RESUMO: O presente trabalho consiste em um estudo de caso da falência e da tentativa de recuperação judicial do Grupo Agrenco no Brasil. O estudo analisa os planos de recuperação judicial propostos, especialmente as cláusulas do 4º Plano de Recuperação Judicial. Assim, pode-se verificar, neste artigo, desde os motivos que levaram a empresa a buscar a recuperação judicial até as causas do seu insucesso.
PALAVRAS-CHAVE: Recuperação Judicial. Falência. Grupo Agrenco. Lei nº 11.101/05.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Recuperação Judicial: 2.1. Conceitos e características; 2.2. Motivos determinantes para a crise; 2.3. Os planos para a recuperação da empresa: 2.3.1. Introdução e objetivo do Plano; 2.3.2. Credores da recuperação; 2.3.3. Premissas para a consecução do Plano; 2.3.4. Condomínio de credores; 2.3.5. Garantias fiduciárias; 2.3.6. Alienação de ativos e de unidades produtivas isoladas; 2.3.7. Novos financiamentos; 2.3.8. Operação e administração do Grupo Agrenco (Brasil); 2.3.9. Opção de compra de ações e opção de compra de ativos; 2.3.10. Condições resolutivas; 2.3.11. Pagamento aos credores; 2.3.12. Vencimento antecipado da dívida; 2.3.13. Disposições finais; 4. Conclusão; 5. Referências.
1. Introdução
A escolha do tema se deu pela complexidade do caso de tentativa de recuperação judicial e posterior falência do conglomerado de empresas do Grupo Agrenco: AGRENCO DO BRASIL S/A, AGRENCO SERVIÇOS DE ARMAZENAGEM LTDA., AGRENCO ADMINISTRAÇÃO DE BENS S/A e AGRENCO BIOENERGIA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ÓLEOS E BIODIESEL LTDA.
Tendo sido afetada pela crise econômica de 2008, a empresa Agrenco do Brasil S/A, originada da Agrenco NV – holding e sócia controladora -, foi atacada pela Operação Influenza, a qual consistiu numa investigação conjunta da Polícia Federal e da Receita Federal (brasileiras) de crimes financeiros, a exemplo dos crimes de lavagem de dinheiro, práticas cambiais ilegais e fraudes em licitações.
Afirmou a empresa que, após dois dias da diligência da PF, passou a possuir dívida de R$860 milhões de reais por causa da diminuição brusca no valor das ações negociadas na bolsa de valores. O impacto da Operação Influenza ocorreu devido a diversos fatores, dentre eles ter a PF apreendido, em sua sede, todos os seus documentos e registros, o que aconteceu 10 dias antes do fechamento do segundo trimestre de 2008. Por conseguinte, a empresa não entregou seu Informe Trimestral (ITR) à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), acarretando a suspensão da negociação de ações.
Diante desse cenário – ausência de possibilidade de entrega do ITR e desgaste da imagem pela imprensa – a empresa começou a ter de se desfazer rapidamente de bens, havendo a necessidade, assim, de ceder à pressão dos credores, os quais viraram verdadeiros algozes de última hora. Vale ressaltar que tal operação foi posteriormente anulada pelo Judiciário em razão da utilização de meios ilegais de colheita de provas[1].
As respostas para as crises financeiras empresariais variam muito de acordo com o país afetado, comprovando a ausência de solução para o problema. Cada país tem encontrado respostas próprias à questão da recuperação judicial das empresas. Fábio Ulhôa demonstra essa diversidade de soluções de forma resumida:
Há os que procuram criar mecanismos preventivos (direito francês), enquanto outros só tratam da reorganização da atividade falida (alemão). Há os que se limitam a criar um ambiente favorável à negociação direta entre os envolvidos (norte-americanos) e também os que determinam a intervenção judicial na administração da empresa em dificuldade (italiano) [2].
O princípio da continuidade das empresas e o da função social, os quais vigem no Brasil e regem o instituto da recuperação judicial, fazem com que o Estado tenha o dever de zelar pela saúde econômico-financeira dos estabelecimentos existentes em seu território, a fim de proteger não só a empresa, mas também seus empregados e a própria economia nacional.
Como consequência deste contexto, as empresas em questão foram compelidas a pleitear, em 2008, sua recuperação judicial, a qual será analisada. Inicialmente, o plano proposto foi aceito, contudo, as obrigações convencionadas não foram satisfeitas, de modo que levou a necessidade de alteração do mesmo, a qual dependia do crivo dos credores. Estes, entretanto, após a aceitação de diversas alterações ao longo dos anos, discordaram da viabilidade da nova reestruturação apresentada.
Houve, em 2013, deste modo, a convolação da recuperação judicial em falência em virtude da hipótese contida no inc. III do art. 73 da Lei 11.101/2005 (LRFE), a qual determina que: “O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial: III – quando houver sido rejeitado o plano de recuperação, nos termos do § 4o do art. 56 desta Lei”. É a situação em que a Assembleia Geral de Credores rejeita o plano de recuperação judicial, neste caso, não sendo o mesmo aprovado em duas classes de credores: a dos com garantia real e a dos quirografários.
Embora a sentença de falência tenha constatado a não existência de abuso por parte dos credores, exercendo estes o direito subjetivo de voto, muito se especulou acerca da ocorrência de fraude por parte deles, tendo supostamente agido contrariamente à boa-fé e levando de maneira proposital a empresa à qualidade de massa falida.
2. Recuperação Judicial
2.1. Conceitos e características
A priori, faz-se mister, para começar o estudo, pontuar a necessidade de enxergar a empresa como pessoa jurídica complexa, envolvida por uma série de relações contratuais, cujos interesses não se restringem aos dos empresários. Diante da quantidade de interesses envolvidos – empresários, credores, Estado e sociedade -, surgiu-se a necessidade de regular a insolvência (estado de fato) das empresas, criando-se, portanto, a Lei 11.101/05 - Lei de Falências e Recuperação de Empresas brasileiras. Tal observação foi feita também pelo juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo na sentença que negou o pedido de recuperação judicial da Agrenco em 2013, cabendo aqui transcrever o excerto:
O instituto da recuperação judicial foi concebido pela Lei 11.101/05 para promover a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (art. 47, da LF). O benefício concedido pela Lei aos empresários em crise objetiva permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. Não apenas preserva-se com o instituto o interesse dos credores, diretamente atingidos pela eventual decretação da falência, mas também do Estado, cuja higidez do sistema econômico e confiança do mercado são dependentes da solvência dos agentes.
Pode-se dizer que a LRFE possui como fundamentos deontológicos a função social da empresa, o princípio preservacionista da empresa, a participação ativa dos credores na condução do processo e a superação da crise da empresa através de uma solução de mercado (geralmente advinda dos credores, por entenderem mais de mercado).
A recuperação judicial tem natureza jurídica contratual e processual, haja vista consistir em acordo entre o devedor e seus credores (não ocorrendo sem a anuência destes) e ser realizada através de procedimento jurisdicional e oficioso. Essa natureza contratual é ratificada pelo juiz na mesma decisão alhures mencionada, vejamos:
De modo a garantir a reestruturação efetiva da atividade, ao contrário da concordata, a Lei garantiu aos credores da empresa a efetiva participação no processo de recuperação. Nessa reestruturação, a participação dos credores é ativa e a superação deveria ser baseada em um plano de reestruturação que promovesse o desenvolvimento da atividade comprometida, mediante a aprovação da maioria qualificada dos credores em Assembleia.
O objetivo da recuperação judicial é previsto no art. 47, o qual afirma como objetivos da recuperação judicial “permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. Nesse diapasão, nota-se estar a Lei intrinsecamente conectada com os princípios gerais da ordem econômica, previstos no art. 170 da CF/88, especialmente os da função social da propriedade, da livre concorrência e da busca do pleno emprego.
O devedor entra com o pedido de recuperação judicial, devendo os credores o aceitar de forma tácita - caso não se manifestem - ou de forma expressa, através de assembleia de credores, rejeitá-lo ou modificá-lo (contraproposta que deve ser aceita expressamente).
Não é proveitoso para o Estado, em nome da coletividade, admitir a recuperação judicial de todas as empresas, devendo observar se o processo, ao final, retribuirá à sociedade o investimento feito. Em grande parte dos casos, devido a inúmeros fatores – expostos mais adiantes – é melhor a decretação da falência ainda em seu limiar.
Contudo, o instituto não pode, sob o fundamento da função preservacionista da empresa e com a anuência do Judiciário, servir à frustração dos créditos dos credores, desfigurando o instrumento e fazendo com que se torne meio usado para lesar não apenas a quem se deve, mas também o mercado. Desse modo decidiu o juiz do caso em questão na decisão supracitada:
(...) ao longo de todos esses anos evidenciou-se que as empresas recuperandas não possuem capacidade produtiva apta a satisfazer a demanda, não possuem uma estrutura organizacional hígida e sólida para lidar com seu passivo, bem como não possuem condições de se reestruturar e desenvolver atividade produtiva de modo a reverter o quadro deficitário em que ingressaram. Logo, o princípio da preservação da empresa, não absoluto, não deve ser aplicado, sob pena de não se garantir a própria segurança dos demais agentes do mercado. As empresas devem ser extirpadas do mercado para que os recursos e fatores de produção sejam empregados em uma atividade mais útil a todo o sistema.
Nesse diapasão, será primordial a ponderação de diversos fatores antes da concessão da recuperação judicial. Fabio Ulhôa, a fim de criar critérios mais objetivos para o aferimento da capacidade da empresa devolver à sociedade o gasto empregado, fala de um exame de viabilidade, composto de diversos fatores, quais sejam: a) a importância social (relevância da empresa para economia); b) mão de obra e tecnologia empregadas; c) volume do ativo e passivo; d) idade da empresa; e) porte econômico. Tais fatores deverão ser analisados em conjunto e de modo sistemático, não podendo, por exemplo, aceitar o pedido de recuperação judicial de empresa com pouca relevância econômica, baixa utilização de mão de obra, tecnologicamente atrasada e baixo porte econômico apenas devido à idade e tradição da empresa.
In casu, alguns desses fatores da Agrenco certamente foram levados em consideração para a análise dos pedidos recuperação judicial. Primeiro, a importância social, que é relevante, uma vez que a empresa, funcionando, tem capacidade para processar 2% da soja brasileira[3]. A empresa, segundo seus executivos, é capaz de gerar uma receita anual de US$ 1,3 bilhão (cerca de R$ 2,8 bilhões).
Em relação à mão de obra empregada, em novembro de 2011, demitiu 108 funcionários do quadro total (120 funcionários), por causa da falta de caixa, faltando dinheiro até para comprar soja, restringindo as atividades a esmagar a soja que já tinha armazenada. No tocante à tecnologia, tinha duas unidades produtoras de biodiesel, uma no Mato Grosso e outra no Mato Grosso do Sul. O complexo de Alto Araguaia tinha capacidade anual para esmagar 900 mil toneladas de soja e produzir 630 mil toneladas de farelo de soja, além de 176 mil toneladas de óleo de soja, sendo o único do Brasil com produção integrada e tecnologia que permite flexibilidade para a produção de diversos tipos de farelos, óleos vegetais, biodiesel, além de energia elétrica. [4]
Já o volume do passivo foi certamente o maior empecilho para lograr êxito nas recuperações judiciais, pois possuía dívida de cerca de 1,5 bilhão. No tocante à idade da empresa, podia ser considerada nova, tendo sido criada em 2004.
2.2. Motivos determinantes para a crise
Interessante é ter a empresa, em 2007, captado o valor de R$ 666 milhões de reais em oferta pública inicial de recibos de ações na BM&FBovespa, cuja finalidade da verba seria financiar a expansão, através da construção de três processadores de soja, e pagar as dívidas. [5]
Apenas oito meses após estrear na Bolsa, a multinacional brasileira entrou em colapso, com os principais executivos presos pela Policia Federal e as ações despencando para 88% do seu valor.
Entende a holding holandesa ter sido a prisão do fundador e de 30 de seus executivos pela Polícia Federal, na Operação Influenza, que investigava crimes de fraude e lavagem de dinheiro, a grande causa para o desmoronamento dos negócios[6]. Pode-se afirmar ter razão a holding, tendo em vista o consequente desgaste da imagem e a apreensão dos livros e documentos da empresa, os quais demoraram a retornar, e quando retornaram, estavam desordenados. Por corolário lógico, levou-se tempo para organizar todo o material apreendido, que são essenciais para a administração da empresa. Ademais, em decorrência da operação, credores começaram a se movimentar para obter os vencimentos e fornecedores desviaram suas produções para outras tradings com medo de não receber[7].
O diretor de relações com investidores, Antonio Modesti, afirmou como causas, além da Operação Influenza, a construção de três novas fábricas ao mesmo tempo e o timing da abertura de capital, pegando o mercado em baixa. Outro fator essencial foi a crise mundial dos títulos subprime de 2008, a qual tornou mais difícil ainda a capitalização da empresa e a superação das dificuldades financeiras, gerando a desvalorização das ações investidas na BM&FBovespa.
Segundo o executivo Antonio Modesti, em março de 2008, o patrimônio líquido da Agrenco Limited era de cerca de R$ 280 milhões. Três meses depois, em junho, conforme Bastos, havia passado ao negativo de R$ 460 milhões. A KPMG concluiu ter sido o motivo dessa mudança brusca de patrimônio a perda de R$ 378,70 milhões, em operações realizadas pela companhia com derivativos[8].
2.3. Os planos para a recuperação da empresa e análise pormenorizada do 4º Plano de Recuperação Judicial
A Agrenco passou por 4 planos de recuperação judicial, sendo aprovados os primeiros dois, os quais previam o pagamento integral da dívida, porém não foram cumpridos. O terceiro pedido, apresentado em maio de 2013, dividia a recuperação entre as subsidiárias da companhia, havendo um plano para cada uma delas, o que beneficiaria a Agrenco Bionergia, concentradora de menos de 10% de toda a dívida. Entretanto, a Justiça decidiu pela irregularidade, exigindo um único plano para todo o grupo de empresas. Após o desgaste pelos descumprimentos, veio o quarto e último pedido de recuperação judicial.
O quarto pedido de recuperação judicial, o mais importante, inicia com a expressa observação que está de acordo com os requisitos cumulativos do art. 53 da LFRE (discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados e seu resumo, demonstração de sua viabilidade econômica e laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada).
2.3.1. Introdução e objetivo
O primeiro tópico é o da introdução e objetivo do plano, no qual faz um breve resumo do ínterim entre a crise e o pedido. Alega ter tomado – e que vai tomar ainda - diversas medidas para buscar satisfazer as obrigações da empresa com os seus credores, dentre elas: a) tentativa mal sucedida de venda do Grupo Agrenco (Brasil) a terceiros; b) venda imediata dos ativos, cujos valores foram investidos na medida do possível, devido a impossibilidade de satisfazer todos os créditos apenas com ele; c) liquidação do Grupo; d) arrendamento de certas unidades isoladas, buscando-se um comprometimento com o término imediato das fábricas, a fim de em 2 ou 3 anos tê-las terminado e pago aos fornecedores; e) tentativa de reinício das operações do Grupo, mediante a alienação de determinadas unidades produtivas e outros ativos e término da construção das fábricas. Além disso, tenta persuadir os credores afirmando ser fonte de geração de bens, recursos, empregos e tributos, e ter grandes consumidores - principalmente europeus - como clientes.
2.3.2. Credores da recuperação judicial
O segundo tópico aborda as cláusulas referentes aos credores da recuperação, assim qualificados os que se encontrassem no Quadro de Credores apresentado pelo Administrador Judicial, sendo este o gestor das atividades do devedor, vide art. 65, § 1º da LRFE. Dispõe, ainda, sobre a possibilidade de cessão dos créditos, desde que haja a comunicação ao Juízo da Recuperação e os respectivos cessionários recebam e confirmem o recebimento de cópia do Plano, reconhecendo que, quando da sua aprovação, o crédito cedido estará sujeito a suas cláusulas, sob pena de a cessão ser reputada ineficaz em relação ao devedor da obrigação cedida.
Outrossim, divide os credores nas classes do art. 41: trabalhistas, com garantia real e quirografários, sem falar sobre os enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte, haja vista terem sido esses incluídos no rol apenas com a Lei Complementar nº 47 de 2014, posterior ao plano. Por fim, ratifica o previsto no art. 45 da LFRE, isto é, que o quórum para aprovação e modificação do plano é a maioria.
2.3.3. Premissas para a consecução do 4º Plano
O terceiro tópico fala das premissas para a consecução do plano, ou seja, os meios a serem utilizados para a sua execução. Os meios de recuperação judicial estão previstos no art. 50 da LFRE, todavia não há taxatividade neles, possibilitando o uso de outras medidas.
De forma resumida, foram utilizados: a) reorganização societária das Sociedades em Recuperação (art. 50, III, da LFRE); b) cessão e transferência de ativos (art. 50, II, da LFRE); c) alienação fiduciária das ações da Operacional à totalidade de credores (art. 50, II, da LFRE); d) alienação fiduciária de certos ativos ao credor HSH (art. 50, II, da LFRE); e) concessão aos credores de opção de compra de ações da Operacional, podendo ceder ou transferir esta opção a terceiros (art. 50, II, da LFRE); f) mesma opção “e” à totalidade de credores; g) alienação da fábrica Marialva e da Agrenco Argentina e de estoques (art. 50, VII e XI, da LFRE); h) alienação de estoques com anuência prévia dos credores titulares (art. 50, XI, da LFRE); i) se necessário, obtenção de financiamentos para término das indústrias e retomada das atividades (meio não previsto no rol enumerativo do art. 50 da LFRE); j) contratação de Operador mediante anuência da Totalidade de Credores para gerir as atividades das Sociedades em Recuperação e, oportunamente, da Operacional, prestar contas à Totalidade de Credores e destinar os pagamentos cabíveis à Operacional diretamente à Totalidade de Credores (art. 50, I e V, da LFRE); e k) as Sociedades em Recuperação, a Operacional, a Holding e os acionistas não poderão constituir outra empresa do mesmo ramo de atividade ou de atividades conexas, sem a anuência da Totalidade de Credores (meio não incluído no rol do art. 50 da LFRE).
2.3.4. Condomínio de credores
O quarto ponto é sobre as disposições referentes ao condomínio de credores, que já definido de início como a Totalidade de Credores, a qual nomeará um representante dessa totalidade (agente fiduciário). Tal agente terá a responsabilidade de - além de representar a totalidade em todos e quaisquer atos e documentos referentes ao plano - se submeter às regras definidas no Contrato de Compartilhamento.
O condomínio terá aplicável a si o Contrato de Compartilhamento de Garantias e Direitos entre Credores. É excluído expressamente do condomínio o Banco do Brasil e as garantias firmadas em relação a determinada cédula de crédito comercial. A Totalidade irá ainda poder contratar entre si, observadas as regras de administração conjunta dos créditos e direitos relacionados que detêm contra as Sociedades em Recuperação.
Além dessas disposições há muitas outras, dentre as quais consideramos mais importantes poder parte dos credores fazer com que o agente fiduciário se abstenha de tomar algumas medidas e a necessidade de o agente fiduciário convocar uma RC para deliberar sobre a possibilidade de cessão, transferência ou venda da Opção de Compra de Ações, ou Opção de Compra de Ativos a terceiros ou o início das medidas judiciais e/ou administrativas necessárias para a execução das garantias fiduciárias previstas neste Plano, diante de inadimplemento por 45 dias.
2.3.5. Garantias fiduciárias
A quinta parte expõe as garantias fiduciárias concedidas. À Totalidade de Credores foram dadas como garantias as ações e os ativos da Operacional, com exceção dos que são garantia para o Banco do Brasil em certa cédula de crédito comercial e o HSH. Para a liberação das garantias, far-se-á necessária autorização prévia e expressa da Totalidade de Credores.
Outras cláusulas importantes são as que dão prazo de 30 (trinta) dias para conclusão dos contratos de alienação fiduciária das ações e dos ativos da Operacional, diferindo entre os pactos apenas os modelos utilizados e quem deveria assinar: no primeiro, é a Totalidade de Credores, representado pelo agente fiduciário, a Holding e a Operacional, enquanto, no segundo, é a Totalidade de Credores, representado pelo agente fiduciário e a Operacional apenas.
Caberia ao agente fiduciário obedecer rigorosamente a ordem e mecanismo de distribuição estabelecida no Plano e Contrato de Compartilhamento de Garantias, quando fosse distribuir eventuais rendas logradas com a excussão das garantias fiduciárias, ou com a venda de opção de compra das ações ou da opção de compra dos ativos.
Em caso de ocorrência da consequente alienação de opções de compra de ativos e ações (por inadimplemento ou não), apesar de a deliberação ser feita pela Totalidade de Credores, o valor seria dividido entre os grupos, com preferência para as classes de credores dos grupos I, II e III. Os valores que sobrarem do pagamento da Totalidade de Credores, serão restituídos à sociedade em recuperação. Também cria dispositivos específicos para os créditos do Credit Suisse, Banco do Brasil e HSH.
2.3.6. Alienação de ativos e de unidades produtivas isoladas
Aqui se diz quais ativos e unidades produtivas podem ser alienadas e como dar-se-ia essa alienação (conta de depósito, destinação dos valores obtidos etc).
Poderiam ser alienadas as seguintes unidades produtivas isoladas: a unidade de biodiesel de Marialva/PR, as operações da Agrenco Argentina e os estoques de soja, compondo-se as duas primeiras por ativos, tangíveis e intangíveis, e contratos, obrigações e direitos. Haveria a possibilidade de realização de leilão para a alienação da Marialva e Agrenco Argentina, desde que tenha aprovação por credores titulares de maioria simples dos créditos da Totalidade de Credores.
2.3.7. Novos financiamentos
O Plano prevê nesse ponto a possibilidade de caso seja necessário para o término das plantas industriais originalmente pertencentes à Agrenco Bioenergia e/ou para o pagamento de fornecedores estratégicos (considerados os essenciais para a complementação e operacionalização das Plantas Industriais) da Agrenco Bioenergia, poderão as sociedades em recuperação, em conjunto ou isoladamente, ou a Holding ou Operacional, contratar novos financiamentos.
Tais financiamentos seriam considerados créditos extraconcursais, tendo prioridade de pagamento sobre os outros credores, o que certamente pesa para o insucesso de um Plano, vide capítulo seguinte.
2.3.8. Operação e administração do Grupo Agrenco (Brasil)
Explana o tópico 8 do 4º Plano sobre como se daria a escolha do conselho de administração e a diretoria das Sociedades em Recuperação, da Holding e/ou da Operacional e do Operador, tendo a eleição desses administradores de ser aprovada pela Totalidade de Credores.
Outrossim, há a figura do Operador, que deverá ser pessoa jurídica idônea com capacidade financeira e experiência em administrar plantas industriais do setor; interesse em investir no setor do agronegócio brasileiro; e potencial interesse em cogeração de energia e biodiesel. São enumeradas funções para o Operador, a título de exemplo: tomar todas as medidas necessárias para maximizar o valor da cadeia produtiva das Sociedades em Recuperação e otimizar o nível de emprego do Grupo Agrenco (Brasil). Entretanto, a função do Operador inclui responsabilidade subjetiva (culpa ou dolo) pelos prejuízos que ocasionar às sociedades em recuperação.
2.3.9. Opção de compra de ações e opção de compra de ativos
Conforme já falado em tópicos anteriores, especialmente o das premissas do Plano, insurgiria a possibilidade de opção de compra de ações e opção de compra de ativos pela Totalidade de Credores. Pontua-se acerca de quem deve assinar e aprovar tais contratos, o prazo para assinatura, o modelo dos mesmos e o limite de preço a ser respeitado.
2.3.10. Condições resolutivas
As condições resolutivas, quando ocorridas, implicariam em cancelamento do que já estava aprovado e, por conseguinte, a imediata convocação de Assembleia Geral de Credores para deliberar a respeito de uma alternativa ao Plano ou a falência do Grupo Agrenco (Brasil).
Foram consideradas quatro condições resolutivas, que foram: a) não aprovação, pelos Credores, do nome ou dos termos de contratação do Operador ou de uma equipe administrativa profissional até o dia 28 de Abril de 2009, sem que este prazo seja prorrogado; b) não formalização de instrumentos relativos à concordância dos credores titulares de pelo menos 85% (oitenta e cinco por cento) dos ACCs e credores fiduciários no prazo de 20 (vinte) dias a contar da aprovação do Plano pelos Credores; c) não conclusão, no prazo estabelecido no Plano, da Reorganização Societária; e d) não formalização, pelas sociedades em recuperação, Holding e/ou Operacional, conforme o caso, e competentes registros, de determinados contratos.
2.3.11. Pagamento aos credores
O tópico 11 coloca a forma e proporções que será dado o pagamento da Totalidade de Credores. Importante observar a obrigatoriedade de contratação de empresa de auditoria de primeira linha, pelas sociedades em recuperação, para auditar balanços, resultados e dados gerenciais e apresentar relatório detalhado para a Totalidade dos Credores em relação ao cumprimento das obrigações financeiras previstas no Plano. E o que seria essa empresa de primeira linha? O Plano não prevê, tornando-se, assim, uma questão subjetiva.
Além disso, não poderia ter distribuição de recursos, a qualquer titulo, aos sócios e acionistas das sociedades em recuperação, da Holding e/ou da Operacional antes de integralmente cumpridas todas as obrigações previstas no Plano. Vemos como razoável essa disposição, haja vista a necessidade de priorizar o cumprimento do pactuado na recuperação antes de poder dispor dos recursos, a fim de evitar fraudes.
Também se percebe o tratamento diferenciado dado nessa seção aos credores trabalhistas que venham a ter os seus créditos apurados durante o processo de recuperação judicial em razão de eventuais créditos laborais anteriores ao pedido de recuperação.
2.3.12. Vencimento antecipado da dívida
O Plano lista casos de antecipação de vencimento da dívida, dentre eles: o inadimplemento total ou parcial; não realização de pagamento mínimo estimado nas projeções que embasaram-no; descumprimento de qualquer obrigação assumida nos Contratos de Alienação Fiduciária de Ações e Ativos; decretação de falência de qualquer das sociedades em recuperação, da Operacional ou da Holding, o que já é imposto pelo art. 77 da LFRE; alteração do objeto social, da composição de seu capital social, ocorrência de qualquer mudança, transferência ou cessão, direta ou indireta, de seu controle societário/acionário, ou ainda sua incorporação, fusão ou cisão sem a anuência expressa da Totalidade dos Credores; dentre outros. Essa medida certamente é primordial para o sucesso de um plano de recuperação judicial, pois é, por exemplo, sanção grave à empresa que descumprir cláusulas contratuais ou tentar usar de meios fraudatórios diretos ou indiretos para o seu insucesso.
2.3.13. Disposições finais
Na parte das disposições finais, incluem-se diversos dispositivos essenciais para a análise do Plano. Primeiramente, fala-se o óbvio: o plano aprovado obrigará o Grupo Agrenco (Brasil), assim como suas sucessoras e credores sujeitos à recuperação judicial ou que tiverem o assinado. Prossegue com cláusula necessária, mas também lógica, afirmando que os atos mencionados no Plano que exigirem autorização ou homologação judicial para sua eficácia ou validade, apenas serão eficazes ou válidos após a respectiva autorização ou homologação.
Entre a homologação do Plano e o cumprimento, os credores não poderiam ingressar ou continuar com ações ou execuções judiciais só contra as sociedades em recuperação, restando as que tiverem em curso suspensas, salvo descumprimento de obrigações ou ocorrência de condições resolutivas. Como já dito no tópico dos novos financiamentos, permanecem válidas e eficazes as dividas contraídas e garantias prestadas frente a terceiros para a satisfação das dívidas, podem já ser executadas, havendo disposições especiais para os garantidores pessoas físicas.
Após 2 anos da homologação do Plano, se o Grupo Agrenco cumprisse o estabelecido, poderia requerer o encerramento do processo de recuperação judicial. Ao final, se houvesse o pagamento integral de todos os credores, os créditos, consequentemente, dar-se-iam por quitados. Por outro lado, se ocorresse a falência durante o Plano (o que não aconteceu, já que nem chegou a ser aprovado), seria considerado como valor do bem objeto da garantia pignoratícia sobre estoques liberados e vendidos durante esta recuperação, a importância efetivamente recebida com a sua respectiva venda, conforme o disposto artigo 83, § 1º, da LFRE.
Finaliza-se o Plano elegendo como foro de eleição o juízo da recuperação para dirimir qualquer controvérsia ou disputa referente a ele até a sua finalização. Após isso, o Foro competente para tais questões seria o da Comarca de São Paulo. Vale observar que é competente para deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil, conforme art. 3º da LFRE, o qual foi respeitado. In casu, este juízo foi a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo.
3. Conclusão
A Lei nº 11.101 de 2005 institucionalizou a recuperação judicial com a finalidade preservar a empresa, sua função social e o incentivo à atividade econômica. Portanto, consiste em benefício para situações de crise e que busca permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores e do Estado.
No caso do Grupo Agrenco, verificou-se que diversos fatores levaram as empresas ao contexto de crise que permitiu a decretação da recuperação judicial, dentre eles: a crise econômica mundial de 2008, a Operação Influenza - investigação de crimes financeiros realizada de maneira conjunta entre a Polícia Federal e a Receita Federal, ambas brasileiras – e a diminuição brusca no valor das ações negociadas na bolsa de valores, as quais despencaram cerca de 88% do seu valor em comparação com 2007.
Ademais, podem ser apontados também como fatores decisivos a apreensão na sede do grupo de documentos e registros dez dias antes do fechamento do segundo trimestre de 2008, o que impossibilitou a apresentação das contas, acarretando a suspensão da negociação de ações. Por fim, ainda em decorrência da Operação Influenza, diversos credores buscaram obter os vencimentos e fornecedores desviaram suas produções para outras tradings.
Diante de todo o contexto acima mencionado, as quatro empresas em questão pleitearam, no ano de 2008, a sua recuperação judicial, apresentando uma sucessão de planos recuperacionais, dos quais os dois primeiros foram aprovados, porém não cumpridos.
Como consequência da inabilidade dos planos até então propostos de solucionar a situação adversa, houve a apresentação de novas propostas, sendo a de 2013 por fim recusada pela maioria dos credores. Ocorreu, pois, a convolação da recuperação judicial em falência.
Diante da análise pormenorizada do último plano de recuperação judicial apresentado, em meados de 2013, nos pareceu claro que a proposta das empresas AGRENCO DO BRASIL S/A, AGRENCO SERVIÇOS DE ARMAZENAGEM LTDA., AGRENCO ADMINISTRAÇÃO DE BENS S/A e AGRENCO BIOENERGIA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ÓLEOS E BIODIESEL LTDA era insuficiente.
4. Referências
BIODIESELBR. Agrenco demite 108 dos 120 funcionários que mantinha na fábrica de Alto Araguaia. Disponível em: http://www.biodieselbr.com/noticias/usinas/info/agrenco-demite-fabrica-alto-araguaia-131111.htm. Acessado em 07/06/2015.
BIODIESELBR. Disputa na Agrenco: briga entre controladora e consultoria. Disponível em: http://www.biodieselbr.com/noticias/em-foco/disputa-agrenco-briga-controladora-consultoria-160710.html. Acessado em 29/05/2015.
CANÁRIO, Pedro. Investigação anulada: Empresa pede reparação por abusos em operação da PF. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-abr-01/empresa-reparacao-uniao-abusos-operacao-policia-federal. Acessado em 04/06/2015.
COELHO, Ulhoa Fábio. Curso de direito comercial, volume 3: direito de empresa. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 484.
ÉPOCA. Sócio do Hopi Hari é acusado de tentar provocar falência de empresa processadora de soja. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Negocios-e-carreira/noticia/2012/04/dono-do-hopi-hari-e-acusado-de-tentar-provocar-falencia-de-empresa-processadora-de-soja.html. Acessado em 07/06/2015.
VALOR ECONÔMICO. Com recusa de plano, Agrenco pode ir à falência. Disponível em: http://www.biodieselbr.com/noticias/usinas/info/recusa-plano-agrenco-falencia.htm. Acessado em 06/06/2015.
REVISTA DINHEIRO RURAL. Agrenco limpa a casa. Disponível em: http://revistadinheirorural.terra.com.br/secao/agronegocios/agrenco-limpa-a-casa. Acessado em: 29/05/2015.
[1]CANÁRIO, PEDRO. Investigação anulada: Empresa pede reparação por abusos em operação da PF. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-abr-01/empresa-reparacao-uniao-abusos-operacao-policia-federal. Acessado em 04/06/2015.
[2]COELHO, Ulhoa Fábio. Curso de direito comercial, volume 3: direito de empresa. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 484.
[6]BIODIESELBR. Disputa na Agrenco: briga entre controladora e consultoria. Disponível em: http://www.biodieselbr.com/noticias/em-foco/disputa-agrenco-briga-controladora-consultoria-160710.html. Acessado em 29/05/2015.
[8]BIODIESELBR. Disputa na Agrenco: briga entre controladora e consultoria. Disponível em: http://www.biodieselbr.com/noticias/em-foco/disputa-agrenco-briga-controladora-consultoria-160710.html. Acessado em 29/05/2015.
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Pós Graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Maurício Schibuola de. Uma análise teórica da tentativa de recuperação judicial do Grupo Agrenco Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jan 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51194/uma-analise-teorica-da-tentativa-de-recuperacao-judicial-do-grupo-agrenco. Acesso em: 07 nov 2024.
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