RESUMO: O presente estudo busca analisar as implicações das medidas cautelares da Lei Maria da Penha - conhecidas por medidas protetivas - quanto ao assunto alienação parental. Com isto, procura levantar questionamentos sobre o assunto, em âmbito jurídico e também no tocante ao relacionamento afetivo das partes envolvidas.
PALAVRAS-CHAVE: Lei Maria da Penha; Alienação parental; Medidas Cautelares.
SUMÁRIO: Introdução; 1.Tutela familiar e alienação parental; 2. Entre as medidas protetivas de urgência e a alienação parental: uma reflexão necessária ; 3. Conclusão; Referências.
Introdução:
A tutela aos hipossuficientes trazida pela Constituição vigente, juntamente com instrumentos protetivos da mulher, em especial a Lei Maria da Penha, trouxeram novos contornos ao direito de família. Com base nesta essencial consideração, o presente trabalho abordará brevemente o tema da alienação parental e das medidas cautelares da Lei Maria da Penha.
1. Tutela familiar e alienação parental:
Quando se fala a respeito da Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006, logo se afigura o intuito protetivo às mulheres, marca da referida lei, já proclamado pela Constituição Federal de 1988, sobretudo em seu artigo 226, como um dos principais compromissos da ordem constitucional instaurada, concretizado em 2006.
Também a Constituição realçou a proteção à família, notadamente às crianças e aos adolescentes, nos artigos 226 e 227, facetas da nova compreensão do direito de família pátrio, envolvido pelos laços da afetividade. No sentido de resguardar a família, vários diplomas normativos foram editados, norteados, agora, pelos princípios do melhor interesse da criança - calcado na centralidade dos interesses e desenvolvimento do menor sobre os interesses dos pais, o que, inclusive, contribuiu para o conceito de poder familiar em lugar de pátrio poder[1] - e da convivência familiar, buscando o desenvolvimento mais saudável possível para os infantes.
Justamente em tal contexto, formulou-se a ideia de alienação parental ou parentalidade agressiva, entendida como a falsa percepção incutida na criança ou adolescente, geralmente por familiares, um dos genitores, ou quem detenha a guarda do menor, a respeito do outro genitor, levando-a a rejeitar tal pessoa, ou mesmo a anulando do seu convívio afetivo[2]. A Lei 12.318/2010, Lei da Alienação Parental, veio para coibir este abuso, propósito buscado preventivamente pela recente Lei de Guarda Compartilhada, Lei 13.058/2014.
Não raro, a percepção que embasa a alienação parental relaciona-se a um falso abuso sexual que teria a criança sofrido de seu genitor, dentre muitas outras inverdades prejudiciais ao desenvolvimento infantil. Todavia, faz-se necessário refletir sobre a hipótese de ser a pessoa que supostamente sofreu a agressão do genitor de seu filho a própria mãe do menor, caso de inconteste aplicação da Lei Maria da Penha, voltada à violência doméstica e familiar contra a mulher.
2. Entre as medidas protetivas de urgência e a alienação parental: uma reflexão necessária
O assunto da alienação parental desponta, sobretudo, no caso de serem requeridas medidas protetivas de urgência em favor da genitora, providências cautelares de natureza extrapenal discriminadas nos arts.18 a 24 da Lei 11.340/2006, protegendo-a do convívio, em tese, danoso do agressor, o que resultará de pedido seu na própria delegacia de polícia, ou mesmo de pedido formulado do Ministério Público.
A cautelaridade trazida pelo mencionado diploma defronta-se, não poucas vezes, com os interesses reputados imprescindíveis pelo direito de família ao bom desenvolvimento dos filhos, sobretudo em face do inciso IV do art.22 do mencionado diploma, o que, no caso concreto, demanda profundas reflexões, a fim de que não se resvale em injustiças, cuja potencialidade é de prejudicar, muitas vezes de modo irreversível, vidas inteiras. Eis, aí, também, outro impasse trazido pela Lei: o juiz decidirá nos moldes de seus artigos 22, 23 e 24, muitas vezes, sem acesso a prova alguma, inclusive por ser isto difícil em face do delito praticado, designando audiência de justificação para a oitiva da vítima, apenas caso não se sinta apto a decidir de logo[3].
Embora se faça necessária a proteção aos hipossuficientes – e sem descuidar da situação de vulnerabilidade e violência em que foi colocada a mulher no curso da história - , o Direito Penal deve preocupar-se, sempre, com o mínimo, no sentido de interpretar restritivamente as condutas que possam limitar a liberdade das pessoas, buscando menores prejuízos a elas. No entanto, tal mister deve, induvidosamente, conjugar-se com a necessidade de coibir condutas atentatórias à incolumidade dos indivíduos - sobretudo àqueles que figurarem do lado, por assim dizer, mais fraco - e à vivência social saudável. Semelhante discussão merece relevo, principalmente em virtude de não serem poucos os relatos de perigos suportados por uma mulher por conta da convivência com seu agressor, mesmo se restrita aos interesses dos filhos[4]. Consoante elucidou Maria Berenice Dias, ao proclamar a contribuição da Lei 11.340/2006:
A sociedade está dando à Justiça mais uma chance de reverter este desastre que fizemos. Não podemos decepcionar novamente todos, principalmente essas mulheres violadas e violentadas do Brasil, que a única coisa que estão esperando de nós é uma atitude positiva com relação à lei[5]
Não é tolerável que a vida e a integridade física e moral de uma mulher corram verdadeiro perigo, em razão de não se adotar uma medida protetiva de urgência. É importante, pois, relembrar que as medidas cautelares decorrem da fumaça do bom direito, a cognição sumária e superficial sobre a existência do direito, conjugada ao perigo da demora, a verossimilhança do perigo para a tutela do direito, possuindo caráter transitório e, sobretudo, excepcional, até que o Estado-juiz finalmente decida sobre sua concessão[6]. Isto, consoante dispõe o art.18 da Lei Maria da Penha, deve ocorrer em até 48 horas. Devem, pois, ser concedidas em se observando tais requisitos, notadamente no concernente à proteção dos vulneráveis e no âmbito do direito penal, porque lida com bens jurídicos do mais elevado valor.
Assinala-se, entretanto, no particular da Lei Maria da Penha, que, conforme se dá com boa parte das medidas cautelares, poderá o juiz decidir de logo, em razão mesmo da urgência da medida. Outrossim, a provisoriedade materializa outra característica inarredável das providências cautelares, que exigem, por isso, decisão judicial ulterior fundamentada, devendo permanecer apenas enquanto perdurar a situação fática que lhes motivou.
Para além disso, é pressuposto legal da alienação parental que a percepção incutida no menor seja falsa.
Ademais, imperativo dos relacionamentos familiares é que se tenha o filho como ente separado do relacionamento de seus genitores, sempre que assim seja possível, a fim de resguardar-lhe o direito à convivência paterno-filial em sua maior amplitude.
Impõe-se, pois, a ponderação de valores e interesses, a fim de que a controversa questão seja resolvida da maneira mais adequada e justa possível. De um lado da balança, o desenvolvimento afetivo das crianças e adolescentes, filhos, e, portanto, partes distintas da relação de seus pais não ser interrompido, ainda que transitoriamente. De outro, a incolumidade física e psíquica de uma mulher, bens jurídicos cuja proteção é imperativa.
A questão é por demais tormentosa; afigura-se, contudo, mais seguro pender na maioria das vezes, ao menos em um primeiro momento, para o segundo lado, com a grande ressalva de que uma medida cautelar não possui caráter de definitividade, demandando solução judicial célere, justa e conjugada aos interesses do direito de família, sempre que a convivência do pai com os filhos não for atentatória à vida e à higidez da mãe. Neste ínterim, vale repisar, faz-se imprescindível a apreciação judicial do caso concreto. Conforme pontua precisamente Nilo Batista a respeito da Lei 11.340/2006,
Certamente o setor mais criativo e elogiável da lei reside nas medidas protetivas de urgência (arts.22,23 e 24). Ali estão desenhadas diversas providências que podem, no mínimo, assegurar níveis suportáveis no encaminhamento de soluções para conflitos domésticos, até patrimoniais. O perigo está potencialmente, aqui, num abusivo emprego penal das medidas protetivas de urgência, que estão amplamente legitimadas enquanto coerção direta. Mas a supervisão de visitas aos filhos (art.22, IV) pode ser abusivamente manejada como pena sempre que, a despeito da agressão contra a mãe, a relação do agressor com seus filhos não estiver afetada[7]. (Grifou-se).
Proferida, então, a decisão judicial final no processo, abarcando a medida protetiva de urgência, se for apurado que a declaração de ocorrência da agressão foi inverídica, realizada com o mero intuito de afastar o filho da convivência de seu genitor, cabe a responsabilização da mãe por litigância de má-fé, conforme seja cabível, aspecto que deve ser observado em sua inteireza, por força das disposições do novo Código de Processo Civil, que, ao coibir veementemente este comportamento, deve impactar o processo penal[8].
3. Conclusão:
Diante de tudo quanto foi exposto no presente trabalho, percebe-se a necessidade de o magistrado sempre observar as garantias processuais da ampla defesa e do contraditório, a despeito de, em sede cautelar, ser este geralmente diferido. Assim, mesmo no caso de Lei a resguardar interesses de hipossuficientes, na qualidade de pontos de partida para a sua decisão, os fatos devem ser analisados integralmente, a fim de que a prestação jurisdicional cumpra devidamente o seu papel e não prejudique vidas inteiras. No caso, a suspensão de visitas aos filhos, por ostentar efeitos mais sérios, dentre outras medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha carregadas desta gravidade, é medida a ser aplicada em último caso.
Ressalte-se, aqui, todavia, não ser possível, de modo algum, defender que a aplicação de tais medidas importe, por si só, em alienação parental perpetrada pela mulher supostamente agredida contra os filhos do casal. Fazê-lo seria afrontar a necessidade de proteção aos que porventura se encontrem ameaçados em sua integridade física e mental, além de agredir, de frente, todo o ordenamento jurídico, que, conforme já delineado aqui, não apenas protege a formação da pessoa dos filhos, mas também resguarda a incolumidade da mulher, interesses profundamente relacionados.
Referências:
BATISTA, Nilo. E só Carolina não viu – violência doméstica e políticas criminais no Brasil. (2008). In: Jornal do Conselho Regional de Psicologia, 5 - p.12. Disponível em: http://www.crprj.org.br/publicacoes/jornal/jornal17-nilobatista.pdf. Acesso em 16/12/2017.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 291815/ DF. Rel. Min. Rogério Schietti Cruz. DJe 22/04/2014. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?livre=aliena%E7%E3o+parental++e+lei+maria+da+penha&&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em: 16/12/2017.
DIAS, Maria Berenice. Aspectos Civis e Processuais da Lei 11.340/06. PP. 9-10.
DIAS, Maria Berenice. Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. PP. 545 -550.
LOBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Saraiva, 2011. P.75.
LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Volume II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.174.
NUCCI, Guilherme de Souza. A má-fé no Processo Penal em harmonia com o novo CPC. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2015/04/10/a-ma-fe-no-processo-penal-em-harmonia-com-o-novo-cpc/. Acesso em: 16/12/2017
[1] LOBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Saraiva, 2011. P.75.
[2] DIAS, Maria Berenice. Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. PP. 545 -550.
[3] DIAS, Maria Berenice. Aspectos Civis e Processuais da Lei 11.340/06. P.6.
[4] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 291815/ DF. Rel. Min. Rogério Schietti Cruz. DJe 22/04/2014. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?livre=aliena%E7%E3o+parental++e+lei+maria+da+penha&&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em: 16/12/2017.
[5] DIAS, Maria Berenice. Aspectos Civis e Processuais da Lei 11.340/06. PP. 9-10.
[6] LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Volume II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.174.
[7] BATISTA, Nilo. E só Carolina não viu – violência doméstica e políticas criminais no Brasil. (2008). In: Jornal do Conselho Regional de Psicologia, 5 - p.12. Disponível em: http://www.crprj.org.br/publicacoes/jornal/jornal17-nilobatista.pdf. Acesso em 16/12/2017.
[8] NUCCI, Guilherme de Souza. A má-fé no Processo Penal em harmonia com o novo CPC. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2015/04/10/a-ma-fe-no-processo-penal-em-harmonia-com-o-novo-cpc/. Acesso em: 16/12/2017.
Advogada. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMPOS, Ana Carolina Torres. Medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha e alienação parental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 dez 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51183/medidas-protetivas-de-urgencia-da-lei-maria-da-penha-e-alienacao-parental. Acesso em: 07 nov 2024.
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