RESUMO: O presente estudo trata da evolução histórica das fraudes ao regime de emprego no Brasil e analisa as ferramentas existentes no ordenamento jurídico pátrio, a fim de inibir a ocorrência de tal prática, sobretudo no cenário atual de desenfreada flexibilização e alargamento indevido da “economia de bico”.
PALAVRAS-CHAVE: Fraude; primazia da realidade; princípio da proteção; contrato-realidade.
1. INTRODUÇÃO
A temática da fraude ao regime de emprego no Brasil é digna de atenção não só por parte da doutrina, mas também exige um combate efetivo e reiterado por parte dos operadores do direito, a fim de inibir, findar e evitar a repetição desta ilicitude ao ordenamento jurídico trabalhista. De fato, com base em uma ligeira retrospectiva histórica, nota-se uma tendência de minimizar o valor do trabalho no país, o que é acompanhado pelo desenvolvimento de práticas fraudulentas para aviltar os direitos inerentes à realização do labor. Além disso, resta evidenciado, na realidade, que a flexibilização das normas trabalhistas favorece o seu aumento, referendando a importância do manejo de ferramentas jurídicas para atacar o comportamento fraudulento.
Justamente por isso, no presente estudo, debruça-se sobre o sistema jurídico pátrio, sinalizando regras e princípios passíveis de rechaçar as diversas modalidades de fraudes ao regime de emprego. Para tanto, analisar-se-á o princípio da primazia da realidade e a teoria do contrato-realidade, como premissas que auxiliam na percepção precisa da relação de emprego e na luta contra a fraude. Em seguida, é feito um estudo de dispositivos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que ganham relevância no regramento da matéria.
Evidencia-se, nesse passo, a necessidade imperiosa de aplicar a orientação contida na Recomendação 198, 4, “b” da Organização Internacional de Trabalho, no sentido de coibir as relações escamoteadas e encobertas de trabalho, sendo mais um meio de concretização do trabalho decente e digno, direito social do trabalhador (art. 6º da Constituição Federal). Ademais, a nocividade da fraude vai além das relações de trabalho, prejudicando os recolhimentos das contribuições devidas, colaborando com o aumento das despesas sociais com benefícios em virtude de acidentes em relações precárias, bem como desconsiderando o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana, fundamentos da Constituição Federal (art. 1º, III e IV), motivos que reforçam a atualidade e relevância do presente debate.
2. FRAUDE NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: HISTÓRIA, MORFOLOGIA E TRANSCENDÊNCIA
Uma breve retrospectiva acerca do desenrolar dos fatos históricos é imprescindível à compreensão dos institutos jurídicos e do ramo do Direito ao qual se pretende analisar. E de outro modo não poderia ser ao cuidar de Direito do Trabalho, ramo jurídico esse cujo nascedouro está intimamente relacionado à questão social e à situação histórica desumana de exploração do trabalhador, e das fraudes ao regime de emprego no Brasil[1].
Deveras, o trabalho é tão antigo quanto o homem, que, desde os primórdios, teve de empreender sua energia humana, física ou intelectual com o fim produtivo de garantir sua subsistência[2]. Posteriormente, com o surgimento das coletividades, passaram a existir, sucessivamente no tempo, diferentes modos de produção e trabalho, dentre os quais se destacam a escravidão, a servidão e o modelo capitalista. Todos eles, a seu modo, colaboraram no desenvolvimento da noção de valor do trabalho humano e acerca da necessidade de embutir à relação de emprego mais direitos e garantias.
Ademais, concomitantemente, influenciaram, ainda, na formação da nociva tendência brasileira, herdada desde a peculiar origem do Direito do Trabalho local e dos direitos fundamentais sociais, em suprimir ou reduzir direitos trabalhistas, dando ensejo às fraudes à caracterização do regime de emprego, que é mais benéfico à parte hipossuficiente no pacto laboral.
Desse modo, restringindo-nos ao caso brasileiro, em uma breve retrospectiva histórica do desenvolvimento da organização do trabalho no tempo, dos conflitos sociais e do capitalismo, é possível compreender a origem e morfologia das diversas modalidades de fraudes engendradas na história com o escopo de desfavorecer o trabalhador. Salientando, inclusive, que, ainda como reflexo do contexto histórico ensejador do surgimento do Direito do Trabalho, aliado à nova tendência mundial de globalização e de flexibilização de normas trabalhistas, houve o recrudescimento das tentativas de fraudes, o que reforça a atualidade do tema.
2.1. BREVE RELATO SOBRE A ORIGEM E EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL
O caso brasileiro de origem e desenvolvimento do Direito do Trabalho é bastante peculiar. Distante das grandes potências europeias e rico em produtos tropicais, foi o Brasil, desde seu descobrimento, transformado em colônia e fadado tão-somente a suprir os anseios da metrópole colonizadora. Nesse momento histórico, então, inicia-se o processo de institucionalização da postura exploradora arraigada na cultura local, tanto dos produtos frutos da terra, quanto em relação aos indígenas encontrados.
Embora fosse evidente a desvalorização dos índios por parte dos europeus, sendo esses, inclusive, tratados com violência e utilizados como livre mão de obra a ser explorada, rapidamente foi priorizada a escravização de negros no novo continente. “O comércio internacional de escravos, trazidos da costa africana, era em si mesmo um negócio tentador, que acabou se tornando o grande negócio da Colônia, na medida em que gerava lucros exagerados aos traficantes e comandantes dos navios negreiros”[3]. Além disso, “a causa da liberdade dos índios foi assumida formalmente pela Igreja Católica, inclusive através de uma bula do Papa Paulo III, já a escravidão dos negros africanos teve a sanção do Vaticano”[4].
No contexto escravista, era o escravo tido como coisa, mera mercadoria. Não havia, por conseguinte, espaço para seu reconhecimento como sujeito de direito, embora fosse transmitida a condição de escravo aos filhos dos negros. Em síntese, havia uma simples relação de domínio, caracterizada pela prestação de um trabalho gracioso e forçado em favor do amo[5].
Ademais, as ambições da classe em ascensão local, constituída, em sua maioria, de grandes fazendeiros, antigos senhores de engenho, que se acostumaram a controlar os arranjos sociais mediante força e ajustes políticos, limitavam-se aos negócios do açúcar, posteriormente substituídos pela exploração do mercado cafeeiro, no âmbito nacional e internacional, além de assegurar as regalias aristocráticas regionalizadas há tempos[6]. Portanto, os valores tipicamente sedimentados pelo liberalismo e individualismo jurídico, tais como a supremacia das leis, a valorização do indivíduo, a crença na universalidade dos direitos, as formas representativas de governar, pouco se desenvolviam em uma ordem escravocrata, em que os direitos do homem e do cidadão eram desconsiderados à grande parte do povo[7].
Assim, as reivindicações da classe de trabalhadores, composta, basicamente, de alguns poucos imigrantes chegados ao novo continente, bem como de escravos, grande maioria da mão de obra local, não ganhavam expressividade, pois flagrantemente desinteressantes aos anseios dos donos do capital. Não havia, portanto, espaço significativo para o florescimento de uma ordem jurídica de natureza social, o Direito do Trabalho, destinado a viabilizar melhores condições ao trabalhador[8].
Dessa sorte, observadas tais características no contexto de formação colonial brasileiro até o fim do século XIX, consubstanciadas, mormente, em um sistema econômico pautado na relação escravista de trabalho, não seria possível auferir de forma concreta a existência do Direito do Trabalho local. Isso porque o objeto de tutela desse ramo jurídico consiste, primordialmente, na relação de emprego, sendo imprescindível o fornecimento de mão de obra de maneira livre, que é diametralmente oposta à noção de escravização do homem. Entrementes, os dizeres de Maurício Godinho Delgado têm a seguinte compostura:
Se a existência do trabalho livre (juridicamente livre) é pressuposto histórico-material para o surgimento do trabalho subordinado (e, consequentemente, da relação empregatícia), não há que se falar em ramo jurídico normatizador da relação de emprego sem que o próprio pressuposto dessa relação seja estruturalmente permitido na sociedade enfocada. Desse modo, apenas a contar da extinção da escravatura, com a assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, é que se pode iniciar uma pesquisa consistente sobre a formação e consolidação histórica do Direito do Trabalho no Brasil[9].
É preciso referendar, no entanto, que, embora de forma incipiente, já era possível observar a caracterização de algumas relações de emprego ou, ainda, a criação e desenvolvimento de pequenos focos industriais, passíveis de viabilizar a origem e amadurecimento do Direito do Trabalho. Porém, em razão de ser aquele momento histórico caracterizado essencialmente por uma economia do tipo rural e pela escravidão dos negros, tais manifestações ganhavam pouca relevância, não havendo, de fato, ambiente histórico para viabilizar e desenvolver o novo ramo jurídico de viés social[10].
Na segunda metade do século XIX, houve o início de significativas alterações na formatação social do Brasil. Por influência das novas ideias decorrentes do humanismo e do iluminismo, surgiu o movimento abolicionista, que defendia o fim da escravidão no Brasil. Ademais, concomitantemente, houve o recrudescimento de contratações de empregados assalariados brasileiros e de imigrantes, mormente a partir de 1870, em razão da necessidade do surgimento de indústrias nos grandes centros urbanos. Já nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, por exemplo, a nova mão de obra foi adotada diante da substituição dos antigos engenhos pelas usinas produtoras de açúcar, que passou a empregar trabalhadores assalariados brasileiros e imigrantes estrangeiros, a partir de 1870[11].
Em nível internacional, era crescente a pressão externa a fim de erradicar o tráfico de escravos, capitaneada, principalmente, pela Inglaterra, pois bastante prejudicial aos seus interesses econômicos. Com o intuito de não causar prejuízos financeiros aos proprietários rurais, o governo brasileiro foi gradualmente reprimindo a comercialização e utilização de escravos. Inicialmente, em 1826, o Brasil assinou um Tratado junto à Inglaterra em que, três anos após sua ratificação, seria ilegal o tráfico de escravos para o Brasil. Ademais, como decorrência desse Tratado, foi publicada uma lei, em 07 de novembro de 1831, prevendo duras penas aos traficantes e que foi complementada, em 1850, pela Lei Eusébio de Queiroz, que finalmente extinguiu o tráfico de escravos do Brasil[12].
Vinte e um anos mais tarde, em 28 de setembro de 1871, foi promulgada a Lei do Ventre-Livre, que tornava os filhos de escravos que nascessem a partir da decretação da lei livres. Em 1885, foi promulgada a Lei Saraiva - Cotegipe ou Lei dos Sexagenários, que declarava livres os negros com mais de 65 anos. Por fim, em 13 de maio de 1888, por meio da Lei Áurea, foi concedida a liberdade total aos negros brasileiros, abolindo, definitivamente, a escravidão no Brasil[13].
A verdade, contudo, é que a promulgação da Lei Áurea pouco alterou a situação do ex-escravo, que continuou à margem da sociedade. Isso porque, as novas oportunidades de trabalho eram preponderantemente direcionadas aos imigrantes, que acabaram substituindo a mão de obra escrava. Para os ex-escravos, a lei ensejou uma liberdade meramente negativa, caracterizada pela possibilidade de estarem livres para trabalhar para quem quisessem. Não introduziu, no entanto, meios eficazes de inserção do ex-escravo à sociedade, assegurando-lhe a condição de cidadão, sujeito de direito. Segundo Emília Viotti da Costa:
A abolição livrou o país de seus inconvenientes. Quanto aos negros, porém, abandonou-os à sua própria sorte. Deles não se ocuparam as elites dominantes e o Estado. Suas dificuldades concretas de integração à sociedade acabaram atribuídas à sua inferioridade racial. São marcas da herança dos tempos do Brasil Colônia, inscritas na estrutura social, política e econômica do Brasil[14].
Ao término do regime escravista, diante da intensificação do processo de industrialização do Brasil, homens, mulheres e crianças livres, imigrantes ou não, numa sociedade residualmente escravocrata, ofereciam-se ao labor de forma desorganizada, em péssimas condições de trabalho, sem uma adequada regulação social nem instituições públicas que os protegessem satisfatoriamente, a fim de evitar a exploração do homem pelo homem[15].
Em decorrência desse caos social, muitas greves desenvolveram-se no Brasil, o que ensejou algumas iniciativas legislativas de proteção do trabalhador, que foram pouco eficazes. Em longo prazo, contudo, com o crescimento da indústria e dos grandes centros urbanos, com o aumento dos conflitos em virtude das precárias condições de trabalho internos e diante da pressão internacional, foi o Brasil, no início do século XX, implementando mais e mais direitos de cunho social, a culminar pela edição da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e no desenvolvimento do Direito do Trabalho pátrio.
Mas os quase quatrocentos anos de convivência com o regime de trabalho escravo geraram um estigma cultural intimamente relacionado à compreensão e aplicação do Direito do Trabalho no Brasil. Deveras, essa preponderância histórica do uso de escravos consolidou, segundo Jorge Luiz Souto Maior[16]. “uma espécie de descompromisso com a sorte das pessoas que se situem fora das classes mais favorecidas”, pois “o natural, nessa concepção escravocrata, é manter as diferenças sociais entre as pessoas”. Manolo Gracia Florentino[17], ainda, acrescenta que, considerando que a escravidão deu início e desenvolvimento ao projeto de civilização brasileira por muitos séculos, ao fazê-lo “viabilizou um projeto excludente, em que o objetivo das elites é manter a diferença com relação ao restante da população”, mormente no que toca aos negros.
Ademais, como consequência, a formação cultural escravocrata, além de interferir na consolidação da discriminação pela cor, interfere também no valor atribuído ao trabalho e na tendência a sonegar direitos em virtude da prestação do labor. “Um trabalhador que até pouco tempo era escravo, já tem muito se lhe é conferido algum direito e se vai a juízo reclamar este direito é ‘um mal agradecido”[18].
É nesse contexto de desvalorização do trabalho humano, então, que pode ser observado o nascedouro da perniciosa tendência brasileira em fraudar a aplicação de normas trabalhistas e dos direitos sociais. Isso porque, como resultado da escravidão, marco da desconsideração do homem como sujeito de direito e pessoa humana, os direitos inerentes à própria execução do trabalho não são enxergados pelos tomadores de serviço, analogamente comparáveis aos antigos senhores feudais, realmente como direitos, mas tão-somente como mera liberalidade ou, concessões àqueles que antes não gozavam de direito algum. Burlá-los mediante a utilização de verdadeiros arranjos jurídicos ou simulações grosseiras restritas ao plano formal, portanto, tornou-se tendência diante do aumento do rol de direitos sociais. É nesse sentido o entendimento de Ronaldo Lima dos Santos:
Relevante assinalar que, contrariamente aos argumentos sobre a necessidade de diminuição do custo do valor do trabalho como forma de conceder competitividade às empresas, a fraude nas relações de trabalho decorre mais de uma herança escravista da sociedade brasileira, que gerou uma cultura de exploração e aviltamento das pessoas dos trabalhadores, do que uma necessidade econômica em face dos fenômenos como globalização e concorrência externa. Os países com economias mais sólidas e competitivas são exatamente aqueles em que os trabalhadores possuem amplas garantias sociais e trabalhistas e, coincidentemente, sociedades mais igualitárias[19].
A essa peculiaridade da história brasileira, a fim de justificar a existência de fraudes ao regime de emprego, deve ser lembrado, ainda, o caráter pessoal - e não econômico - do cometimento da fraude nas relações de trabalho. Considerando estritamente o elemento subjetivo do agente empregador, movido pela usura, poderá, então, almejar maior aferição econômica por meio do aumento da mais-valia e da mercantilização do labor, dispondo, às vezes, de meios fraudulentos para tanto[20].
Complementa, ainda, Arnaldo Süssekind:
Em toda comunidade, durante a história da civilização, apareceram, como surgirão sempre, pessoas que procuram fraudar o sistema jurídico em vigor, seja pelo uso malicioso e abusivo do direito de que são titulares, seja pela simulação de atos jurídicos, tendentes a desvirtuar ou impedir a aplicação da lei pertinente, seja, enfim, por qualquer outra forma que a má-fé dos homens é capaz de arquitetar. Por isto mesmo, inúmeros são os atos praticados por alguns empregadores inescrupulosos visando a impedir a aplicação dos preceitos de ordem pública consagrados pelas leis de proteção ao trabalho.E, em alguns casos, os próprios trabalhadores, premidos pela coação econômica ou pelo poder hierárquico do respectivo empregador, ou, ainda, pelo desconhecimento da legislação aplicável, participam do ajuste estipulado em fraude à lei”[21].
Entrementes, as modalidades de fraude foram ganhando novas roupagens ao longo do tempo, tornando-se mais ou menos elaboradas, de acordo com as últimas mudanças mundiais, culminando, em uma extensa variedade de hipóteses nas quais não elaborados imbróglios jurídicos-formais a fim de burlar a configuração do regime de emprego.
2.2. A FRAUDE OBJETIVA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
A Constituição Federal de 1988, de teor nitidamente social, faz uma abordagem privilegiada do trabalho humano, buscando embutir à prestação do labor dignidade, bem como tornando fundamento da República brasileira os valores sociais do trabalho[22]. Contempla, ainda, em seu texto, variegados direitos e garantias aos trabalhadores, elevando, inclusive, o trabalho à condição de direito social[23], além de assegurar a todos uma existência digna, o que se realiza, em especial, mediante a busca do pleno emprego[24].
No entanto, muito embora estejam compilados na Carta Magna de 1988 uma série de direitos aos trabalhadores a fim de dar maior dignidade ao trabalho, a grande maioria deles tem aplicação restrita àqueles que gozam da condição de trabalhador empregado, por ser o vínculo empregatício privilegiado pelo texto constitucional em detrimento dos demais. Nas palavras de Edilton Meireles[25], “o que antes era presumido por ser o que geralmente ocorria, agora decorre de opção expressa do legislador constitucional pelo labor subordinado, como meio ou instrumento preferencial para promover a dignidade humana por meio do trabalho”. Além disso, a presunção de existência de regime de emprego, ressalte-se, é resultado da aplicação direta do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.
Com o escopo de afastar a incidência de todo o rol de direitos trazidos a nível constitucional, e mais esmiuçados na Consolidação das Leis Trabalhistas e leis extravagantes, ganham espaço as fraudes ao contrato de trabalho, que, na precisa definição de Ari Pedro Lorenzetti[26], nada mais é que o principal negócio jurídico trabalhista.
Etimologicamente, a fraude é percebida como uma manobra de má-fé, motivada pelo intuito de encobrir a verdade ou contornar um dever. Traduz, portanto, um engano consciente e deliberado, com abuso de confiança, que, invariavelmente, acarreta ou prepara, em regra, um dano de ordem material. Em todos os casos, será uma manifestação que subverte o regular desenvolvimento da vida jurídica, por emprego de meios indiretos, que produzem uma aparência enganosa[27].
Em uma definição mais direcionada a este estudo, morfologicamente, pode-se dizer que as fraudes nas relações de trabalho são reflexos imediatos da tentativa de mercantilização do labor humano, mediante a utilização de métodos, procedimentos, condutas e mecanismos jurídicos-formais que visam dar uma roupagem jurídica fictícia à relação de emprego, e, por consequência, inviabilizar, no todo ou em parte, a aplicação das normas trabalhistas e dos direitos sociais fundamentais embutidos à condição de empregado[28].
Cumpre salientar, ainda, que a grande maioria dos institutos contidos no Direito do Trabalho pressupõe uma cadeia de valores distinta daquela adotada pela legislação civil, em razão da tentativa de realizar a tutela do empregado hipossuficiente. E o mesmo se dá no que diz respeito ao específico estudo das fraudes na seara trabalhista.
Como consabido, nos diversos ramos do Direito Civil é indispensável a existência de prova acerca do consilium fraudis para que seja caracterizado o vício de vontade no ato jurídico, capaz de comprometer a validade do ato. A vontade do agente, direcionada à realização de um ato escuso, ganha relevância[29].
O mesmo não ocorre no Direito do Trabalho. Em razão de sua forte carga principiológica, voltada à proteção do sujeito obreiro, estigmatizado pela hipossuficiência diante do empregador em virtude da sua própria condição de empregado, a fraude trabalhista é auferida objetivamente, sem necessidade de perseguir o animus demonstrado pelos agentes a motivar o ato fraudulento. É o que de pronto se observa da interpretação do artigo 9º da CLT[30], que traz em seu bojo o corolário da fraude objetiva nos contratos de trabalho.
Outrossim, a noção de fraude objetiva presente no Direito do Trabalho é também consectário da relevância do aspecto fático em detrimento ao rigorismo das formas para conceber a existência de relação de emprego no caso concreto. Portanto, caso presentes os elementos-fáticos-jurídicos caracterizadores da relação de emprego, a saber, pessoalidade da prestação, subordinação jurídica, não-eventualidade do labor e intuito oneroso, definidos nos artigos 2º[31] e 3º[32] da CLT, pouco importa o rótulo jurídico ou a natureza do acordo definido pelas partes. Ratifica isto, inclusive, o teor dos artigos 442[33] e 443[34] consolidados, que demonstram ser o contrato de trabalho extremamente informal, sem forma prescrita em lei, podendo ser formulado de maneira tácita ou, até mesmo, expressamente, por escrito ou verbal, pois há prevalência da realidade fática.
Estas são as lições de Ari Pedro Lorenzetti[35]:
Presentes tais elementos na execução do contrato, de nada adianta a formalização de negócio diverso, uma vez que o contrato de trabalho é negócio jurídico típico, cujos elementos devem ser extraídos da realidade, e não do que foi combinado entre seus figurantes. O que prevalece, portanto, não é o que as partes avençaram formalmente, mas o modo como se deu, na prática, a prestação laboral.
Mas não é só. Deveras, sequer é relevante que a fraude seja realizada unilateralmente por parte do empregador, produto da intenção do empregado aliado a seu patrono (consilium fraudis) ou, ainda, embora sem participar ativamente, com a eventual ciência ou consentimento do obreiro (conscientia fraudis). Em todos os casos, com amparo na noção objetiva de fraude, reproduzida pelo artigo 9º consolidado, invariavelmente, haverá a nulidade dos atos fraudulentos, sendo reconhecida a relação de emprego entre as partes[36].
Historicamente, as fraudes nas relações de trabalho inicialmente consubstanciaram-se nas figuras contratuais clássicas do Direito Civil e do Direito Comercial. Diversos empregadores, a fim de se livrarem da obrigação de satisfazer os direitos sociais dos trabalhadores, buscavam descaracterizar o vínculo empregatício restringindo as contratações a uma das espécies contratuais da legislação civil, a exemplo do arrendamento, compra e venda, sociedade, mandato, parceria, locação de serviço (locatio operarum) e a representação comercial autônoma, ainda que a prestação do serviço ocorresse em flagrante situação de vínculo empregatício, com pessoalidade, onerosidade, subordinação, não eventualidade e alteridade.
Tal fato era possível em razão do contrato de trabalho ser uma das espécies do gênero contrato de atividade[37], o que acarreta, per si, algumas características semelhantes aos contratos clássicos consagrados no Direito Civil. Por isso, inclusive, embora as fraudes no contrato de trabalho estejam cada vez mais sofisticadas, essencialmente, ainda prestigiam a formatação inerente aos contratos civis.
Nesse sentido, exemplifica Ronaldo Lima dos Santos:
Diz-se objetiva a fraude nas relações de trabalho porque, ao contrário do que ocorre no direito civil, para a sua aferição basta a presença material dos requisitos da relação de emprego, independentemente da roupagem jurídica conferida à prestação de serviços (parceria, arrendamento, prestação de serviços autônomos, cooperado, contrato de sociedade, estagiário, representação comercial autônoma, etc.), sendo irrelevante o aspecto subjetivo consubstanciado no animus fraudandi do empregador, bem como a eventual ciência ou consentimento do empregado com a contratação irregular, citando-se, v.g, nesta última hipótese, a irrelevância dos termos de adesão às falsas cooperativas pelos trabalhadores com vistas a alcançar um posto de trabalho dentro de determinada empresa; a inscrição, e conseqüente prestação de serviços, como autônomo ou representante comercial, apesar da zexigência de vínculo empregatício; a exigência de constituição de pessoa jurídica (“pejotização”) pelo trabalhador para ingressar no emprego etc., posto que constituem instrumentos jurídicos insuficientes para afastar o contrato-realidade entre as partes[38].
Na tentativa de burlar os preceitos consolidados e desconstruir os elementos basilares da formação da relação de emprego, foi o instituto evoluindo e remodelando-se. A própria proliferação dos novos modelos de relação de trabalho hodiernamente, caracterizados por um elevado grau de complexidade, deram espaço para fomentar o desenvolvimento da morfologia das fraudes de modo amplo e diversificado.
Ademais, é de causar espanto o quanto os homens dedicam-se exaustivamente a buscar novas alternativas de frustrar a aplicação dos comandos legais, seja adotando soluções inesperadas dentro dos limites da lei, seja atingindo a esfera do ilícito ou ilegal, mediante engenhosos esquemas de fraude, mormente se motivados por desembolsar valores irrisórios para aviltar o pagamento das verbas trabalhistas típicas.
No entanto, justamente por ser o regime de emprego a forma de trabalho predominante em nossa sociedade e tutelada em nível constitucional, como já explicitado, havendo a alegação por parte do empregado da ocorrência de fraude no contrato de trabalho mediante a utilização de institutos contratuais atinentes à área cível, compete ao empregador, caso admitida a prestação de serviço, o ônus de comprovar que inexiste relação de emprego, em atenção à regra do artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho[39] cominado com o artigo 373[40] do Código de Processo Civil[41], pois alega fato modificativo do direito do obreiro.
2.3. A FRAUDE AO REGIME DE EMPREGO E A FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS
É sabido que a revolução tecnológica ocorrida - e que ainda se opera –, nas últimas décadas, ensejou o início do fenômeno da globalização mundial, em que tempo e distâncias são relativizados em razão da eficiência dos novos meios de comunicação e transportes.
Em decorrência da complexidade do fenômeno de globalização, sua ocorrência acarreta consequências diretas tanto sobre o capital, quanto sobre o trabalho, modelando-os para que a favoreçam. Logo, a medida que permite a expansão da economia e a ampliação dos mercados, em virtude da quebra de barreiras tributárias (aduaneiras), altera, também, a estruturação empresarial e a formatação das relações de trabalho, ameaçando a própria subsistência do emprego”[42].
Isso porque, como consectários lógicos imediatos da concorrência comercial fruto da globalização, estão a necessidade de maior produtividade das empresas e a redução de custos, mormente no que diz respeito à mão de obra.
Nesse sentido, no que concerne especificamente à seara laboral, explica José Soares Filho[43] que a globalização sugere a livre circulação de trabalhadores entre os países integrantes do mesmo bloco econômico (mercado comum), a flexibilização e desregulamentação das relações de trabalho, a precarização do contrato de trabalho – que passa a admitir novas figuras, a exemplo do contrato temporário, das contratações terceirizadas, a supressão de direitos e garantias antes inafastáveis-, e, também, o desemprego estrutural. Deveras, o novo contexto globalizador, minimiza a relevância do trabalho no processo de produção, idealizando, até mesmo, engendrar uma sociedade sem trabalhadores, em que a máquina ganha destaque por enxugar custos. Isso é possível justamente porque, nas palavras de Lygia Maria de Godoy Batista Cavalcanti[44], “é mais fácil aumentar o lucro precarizando a força de trabalho”.
Ao mesmo tempo, como decorrência do processo descrito acima, o “Estado-Providência” perdeu sua força diante das novas políticas governamentais de (neo)liberalização, fruto das novas tendências capitalistas mundiais, que retirou “das estruturas governamentais estatais o poder de ingerência e domínio total e definitivo sobre os acontecimentos sociais, econômicos e, até se pode dizer, políticos”[45].
Explica Rodrigo Lacerda de Carelli:
Os Estados Nacionais passam a exercer a “Concorrência pelo Direito”, “Concorrência pelo Trabalho”, “Concorrência Internacional de Trabalhadores” ou Dumping Social, ou seja, a “desvalorização competitiva social” por meio de concessões fiscais ou jurídicas realizadas por estes Estados, em busca dos postos de trabalho a serem oferecidos pelas empresas transnacionais, as quais, pelo desencaixe espaço-tempo, estão possibilitadas de produzirem de qualquer parte do mundo objetivando qualquer outro mercado consumidor, situado em qualquer outro continente. Desta forma, logicamente, estes empreendimentos transnacionais escolherão os locais ou países que melhores condições econômicas lhe oferecerem, causando com isso uma pressão negativa nos direitos sociais dos Estados que se interessam em acomodar essas empresas ou, até mesmo, naqueles que desejam manter essas empresas em seu território, pois a volatilidade das empresas também se apresenta na nova configuração mundial, e as instalações e desinstalações de empresas se fazem em questão de dias[46].
Especificamente no que concerne à flexibilização das relações de trabalho, esta pode ser conceituada, segundo Wilma Nogueira de A. V. da Silva:
Flexibilização trata-se do enxugamento dos direitos e condições contratuais de trabalho, seja pela revogação de algumas leis, seja pela autorização legal para flexibilizar a sua aplicação. A crescente corrente neoliberal prega a omissão do próprio Estado, sempre com vistas à desregulamentação, tanto quanto possível, do Direito do Trabalho, de forma que as leis do mercado passem a reger as condições de emprego. Como conseqüência, o termo flexibilização está relacionado, no âmbito laboral, a um indesejável processo de exclusão das leis que regulam as relações contratuais entre empregado e empregador, de forma a prestigiar a negociação entre as partes interessadas, pela suposição muitas vezes equivocada de que conhecem melhor e mais perto a realidade que administram. De fato, a flexibilização tem sido propugnada, principalmente, por aqueles indivíduos que apresentam uma mentalidade neoliberal, em decorrência da substituição da sociedade industrial por uma outra tecnologia[47].
Ressalte-se, ainda, ser do entendimento de Alice Monteiro de Barros que é o fenômeno da flexibilização “encarado também sob o enfoque da ‘desregulamentação normativa’, imposta pelo Estado, a qual consiste em derrogar vantagens de cunho trabalhista, substituindo-as por benefícios inferiores”[48].
Percebe-se, portanto, que, essencialmente, no novo cenário decorrente da flexibilização, existe a primazia da competição pelo lucro, o que leva a uma tendência nociva de exploração desumana do trabalhador no decorrer da relação de emprego. Diversos empregadores buscam subterfúgios variados a fim de viabilizar, até mesmo, a libertação absoluta de todas as suas obrigações relativas aos trabalhadores, embora todas elas sejam inafastáveis por imposição da lei. Deveras, a ganância em ampliar a margem de lucro, juntamente a vasta gama de tecnologias vanguardistas existentes, termina por acarretar em uma “crescente resistência aos contratos de trabalho regulados por normas constitucionais e legais rígidas, nascendo o desejo por novos modelos, muitas vezes lesivos às aspirações da classe trabalhadora” [49] e até mesmo às fraudes ao regime de emprego.
Ademais, o próprio trabalho, por sua vez, sofre alterações. Em um aspecto objetivo, há modificações no que se refere à forma como o trabalho se apresenta e se constitui. Já no caráter subjetivo, modifica-se a percepção do ser humano sobre esse trabalho e o que ele representa ao homem. Em ambos os aspectos, há uma desvalorização do trabalho enquanto prestação humana.
Em virtude da nova conjuntura, a forma em que se apresenta o trabalho muda. Nasce um novo mercado de trabalho, que já não é marcado pela homogeneidade, mas, sim, segmentado e díspar. A regra da típica prestação subordinada e a tempo indeterminado, hegemônica por todo o século XX, cede espaço, então, para uma nova e exagerada multiplicidade de tipos de trabalho[50].
No contexto dessas novas figuras contratuais trabalhistas destacam-se as fraudes à ocorrência do regime de emprego. Como já explicitado alhures, diversos empregadores, atraídos com a possibilidade de obter maior lucro, utilizam-se de práticas abusivas e ilícitas a fim de mascarar a real ocorrência da relação de emprego, a fim de furtarem-se de quitar todas as obrigações oriundas de tal situação jurídica. Considerando que, hodiernamente, a sociedade do trabalho encontra-se multifacetada, disforme e muito diferenciada, seja quanto às condições de trabalho e à natureza da prestação, seja em relação à garantia de direitos, configura-se brecha muito utilizada para burlar a ordem jurídica.
Munidos pelo argumento de que determinada prestação refere-se a uma das atípicas formas de trabalho, em que se varia a configuração dos clássicos requisitos ensejadores da relação de emprego, desejam os empregadores classificar a prestação existente em outra diversa da relação de emprego, muito mais protetiva. É uma clara tentativa de retornar à legislação civil, que não tutela especificamente o empregado, o que é, portanto, bastante conveniente na medida em que drasticamente reduz gastos com mão de obra, ampliando o lucro.
Ademais, como consequência, ainda, do processo de globalização, que enseja uma imensurável alteração da típica estrutura da empresa, fica prejudicada a real dimensão dessa. Assim, comprometida a precisão física e concreta do empreendimento– pois esse, quase sempre, é o empregador -, segundo Rodrigo de Lacerda Carelli, evidenciam-se dois problemas: a opacidade do empregador real e a falta de tipicidade[51].
Resta caracterizada a opacidade do empregador real em razão da dificuldade de se determinar no espaço a figura da empresa. A falta de tipicidade, a seu turno, está relacionada à dificuldade de precisar o sujeito empregador, que deve localizar-se em um dos polos da relação jurídica de emprego, além de comprometer a percepção do elemento subordinação. Ambos os problemas terminam por acarretar a inefetividade das normas trabalhistas infraconstitucionais e dos direitos sociais constitucionalmente garantidos. Por consequência, dão margem, eventualmente, a manifestações de fraude[52].
Nesse contexto, nota-se que é, hoje, plural a sociedade do trabalho, floreando diversas possibilidades de formatação do labor – as denominadas “formas atípicas de trabalho” -, que, embora todas elas nascidas com o específico escopo em precarizar as relações de trabalho típicas, devem ser consideradas em suas peculiaridades, com fidedigna aplicação de seus respectivos regimes jurídicos, para amenizar os efeitos da precarização, bem como coibir o (maior) desvirtuamento dos institutos para propiciar o fomento das fraudes[53].
3. A LEGISLAÇÃO CONTRA A FRAUDE E A FRAUDE CONTRA A LEGISLAÇÃO
É sabido ser o Direito ciência diretamente vinculada às construções do homem em sociedade. Assim sendo, as normas surgem como reflexo às tendências em nível de valores de um meio social, tutelando os bens que merecem um cuidado diferenciado por parte do Estado e dos homens, bem como trazendo as regras necessárias para a convivência harmônica em coletividade. Portanto, em outras palavras, acolhida a teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale, o fenômeno jurídico surge como decorrência de um fato social, que, invariavelmente, recebe uma carga de valoração humana, para finalmente tornar-se norma[54].
Em razão da elevada reprovabilidade social existente no ato de fraudar, não poderia o ordenamento jurídico pátrio manter-se indiferente às reiteradas tentativas de alguns indivíduos em buscarem subterfúgios para alcançar um fim ilícito ou o enriquecimento indevido. Em virtude, ainda, da intensa proliferação das modalidades de fraude, que ocorrem nos mais diversos contextos, indiscutivelmente todos os ramos do Direito, como o civil, administrativo, tributário e comercial, passaram a abarcar normas voltadas a disciplinar e, por via reflexa, combater o fenômeno fraudulento.
De outro modo não poderia ter sido com o Direito do Trabalho. No campo das relações de labor, cada vez mais se observa o empenho de alguns empregadores em reduzir os gastos inerentes à contratação da mão de obra, chegando, até mesmo, a adotar meios duvidosos e escusos para aumentar o lucro.
Ao longo da história, contudo, as modalidades de fraude tornaram-se mais elaboradas, a fim de obter maior sucesso diante dos olhos treinados dos Magistrados, Procuradores e Auditores do Trabalho, dentre outros profissionais ligados à área. Se antes o empregador apenas deixava de pagar as típicas parcelas trabalhistas, hoje se empenham em simular a relação, tentando, no plano formal, afastar a relação de emprego existente e atrair as regras da legislação civil típicas de uma prestação de serviço.
Logo, a legislação trabalhista brasileira teve - ou, pelo menos, deveria ter - que evoluir, como meio de continuar a apresentar formas idôneas de combater as novas modalidades de fraude. Nesse contexto, deve, ainda, o operador do direito buscar uma releitura dos principais institutos consagrados na legislação, tornando-os atuais, mormente com o auxílio do variados princípios existentes neste ramo do Direito, de forte carga principiológica.
3.1. O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE
Neste tópico, será desenvolvida uma análise acerca do princípio da primazia da realidade, um dos princípios mais importantes na seara do Direito do Trabalho. Para tanto, será evidenciado o significado desse preceito e sua força normativa enquanto princípio. Outrossim, será demonstrada sua inserção em dispositivos específicos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho e de que maneira pode ser utilizado no combate às fraudes ao regime de emprego.
3.1.1. Breves esclarecimentos sobre a força normativa dos princípios
Ab initio, é preciso pontuar que, em um ordenamento jurídico, apresentam-se normas e princípios, ambos espécies do gênero “norma jurídica”. Por conseguinte, possuem força normativa e devem ser considerados nas soluções dos conflitos contidos no caso concreto.
Os princípios traduzem preceitos genéricos, prescrevem diretrizes acolhidas pelo sistema como um todo. São, também, considerados como verdadeiros mandados de otimização. Nesse sentido, afirma Celso Antonio Bandeira de Mello[55]:
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.
Lembra Luciano Martinez, ainda, que por serem os princípios dotados de estrutura valorativa, exigem do intérprete uma postura racional e criativa no momento de aplicá-los[56]. Ademais, o conflito entre princípios atrai a técnica de ponderação de interesses, em que, no caso concreto, serão considerados os bens e valores em choque e qual deles deve prevalecer na situação especificamente cuidada.
As regras, por seu turno, trazem em si uma situação fática determinada acompanhada de uma consequência jurídica, aplicando-se o modelo do “tudo ou nada”. Por isso, inclusive, o método de aplicação das regras é pautado na subsunção, em que para cada conflito caberá a aplicação de uma única regra.
Desse modo, releva notar não ser possível conceber um sistema jurídico composto apenas de princípios ou apenas de regras, justamente porque os primeiros permitem uma compreensão mais aprofundada da essência do Direito, já as segundas trazem comandos precisos, fundamentais à segurança jurídica.
Em alguns ramos do Direito, contudo, é dada imensa relevância à força normativa principiológica. É o que se dá no Direito do Trabalho, por exemplo, e de outro modo não poderia ser, tendo em vista a própria construção histórica desse ramo jurídico. Nele, os princípios ganham papel preponderante e orientam a aplicação e interpretação de todas as normas, buscando uma tutela protecionista e privilegiada ao empregado.
É por isso, inclusive, que a doutrina defende que os princípios no Direito do Trabalho possuem tríplice função[57]. Como primeira a merecer destaque, fala-se que os princípios possuem função informadora, pois orientam o legislador em sua atividade criativa, servindo de fundamento à elaboração de leis que, assim, irão manter a coerência do sistema de valores a serem tutelados, evitando contradições. Defende-se, também, a existência de uma função normativa-integrativa, visto que são fontes às quais o operador do direito poderá recorrer supletivamente em casos de lacuna na lei. Finalmente, sustenta-se a função interpretativa dos princípios no Direito do Trabalho, uma vez que fornecem critérios para facilitar a interpretação da norma, preservando a teleologia do sistema jurídico laboral.
Ademais, em um contexto lastreado nas propostas do neoconstitucionalismo, como o atual, é indiscutível a força normativa dos princípios, que, enquanto normas jurídicas, podem diretamente disciplinar situações jurídicas concretas, indo além das funções delineadas no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Não por outro motivo, são, ainda, os princípios de grande valia no combate à fraude às relações de trabalho, mormente o princípio da primazia da realidade, o qual será melhor analisado a seguir.
3.1.2. Conceito do princípio da primazia da realidade
No combate às fraudes voltadas a mascarar a caracterização de vínculo empregatício, destaca-se, no sistema jurídico pátrio, o princípio da primazia da realidade.
No que diz respeito à sua origem, acreditam alguns poucos doutrinadores que o princípio da primazia da realidade não se trata, deveras, de princípio inovador na esfera do Direito do Trabalho. Isso porque, comungam do entendimento de que tal princípio nada mais é que uma extensão do comando normativo contido no artigo 85 do antigo Código Civil de 1916, reproduzido ipsi literis no artigo 112 do Código Civil de 2002[58], que, de forma clara, preceitua que “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.
É nessa compostura o posicionamento de Mauricio Godinho Delgado, que explica que o princípio da primazia da realidade “amplia a noção civilista de que o operador jurídico, no exame das declarações volitivas, deve atentar mais à intenção dos agentes do que ao envoltório formal através de que transpareceu a vontade”[59].
Outrossim, pesa, ainda, o argumento de que, também no âmbito do Processo Penal, o princípio da verdade real é um dogma inafastável. Tal tendência, ressalte-se, tem sido seguida no âmbito do Processo Civil, em decorrência da crescente valorização do princípio da verdade real nos últimos anos[60].
Por tudo isso, parece ser inegável que a noção de busca pela verdade, também presente no princípio da primazia da realidade, é antiga em todos os ramos do Direito, mormente em virtude da necessidade de realização do ideal de justiça. No entanto, é notório que, no Direito do Trabalho, esta busca pela verdade real ganha papel preponderante, em razão das próprias peculiaridades existentes na situação dos sujeitos da relação de emprego e, principalmente, por estes sujeitos apresentarem sempre interesses diametralmente opostos entre si, encontrando-se o empregador em uma situação de superioridade, que, inclusive, permite que sejam cometidas fraudes, às vezes, com o completo desconhecimento do empregado[61]. Como acertadamente pontua Fernandez Madrid[62] acerca da peculiaridade da matéria laboral, “a desigualdade das partes determina que o contrato com frequência não corresponda à realidade e encerra cláusulas que busquem a evasão total ou parcial das normas imperativas do direito do trabalho e da seguridade social”.
Logo, deve o princípio da primazia da realidade ser realmente compreendido como um princípio típico do Direito do Trabalho, seja para aqueles que o consideram um princípio autônomo, seja para aqueles o consideram um desdobramento do princípio-mater da proteção, embora com conteúdo próprio.
É nesse sentido o entendimento de Luiz de Pinho Pedreira da Silva, para quem é o princípio da primazia da realidade um dos mais novos princípios do Direito do Trabalho, sendo formulado por Plá Rodriguez, com base nas considerações de Deveali quanto à prevalência da situação de fato a respeito da ficção jurídica em todas as fases da relação de trabalho, a teorização de Mário de La Cueva no que toca à existência de um contrato – realidade e, finalmente, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica - lifting of the corporate veil[63].
Justamente por isso, deve a conceituação clássica do princípio da primazia da realidade ser definida por aquele quem o criou, Américo Plá Rodriguez:
O princípio da primazia da realidade significa que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos[64].
Reza o princípio, portanto, que, em uma relação de emprego, a realidade fática goza de maior credibilidade, ainda que divergente daquilo que foi formalmente pactuado ou documentado entre as partes ao tempo da contratação ou da execução do contrato de trabalho. Contudo, o próprio autor traz como ressalva o fato de que os documentos referentes à relação de trabalho estão acobertados pela presunção de veracidade, embora seja essa uma presunção de natureza relativa. Em outras palavras, a mera alegação por parte do empregado da existência de fraude não é meio idôneo para afastar a veracidade dos documentos existentes. É necessário que os fatos alegados em contraposição ao teor da documentação sejam devidamente comprovados, sob pena prevalecerem as disposições contratuais documentadas[65].
Outra definição que se mostra bastante relevante acerca do princípio da primazia da realidade é aquela formulada por Mauricio Godinho Delgado, para quem
deve-se pesquisar, preferencialmente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade habitualmente manifestada pelas partes na respectiva relação jurídica. A prática habitual – na qualidade de uso – altera o contrato pactuado, gerando direitos e obrigações novos às partes contratantes (respeitada a fronteira da inalterabilidade contratual lesiva).[66] (grifos no original)
Fica claro, por conseguinte, que o conteúdo do contrato não se limita às determinações assentadas nas cláusulas contratuais ou nos registros documentais, visto que nele incorporam-se amplamente todas as peculiaridades existentes no cotidiano da prestação do serviço. A vontade das partes, nesse passo, ganha pouca ou nenhuma relevância, se discrepante da realidade da prestação do labor. Logo, ainda que pela vontade dos sujeitos envolvidos tenha sido estabelecido, por exemplo, uma prestação de serviço, que é de natureza cível, o princípio da primazia da realidade autoriza que tal relação seja descaracterizada, dando lugar à relação de emprego, se presentes, no plano fático, seus requisitos. Obviamente, contudo, devem ser respeitados os limites estabelecidos em lei, de modo que a mera realização em concreto não está apta a sedimentar ou convalidar situações de clara afronta à ordem jurídica.
Por derradeiro, oportuno trazer à baila a definição formulada por Arnaldo Süssekind, para quem destaca-se o
Princípio da primazia da realidade, em razão do qual a relação objetiva evidenciada pelos fatos define a verdadeira relação jurídica estipulada pelos contratantes, ainda que sob a capa simulada, não correspondente à realidade.[67] (grifos aditados)
Neste conceito é abordada expressamente a possibilidade de simulação no contrato de trabalho, uma manifestação de fraude. Assim, embora existente desígnio deliberadamente ou dolosamente diverso ao tempo da contratação e formalização do contrato de trabalho, deve ser analisada a relação de emprego pela maneira como a mesma se desenrola na prática. É do dia a dia, portanto, que se verifica o autêntico teor do contrato de trabalho, bem como é possível identificar os direitos dele provenientes.
Com base nos conceitos colacionados acima, releva notar ser pacificada, quase à unanimidade na doutrina[68], o conceito abarcado no princípio da primazia da realidade, que garante supremacia aos fatos, caso divergentes dos instrumentos formais relativos à relação de trabalho. Não existem, portanto, controvérsias ou divergências expressivas acerca de seu conteúdo ou alcance.
O mesmo não se pode dizer, contudo, acerca da aplicação do mesmo. É nesse momento, aliás, que se centram as divergências atinentes ao manejo do mencionado princípio.
Defende Luciano Martinez que este princípio pode ser aplicado tanto a favor quanto contra o empregado. Em seu entendimento, o princípio em questão pauta-se na primazia à realidade, não sendo uma regra em que a versão apresentada pelo empregado sempre prevalecerá diante daquela oferecida pelo empregador. Contudo, admite que, na maioria dos casos, a utilização do princípio se dá em prol do trabalhador, em razão de ser a vítima preferencial dos documentos que revelam coisa diversa daquilo que realmente existiu[69].
Carmen Camino, por sua vez, defende que o princípio da primazia da realidade deve ser aplicado tão-somente em favor do trabalhador. Tal fato justifica-se justamente pelo dever de documentação que recai sobre o empregador, seguido da deficiência do obreiro, principalmente de natureza técnica e jurídica. Logo, considerando que em favor do empregador já existe a presunção de veracidade dos documentos os quais possui o dever de manter, entende ser pouco pertinente a aplicação do mencionado princípio em prejuízo do empregado[70].
Em que pesem as divergências doutrinárias, tendo em vista que quase sempre as tentativas de mascarar a conformação de uma autêntica relação de emprego são decorrentes da atuação unilateral do empregador ou de sua imposição como condição de contratação, sendo o trabalhador a vítima, o princípio da primazia da realidade é utilizado, na maioria das vezes, em favor do obreiro.
3.1.3. Fundamento teórico
Partindo-se da premissa de que é o contrato de trabalho um negócio jurídico, como já mencionado em item anterior, embora a boa-fé não seja abordada expressamente na legislação trabalhista como princípio ou mesmo como cláusula geral de contratação, deve ser a mesma considerada pelo intérprete dos contratos de emprego[71]. Tal orientação decorre automaticamente da incidência da previsão contida no artigo 113 do Código Civil de 2002[72], cujo teor evidência que todos os contratos devem ser interpretados com base no princípio da boa-fé, em aplicação da teoria do diálogo das fontes.
É a boa-fé compreendida como vetor inafastável a guiar a atuação dos indivíduos, mormente no âmbito do Direito Privado, em que há o predomínio de normas dispositivas e maior autonomia de vontade. Assim, trata-se de uma regra ética, um dever de guardar fidelidade à palavra dada ou ao comportamento praticado, na ideia de não fraudar ou abusar da confiança alheia, que deve ser seguido também na celebração e execução do contrato de trabalho.
Nesse sentido, oportuno mencionar a lição de Luciano Martinez acerca do tema:
[...] a boa-fé é exigida, como dever acessório, na formação dos contratos e protegida durante o transcurso dos ajustes já formados. Por força dela cada um dos sujeitos da relação jurídica deve oferecer informação, ampla e irrestrita, sobre os detalhes do negócio a ser praticado ou do ato jurídico que está em desenvolvimento. Alguns desses detalhes podem ser extremamente relevantes a ponto de influenciar a celebração do ajuste ou a continuidade executiva do negócio. Os parceiros contratuais, segundo o princípio da boa-fé, devem atuar com confidencialidade, com respeito, com lealdade e com mútua cooperação[73].
Complementa, ainda, Larissa Maria de Moraes Leal:
Pode-se afirmar, sobretudo, que a boa-fé torna possível uma repersonalização da relação trabalhista, recolocando a pessoa humana como centro do trabalho.
[...] não há como negar que a boa-fé contribui sobremaneira para a realização do próprio princípio da proteção, este, sim, reconhecido como fundamento das relações trabalhistas, bem como da própria dignidade da pessoa humana[74].
Assim, fica evidente a importância da boa-fé no âmbito do Direito do Trabalho. Por via reflexa, apresenta-se a boa-fé também como fundamento do princípio da primazia da realidade, justamente por ser o mesmo uma hábil tentativa de proteger o empregado da eventual má-fé do mau empregador, que omite ou deturpa informações valiosas, com o objetivo de impedir o cumprimento de obrigações legais ou de obter um proveito ilícito.
Frise-se que, como já mencionado anteriormente, o desajuste entre os fatos e a forma podem ter diferentes procedências, resultando de casos em que existe a deliberada intenção de fingir ou simular uma situação jurídica distinta da real (simulação) ou de simples erros involuntários. O princípio da primazia da realidade, no entanto, prioriza, em todos os casos, os fatos sobre a forma; busca, assim, a verdade sem a necessidade de perquirir se existente ou não a má-fé de uma ou ambas as partes[75].
Justifica-se, ainda, o princípio da primazia da realidade na necessidade de dar dignidade à prestação do labor. Isso porque, o Direito do Trabalho tutela a atividade humana, que, ainda que, em regra, origine-se de uma obrigação emergente de um contrato, desprende-se logo de seu texto, passando a ter autonomia e relevância na dimensão fática[76].
Assim sendo, por ser o contrato de trabalho um contrato de trato sucessivo, que pressupõe uma atividade humana prolongada no tempo, ao longo da prestação haverá, invariavelmente, um dinamismo que viabiliza frequentes alterações na prática. Portanto, independente da existência de fidelidade entre o que se dá no plano fático e nos documentos inerentes à contratação, o certo é que o Direito do Trabalho regulará a atividade nos termos em que essa realmente ocorre. Ou seja, é dado ao trabalho dignidade, na medida em que as consequências jurídicas serão averiguadas da realidade da prestação, independentemente das conclusões deduzidas do plano documental ou formal.
Ademais, outro fundamento a embasar o princípio da primazia da realidade é a desigualdade econômica, social e cultural existente entre o empregado e o empregador[77]. Esta desigualdade deixa o empregado em uma posição de inferioridade, tornando-o extremamente vulnerável às determinações equivocadas e desmandos do empregador. Nisso influi decisivamente o fato de que, muitas vezes, o obreiro sequer tem ciência de seus direitos e do teor do contrato de trabalho pactuado – o que é reconhecido também em países do primeiro mundo e com maior razão há de sê-lo no Brasil, país que sofre de sérios problemas de desigualdade socioeconômica da população - ou, ainda que tenha conhecimento, não goza de poder ou condições para discuti-los.
Dessa forma, a legislação trabalhista forja uma desigualdade jurídica a fim de reequilibrar às forças dos sujeitos envolvidos na relação, a exemplo da prevalência da realidade dos fatos sobre os instrumentos formais.
Além disso, como já explicitado, o contrato de trabalho abarca uma obrigação de trato sucessivo, em que a prestação se prolonga no tempo e, por isso, modifica-se muito frequentemente. Contudo, exatamente por ser um contrato, negócio jurídico bilateral que nasce do consentimento entre as partes, para que, de fato, uma modificação de seus termos possa prosperar, é fundamental a anuência dos sujeitos envolvidos, ainda que de forma tácita[78]. Logo, por uma série de motivos, é possível que a realidade fática esteja em discrepância com a documentação atinente à contratualidade, seja em casos em que não foi considerada a vontade do empregado, seja em casos que a alteração se deu tacitamente, sem a respectiva modificação contratual. Em todos os casos, no entanto, deve existir o primado dos fatos.
Tal fundamento, portanto, consiste em buscar a interpretação racional e real da vontade das partes, ao longo da relação de emprego, pois a mesma pode ser diversa do quanto acertado em nível formal. Explica Américo Plá Rodriguez que
Nessa matéria, o que ocorre é que os fatos revelam a vontade real das partes, já que se o contrato se cumpre de determinada maneira é porque as partes consentem nisso. E esse consentimento tácito – porém, indiscutivelmente, válido e claro – deve primar sobre o texto escrito primitivo, por ser posterior, e acima de qualquer coisa, por ser bilateral[79].
Deve ser mencionado fundamento elaborado por Luiz de Pinho Pedreira da Silva[80], para quem é hoje o contrato de trabalho um verdadeiro contrato de adesão, em que o empregado tem como opções apenas aceitar todas as determinações tais quais impostas pelo empregador ou recusá-las em sua inteireza, o que acarreta, per si, a perda da oportunidade de emprego. Tal situação, inclusive, perdura durante a execução do contrato de trabalho, na medida em que discutir ou questionar os comandos do empregador é, na prática, motivo de dispensa[81].
Por isso, considerando que precisa o empregado manter o emprego, o qual é sua fonte de renda e meio de subsistência para si e seus familiares, quase sempre, termina por acatar as condições que lhe são impostas unilateralmente, ainda que discrepantes da realidade da prestação de serviço. Nesse contexto, ganha relevância o princípio da primazia da realidade, buscando minimizar os efeitos da prevalência irrestrita dos caprichos do empregador no momento da contratação.
Por derradeiro, o princípio da primazia da realidade possui como fundamento o princípio da proteção, o qual é o pilar que sustenta o próprio Direito do Trabalho. Tal conclusão, ressalte-se, está completamente desvinculada do fato de ser ou não o princípio da primazia da realidade um princípio autônomo ou apenas uma extensão do princípio-mater da proteção. Deveras, o último deve ser concebido como fundamento do primeiro haja vista que, recai sobre o empregador o ônus de documentar a relação de emprego, em decorrência de sua superioridade em relação ao empregado. No entanto, esta é uma situação em que os envolvidos – empregador e empregado – possuem interesses diametralmente opostos, não sendo incomum que aquele que possui condições de omitir documentos ou alterar dados que lhe são desfavoráveis – o empregador, que goza de posição privilegiada no vínculo empregatício-, faça-o, almejando maior lucratividade. Nesse contexto, indiscutivelmente necessita o empregado de uma tutela nitidamente protecionista da legislação trabalhista. Ou seja, configura-se a hipótese em que o princípio da primazia da realidade protege o empregado especificamente da possibilidade de sonegação ou adulteração dos documentos referentes à relação de emprego, pois poderá fazer prova da realidade, por qualquer meio idôneo admitido em Direito[82].
3.2. O CONTRATO DE TRABALHO COMO UM CONTRATO-REALIDADE: A SUPREMACIA DOS FATOS EM DETRIMENTO DO RIGORISMO DAS QUALIFICAÇÕES JURÍDICAS
Mostra-se relevante, em nosso estudo, tecer considerações acerca da teoria desenvolvida pelo doutrinador mexicano Mario de La Cueva acerca da existência de um contrato-realidade no âmbito do Direito do Trabalho[83]. Isso porque, é o posicionamento do mestre de grande valia, não apenas pelo brilhantismo de sua tese, mas, ainda, pelo fato de suas ideias servirem de fonte direta para criação do princípio da primazia da realidade por Américo Plá Rodriguez. Ademais, a noção da existência de um contrato-realidade se amolda à realidade do Direito do Trabalho brasileiro, sendo satisfatoriamente acolhida e aplicada tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência pátria.
De logo, deve ser feita a ressalva de que, não obstante não tenha sido Mario de La Cueva o criador do famoso termo o qual dá nome à teoria, é inegável que apenas por meio de seus ensinamentos que o Direito do Trabalho em nível mundial conferiu reconhecimento à teoria do contrato-realidade[84].
Em apertada síntese, com suas elaborações doutrinárias, buscou Mario de La Cueva rechaçar as teorias civilistas a respeito da natureza jurídica da relação de trabalho, haja vista que as mesmas visavam explicar o contrato de trabalho com base nos contratos existentes no Direito Civil, a exemplo do arrendamento, pois o empregado arrendava seu trabalho ao empregador; da compra e venda, pois o empregado vendia seu trabalho ao empregador e, em contrapartida, recebia o pagamento de um preço, que seria o salário; da sociedade, porque o empregado e o empregador combinam esforços em conjunto a fim de garantir a produção de bens e serviços para o mercado; do mandato, em que o empregado seria, diante do contrato de trabalho, o mandatário do empregador, dentre outras[85].
Nesse ínterim, para desconstruí-las, defendia De La Cueva[86] que tentar enxergar a relação de trabalho sob o prisma do Direito Civil era algo bastante ultrapassado, na medida em que tais elaborações foram realizadas em momento anterior à positivação dos direitos trabalhistas pelo mundo. Deveras, na medida em que os direitos trabalhistas foram inseridos no rol de direitos fundamentais, o que se deu aproximadamente após a Primeira Guerra Mundial, era necessário trazê-los para o interior da formação do vínculo trabalhista. Em outras palavras, com o surgimento de leis que regravam especificamente a matéria trabalhista, não apenas o contrato poderia fazer surgir obrigações, mas também a própria lei, o que deveria passar a ser considerado a partir de então.
Mas não é só. Para o autor, era claro, per si, o desajuste existente entre a natureza da relação trabalhista e o próprio fundamento e razão de ser do Direito Civil. Isso porque, a teoria civilista visa regular as condutas humanas em relação às coisas, enquanto o Direito do Trabalho é ramo do Direito dedicado a tutelar o homem como sujeito prestador de serviço, que necessita de uma atenção diferenciada a fim de que possa ter uma existência digna.
Finalmente, destaca De La Cueva que os contratos civis possuem efeitos predeterminados a depender da espécie contratual escolhida e que a produção de seus efeitos é imediata, sujeitando sumariamente as partes envolvidas. O contrato de trabalho, por sua vez, tem um único efeito imediato, consubstanciado na obrigação do empregador de permitir ao empregado o exercício do serviço que lhe foi ofertado e, para este último, a de se colocar à disposição do primeiro. Assim, apenas em momento posterior, em que se inicia, de fato, a prestação de serviços, os demais efeitos, específicos do Direito do Trabalho, passam a ocorrer, gerando a integral proteção do empregado.
Em sua obra, é também possível observar ser do entendimento do autor que o Direito do Trabalho consiste em um ramo do direito público, justamente pela predominância de normas de natureza cogente e imperativa, que necessariamente deverão ser consideradas, independentemente da vontade das partes. Ou seja, o Estado mostra-se presente de modo incisivo e diferenciado, mitigando a autonomia de vontade a ponto de a intervenção estatal no campo das relações de trabalho ser possível independente de provocação das partes e, ainda, por permitir que suas normas apliquem-se mesmo aos contratos de trabalho nulos ou dissimulados. Contudo, caso fosse a relação trabalhista de natureza privada, com origem meramente contratual, o mesmo não seria possível.
Com efeito, a natureza pública da relação de trabalho decorre principalmente de um poder-dever do Estado de exigir a observância de um conteúdo mínimo de direitos, representado pelo conjunto de normas de ordem pública já positivadas até então, no desenrolar das relações de trabalho.
Nesse contexto, a relevância do papel estatal, portanto, transmuda a relação de trabalho, que deixa de ser uma relação tipicamente bilateral, que se resumiria aos sujeitos empregador e empregado. Deveras, no entendimento do autor, o Estado torna-se também sujeito da relação, representando os interesses da sociedade ao assegurar o cumprimento das normas trabalhistas, o que garante a essa relação um formato tríplice.
Seria o contrato de trabalho um contrato-realidade, pois sua existência está intimamente vinculada à realidade da prestação do labor no cotidiano, ainda que em detrimento do quanto estabelecido em documentos ajustados pelas partes.
Com base nas premissas aventadas, formulou Mario de La Cueva sua teorização sobre o contrato-realidade, segundo afirma que
[...] se ha denominado al contrato de trabajo, contrato-realidad, pues existe no en el acuerdo abstracto de voluntades, sino en la realidad de la prestación del sevicio y porque es el hecho mismo del trabajo y no el acuerdo de voluntades, lo que determina su existencia[87].
Em outras palavras, é o contrato de trabalho um contrato-realidade. A relação de trabalho se origina da prestação dos serviços e não do acordo abstrato de vontades firmado em contrato ou documentos, uma vez que o que foi pactuado entre as partes não necessariamente corresponde com fidelidade à realidade.
A dissonância entre as cláusulas contratuais e o cotidiano do trabalho, como já ressaltado anteriormente, pode decorrer de diversos fatores distintos. Isso porque, a própria relação de trabalho, por ser uma obrigação de trato sucessivo, que se prolonga no tempo, é marcada por dinamismo. Dessa forma, muitas vezes as alterações no plano prático não são devidamente reproduzidas no plano contratual, tornando o contrato de trabalho desatualizado. Outrossim, alguns empregadores utilizam-se de manobras jurídicas cíveis diversas para se furtar à aplicação das regras trabalhistas, simulando o vínculo de empregado. Além de reprováveis, tais práticas são absolutamente inadmissíveis, tendo em vista que o Direito do Trabalho se constitui de normas cogentes e imperativas, que afastam a autonomia plena de vontade das partes. Por tudo isso, depreende-se já do conceito de contrato-realidade que deve ser priorizado o fato real.
Ademais, ainda com base no conceito trazido, ou seja, em razão da existência de um contrato-realidade, a própria prestação de trabalho implica uma uniformidade de vontades, ainda que presumida, da parte de quem o presta e parte de quem o vende. Logo, mesmo nulo o contrato produzirá efeitos importantes, ainda que sem origem contratual, pois existente, na prática, a prestação do labor e a vontade de perceber o serviço realizado por outrem.
Não é despiciendo lembrar, ainda, que as ideias de Mario de La Cueva foram largamente introduzidas no ordenamento pátrio, bem como frequentemente reverenciadas pela jurisprudência[88]. Assim como no ordenamento mexicano, o sistema jurídico trabalhista brasileiro encontra-se permeado por normas jurídicas de natureza imperativa e cogentes, que não podem ser afastadas pelas partes, as quais determinam direitos e garantias voltados a dar melhores condições de trabalho aos empregados. De forma semelhante, é possível observar que a fiscalização estatal quanto ao cumprimento das normas trabalhistas é exercida sem a necessidade de provocação das partes, como bem salientou o autor, através da Auditoria Fiscal do Trabalho e do Ministério do Trabalho e Emprego. Ademais, são inúmeros os julgados que tecem considerações a respeito da importância das elaborações de De La Cueva no âmbito trabalhista, em que é flagrante a situação de desequilíbrio entre os sujeitos envolvidos, mormente em razão do dever de documentação recair em face ao empregador[89].
Por derradeiro, é possível perceber que a teoria do contrato-realidade ganha relevância não apenas por conter uma clara distinção entre os institutos do contrato e da relação de emprego. Ela nada mais é que base estreitamente relacionada ao princípio da primazia da realidade, sendo meio eficiente de rechaçar e coibir a conduta fraudulenta das partes diante das simulações ao vínculo de emprego, na tentativa de afastar a legislação trabalhista, que dá maior dignidade ao trabalho humano.
3.3. PORMENORES ACERCA DOS ARTS. 9º, 442, 443, 444, 456 E 461 DA CLT: MANIFESTAÇÕES PONTUAIS DO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE NO COMBATE À FRAUDE
Da análise da legislação obreira brasileira, é possível observar que cuidou o legislador de inserir alguns dispositivos pontuais que referendam a primazia da realidade, na tentativa de tentar coibir e regrar as situações de disparidade entre os fatos e a nomenclatura jurídica dada à contratualidade, visando minimizar os prejuízos sofridos pelo trabalhador. Entrementes, ganham destaque os preceitos insculpidos nos artigos 9º, 442, 443, 456 e art. 461 da Consolidação das Leis Trabalhistas.
Assim reza o artigo 9º da CLT:
Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Sem sombra de dúvidas, é este o principal dispositivo, contido na CLT, a ser utilizado no combate às fraudes, ressaltando, em seu texto, a preponderância da realidade dos fatos. Isso porque, dele, é possível apreender que todos os atos cometidos com o intuito de frustrar a aplicação das normas trabalhistas padecerão de invalidade. Deve ser frisado, ainda, que, em virtude do caráter introdutório desta norma, estão protegidos contra o seu inadimplemento não só os preceitos da Consolidação, mas quaisquer outros preceitos trabalhistas[90].
Como consabido, a teoria das nulidades é aplicada de forma distinta no âmbito do Direito Civil e no âmbito do Direito do Trabalho. No primeiro, se um ato é reputado nulo, haverá efeitos ex tunc, em que, com retroatividade, anula-se o ato em si e todos os seus reflexos. No último, por sua vez, a nulidade gera efeitos ex nunc, sem retroatividade. E outra não poderia ser a solução jurídica acolhida pela legislação trabalhista, afinal, pela natureza deste ramo do Direito, deve-se preservar o trabalho já executado, evitar o enriquecimento ilícito do empregador e impedir o prosseguimento da atividade ilícita[91].
Explica Mauricio Godinho Delgado, que
O Direito do Trabalho é distinto, nesse aspecto. Aqui vigora, em contrapartida, como regra geral, o critério da irretroação da nulidade decretada, a regra do efeito ex nunc da decretação judicial da nulidade percebida. Verificada a nulidade comprometedora do conjunto do contrato, este, apenas a partir de então, é que deverá ser suprimido do mundo sociojurídico; respeita-se, portanto, a situação fático-jurídica já vivenciada. Segundo a diretriz trabalhista, o contrato tido como nulo ensejará todos os efeitos jurídicos até o instante da decretação da nulidade – que terá, desse modo, o condão apenas de inviabilizar a produção de novas repercussões jurídicas, em face da anulação do pacto viciado[92].
Assim, ainda que o empregador lance mão de manobras jurídicas variadas com o intuito de tentar mascarar a existência de uma clara relação de emprego - prestação pessoal por pessoa física, subordinada, não eventual e onerosa-, na tentativa de afastar todo o regramento jurídico aplicável à espécie, o contrato será nulo, por incidência do referido artigo. Haverá, ainda, por consequência, o reconhecimento da relação empregatícia, acompanhado de todos os direitos que lhes são inerentes.
Nesse sentido, esclarece Luciano Martinez:
Há maus empregadores que, na tentativa de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos direitos trabalhistas, engenham contratos de natureza assemelhada (como representação comercial, estágio ou cooperativa) e constroem falsas provas, inclusive de pagamento. Quando da realidade mascarada é efetivamente visualizada, tornam-se nulos de pleno direito, por força do art. 9º da CLT, todos os atos violadores da legislação laboral[93].
Hodiernamente, é muito comum a ocorrência de fraudes mediante, por exemplo, a simulação de prestação de serviço, uso de falsas cooperativas de trabalho, do estágio irregular, da socialização de empregados, da “pejotização”, dentre outras espécies voltadas a mascarar a típica relação de emprego. Em todos esses casos, se constatada a irregularidade no que toca à correta aplicação destas espécies contratuais, haverá a incidência do artigo 9º da CLT, com a consequente nulidade do contrato de trabalho e o automático reconhecimento do vínculo de emprego, com todos os direitos e obrigações referentes à espécie.
Merece ser perscrutada, ainda, a ideia assentada no artigo 442, caput da CLT, que assim dispõe:
Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.
A leitura do citado dispositivo legal deixa claro que a relação de emprego é definida justamente pela natureza da prestação de serviços objeto do contrato, a saber, uma atividade prestada de forma pessoal, subordinada, não eventual e onerosa. Diante disso, na caracterização de uma relação de emprego, ficam em segundo plano os aspectos formais, atinentes aos termos do contrato em si ou a forma em que se deu o pacto, prevalecendo a realidade. Portanto, uma vez mais, releva notar que tal dispositivo tem afinidade com a noção da “primazia da realidade”, desenvolvida por Plá Rodriguez.
Frise-se, também, que o legislador buscou evidenciar a informalidade do contrato de trabalho que, como já explicitado, sustenta-se muito mais pela realidade da prestação que pelos rótulos jurídicos utilizados para caracterizar ou definir a relação de emprego. Nesse contexto, inclusive, faz menção o legislador, no artigo 442 da CLT, acerca da possibilidade de um contrato de emprego tácito. O mesmo se repete no artigo 443 consolidado, que, ainda, traz a ideia de um contrato de trabalho verbal.
Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
Entende a doutrina que tácito é aquilo que não é expresso. Justamente por isso, nas palavras de Sergio Pinto Martins, “o acordo tácito representa o contrato-realidade”, na medida em que, “a reiteração da prestação de serviços pelo empregador, sem oposição do último, caracteriza um ajuste tácito”[94].
Isso porque, em decorrência da prestação de serviços reiterada, permite-se presumir a existência de um ajuste entre as partes. Ou seja, mais uma vez o desencadear dos fatos ganha papel preponderante na definição da existência de relação de emprego. Assim, “a simples tolerância de alguém permitindo e usufruindo do trabalho alheio terá os mesmos efeitos jurídicos do pacto expresso, se o esforço humano desenvolvido estiver cercado das mesmas características do contrato de emprego”[95].
De modo semelhante, o legislador indica a possibilidade de um contrato verbal, que, por sua vez, também dispensa as formalidades atinentes aos instrumentos escritos e documentados.
De outra banda, fica claro, também, o destaque dado à consensualidade para o estabelecimento do principal negócio jurídico trabalhista, visto que é suficiente o consentimento de ambas as partes para restar aperfeiçoado o contrato de trabalho, independente da existência de um contrato expresso e escrito. Logo, ambos os dispositivos demonstram claramente a prevalência dos fatos a despeito do rigor das formas jurídicas.
Deve ser perscrutado o teor do artigo 456 da CLT:
Art. 456. A prova do contrato individual do trabalho será feita pelas anotações constantes da carteira profissional ou por instrumento escrito e suprida por todos os meios permitidos em direito.
Parágrafo único. A falta de prova ou inexistindo cláusula expressa e tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.
O dispositivo em voga prestigia outra nuance da noção de primazia dos fatos, já trabalhada por Américo Plá Rodriguez:
Enquanto não se demonstre que a conduta das partes for distinta, o que exige a prova dos fatos que se afastaram dos textos contratuais, fica prevalecendo a presunção emanada do texto do contrato. Ou seja, a presunção é que o contrato reflete a vontade verdadeira das partes. Para fazer cair essa presunção deve-se-á provar que a conduta foi distinta. Se essa prova não for produzida ou não for eficaz, resta como válida a presunção emergente do contrato[96].
Nota-se, assim, que embora seja dada relevância à primazia da realidade, a adoção de tal princípio não acarreta a recusa de valor ao estipulado contratualmente. Significa tão-somente que as estipulações contidas nos instrumentos formais, a exemplo do contrato de trabalho e da própria CTPS do obreiro, não gozam de presunção absoluta (ius et de iure) de validade e sim de uma presunção relativa que cede ante prova contrária (iuris tantum). Logo, segundo o artigo em comento, o que foi ajustado prevalecerá enquanto não se demonstre, por todos os meios admitidos em Direito, que está em real contradição com a conduta das partes envolvidas.
O posicionamento defendido acima já foi apreciado pelo Tribunal Superior do Trabalho, dando origem, inclusive, a Súmula nº 12 da Colenda Corte:
SÚMULA Nº 12 DO TST – CARTEIRA PROFISSIONAL – VALOR DAS ANOTAÇÕES.
As anotações apostas pelo empregador na carteira profissional do empregado não geram presunção juris et de jure, mas apenas juris tantum.
Deste modo, percebe-se que deve ser relativizado o valor dado às anotações da CTPS do obreiro feitas pelo empregador, sendo possível a produção de prova em contrário acerca dos dados ali contidos, a exemplo do tempo de duração do vínculo, função exercida, dentre outros. Por isso, é bastante comum, em juízo, a produção de prova documental, prova pericial e, mormente, pela prova testemunhal, a fim de desconstituir os elementos trazidos na mesma.
Por derradeiro, passa-se a tecer considerações a respeito do artigo 461 da CLT:
Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 1o Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 2o Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 3o No caso do § 2o deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas um destes critérios, dentro de cada categoria profissional. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 4º - O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial. (Incluído pela Lei nº 5.798, de 31.8.1972)
§ 5o A equiparação salarial só será possível entre empregados contemporâneos no cargo ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 6o No caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
Este dispositivo traduz mais uma manifestação da ideia contida no princípio da primazia da realidade, na medida em que, diante da identidade de funções no plano fático, havendo prestação de trabalho de igual valor, deve ser percebido o mesmo salário, independente do nome dado ao cargo ocupado. Em outras palavras, é absolutamente irrelevante a denominação dada à função pelo empregador. O importante é que, na prática, sejam desempenhadas as mesmas atividades tanto pelo equiparando - aquele que pleiteia a equiparação salarial em juízo – e paradigma – aquele que serve de referencial para a equiparação[97].
Inclusive, este dispositivo também já foi objeto de apreciação pelo Tribunal Superior do Trabalho, o qual indica seu entendimento acerca da matéria na Súmula nº 6, inciso III:
SÚMULA Nº 6 DO TST - QUADRO DE CARREIRA - HOMOLOGAÇÃO - EQUIPARAÇÃO SALARIAL
[...]
III - A equiparação salarial só é possível se o empregado e o paradigma exercerem a mesma função, desempenhando as mesmas tarefas, não importando se os cargos têm, ou não, a mesma denominação. (ex-OJ da SBDI-1 nº 328 - DJ 09.12.2003)
[...]
Nesse contexto, então, resta evidenciado, da análise dos artigos 9º, 442, 443, 456 e 461 da CLT, que tais dispositivos reverenciam as ideias firmadas pelo princípio da primazia da realidade, sendo uma tentativa cravada em lei pelo legislador de minimizar a fragilidade do obreiro frente ao empregador, o que, inclusive, referenda a possibilidade e estímulo à sua aplicação em casos de fraude ao regime de emprego.
4. CONCLUSÃO
Diante do exposto, releva notar que a fraude ao regime de emprego mostra-se como prática intimamente intricada ao desenvolvimento das relações de trabalho no contexto brasileiro de evolução do seu modo de produção. Contudo, mostra-se como manobra extremamente lesiva a valores constitucionais e, sobretudo, ao vetor axiológico, jurídico e interpretativo do Direito do Trabalho, calcado no princípio tutelar e no princípio da primazia da realidade, que gozam de força normativa.
Nesse ponto, as ferramentas apresentadas nesse estudo, já consolidadas pela doutrina e jurisprudência, devem ser constantemente manejadas, a fim de avaliar a realidade da prestação de serviço em apreço, sobretudo no cenário atual de flexibilizações generalizadas e de pretensa “economia de bico” desenfreada, atentatórias das bases do Direito do Trabalho.
Com tal postura, zela o operador do direito pela sistematicidade do ordenamento jurídico trabalhista, bem como dá máxima efetividade aos preceitos constitucionais trazidos na Constituição Federal, que evidenciam de forma cabal a necessidade de garantir o valor social do trabalho e a dignidade do ser humano obreiro na concretização de condições para a existência de um trabalho decente (art. 1º, III e IV, 6º e 7º da Constituição Federal).
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[1] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p. 10.
[2] SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 03.
[3] FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2002. p. 99.
[4] GORENDER, Jacob. O Brasil em Preto e Branco. São Paulo: Editora Senac, 2000. p. 29.
[5] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p. 11.
[6] MAIOR, Jorge Luiz Souto. Breves considerações sobre a história do direito do trabalho no Brasil. In: CORREIA, Marcus Orione Gonçalves (Org.). Curso de direito do trabalho. vol. 1 : teoria geral do direito do trabalho. 1ª ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 71.
[7] COSTA, Emília Viotti da, Da monarquia à República. 7ª Ed. São Paulo: Unesp, 1999. p. 166.
[8] MAIOR, Jorge Luiz Souto. op. cit., p. 71.
[9] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 99.
[10] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 106.
[11] Abolição da escravatura - O fim da escravidão no Brasil. Disponível em < http://www.historiadobrasil.net/abolicaodaescravatura/>. Acesso em 15 de abr. de 2011.
[12]MAIOR, Jorge Luiz Souto. Breves considerações sobre a história do direito do trabalho no Brasil. In: Correia, Marcus Orione Gonçalves (Org.). Curso de direito do trabalho. vol. 1 : teoria geral do direito do trabalho. 1ª ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 70.
[13]Abolição da escravatura - O fim da escravidão no Brasil. Disponível em < http://www.historiadobrasil.net/abolicaodaescravatura/>. Acesso em 15 de abril de 2011.
[14] COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à República. 7ª Ed. São Paulo: Unesp, 1999. p. 166.
[15] BIAVASCHI, Magda Barros. Direito do Trabalho no Brasil 1930-1942: A construção do sujeito de direitos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2007. p. 72.
[16] MAIOR, Jorge Luiz Souto. Breves considerações sobre a história do direito do trabalho no Brasil. In: Correia, Marcus Orione Gonçalves (Org.). Curso de direito do trabalho. vol. 1 : teoria geral do direito do trabalho. 1ª ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 71.
[17]TOLEDO, Pompeu de. “À sombra da escravidão...”. Disponível em: http://www.carnaxe.com.br/cronicas/escravidaos.htm >. Acesso em 13 de abr. de 2011.
[18] MAIOR, Jorge Luiz Souto. op. cit., p. 71.
[19] SANTOS, Ronaldo Lima dos. Fraude nas relações de trabalho: morfologia e transcendência. O Trabalho: Doutrina em fascículos Mensais, Curitiba, n. 157, mar. 2010, p. 5502-5503.
[20] Idem., Ibid.
[21] SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. Vol. 1. 19ª ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 229.
[22] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
[23] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)
[24] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
VIII - busca do pleno emprego;
[25] MEIRELES, Edilton. Trabalhadores subordinados sem emprego – limites constitucionais à desproteção empregatícia. Revista LTr, v. 69, n.7, ju. 2005. p. 842.
[26] LORENZETTI, Ari Pedro. As nulidades no Direito do Trabalho. São Paulo, LTr, 2008. p. 403.
[27] SANTOS, Érika Cristina Aranha dos Santos. A fraude nas cooperativas de trabalho. Revista LTr. Vol. 69, nº 10, out. de 2005. p. 69-10/1250.
[28] SANTOS, Ronaldo Lima dos. Fraude nas relações de trabalho: morfologia e transcendência. O Trabalho: Doutrina em fascículos Mensais, Curitiba, n. 157, mar. 2010, p. 5503.
[29] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, vol. I-Teoria Geral do Direito Civil. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 333.
[30] Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
[31]Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
[32] Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
[33] Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.
[34] Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017).
[35] LORENZETTI, Ari Pedro. As nulidades no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008. p. 405-406.
[36] SANTOS, Ronaldo Lima dos. Fraude nas relações de trabalho: morfologia e transcendência. O Trabalho: Doutrina em fascículos Mensais, Curitiba, n. 157, mar. 2010, p. 5503.
[37] Todo contrato de atividade tem por ponto comum o seu objeto, que compreende a utilização da energia pessoal de um contratante em proveito de outro.
[38] SANTOS, Ronaldo Lima dos. Fraude nas relações de trabalho: morfologia e transcendência. O Trabalho: Doutrina em fascículos Mensais, Curitiba, n. 157, mar. 2010, p. 5503.
[39] Art. 818 - A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.
[40] Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
[41] SANTOS, Ronaldo Lima dos. Fraude nas relações de trabalho: morfologia e transcendência. O Trabalho: Doutrina em fascículos Mensais, Curitiba, n. 157, mar. 2010, p. 5504.
[42] SOARES FILHO, José. A crise do trabalho em face da globalização. Revista LTr, v. 66, n. 10, out. 2002. p. 66-10/1170
[43] Idem., Ibid.
[44] CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista. A flexibilização do Direito do Trabalho no Brasil – Desregulação ou regulação anética do mercado?. São Paulo: LTr, 2008. p. 175.
[45] CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Formas atípicas de trabalho. LTr: São Paulo, 2004. p. 13.
[46] Idem., Ibid., p. 14.
[47] SILVA, Wilma Nogueira de A. V. da. O princípio de proteção e a flexibilização do Direito do Trabalho. Revista LTr, v. 71, n. 6, jun. 2007. p. 71-06/676.
[48] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 87.
[49] SILVA, Wilma Nogueira de A. V. da. O princípio de proteção e a flexibilização do Direito do Trabalho. Revista LTr, v. 71, n. 6, jun. 2007. p. 71-06/676.
[50] CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Formas atípicas de trabalho. LTr: São Paulo, 2004. p. 16.
[51] CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Formas atípicas de trabalho. LTr: São Paulo, 2004. p. 17.
[52] Idem., Ibid.
[53] CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Formas atípicas de trabalho. LTr: São Paulo, 2004, p. 19.
[54] REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito - situação atual. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 118
[55] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 771-772
[56] MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 77.
[57] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho; tradução de Wagner D.Giglio. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 43-44.
[58] Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
[59] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009.p. 192.
[60] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Prova - princípio da verdade real - poderes do juiz - ônus da prova e sua eventual inversão - provas ilícitas - prova e coisa julgada nas ações relativas à paternidade (dna). Disponível em: < http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Humberto/Prova.pdf> Acesso em 24.05.2011.
[61] SCHNEIDER, Jessica Marcela. O Princípio da primazia da realidade e sua aplicação enquanto instrumento de combate à fraude à relação de emprego. Porto Alegre, 2010, 75 f., trabalho de conclusão do curso de Ciências Jurídicas e Sociais (graduação), Departamento de Direito Econômico e do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. p. 31
[62]MADRID, Fernández apud RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho; tradução de Wagner D.Giglio. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 339.
[63] SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 2ª. ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 205.
[64]RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho; tradução de Wagner D.Giglio. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 339.
[65]Idem., Ibid.
[66]DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009.p. 193.
[67]SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. Vol. 1. 19ª ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 150.
[68] Em sua obra, ressalta Américo Plá Rodriguez as possíveis divergências doutrinárias existentes em sua época acerca do reconhecimento do princípio da primazia da realidade. Destaca o autor que De Ferrari acredita ser de pouca relevância o conflito existente entre os fatos e a forma, na medida em que deve o operador do direito ater-se na discrepância existente entre os fatos e o direito. Traz, ainda, o posicionamento de Fernández Madrid, que o nega como princípio; é de seu entendimento que apenas o princípio da proteção é, de fato, princípio, sendo todos os demais tão-somente regras de interpretação. (RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho; tradução de Wagner D.Giglio. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 364-366).
[69] MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 92.
[70] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4ª ed. Porto Alegre: Síntese, 2004. p. 99.
[71] LEAL, Larissa Maria de Moraes. Aplicação dos princípios da dignidade da pessoa humana e boa-fé nas relações de trabalho – As interfaces entre a tutela geral das relações de trabalho e os direitos subjetivos individuais dos trabalhadores. Revista Jurídica, Brasília, v. 8, n. 82, dez./jan., 2007. p. 93
[72] Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
[73] MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 93.
[74] LEAL, Larissa Maria de Moraes. Aplicação dos princípios da dignidade da pessoa humana e boa-fé nas relações de trabalho – As interfaces entre a tutela geral das relações de trabalho e os direitos subjetivos individuais dos trabalhadores. Revista Jurídica, Brasília, v. 8, n. 82, dez./jan., 2007. p. 93
[75] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho; tradução de Wagner D.Giglio. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 360.
[76] Idem., Ibid.
[77] Idem., Ibid., p. 362.
[78] Art. 442 – Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.
[79] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho; tradução de Wagner D.Giglio. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 362.
[80] SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 2ª. ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 22-24.
[81] Orlando Gomes perfilha entendimento semelhante acerca do contrato de trabalho. Entende o doutrinador que o contrato de trabalho é um contrato de adesão, em que o empregado adere às cláusulas determinadas pelo empregador, sem possibilidade de discuti-las. GOMES, Orlando. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 130-142.
[82] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4ª ed. Porto Alegre: Síntese, 2004. p. 99.
[83] Deve ser mencionado, no entanto, que as ideias contidas na Teoria do contrato-realidade estão presentes em diversos outros estudos na área jurídica. Veja-se: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. EXECUÇÃO FORÇADA. NOVAÇÃO DA OBRIGAÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INDENIZAÇÃO.
[...]
II – Se a repactuação liberatória decorre de ato normativo de instituição financeira, no qual a forma do documento não registra a declaração da credora e exige tão-somente o comportamento de aceitação pela parte contrária, enquadra-se o negócio no instituto das “relações contratuais fáticas”, ou ainda “conduta social típica” concebida originariamente pelo Direito Alemão (Haupt), pacificada e difundida como “relações obrigatórias sem declaração de vontade” (Larenz), ou “para-contratuais” (Ricca) ou “contrato-realidade” (de la Cueva) como mais se conhece no Brasil, especialmente no Direito do Trabalho e, via de conseqüência, estará apta a, analogamente, produzir os mesmos efeitos dos contratos em geral, por revelarem verdadeiras formas de pactuação que se ajustam às necessidades e urgências da vida moderna e que concordantemente configuram nova maneira de exteriorização de vontade negocial (Santos Briz). (negritei)
[...]
(TRF2 - SEGUNDA SEÇÃO - EMBARGOS INFRINGENTES NA APELAÇÃO CIVEL - 227981 - 200002010125202 - Desembargador Federal ANDRÉ FONTES - DJU - Data::10/09/2002 - Página:: 78)
[84] HOFFMANN, Fernando. O contrato-realidade e a atualidade. Disponível em: < http://www.apej.com.br/artigos_doutrina_fh_01.asp> Acesso em 03.06.2011.
[85] MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 13ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009. p. 367.
[86] DE LA CUEVA, Mario. Derecho Mexicano Del Trabajo. Tomo I. Mexico: Porrúa, 1970. p. 452-467.
[87] “Foi denominado o contrato de trabalho como um contrato-realidade pois existe não em virtude do acordo de vontades em abstrato, mas sim da realidade da prestação do serviço e porque sua existência é determinada exatamente pela ocorrência do trabalho” (tradução livre). DE LA CUEVA, Mario. Derecho Mexicano Del Trabajo. Tomo I. Mexico: Porrúa, 1970. p. 459.
[88] SCHNEIDER, Jessica Marcela. O Princípio da primazia da realidade e sua aplicação enquanto instrumento de combate à fraude à relação de emprego. Porto Alegre, 2010, 75 f., trabalho de conclusão do curso de Ciências Jurídicas e Sociais (graduação), Departamento de Direito Econômico e do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. p. 37-38.
[89] São nesse sentido os acórdãos aqui juntados. Vejam-se:
A relação de emprego, como ensina Mario de La Cueva, caracteriza-se por ser modalidade de contrato realidade. Isto significa dizer que, independentemente da forma com a qual se pretenda mascarar o liame empregatício, sejam quais forem os papéis assinados pelos sujeitos da relação jurídica controvertida, em Juízo caberá sempre aferir se estavam ou não presentes os elementos configuradores do vínculo empregatício: a não eventualidade, a pessoalidade da prestação de serviços, a onerosidade e a subordinação jurídica do trabalhador à empresa. Ao cabo e ao fim, importa dizer que não existe mágica capaz de fazer sumir um contrato de trabalho sob o manto de disfarces formais. Recurso empresarial improvido.
(TRT-6 - RECURSO ORDINARIO: RO 833200602306005 PE 2006.023.06.00.5. Relator: Bartolomeu Alves Bezerra).
RECURSO ORDINÁRIO. HORAS EXTRAS. PROVAS. BASE DE CÁLCULO. O contrato de trabalho é, como diz Mario de La Cueva, contrato realidade, sendo correto a suplantação da prova documental pela testemunhal, quando esta apresenta-se coerente com os fatos deduzidos em juízo. Assim, se a testemunha confirma a prática do labor extra, ratificando as alegações do obreiro, tal prova será apreciada e valorada segundo o princípio da persuasão racional.
[...]
Recurso Ordinário da reclamada e adesivo conhecidos e parcialmente providos. (TRT-16: 799200801616008 MA 00799-2008-016-16-00-8. Relator(a):LUIZ COSMO DA SILVA JÚNIOR. Julgamento: 16/03/2011. Publicação: 22/03/2011).
[90] CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 71.
[91] FONSECA, Gabriela Duarte. Teoria das Nulidades no Processo do Trabalho. Disponível em <http://www.iuspedia.com.br>. Acesso em 22.05.2011.
[92] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 478.
[93] MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 92.
[94] MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 13ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009. p. 368.
[95] CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 283.
[96] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho; tradução de Wagner D.Giglio. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 262.
[97] MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 13ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009. p. 424.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pós- Graduada em Direito do Estado pelo Instituto Excelência LTDA (Podivm) em parceria com a Faculdade Baiana de Direito e Gestão.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BURITI, Tamara de Santana Teixeira. Princípio da primazia da realidade: a legislação contra a fraude e a fraude contra a legislação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jan 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51229/principio-da-primazia-da-realidade-a-legislacao-contra-a-fraude-e-a-fraude-contra-a-legislacao. Acesso em: 06 nov 2024.
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