica, que ainda poderá ser objeto de ação judicial.
2. ORIGEM E CARATERÍSICAS ESSENCIAIS
A antecipação dos efeitos da tutela é instituto que, em síntese, permite antecipar para instante anterior à sentença – ou mesmo no início da lide – o provimento jurisdicional e o consequente bem da vida pretendido pelo autor. No CPC/73 a tutela antecipada foi introduzida por ocasião da reforma operada pela Lei 8.952/1994. Até o CPC/73, a tutela antecipada satisfativa era conferida sempre em caráter incidental e, desde a Lei 10.444/2002, apresentava fungibilidade com as medidas cautelares. No caso da tutela cautelar, havia plena possibilidade de pedido em caráter incidental ou preparatório (em processo antecedente). Nesse sentido, o art. 796 do CPC de antanho estabelecia que “o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal (...)”.
Com o novo Código, também a tutela antecipada satisfativa pode ser concedida de forma antecedente, tal como antes reservado apenas ao processo cautelar. Lembramos que a tutela provisória vem categorizada no novo Código como de evidência ou de urgência. Esta última pode ser cautelar ou antecipada, concedida em caráter antecedente ou incidental. Vê-se, portanto, que a antiga cautelar preparatória foi substituída pela tutela provisória cautelar antecedente, com algumas modificações. Já a tutela antecipada passa a ser requerida, além de incidentalmente (tal como no CPC anterior), também em caráter antecedente, por meio de uma petição inicial “simplificada”, isso é, voltada, num primeiro momento, somente ao pedido do provimento de urgência, como foco central. O pedido final meritório passa a ser algo secundário nesse instante liminar e será confirmado em posterior aditamento à inicial. Nesse passo, o pedido final é apenas indicado (art. 303), o que se afigura menos rígido do que a formulação exigida pelo art. 319, IV do CPC[2]. O objetivo da tutela antecedente é permitir a composição imediata da lide como mecanismo válido à disposição das partes. Todavia, já no CPC anterior nada impediria que o réu encurtasse o trâmite processual reconhecendo a procedência do pedido. Na tutela antecedente, ele pode conformar-se com o direito da outra parte simplesmente não se insurgindo contra a decisão inicial.
Com efeito, na petição inicial em que se pleiteia tutela de urgência antecipada antecedente somente é necessário, além do requerimento da medida, indicar a tutela final, expor a lide, o direito e sua probabilidade, demonstrar o perigo de dano, fixar o valor da causa e expressamente afirmar o caráter antecedente do procedimento. Sua disciplina é versada nos arts. 303 e 304 do CPC.
O foco desse artigo será uma particular característica da tutela antecipada antecedente no novo CPC: a possibilidade de sua estabilização.
A estabilização tem inspiração no Direito italiano e francês e permite que, nos casos em que houver urgência contemporânea à propositura da ação, o autor se limite a requerer tutela provisória de urgência antecedente, dado início a um processo judicial no qual, uma vez deferida a medida e não havendo insurgência do réu, haverá preservação dos efeitos da decisão judicial concessiva por tempo indeterminado, apesar da sua cognoscibilidade superficial, havendo ainda a extinção do processo sem que se tenha uma sentença de mérito confirmando o “decisum”.
A estabilização da tutela provisória é uma técnica voltada apenas aos casos de tutela de urgência antecedente, não nos casos da cautelar – e, de fato, não haveria lógica em estabilizar uma decisão assecuratória de um resultado útil, pois a cautelaridade visa proteger a tutela satisfativa. Há divergência doutrinária quanto à viabilidade do uso para a tutela de evidência, embora não pareça ser essa a intenção do Código. Através da estabilização da tutela torna-se dispensável a cognição exauriente sobre o pedido, já que, uma vez concedida a medida e não tendo havido recurso da parte demandada, o processo é extinto e o provimento judicial manterá sua eficácia. Caso qualquer das partes tenha o propósito de rever, reformar ou invalidar a tutela, terá de ajuizar ação autônoma com esse fim. A estabilização não se confunde com a coisa julgada. Nesse sentido, o art. 304 §6º é indubitável. Mesmo porque, se houvesse coisa julgada, sua desconstituição seria subordinada ao uso da rescisória e, no caso do art. 304, há apenas necessidade de manejo de uma ação – inominada, pois – embora o prazo de ajuizamento seja igualmente de dois anos.
Nessa toada, o enunciado 33 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:
“Não cabe ação rescisória nos casos de estabilização da tutela antecipada de urgência”
Além disso, sem cognição exauriente não há coisa julgada material e, no caso do art. 304, a providência postulada é concedida em juízo de probabilidade do direito e risco de dano, isso é, em juízo inicial e superficial de conhecimento.
3. PRESSUPOSTOS
É necessário que o autor exponha, na petição inicial, seu desejo em ver utilizada a técnica de estabilização, com o desinteresse pela continuidade do feito, optando, explicitamente, pela dispensa da obtenção da coisa julgada. Isso porque a estabilidade da tutela antecedente não equivale à coisa julgada e não produz seus efeitos, como já explicado, de molde que compete ao autor afirmar, com base na análise de seu benefício, se pretende se utilizar desse mecanismo.
Uma das condições à estabilização é inércia do réu em interpor recursos censurando a decisão concessiva da tutela antecipada.
No caso de pluralidade de réus (litisconsórcio passivo), o manejo de recurso por um deles somente aproveita aos demais, obstando a estabilização, se o litisconsórcio for unitário, na linha do art. 1005 do CPC [3].
O recurso referido pelo art. 304 “caput” do CPC é aquele apto a atacar decisões interlocutórias (em primeiro grau), ou monocráticas (caso se trate de processo da competência originária dos tribunais). Dessa feita, são suficientes o agravo de instrumento e o agravo interno, respectivamente. Questiona-se quanto à validade do uso dos embargos de declaração. Há quem defenda que a sua oposição somente posterga para depois de seu julgamento o prazo para manejo do recurso aludido no art. 304 “caput”, com o que concordamos, ante o efeito interruptivo dos embargos (art. 1.026, CPC)[4] .A posição doutrinária que tem prevalecido interpreta o termo “recurso” amplamente, para abarcar qualquer forma de impugnação pelo réu, tal como um pedido de reconsideração, oferta de contestação e suspensão de segurança[5].
Todavia, é preciso salientar que, em razão dos prazos mais amplos para a prática dos atos processuais referidos – veja-se que o prazo de contestação, contado após a audiência de conciliação e mediação (art. 335, I CPC), somente se iniciará muito provavelmente após findo o prazo do recurso - pode haver a necessidade de aguardar que o réu exerça sua irresignação antes de extinguir o processo. E, caso já tenha sido extinto, será necessário desarquivá-lo e dar continuidade ao feito, afastando a estabilização.
A propósito, se o réu não tiver sido cientificado, no mandado de citação e intimação, de que seu silêncio importará a extinção do processo com a estabilização da decisão, cremos que não haverá supedâneo legal para aplicar o art. 304. Com base na regra de não surpresa de julgamento, contida no art. 10 do CPC, aplicada por analogia, o juiz não pode decidir a partir de fundamento a respeito do qual as partes não tenham tido oportunidade de se manifestar, sob pena de nulidade. Portanto, o réu deve ser avisado de que se trata de procedimento em que seu silêncio importará efeitos relevantes em seu prejuízo. Ainda que a redação do art. 10 não se ajuste perfeitamente à situação descrita, seu intuito é evitar decisões surpresas, daí porque aplicável à hipótese. Essa também é a opinião de Lúcio Grassi de Gouveia[6] e de Cássio Scarpinella Bueno[7].
Em tempo, é necessário distinguir a preclusão temporal da estabilização. A primeira ocorre se o réu não maneja o recurso cabível contra a concessão da tutela no prazo fixado no CPC – quinze dias para agravo de instrumento e agravo interno (art. 1.003, §5º, CPC). Já a estabilização, por ser mais ampla, requer verdadeira contumácia, ou seja, inação. Se o réu não recorre da decisão, mas, por exemplo, contesta o pedido, tem-se que a tutela concedida não ficará estabilizada; todavia, embora possa ser revogada a qualquer tempo, o réu terá perdido processualmente a oportunidade para censurá-la.
Em qualquer caso, uma vez deferido o provimento requerido em caráter antecedente, o autor deverá emendar a inicial. Isso porque a ordem de aditamento é prolatada pelo juiz no mesmo momento processual em que determina a citação do réu, e naquele instante, o autor não terá como prever qual comportamento será adotado pelo demandado – a inércia ou a impugnação da tutela, podendo haver, nesse segundo caso, a continuidade do processo. Daí porque a petição inicial já deverá estar em condições de iniciar o procedimento – especial ou comum – voltado à consecução da tutela final. Ou seja, o prazo de aditamento encerra-se antes do prazo de recurso do réu[8].
Veja-se que o art. 303 §1º é explícito ao estabelecer que, concedida a tutela, o autor deverá aditar a exordial e o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação e mediação e intimado ainda da decisão concessiva proferida:
Art. 303. § 1o Concedida a tutela antecipada a que se refere o caput deste artigo:
I - o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar;
II - o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334.
Não poderia ser diferente, pois, como salientado o “recurso” do réu, referido no art. 304 “caput”, tem sido interpretado em sentido amplo, como qualquer forma de irresignação, como a oferta de contestação. Observe-se que o juiz pode dilargar o prazo de emenda, fixando-o em lapso superior a quinze dias[9] (art.303 §1º I, CPC)
Se não for feito o aditamento, o processo será extinto sem resolução do mérito, como determina o art. 303 §2º.
Por certo, apenas a decisão concessiva da tutela torna-se estável, não a que a denega. Inclusive, em caso de denegação da tutela antecipada deve haver emenda à inicial em até cinco dias, sob pena de indeferimento da exordial e extinção sem resolução de mérito (art. 303 §6º, CPC).
4. EXTINÇÃO DO PROCESSO
Nota-se que, após a estabilização da tutela provisória o art. 304 §1º do CPC prevê a extinção do processo, sem explicitar a natureza da extinção, se resolutiva ou não do mérito.
Há debate na doutrina quanto à solução a ser dada ao caso. Eduardo Arruda Alvim[10] é partidário de que o Código teria criado, no ponto, uma terceira espécie de extinção do processo, diversa das sentenças do processo de conhecimento referidas nos arts. 485 e 487 do CPC. Justifica que a extinção sem julgamento de mérito teria o condão de tornar insubsistentes as decisões de tutela provisória, ao passo que o julgamento de mérito atrairia a coisa julgada, o que não se identifica com o procedimento de estabilização referido no art. 304 §6º do CPC. Defende o processualista tratar-se de sentença, embora o Código descreva esse ato como o pronunciamento do juiz que põe fim à fase conhecimento em primeiro grau com necessário fundamento nos arts. 485 e 487 (art. 203 §1º CPC), bem como extingue a fase de execução, e, nesse caso é aplicável o art. 924, CPC. Em sentido oposto, há corrente doutrinária que identifica tratar-se de extinção sem julgamento de mérito[11].
De todo modo, em face da sentença será cabível apelação, em que se discuta o preenchimento dos requisitos da extinção do feito, e não da tutela em si mesma concedida, já que, além de estável, estará preclusa, já que o réu não tenha dela recorrido.
5. AÇÃO AUTÔNOMA
Quanto à natureza do prazo de dois anos contido no art. 304 §5º, tem-se que se trata de prazo decadencial.
Quanto à ação autônoma, haverá prevenção do juízo em que concedida a tutela antecedente (art. 304 § 4º). Apesar de o Código afirmar que a ação poderá ser proposta por quaisquer das partes (art. 304 §2º), é bem de se ver que a nova demanda, nas palavras do CPC, será cabível para “rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada”. Diante de uma interpretação mais restrita do texto legal, não haveria possibilidade de que o autor ingressasse com demanda autônoma voltada a confirmar a tutela anterior. Nesse caso, cremos que a solução seria desarquivar os autos originários e postular ao juízo a retomada do feito, com afastamento da estabilização, a fim de prosseguir na cognição até a obtenção da coisa julgada. Essa posição conta com opositores na doutrina. Para Eduardo Arruda Alvim, “caso opte inicialmente pela estabilização, entendemos que o autor só poderá mudar de opção até o momento em que o réu seja citado (...) e intimado da decisão antecipatória de tutela”[12].
A ação autônoma a ser ajuizada por ser de qualquer natureza, veiculadora de qualquer pretensão, desde que apta a promover a revisão da tutela estabilizada[13].
Um dos efeitos da estabilidade é o de impedir que o próprio magistrado revogue ou reforme a decisão de tutela provisória. A propósito do tema, o art. 304 §2º é explícito ao condicionar a revisão, reforma ou invalidação da tutela antecipada estabilizada à atuação das partes, e, combinado com o §3º, produz inequívoca conclusão de que somente a decisão de mérito a ser proferida na ação proposta por qualquer das partes poderá fazer cessar seus efeitos.
Art. 304. [...]
§ 2o Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.
§ 3o A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2o.
O Enunciado ENFAM n.26 admite, porém, que decisão interlocutória também provisória no bojo da ação a ser ajuizada por qualquer das partes para revisar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada possa, desde logo, sustar seus efeitos. Por esse entendimento, a decisão referida no §3º do art. 304 pode ser compreendida como decisão de mérito em cognição superficial e, inclusive, liminar.
“Caso a demanda destinada a rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada seja ajuizada tempestivamente, poderá ser deferida em caráter liminar a antecipação dos efeitos da revisão, reforma ou invalidação pretendida, na forma do art. 296, parágrafo único, do CPC/2015, desde que demonstrada a existência de outros elementos que ilidam os fundamentos da decisão anterior”
6. ASPECTOS POLÊMICOS
Questiona-se se seria viável a estabilização de tutela que envolve direitos indisponíveis. Em sentido positivo, Eduardo Arruda Alvim leciona, em nosso parecer, com razão, que
a indisponibilidade do direito não afasta a possibilidade da cognição exauriente e da formação da coisa julgada à revelia do réu, mas afasta tão somente a presunção de veracidade do que foi apresentado pelo autor e o consequente julgamento antecipado do mérito (CPC/2015, arts.344, 345, II e 355, II)[14]
Em sentido contrário, há opiniões segundo as quais a própria relevância que marca o direito indisponível exigiria análise via cognição exauriente[15].
Há também divergência quanto à possibilidade de, em uma cumulação de pedidos, conceder a tutela estabilizada a apenas um deles, prosseguindo o processo quanto aos demais (estabilização parcial objetiva). Acena favoravelmente a essa possibilidade Eduardo Arruda Alvim[16], ao passo que Lúcio Grassi de Gouveia[17] posiciona-se em sentido oposto, em nossa opinião com acerto, já que a continuidade do processo implica a plena revogabilidade da decisão provisória ou sua confirmação na sentença.
A respeito da validade da estabilização da tutela provisória em face da Fazenda Pública não há, no Código, nenhuma vedação à plena utilização desse procedimento também em desfavor da Fazenda. É claro que não se admite que, por decisão interlocutória concessiva de tutela de urgência, seja expedido precatório ou requisição de pequeno valor, pois pressupõe-se, para esses casos, “sentença judiciária” (art. 100 da CF). Todavia, questiona-se se deveria haver sujeição à remessa necessária. Isso porque a sentença proferida em desfavor da Fazenda (ou que julga procedentes os embargos à execução fiscal) está sujeita ao duplo grau de jurisdição. Significa que, embora a decisão que antecipa os efeitos da tutela incidentalmente não esteja subordinada à imediata avaliação pelo Tribunal, a sentença que a confirmará ou revogará ascenderá ao crivo do grau superior.
Diante dessa situação, cremos que a saída mais adequada se assemelha particularmente com a construída para a ação monitória. Explique-se, inicialmente, que há similaridade entre a tutela estabilizada e o procedimento monitório, já que, em ambos os casos, o silêncio do réu implicará a constituição de decisão favorável ao autor. No processo monitório, o título inicial converte-se em executivo se o demandado não opõe embargos, o que torna o contraditório eventual. Trata-se de viabilização “de resultados práticos a partir da inércia do réu, em casos em que há concreta e marcante possibilidade de existência do direito do autor”[18].Inclusive, foi usada no art. 304 do CPC a denominada técnica de monitorização do procedimento[19]
É viável o uso de ação monitória em face da Fazenda Pública, como bem já expressava o verbete nº 339 do STJ, cuja dicção enuncia que “é cabível ação monitória contra a Fazenda Pública”, o que é reforçado pelo art. 700 § 6o do CPC: “é admissível ação monitória em face da Fazenda Pública. ” O novo Código ainda registrou a determinação de que a decisão de conversão em mandado executivo seja sujeita à remessa necessária sempre que transcorrido o prazo de embargos sem sua oposição.
Entretanto, submeter ou não a decisão de tutela antecipada estabilizada à remessa necessária é tema ainda tormentoso na doutrina[20].
Art. 701 [...]
§ 4o Sendo a ré Fazenda Pública, não apresentados os embargos previstos no art. 702, aplicar-se-á o disposto no art. 496, observando-se, a seguir, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Especial.
Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.
[...]
7. ESTABILIZAÇÃO E COISA JULGADA
Uma importante reflexão deve ser feita com relação à natureza da estabilização após transcorrido o prazo de dois anos sem que qualquer das partes haja ingressado com ação autônoma. A decisão se tornaria imutável? Como conciliar a questão com o art. 304 §6º CPC, que afasta o regime de coisa julgada do campo da estabilização? A esse respeito, cumpre transcrever fragmento da lição de Newton Pereira Ramos Neto[21]:
A partir dessa polêmica, vão-se formando na doutrina algumas correntes: (i) há formação de coisa julgada, cabendo, consequentemente, o ajuizamento de ação rescisória, ante a ausência de óbice constitucional à imutabilidade de decisões sumárias; (ii) há uma tutela antecipada estabilizada em ‘grau extraordinário’ (superestabilização), com imutabilidade da eficácia antecipada, funcionando como um pressuposto processual negativo autônomo em relação à coisa julgada, sendo possível, porém, em procedimento comum, nova discussão sobre as demais eficácias.
Cremos que a melhor resposta à questão passa pela diferenciação entre os efeitos da tutela estabilizada e o conteúdo declarativo da coisa julgada material. Essa solução nos é proposta por Newton Pereira Ramos Neto[22]:
Sob esse prisma, é possível dizer que a estabilização atinge os efeitos e não qualquer conteúdo declarativo, como ocorre com a coisa julgada, de modo que, por exemplo, não há eficácia preclusiva na decisão de estabilização, como sucede na coisa julgada. Além disso, embora estáveis os efeitos da decisão proferida em sede de tutela antecipada, não há impedimento para a rediscussão do conteúdo declaratório em lide posterior (de forma semelhante ao que acontece com a questão prejudicial sobre a qual não se formou a coisa julgada). Assim, numa decisão estabilizada que determina a devolução de parcelas pagas sob o fundamento de invalidade do contrato, nada impede a rediscussão da licitude deste em demanda posterior.(...) para estabelecer-se a diferenciação, é forçoso reconhecer que, mesmo nas tutelas antecipadas de cunho declaratório, a decisão se volta apenas à eficácia executiva do pedido" .
Eis a opinião de Marinoni (et al):
(...) como qualificar a força da estabilidade depois de transcorridos dois anos sem que tenha sido proposta a ação exauriente? (...)A eficácia bloqueadora do direito fundamental ao processo justo, portanto, impede que se tenha como constitucional a formação de coisa julgada na tutela antecipada requerida de forma antecedente no caso de transcurso do prazo legal sem o exaurimento da cognição.[23]
Significa que, mesmo após os dois anos, não haverá coisa julgada, seja por falta de cognição exauriente, seja em razão da previsão legal. O que haverá é uma espécie de superestabilização, com a impossibilidade de se rediscutir a validade dos efeitos práticos gerados por daquele provimento judicial. Isso não significa, porém, que o mesmo pedido não possa vir a ser discutido em nova ação, a todo tempo.
E, se nessa nova ação, houver a formação de coisa julgada material contrária aos efeitos estabilizados da tutela? Nesse quadro, nos inclinamos a prestigiar a coisa julgada, enquanto garantia constitucional, sob pena de inversão da lógica do sistema.
8. CONCLUSÃO
São muitos os desafios a serem enfrentados no tema da tutela de urgência antecipada antecedente, sobretudo ante a variedade de dúvidas que podem surgir em razão do seu entrelaçamento com o instituto da coisa julgada. É um mecanismo que pode contribuir para a agilização da composição da lide, com economia de recursos, sobretudo nos casos em que o réu não pretende alongar-se na defesa do seu direito, seja porque reconhece a validade dos argumentos do autor, seja porque não tem interesse em sustentar economicamente o prolongamento do processo. Espera-se que, por esse modo, seja reduzida a litigiosidade. Todavia, há de se ter especial cuidado para que a estabilização não resulte em um mecanismo de força superior à própria coisa julgada, que, inclusive, já conta com vários pontos de flexibilização. Dessa forma, o regime da estabilidade não deve impedir que a relação jurídica material seja objeto de cognição exauriente, essa sim, apta a formar coisa julgada, não havendo, pois, que se confundir essa possibilidade com o reconhecimento da perenidade e validade dos efeitos práticos gerados pela decisão judicial sujeita ao art. 304 do CPC.
9. REFERÊNCIAS
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[1] MARINONI, Luiz Guilherme, et al. O Novo Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.246.
[2] ALVIM, Eduardo Arruda. Tutela Provisória. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.185.
[3] ALVIM, Eduardo Arruda. Tutela Provisória. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 222-223.
[4] ALVIM, Eduardo Arruda. Tutela Provisória. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.221.
[5] BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil.2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.262 e GOUVEIA, Lúcio Grassi in In: ALVIM, Angélica Arruda et al (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p.304. Em sentido oposto, porém, cf. CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.313.
[6] GOUVEIA, Lúcio Grassi In: ALVIM, Angélica Arruda et al (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p.397.
[7] BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil.2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.261.
[8] Cf. MARINONI, Luiz Guilherme, et al. O Novo Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.246, BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil.2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.262 e CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.312.
[9] NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p.863.
[10] ALVIM, Eduardo Arruda. Tutela Provisória. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.226.
[11] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado.8.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.384.
[12] ALVIM, Eduardo Arruda. Tutela Provisória. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.215.
[13] BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil.2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.263.
[14] ALVIM, Eduardo Arruda. Tutela Provisória. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.209.
[15] TALAMINI, Eduardo. Ainda a Estabilização da Tutela Antecipada. Migalhas de peso. 01.04.2016. Disponível em < http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI236877,31047-Ainda+a+estabilizacao+da+tutela+antec ipada)>. Acesso em: 20 out. 2017.
[16] ALVIM, Eduardo Arruda. Tutela Provisória. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.216-217.
[17] GOUVEIA, Lúcio Grassi in In: ALVIM, Angélica Arruda et al (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p.396.
[18] GOUVEIA, Lúcio Grassi In: ALVIM, Angélica Arruda et al (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p.395.
[19] GOUVEIA, Lúcio Grassi In: ALVIM, Angélica Arruda et al (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p.395.
[20] Pela desnecessidade da remessa, c.f. CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.316, ALVIM, Eduardo Arruda. Tutela Provisória. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.229,
[21] NETO, Newton Pereira Ramos in FILHO, Antônio Carvalho; JÚNIOR, Herval Sampaio (org.). Os Juízes e o Novo CPC. Salvador: Jus Podivm, 2017, p. 451.
[22] NETO, Newton Pereira Ramos in FILHO, Antônio Carvalho; JÚNIOR, Herval Sampaio (org.). Os Juízes e o Novo CPC. Salvador: Jus Podivm, 2017, pp.452-453.
[23] MARINONI, Luiz Guilherme, et al. O Novo Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.247.
Bacharela em Direito pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Maria Eduarda Andrade e. Panorama inicial da estabilização da tutela antecipada antecedente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2017, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51032/panorama-inicial-da-estabilizacao-da-tutela-antecipada-antecedente. Acesso em: 07 nov 2024.
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