RESUMO: Este artigo tem como escopo analisar os principais aspectos e características do instituto da recuperação judicial na legislação brasileira, abordando, especificamente, a possibilidade de formação do litisconsórcio no polo ativo da demanda, ou seja, da possibilidade do processamento conjunto da recuperação judicial por mais de uma empresaintegrante do mesmo grupo empresarial, na mesma lide. Visa analisar as consequências práticas do processamento conjunto da recuperação judicial, com a diversidade de empresas no polo ativo da demanda, para os credores e empresários, explicitando as divergências jurisprudenciais sobre o assunto. Pretende, assim, estabelecer um significado prático ao tema abordado, através de análises teóricas e jurisprudenciais.
Palavras Chave: Empresa. Direito de Empresa. Recuperação Judicial. Lei nº 11.101/2005. Litisconsórcio Ativo. Grupos Econômicos.
Sumário: 1. Introdução 2. Da Recuperação Judicial 2.1 A Crise da Empresa 2.2 Histórico do Regime Falimentar 2.2.1 Direito Romano 2.2.2 Idade Média 2.2.3 Código de Savary 2.2.4 Código Napoleônico 2.2.5 Da Transição do Caráter Econômico para a Fase de Interesse Social 2.2.6 Direito Falimentar no Brasil 2.3 Objetivos e Princípios da Recuperação Judicial 2.4 Requisitos da Recuperação Judicial 2.5 Plano de Recuperação Judicial 2.6 Efeitos da Recuperação Judicial1 2.7Prazos e Consequências 3. Litisconsórcio 3.1 Conceito 3.2 Ativo e Passivo 3.3 Inicial e Ulterior4 3.4Necessário e Facultativo 3.5Unitário e Comum 3.6Eventual 3.7Sucessivo 3.8Multitudinário 4. Litisconsórcio Ativo na Recuperação Judicial 4.1 Ausência de Previsão Legislativa 4.2Grupos Empresariais 4.2.1Grupos Empresariais de Fato e de Direito 4.2.2Holdings 4.2.3Sociedades Controladas, Coligadas e Subsidiária Integral 4.2.4Estrutura de Grupo 4.2.5Formação do Litisconsórcio Ativo: Grupos de Fato e de Direito 4.3Diversidade de Foros 4.4 Elaboração de Plano Único ou Plano Conjunto 4.5Quadro de Credores 4.6Assembleia de Credores 4.7Prazos 5. Conclusão 6. Referências Bibliográficas
A recuperação judicial visa combater a crise da empresa, permitindo a continuidade da atividade econômica. Com o fito de evitar a falência, objetiva a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e do interesse dos credores, preservando a empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Com a crescente crise que assola os cenários nacional e internacional, aumentam, a cada dia, os pedidos de recuperação judicial no Brasil.
No ano de 2005, com o advento da Lei 11.101, fora extinta a figura da concordata no Brasil, instaurando-se, como regra, o instituto da recuperação judicial, em consonância aos princípios da conservação da empresa e ao princípio da recuperação. Assim, o instituto da falência só será utilizado posteriormente, caso o processo de recuperação judicial da empresa não logre êxito.
A atual lei de falência e recuperação judicial foi um reflexo do liberalismo na legislação brasileira, sacrificando-se interesses individuais, em prol da segurança financeira e do interesse do setor bancário. Por este motivo, foi apelidada por Modesto Carvalhosa de “Lei Febraban”[1]
Através da simples análise do artigo 47 da Lei 11.101/05 [2], percebe-se que o escopo central do instituto da recuperação judicial é o de permitir a recuperação das sociedades empresárias e dos empresários individuais em crise, preservando a função social da empresa. Porém, importante salientar que o “benefício” da recuperação judicial somente deve ser concedido àqueles devedores que realmente possuírem condições viáveis de recuperação, restando-lhes, em caso negativo, apenas, a alternativa da falência.
O requerimento do pedido de recuperação judicial é promovido pelo próprio empresário em crise, perante o poder judiciário estadual. O juiz deve analisar a incidência dos requisitos legais para deferir o processamento da recuperação judicial, abrindo-se prazo para os credores habilitarem seus créditos perante o administrador judicial – escolhido pelo Juízo competente – bem como para que o devedor apresente seu plano de recuperação judicial.
O plano é principal etapa do processo, tendo em vista que o devedor deve detalhar os meios, etapas e procedimentos que utilizará para superar a crise em que se encontra.
Para Fábio Ulhôa Coelho, o plano de recuperação judicial é
a mais importante peça do processo de recuperação judicial e depende exclusivamente dele a realização ou não da preservação da atividade econômica e o cumprimento de sua função social.[3]
Referido plano será submetido à aprovação dos credores e, após deferida a recuperação judicial, o devedor fica vinculado ao seu cumprimento durante o período de dois anos, para efeitos de supervisão judicial.[4] Acaso venha a ser descumprida qualquer obrigação do plano, o processo de recuperação judicial convalida-se em falência.
Segundo preleciona Sérgio Campinho,
a superação do estado de crise dependerá da soma de esforços entre credores e devedor, podendo ser reversível ou não, caso em que o caminho será a liquidação do ativo insolvente para ser repartido entre seus credores seguindo um critério especial de preferências – a falência.”[5]
Em relação à possibilidade de litisconsórcio ativo nos processos de recuperação judicial, a Lei n° 11.101/2005 não trata, especificamente, da permissão para que opedido de recuperação judicial seja apresentado por vários devedores de forma simultânea, entretanto, são inúmeros os casos de pedido de processamento conjunto da recuperação judicial nos tribunais pátrios.
Assim entende Ricardo Brito Costa:
a formação do litisconsórcio ativo na recuperação judicial, a despeito da ausência de previsão na Lei n° 11.101/2005, é possível, em se tratando de empresas que integrem um mesmo grupo econômico (de fato ou de direito). Nesse caso, mesmo havendo empresas do grupo com operações concentradas em foros diversos, o conceito ampliado de ‘empresa’ (que deve refletir o atual estágio do capitalismo abrangendo o ‘grupo econômico’), para os fins da Lei n° 11.101/2005, permite estabelecer a competência do foro do local em que se situa a principal unidade (estabelecimento) do grupo de sociedades. O litisconsórcio ativo, formado pelas empresas que integram o grupo econômico, não viola a sistemática da Lei n° 11.101/2005 e atende ao Princípio basilar da Preservação da Empresa. A estruturação do plano de recuperação, contudo, há de merecer cuidadosa atenção para que não haja violação de direitos dos credores. [6]
2. Da Recuperação Judicial
Nos últimos anos, em decorrência da crise econômica financeira mundial, várias empresas sucumbiram ao estado de crise nos âmbitos patrimonial, econômico e financeiro.
A crise econômica,em sentido estrito, refere-se à retração nos negócios da empresa, de maneira que afete suas atividades, a exemplo da queda de faturamento mensal. A crise financeira caracteriza-se pela insuficiência de recursos econômicos da empresa para honrar seus compromissos, gerando uma série de dívidas em seu nome, “ou seja, o empresário ou a sociedade empresária não tem como honrar os seus compromissos, porque há quebra do fluxo entre receita e despesa.”[7]
Para Fábio Ulhoa Coelho,
a crise patrimonial é a insolvência, isto é, a insuficiência de bens no ativo para atender à satisfação do passivo. Trata-se de crise estática, quer dizer, se a sociedade empresária tem menos bens em seu patrimônio que o total de suas dívidas, ela parece apresentar uma condição temerária, indicativa de grande risco para os credores. Não é assim necessariamente. O patrimônio líquido negativo pode significar apenas que a empresa está passando por uma fase de expressivos investimentos na ampliação de seu parque fabril, por exemplo. Quando concluída a obra e iniciadas as operações da nova planta, verifica-se aumento de receita e de resultado suficiente para afastar a crise patrimonial.[8]
Pode-se descrever o estado de insolvência civil como a desproporção negativa patrimonial, definida no artigo 955 do Código Civil.[9] Já a insolvência empresarial consiste na impontualidade nos compromissos com seus credores, provocando atos de falência.
Quando a crise da empresa é fatal, ou seja, culmina com sua falência, são gerados diversos prejuízos, frise-se, não apenas para os empreendedores, mas também para os credores, que ficam desamparados no que concerne ao adimplemento de seus créditos,aos trabalhadores, que se vêm numa situação súbita de desemprego, além do próprio mercado, que fica desabastecido dos produtos e serviços fornecidos ou prestados pela empresa em crise.
Por essa razão, o direito se preocupou em criar mecanismos jurídicos para a recuperação da empresa em crise para, apenas em último caso, ser decretada a sua falência, tendo em vista os inúmeros prejuízos que esta ocasiona ao próprio mercado e ao sistema econômico.
A origem dos institutos do direito falimentar, bem como do sistema de recuperação de empresa, remetea épocas longínquas, cujos sistemas jurídicos contribuíram bastante para a legislação vigente, como será analisado subsequentemente.
Na Roma antiga, exigia-se que o devedor insolvente respondesse por suas dívidas com sua liberdade ou até mesmo com o próprio corpo ou vida, conforme previsto na Lei das XII Tábuas (por volta do ano de 451 a.C).
Caso a obrigação não fosse cumprida, cerceava-se a liberdade do devedor, podendo o credor mantê-lo em cárcere privado ou vendê-lo como escravo, até o adimplemento da obrigação.
O professor Sampaio de Lacerda leciona que
o devedor estabelecia com o credor um contrato denominado “nexum”, no qual o inadimplente, sem recursos para solver sua dívida antes de se iniciar contra ele a execução, obrigava-se, voluntariamente, a prestar serviços ao credor como escravo, a fim de, com seu trabalho satisfazer a dívida, eximindo-se da responsabilidade contraída. [10]
Já na República Romana, o pretor poderia utilizar o instituto denominadovenditiobonorum, forçando a execução das dívidase permitindo aos credores a entrada na posse do patrimônio do devedor, procedendo à venda posterior de tais bens, por um indivíduo apelidado demagister.
Ressalte-se que o devedor insolvente perdia os seus direitos de cidadão e era considerado civilmente morto, bem como que o devedor de boa-fé poderia oferecer os seus bens aos credores, não ficando, nesse caso, sujeito a sanções pessoais, faculdade denominada de mission in bona.
É possível relacionar-se alguns institutos do direito romano com os presentes na legislação falimentar atual:
a) O magister, responsável pela vendados bens do devedor, se identifica com a atual figura do administrador judicial;
b) A missio in bonatambém foi um instituto adaptado pelaatuallei, visando valorizar a boa-fé do devedor.
A Idade Média foi o período em que se consolidou o direito comercial, através da influência dos usos e costumes mercantis e práticas das corporações de mercadores, razão pela qual o direito falimentar passou poruma grandeevolução no âmbito das corporações de mercadores.
Importante salientar que, na Idade Média, o devedor era considerado um verdadeiro criminoso, podendo a falência ocorrer por três hipóteses: em caso de fuga do devedor, a requerimento do credor ou a requerimento do próprio devedor.
Nesse período surgiu o instituto do concurso de credores, que eram convocados a se apresentar em uma assembleia especialmente voltada para o tema, comprovando seus créditos e sendo nomeada de acordo com estes, o que influenciou a formação da legislação atual como tal.
2.2.3 Código de Savary
Na França, sob o governo de Luiz XIV, com influência do seu ministro das finanças, surgiram as “ordenações francesas”, no ano de 1673.
A primeira ordenação foi conhecida como “Código de Savary”, em homenagem a um conhecido comerciante da época. Através de tais normas, o Estado passou a interferir nas relações comerciais, impondo limites aos comerciantes, buscando a preservação dos usos e costumes.
A segunda ordenação francesa, de 1681, buscou regular o comércio marítimo, sendo considerada um marco do direito mercantil, sobretudo no que concerne às relações comerciais marítimas.
O Código Comercial francês de 1808 já legislava sobre o direito comercial, que se desenvolvia com grande vigor à época.
Em tal período já se percebe uma tendência em abolir as punições severas e cruéis ao falido, aplicando-se a pena de privação do patrimônio pelo devedor até a satisfação completa dos seus débitos.
2.2.5 Da Transição do Caráter Econômico para a Fase de Interesse Social
Conforme observado anteriormente, o objetivo precípuo da falência era resguardar o interesse econômico, a fim de minimizar os prejuízos, no âmbito econômico, advindos da falência da empresa.
Contudo, com o passar dos tempos, a legislação passou a preocupar-se com a continuidade da empresa, ou seja, começou a valorizar a sua função social, através da necessidade de manutenção da empresa como fonte produtora.
Tal fato é perceptível através da ordenação francesa 820, de 1967, que buscava restabelecer o equilíbrio econômico financeiro após a crise da empresa, através de processos de recuperação das empresas em crise. Segundo Maria Celeste Morais Guimarães,
assim, foi somente na França que o legislador percebeu o fato óbvio de que a insolvabilidade de uma empresa de interesse social pode afetar não apenas a massa dos credores, mas também e sobretudo o equilíbrio econômico e social da região, ou mesmo do país. A ordenação Francesa n. 67-820 de 23.09.1967, instituiu um processo extraordinário de reerguimento econômico e financeiro para as empresas insolváveis, “cujo desaparecimento poderia causar grave perturbação à economia nacional ou regional e ser evitado em condições compatíveis como interesse dos credores” já se reconheceu que essa medida excepcional não se aplica unicamente às macroempresas em situação crítica; uma unidade empresarial de dimensões reduzidas pode representar um elo insubstituível numa cadeia de produção, de tal sorte que a sua falência perturbaria gravemente o funcionamento de outras empresas, com reflexos na economia nacional ou nacional.[11]
Ademais, nos Estados Unidos, após a grande depressão de 1929, foram editadas leis especiais que regulavam a reorganização das empresas em crise. Em 1938, essas leis foram sistematizadas através do “Chandler Act”, que atribuía à legislação falimentar o instituto da recuperação, também nitidamente preocupando-se com o caráter social da recuperação judicial.
Enquanto o Brasil estava sob a égide do governo português, aplicavam-se ao direito falimentar os institutos portugueses, através, por exemplo,das Ordenações Afonsinas, uma das primeiras coletâneas de leis da época,que previa os institutosda cessiobonorum, ou seja, a possibilidade de cessão dos bens do devedor ao credor, das Ordenações Manuelinas, que já regulavam o processo de concurso de credores, e das Ordenações Filipinas, através da qual se instaurava o concurso de credores quando o patrimônio do devedor não fosse suficiente para solver todos os seus débitos.
Após a proclamação da independência do Brasil, promulgou-se, em 1850, um Código Comercial no Brasil, que reservou um título para regulamentar a matéria falimentar, intitulado “Das quebras”. Em referido código não existia o instituto da concordata preventiva - instituída, apenas, pelo Decreto Legislativo nº 3.065/1882 - prevendo, somente, a concordata suspensivaque dependia da aprovação de dois terçosdos credores reunidos em assembleia.
Outro importante instituto previsto no Código Comercial de 1850 foi a concessão de moratória, por prazo máximo de três anos, concedida pelo Tribunal do Comércio do Império.
Um caso famoso à época do Império foi a falência do banco Mauá & Cia, do Visconde de Mauá. Com toda sua influência, o Visconde de Mauá conseguiu a modificação do critério de aprovação da concordata para maioria simples, suspendendo a falência do seu Banco e das suas empresas, bem comologrando êxito no pagamento dos seus credores.
No período republicano, o instituto da falência foi aperfeiçoado, visando coibir as fraudes, pelo que se criou a função pública do síndico, que seria escolhido entre os habilitados na Junta Comercial.
Contudo, em decorrência das falhas no poder judiciário e da falta de conhecimento especializado na matéria, os institutos eram bastante corrompidos e constantemente sujeitos à fraude, razão pela qual foramgradativamenteaperfeiçoados ao longo dos anos.
Nesse sentido, percebe-se a paulatina evolução do direito falimentar ao longo de diferentes épocas históricas, o que influenciou, de maneira significativa, sua disposição atual.
O artigo 47 da Lei 11.101/2005 dispõe, claramente, os objetivos do instituto da recuperação judicial, em voga no ordenamento jurídico brasileiro atual.
Assim, a recuperação de empresas, tanto judicial quanto extrajudicial, visa manter em funcionamento as empresas que passam por crises econômicas, com intuito de preservar a atividade comercial, além de proteger os interesses do mercado, dos credores, empreendedores, trabalhadores e do fisco.
Na recuperação judicial cumpre ao poder judiciário acompanhar e regular o procedimento de reabilitação da empresa em crise, objetivando a viabilização da recuperação econômica empresarial.
Frise-se que a recuperação judicial não é um instituto voltado a todas as empresas indistintamente, devendo-se, antes, analisar a viabilidade econômica dasmesmas, ou seja, sua capacidade de recuperação junto ao mercado.
Nesse sentidoleciona Eduardo Goulart Pimenta:
a recuperação de empresas não é um instituto destinado a todos os empresários em crise econômico-financeira. É uma solução legal aplicável apenas àqueles cujas empresas se mostrem temporariamente em dificuldades e, além disso, que se revelem economicamente viáveis.[12]
A recuperação judicial das empresas viáveis se baseia em diversos princípios do direito empresarial, a seguir descritos em rol exemplificativo:
a) Livre iniciativa: tal princípio atribui à iniciativa privada o papel central na circulação e produção de bens e serviços, cabendo ao Estado apenas uma função supletiva de regularização em casos de crise, servindo como base para toda a atividade econômico financeira;
b) Liberdade de contratar: referido princípio refere-se à soberania das partes em seus acordos de vontade, devendo prevalecer o que fora pelas partes convencionado;
c) Livre concorrência: visa afastar as formas abusivas de concorrência e dominação, ratificando a isonomia entre as partes e fixando limites de mercado;
d) Função social da empresa: previsto no artigo 170, III da Constituição Federal de 1988, busca resguardar o interesse da coletividade no que concerne à função das empresas, ou seja, além de visar ao lucro, toda empresa deve beneficiar a sociedade, cumprindo sua função social;
e) Preservação da empresa: baseia-se na premissa de que é necessário que se preserve a empresa para que ela cumpra com sua função social, ou seja, incentiva a continuidade da produção e circulação de bens e serviços, estimulando a atividade produtiva. É certo que a empresa é fonte geradora de empregos, recolhimento de tributos e ativação da economia, pelo que se faz essencial à preservação de sua atividade, a fim de cumprir com sua função social.
De proêmio, cumpre ressaltar que o instituto da recuperação judicial é utilizado para as empresas, ou seja, somente o empresário individual ou a sociedade empresária podem requerer o processamento da recuperação judicial.Ademais, o artigo 48 da Lei 11.101/2005[13] exige uma série de requisitos indispensáveis para a concessão de tal benefício.
A recuperação judicial é uma ação de rito especial, cuja competência pertence à Justiça Estadual, nas varas cíveis ou empresariais, acaso haja especialização quanto à matéria.
No que concerne à petição inicial para pedido da recuperação judicial, além dos requisitos gerais do artigo 319 do CPC/15, a empresa terá que cumprir os requisitos específicos do artigo 51 da Lei 11.101/05.[14]
Após a apresentação inicial, estando esta em termos e verificando-se o cumprimento dos requisitos exigidos em lei, o juiz de direito competente despachará a petição inicial, deferindo o processamento do pedido de recuperação judicial e nomeando administrador judicial, bem como determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o poder público.
Cumpre frisar que tal despacho do Juízo não significa a concessão do pedido de recuperação judicial, mas sim a autorização para seu processamento, suspendendo todas as execuções em trâmite contra o devedor, pelo prazo de cento e oitenta dias, pois o momento de determinar o processamento da recuperação judicial não é a oportunidade de ser apreciada a viabilidade ou não do pedido, mas tão só o de constatar o juiz se o pleito vem acompanhado da documentação exigida no artigo 51 da Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005 (artigo 52), o que fará de acordo com o seu critério passivo de reapreciação, se concedido o benefício, em recurso contra essa concessão.[15]
“A viabilidade da recuperação judicial será objeto de decisão pelos credores em outra oportunidade (na assembleia de credores) e não pelo juiz ao despachar a petição de impetração.”[16]
Tal despacho encerra a primeira fase do processo de recuperação judicial: a fase postulatória, iniciando-se a fase deliberativa.
Por conseguinte, após o despacho inicial que ordena o processamento da recuperação judicial, o Juízo publicará o edital na imprensa oficial, dando publicidade do início da recuperação judicial a todos os interessados. Após tal publicação, o devedor possui o prazo de sessenta dias para apresentar o plano de recuperação judicial, que “é o verdadeiro ‘coração’ da nova lei”[17], sob pena de convolação da recuperação judicial em falência.
A apresentação do plano de recuperação judicial é a etapa mais importante do processo e deve pormenorizar as medidas, estratégias e prazos através dos quais o devedor pagará suas dívidas. Para Fábio Ulhoa Coelho,
a consistência econômica do plano está diretamente relacionada ao adequado diagnóstico das razões da crise e de sua natureza (se econômica, financeira ou patrimonial) e à adequação dos remédios indicados para o caso.[18]
O artigo 53 da Lei 11.101/05 discrimina os elementos essenciais ao plano de recuperação judicial[19], que deve demonstrar a capacidade de recuperação da empresa, bem como os meios que serão utilizados para este fim.
O plano de recuperação judicial será submetido à análise do poder judiciário, que deverá verificar, dentre outros aspectos: a viabilidade da empresa, de acordo com o volume do passivo e do ativo, sua importância social, a mão de obra e as tecnologias empregadas, o porte econômico e o tempo da empresa, semprevisando preservar os princípios da manutenção da atividade empresária e cumprimento da sua função social.
Após a análise pelo judiciário, sendo cumpridos os requisitos formais, bem como sendo viável a empresa, o juízo publicará novo edital, a fim de dar publicidade do plano para os credores, que poderão apresentar objeções, no prazo de trinta dias. É raro não haver a apresentação de objeções por parte dos credores, tendo em vista que estes compõem um rol de interesses completamente divergentes, o que dificulta a aprovação do plano. Conforme leciona Paulo Roberto Colombo Arnoldi,
outra questão que tem criado certa dificuldade na aprovação dos planos de recuperação judicial é a complexidade do processo de negociação com os credores, ou seja, as dificuldades de reunir em um único plano soluções que atendam os interesses de credores tão diversos, que pode englobar, desde um simples produtor rural, a um banco internacional. [20]
No caso de não haver qualquer objeção ao plano, o juiz defere de pronto a recuperação judicial. Porém, havendo qualquer objeção ao plano de recuperação judicial, será designada assembleia de credores, na qual os credores votarão pela aprovação ou não do plano. Em caso de não aprovação, é decretada a falência do devedor.
A decisão que concede o benefício da recuperação judicial, proferida após a deliberação da assembleia de credores, encerra a segunda fase do procedimento (deliberativa), iniciando-se a fase de execução, na qual a mesma assembleia de credores deve fiscalizar o cumprimento do plano.
A sentença que concede a recuperação judicial serve como título executivo para os credores, que devem cobrar e fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial pelo devedor.
Após o deferimento do processamento da recuperação judicial, o juiz competente deverá determinar:
a) Suspensão das ações e execuções.
O juízo deve ordenar a suspensão de todas as ações e execuções em face do beneficiário da recuperação judicial,[21] comunicando aos juízos competentes o advento da suspensão dos processos.
Referidas ações deverão ser suspensas pelo prazo de cento e oitenta dias, contados do deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial.
Contudo, não se suspenderão as ações que demandarem quantia ilíquida, as execuções fiscais, as ações ajuizadas por proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendamento mercantil, de proprietário ou promitente vendedor do imóvel cujos contratos contenham cláusulas de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias ou de proprietário em contrato de compra e venda com reserva de domínio e as ações ajuizadas para reaver importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, que continuarão nos respectivos juízos de origem.
b) Dispensa de certidões negativas
A empresa beneficiária do pedido de recuperação judicial fica dispensadada apresentação de certidões negativas para exercício de suas atividades, exceto para contratação com o poder público e para receber os benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
Importante salientar que cabe ao devedor incluir, em todos os atos, contratos e documentos, que vier assinar, após o nome da empresa, a expressão “em recuperação judicial”.
c) Novação dos Créditos
O deferimento do pedido de recuperação judicial acarreta anovação dos créditos anteriores da empresa devedora, os existentes a data do pedido, ainda que não vencidos, e obriga a todos os credores, com exceção dos créditos fiscais.
Acaso a recuperação judicial não logre êxito, sendo convalidada a falência, os credores podem retomar os seus créditos no estado em que se encontravam antes do deferimento da recuperação.
A empresa em recuperação judicial fica vinculada ao cumprimento do plano de recuperação judicial durante o período de dois anos. Acaso venha a ser descumprida qualquer obrigação do plano, o processo de recuperação judicial convalida-se em falência.
Segundo Fredie Didier Jr, o litisconsórcio é a “reunião de duas ou mais pessoas assumindo, simultaneamente, a posição de autor ou réu.”[22]
O artigo 46 do Código de Processo Civil explicita os casos em que é possível a formação de litisconsórcio no processo.[23]
Trata-se, portanto, numa palavra, da possibilidade, contemplada pelo sistema, de que exista, no processo, cumulação de sujeitos (cumulação subjetiva)[24], pois se o processo é um instrumento, não pode exigir um dispêndio exagerado com relação aos bens que estão em disputa.[25]
Quanto às partes, o litisconsórcio pode ser ativo, que ocorre quando há pluralidade de autores na mesma demanda; passivo, quando há mais de um réu no mesmo processo; ou misto ou recíproco, quando há pluralidade tanto de autores quanto de réus no litígio.
Em relação ao momento da formação do litisconsórcio, este pode ser inicial, ou seja, concebido desde o momento da propositura da demanda ou ulterior/incidental, constituído após a formação do processo, este podendo ocorrer de três maneiras: (a) em decorrência de alguma hipótese de intervenção de terceiros, como chamamento ao processo ou denunciação da lide; (b) em razão da sucessão processual, ou seja, da habilitação dos herdeiros, decorrente do falecimento da parte; (c) pela conexão de ações, cumpridos os requisitos legais.
Já quanto à obrigatoriedade ou não de sua formação, o litisconsórcio classifica-se como necessário ou facultativo. Acerca do tema, importante observar os ensinamentos de ElpídioDonizetti:
o litisconsórcio necessário decorre da imposição legal ou da natureza da relação jurídica, hipótese em que ao autor não resta a alternativa senão a formação do litisconsórcio. [...] A formação do litisconsórcio facultativo fica, a princípio, a critério do autor, desde que preenchidos os requisitos legais, isto é, quando entre os litisconsortes (ativos ou passivos) houver comunhão de direitos ou obrigações; quando os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; houver conexão entre as causas ou haver afinidade.[26]
Nesse diapasão, no litisconsórcio necessário há a indispensabilidade de integração do polo da relação jurídica por todos os litisconsortes, elemento não necessário no litisconsórcio facultativo. O litisconsórcio necessário revela casos de legitimaçãoad causam conjunta ou complexa.[27]
No que concerne à uniformidade da decisão, o litisconsórcio pode ser unitário, quando o julgamento será, necessariamente, o mesmo para todos os litisconsortes, ou seja, haverá unidadede julgamento, tornando a relação jurídica envolvida incindível. Já no litisconsórcio comum a decisão judicial pode ser diferente para os litisconsortes, isso é cada um deles é tratado como parte autônoma na demanda.
Ressalte-se que, para cada classificação ou espécie de litisconsórcio, há a diferenciação do regime de tratamento. Nesse sentido, leciona o professor Fredie Didier,
Se o litisconsórcio é unitário, o tratamento dos litisconsortes deve ser uniforme, pois a decisão há de ser a mesma para todos; se o litisconsórcio é simples, os litisconsortes são tratados como partes distintas, sendo que os autos de um não beneficiam nem prejudicam o outro. [28]
Importante destacar, ainda, a problemática do litisconsórcio eventual, sobre a qual leciona Cândido Dinamarco,
Questão elegantíssima, sobre a qual nada se conhece na literatura especializada brasileira, é a que diz respeito à admissibilidade do litisconsórcio alternativo ou eventual em nosso sistema de direito positivo. [...] Será lícito ao juiz colocar em Juízo, cumulativamente, duas demandas dirigidas a pessoas diferentes, invocando o artigo 289 do Código de Processo Civil (cúmulo eventual), para que uma só delas seja apreciada no caso de rejeitada a primeira? Será lícito compareceram dois autores, na dúvida sobre qual delas seja o verdadeiro credor, pedindo que o juiz emita um provimento contra o adversário comum, em benefício de um dos dois (cúmulo alternativo)?[29]
A doutrina brasileira já entende no sentido da possibilidade de propositura em Juízo de duas demandas destinadas a duas pessoas diferentes, caso em que haverá litisconsórcio sem consórcio, tendo em vista que os litisconsortes serão adversários em Juízo.
Questão também discutida na doutrina é a hipótese de litisconsórcio sucessivo, ou seja, a possibilidade de cumulação sucessiva de pedidos, caso em que o segundo pedido só será acolhido se o primeiro também o for. Segundo Araken de Assis, no litisconsórcio sucessivo,
um somente obterá o que pede se o outro obtiver. Cite-se como exemplo o litisconsórcio entre mãe e filho, em que se pleiteiam alimentos e ressarcimento das despesas com o parto.[30]
Por fim, o litisconsórcio multitudinário é composto por uma grande quantidade de litigantes, o que dificulta a defesa das partes ou gera impedimentos no que concerne à celeridade do litígio, sendo sempre facultativo.
Nesse sentido, o litisconsórcio é um instituto do processo civil que se caracteriza pela presença de mais de uma parte em um dos polos da relação jurídica processual.
Por conseguinte, passar-se-á a analisar as espécies, casos e possibilidades da incidência do litisconsórcio ativo nos casos de recuperação judicial de empresas.
4.1 Ausência de Previsão Legislativa
A atuallei de recuperação judicial e falência (11.101/2005) não disciplinou acerca da hipótese do litisconsórcio ativo na recuperação judicial -o que, atualmente, demonstra uma grande desatualização legislativa - porém, tendo em vista os inúmeros casos de empresas em recuperação que, ao formularem o pedido de processamento do benefício junto ao juízo, também requerem a formação de litisconsórcio no polo ativo da demanda, construiu-se um interessante arcabouço jurisprudencial e teórico que regula o presente tema.
A Lei nº 11.101/2005 não previu a possibilidade do litisconsórcio ativo no pedido recuperacional, mas é inequívoco que as normas estatuídas no código de processo civil em vigor são aplicadas de forma subsidiária aos processos regidos por aquele referido normativo. [31]
Dez anos após a promulgação da referida lei, o cenário é de crise mundial, sendo comum a crise de empresas que integram o mesmo grupo empresarial, pelo que se faz necessário o estudo da possibilidade de irem conjuntamente a Juízo.
4.2 Grupos Empresariais
O desenvolvimento da atividade capitalista trouxe a necessidade de reunião de empresas com vistas a unir esforços para um fim empresarial em comum: o lucro.
A reunião de diferentes empresas em grupos econômicos traz uma série de vantagens, tais quais a maximização do lucro e da produtividade, crescimento no mercado e diminuição dos custos.
Modernamente, entende-se como grupo econômico o conjunto de empresas, ligadas por um vínculo de coordenação ou subordinação comum, que atuam em conjunto, com intuito de maximizar a atividade produtiva e, consequentemente, o lucro, conservando personalidades jurídicas próprias, sendo que uma exerce influência significativa sobre as demais.
4.2.1 Grupos Empresariais de Fato e de Direito
Os grupos de sociedade podem ser classificados como grupos de fato e grupos de direito.
Os grupos de fato são aqueles compostos por sociedades interligadas entre si, porém sem registro formal e jurídico desta relação de coordenação ou subordinação. Segundo Rubens Requião,
sãogrupos empresariais de fato as sociedade que mantêm, entre, si, laços empresariais através de participação acionária, sem necessidade de se organizarem juridicamente. Relacionam-se segundo o regime legal de sociedades isoladas, sob a forma de coligadas, controladoras e controladas, no sentido de não terem necessidade de maior estrutura organizacional. [32]
Ao contrário, os grupos de direito possuem a relação de comando e subordinação empresarial, assim definidos pelo art. 267 da Lei 6.404/1976, e formalizados perante a Junta Comercial. Segundo Comparato,
o grupo de direito é o conjunto de sociedades cujo controle é titularizado por uma brasileira (a comandante) e que, mediante convenção acerca de combinação de esforços ou participação em atividades ou empreendimentos comuns, formalizam esta relação empresarial. Constituem formalmente por uma convenção expressa, devendo possuir designação, "grupo" ou "grupo de sociedades", (art. 267 da LSA), registrados na Junta Comercial. [33]
Assim, para o reconhecimento de grupos empresariais é necessário que haja o controle por uma sociedade sobre todas as demais (holding) e que este controle esteja fundado na titularidade de ações ou de cotas ou, ainda, mediante acordo entre os sócios.
4.2.2 Holdings
Em ambos os casos – grupos de fato e de direito – as sociedades são controladas por uma holding, empresa que possui o controle e a direção das demais sociedades, fazendo parte, em muitos casos, da composição societária das empresas subordinadas ou coligadas ou, ainda, mediante acordo de sócios. Ou seja, a holding possui a titularidade de ações ou quotas de outras empresas, o que possibilita o poder de controle, devendo ser, necessariamente, brasileira.
A finalidade da holding controladora é a de participar como acionista majoritária do capital da sociedade-filha, permitindo, assim, seja mantida a integridade e a estabilidade do colégio acionário e da administração da sociedade controlada. (...) tal espécie de holding tem como objetivo oferecer à sociedade controlada uma administração livre de injunções de oscilações de grupos acionistas – dela entrando e saindo – o que poderia comprometer a sua estabilidade de direção e orientação de negócios.[34]
Assim, a holding pode ser conceituada como uma empresa que possui como atividade principal a participação acionária em outras empresas, titularizando parte de suas ações ou quotas e detendo o controle da administração empresarial, pelo que exerce a administração de conglomerados empresariais.
4.2.3 Sociedades Controladas, Coligadas e Subsidiária Integral
Importante distinção acerca da relação de controle e subordinação dos grupos empresariais refere-se a classificação das sociedades em coligadas, controladas ou subsidiárias integrais.
Uma sociedade é considerada coligada a outra quando possui influência significativa sobre a mesma. Presume-se que uma sociedade é coligada a outra quando detém poder de participação nas decisões que versam sobre a política financeira e operacional, porém sem exercer o efetivo controle, ou seja, detém influência significativa sobre outra empresa. Segundo o conceito legal, a influência significativa é presumida quando a investidora for titular de 20% ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la.[35]
Ao revés, quando uma sociedade detém o controle societário que lhe assegure, de modo permanente, domínio nas deliberações sociais, bem como a eleição da maioria dos administradores, pode-se afirmar que há relação de controle, conforme artigo 243,§ 2º da Lei 6404/76.[36]
No caso de uma empresa possuir todas as ações de outra, pode-se afirmar que esta passa a ser sua subsidiária integral.
4.2.4 Estrutura de Grupo
Os grupos empresariais podem se configurar de diversas maneiras distintas, de acordo com as relações de controle e coligação, estando regulados pelo artigo 265 da Lei 6404/76.[37]
4.2.5 Formação do Litisconsórcio Ativo: Grupos de Fato e de Direito
O pedido de processamento conjunto da recuperação judicial de empresas se lastreia no inciso III do artigo 113 do CPC, que dispõe que haverá litisconsórcio quando ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito. Segundo Dinamarco,
tal afinidade é o liame menos intenso que a conexidade, sendo caracterizado pela mera existência de algum quesito comum de fato ou de direito, “o qual, aparecendo em todas as causas de pedir (ainda que implicitamente), se apresente como uma das premissas necessárias para a decisão da causa”. A existência de um simples e único ponto comum a duas ou várias causas de pedir (que, permanecem diferentes e autonômas em todo o mais, com fatos absolutamente diversificados, menos nesse ponto) não chega a caracterizar a conexidade, mas simples afinidade entre as demandas.[38]
Uma das divergências da jurisprudência e doutrina pátriasem relação ao tema refere-se à necessidade ou não da constituição formal, por registro público, do grupo empresarial, ou se bastaria apenas a atuação conjunta de fato do grupo econômico.
Ricardo Brito da Costa defende que a empresa legitimada a impetrar a recuperação judicial seja tomada em sua acepção ampla, englobando também o conceito de grupo econômico (de fato ou de direito) e não apenas aqueles registrados formalmente.[39]
Assim, o entendimento majoritário é o de que, segundo o princípio da preservação da empresa, são legitimados para requerer o processamento conjunto da recuperação judicial também os grupos econômicos, tanto de fato quanto de direito.
O primeiro grande grupo econômico a se beneficiar da recuperação judicial no Brasil foi o VARIG, formado pelas empresas VARIG, RIO SUL e NORDESTES LINHAS AÉREAS.[40]
No caso em comento as três empresas ocuparam o polo ativo da demanda, através da formação de um litisconsórcio, apresentando um plano único em Juízo.
Após a aprovação do plano pela assembleia de credores, bem como do seu cumprimento satisfatório no prazo de dois anos, o processo de venda da VARIG foi concluído em 2006, tornando-se a VRG LINHAS AÉREAS e posteriormente sendo adquirida sua parte estrutural e financeira pela GOL TRANSPORTES AÉREOS, representando, assim, o primeiro grande caso de litisconsórcio ativo na recuperação judicial. [41]
O grupoLupatech, que já foi o maior fornecedor da Petrobrás, apresentou um plano de recuperação extrajudicial em juízo, a fim de que este fosse homologado. Assim, requereu a formação de litisconsórcio no polo ativo da demanda, sob o argumento de que as requerentes estão intimamente relacionadas, em decorrência dos vínculos societários mantidos, e que fazem parte de um mesmo grupo econômico, em que pese não possuírem o registro formal.
Ademais, alegaram que o endividamento a que se refere o plano de homologação extrajudicial, decorrente da emissão de bônus perpétuos, é comum a todas as empresas requerentes.
No caso em tela, processamento conjunto da recuperação judicial foi aceito pelo juiz competente, mesmo o grupo econômico sendo constituído apenas de fato.
Registre-se, ainda, o caso da recuperação judicial da empresa OAS, no qual dez empresas integravam um grupo econômico de fato e requereram a recuperação judicial de forma conjunta. Neste caso, também fora aceito o pedido de processamento conjunto da recuperação judicial, visto que foram demonstrados os requisitos de comunhão de direitos e obrigações entre as recuperandas. O juízo entendeu que, apesar da configuração do grupo econômico apenas de fato, há um forte entrelaçamento empresarial entre as empresas, pelo que seria prudente o processamento em conjunto da recuperação judicial.[42]
Insta observar, ainda, o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao aceitar o processamento conjunto da recuperação judicial do Grupo PADARIA LISTO LTDA, afirmando que, apesar das empresas formarem um grupo econômico de fato, possuem administração em comum e sede na mesma cidade, pelo que não há óbice ao processamento conjunto da recuperação judicial.[43]
Ante o exposto, conclui-se que a tendência da jurisprudência nacional é a de aceitar a formação do litisconsórcio no polo ativo das demandas de recuperação judicial, mesmo que os grupos econômicos não sejam constituídos formalmente.
Em relação ao tema objeto do presente artigo, uma das maiores divergências é em relação à necessidade ou não, em caso de litisconsórcio ativo na recuperação judicial, dos estabelecimentos empresariais serem na mesma Comarca.
Segundo Ricardo de Brito Costa,
se um grupo econômico de empresas é formado por pessoas jurídicas sediadas em diferentes localidades, a regra legal que define a competência do foro do “principal estabelecimento” não representa obstáculo à formação do litisconsórcio ativo. Basta identificar que é a unidade (estabelecimento) do grupo societário mais importante, do ponto de vista econômico, para se definir o foro competente. [44]
Assim, para o autor, bastaria, para definição da competência do foro, identificar qual é a unidade empresarial mais importante economicamente.
Ocorre que os tribunais pátrios já entenderam que a recuperação judicial requerida em litisconsórcio por mais de uma sociedade empresária distinta, no caso de cada uma delas possuir sede social em comarcas diversas,ocasiona dificuldades inquestionáveis aos credores, sobretudo os trabalhadores, pois “a distância entre os estabelecimentos principais das empresas causa dificuldades incontornáveis à participação dos credores, notadamente os trabalhadores, nos conclaves assembleares realizados em Comarcas distintas”.[45]
No julgamento da recuperação judicial do GRUPO ECIMEX TECNOLOGIA DO NORDESTE LTDA, requerida por três empresas com sedes sociais distintas, o TJSP concluiu pela inviabilidade do processamento conjunto da recuperação judicial em litisconsórcio ativo, em face da existência de credores distintos, domiciliados em diferentes Estados, o que prejudicaria tais credores, extinguindo o processo sem resolução do mérito.[46]
Nesse sentido, percebe-se que há o confronto de dois importantes princípios: o da preservação da empresa, utilizado como base para o processamento conjunto das recuperações judiciais de empresas de um mesmo grupo econômico e o da proteção do trabalhador, que protege ahipossuficiência deste no que concerne à dificuldade ocasionada pelas empresas serem situadas em diferentes Comarcas.
Contudo, em que pese a divergência jurisprudencial, a posição majoritária dos Tribunais superiores é a da possibilidadeda recuperação judicial conjunta de empresas de um mesmo grupo econômico, mesmo que em comarcas diferentes, sendo o foro competente para julgamento da demanda o do local do principal estabelecimento do devedor, assim considerado o local mais importante da atividade empresária, ou seja, com o maior volume de negócios, como já foi entendido pelo STJ. [47]
Ademais, em importante julgamento do conflito de competência nº 68.173 - SP (2006/0176543-8), o Ministro relator Luis Felipe Salomão ressaltou que no conflito entre a tentativa de recuperar a empresa e o pagamento dos créditos trabalhistas, deve prevalecer a primeira opção. “O valor que prepondera é o da preservação da empresa, até mesmo para, depois, se levantar recursos para o pagamento dos empregados.” [48]
Contudo, acaso o grupo empresarial possua como sócia uma empresa com sede social fora do Brasil, a tendência da jurisprudência é desmembrar os procedimentos, ante a absoluta ausência de jurisdição para julgamento de demandas fora do país.
Esse foi o caso da recuperação judicial da empresa OGX, integrante do grupo X,cujo sócio majoritário éo empresário Eike Batista.
O pedido de recuperação judicial foi realizado pelas empresas OGX PETRÓLEO E GÁS PARTICIPAÇÕES S/A, OGX PETRÓLEO E GÁS S/A,OGX INTERNACIONAL GMBH e OGX ÁUTRIA GMBH.
A OGX PARTICIPAÇÕES constitui uma holding não operacional e é controladora da OGX PETRÓLEO E GÁS, empresa exploradora e produtora, enquanto a que a empresa OGX PARTICIPAÇÕES é controladora da OGX INTERNACIONAL que controla a empresa OGX ÁUSTRIA, sendo certo que as duas últimas foram criadas com o objetivo de servirem de veículo para obtenção de recursos junto a credores internacionais a fim de viabilizar as operações desenvolvidas no Brasil pela OGX PETRÓLEO E GÁS.
No caso em tela fora indeferido o pedido de processamento conjunto da recuperação judicial, ou seja, da formação do litisconsórcio ativo, por dois motivos:[49]
a) O juízo entendeu que a descaraterização das personalidades jurídicas das empresas seria algo excepcional, apenas quando comprovada fraude ou abuso de poder;
b) As empresas OGX INTERNACIONAL GMBH e OGX ÁUTRIA GMBH são sediadas em território internacional, a saber, Áustria e Holanda, pelo que não se poderia deferir o processamento da recuperação judicial no território brasileiro, por absoluta ausência de jurisdição.
Neste caso, deferiu-se o processamento da recuperação judicial somente das empresas OGX PETRÓLEO E GÁS PARTICIPAÇÕES S.A. e OGX PETRÓLEO E GÁS S.A., sendo a primeira uma holding controladora e co-devedora da segunda em relação a praticamente todo o passivo, sendo determinado que cada uma das recuperandas apresente seu próprio plano de recuperação judicial, mesmo que sejam idênticos ou interdependentes, bem como devendo estes serem analisados separadamente por seus respectivos credores, com absoluto respeito à autonomia patrimonial de cada sociedade, de maneira que deverão ser publicados quadros gerais de credores distintos para cada empresa.
Assim, no caso do grupo OGX, o principal argumento utilizado para o indeferimento do processamento conjunto da recuperação judicial, foi o da absoluta incompetência da justiça brasileira para julgar a recuperação de uma empresa internacional.
Contudo, como já analisado, o entendimento majoritário da jurisprudência pátria é o de aceitar o processamento conjunto da recuperação judicial para empresas de um mesmo grupo econômico, formando um litisconsórcio ativo facultativo inicial, com base no princípio da recuperação da empresa, desde que todas as empresas possuam sede social em território brasileiro.
4.4 Elaboração de plano único ou plano conjunto
Questão também controvertida na seara jurisprudencial diz respeito à necessidade ou não de apresentação de plano de recuperação judicial único para as empresas do mesmo grupo econômico que formam o litisconsórcio ativo numa demanda de recuperação judicial.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já entendeu pela possibilidade de apresentação de um plano único para as empresas recuperandas pertencentes a um mesmo grupo econômico (caso da MATTOS & TAKYI COMÉRCIO DE ARTIGOS PARA O LAR), ante a sua interdependência e existência de credores em comum. Nesse caso, foi recomendado que as empresas apresentassem plano de recuperação único com submissão à apreciação dos credores reunidos em Assembleia Geral.[50]Assim, em que pese ter possibilitado a apresentação de um plano de recuperação único, submeteu sua aprovação à assembleia de credores. Ou seja, em verdade, quem irá decidir sobre a viabilidade ou não de apresentação de um plano único serão os credores.
Contudo, a posição que vem predominando na jurisprudência dos tribunais pátrios é a da impossibilidade de apresentação de um plano único pelas empresas que formam um mesmo grupo econômico, mesmo no caso de formação de litisconsórcio ativo, sob o argumento da impossibilidade de confusão patrimonial das empresas, preservando-se o princípio da autonomia patrimonial.
No julgamento da recuperação judicial do grupo CAMERA AGROALIMENTOS S/A, foi utilizado o argumento de que “a apresentação do plano conjunto pode mascarar as condições de cada postulante, além de esta circunstância violar o princípio da pars conditio creditorum [...] Não é razoável que o patrimônio de uma sociedade seja colocado à disposição de credores alheio a esta”.[51]
Registre-se, ainda, o caso da recuperação judicial do grupo SANTA BÁRBARA DESENVOLVIMENTO IMOBILIÁRIO S/A, no qual o Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu pela impossibilidade de aproveitamento do plano de recuperação judicial por mais de uma empresa, mesmo no caso de pertencerem a um mesmo grupo econômico.[52]
Ademais, no caso da recuperação judicial do Grupo OGX, já analisado acima, também foi determinado que cada uma das recuperandas apresente seu próprio plano de recuperação judicial, mesmo que sejam idênticos ou interdependentes, bem como devendo estes serem analisados separadamente por seus respectivos credores, com absoluto respeito à autonomia patrimonial de cada sociedade.[53]
Nesse sentido, conclui-se que a posição majoritária dos tribunais pátrios é a da impossibilidade de apresentação de um plano de recuperação judicial único, mesmo no caso de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico, que compõem o mesmo polo ativo de uma demanda de recuperação judicial, de forma a evitar a confusão patrimonial das empresas, preservando o direito dos credores.
4.5 Quadro de Credores
Juntamente à análise do item anterior, ou seja, se o plano de recuperação judicial deve ser único para todas as empresas pertencentes do mesmo grupo econômico, deve-se discutir se o quadro de credores deve ser comum às mesmas.
Nesse ponto, deve-se analisar até que ponto as empresas possuem credores e obrigações em comum.
Analisando a posição jurisprudencial sobre o tema, denota-se que o TJSP já decidiu no sentido de que quadro de credores pode ser único para todas as empresas, no caso da recuperação judicial do grupo SIFCO S/A. No caso em tela, entendeu-se que “os atos de recuperação devem considerar o grupo globalmente sob pena de se tornar o processo inviável e tumultuado.”[54]
Contudo, o caso em tela retrata um caso bastante específico, em que o grupo empresarial possuía credores em comum e patrimônio relacionado.
Essa ainda é uma questão controvertida na jurisprudência, porém, entende-se que a tendência é pela configuração do quadro de credores em separado, seguindo a linha de entendimento da apresentação de planos de recuperação judicial distintos para cada empresa, preservando a autonomia patrimonial e o direito dos credores, como ocorreu no julgamento do caso do GRUPO OGX, já analisado acima.
4.6 Assembleia de Credores
A assembleia de credores é o órgão máximo de deliberação no processo de recuperação judicial, sendo nela discutidos temas como aprovação, modificação ou rejeição do plano.
Pode-se afirmar que a assembleia de credores é soberana, pois, uma vez votado o plano em assembleia, com sua consequente aprovação, através de deliberação que atendeu ao quórum qualificado exigido em lei, o juiz deve limitar-se apenas a homologar o plano aprovado pelos credores.
Na esteira do quanto se afirmou acerca da soberania da assembleia geral de credores, uma vez aprovado o plano em assembleia, o juiz deverá conceder a recuperação, sem que se lhe reserve grande margem de discricionariedade.[55]
No caso em estudo, insta analisar se, no caso de formação de litisconsórcio ativo por empresas de um mesmo grupo econômico, no processo de recuperação judicial, a assembleia de credores deve ser única ou desmembrada por cada empresa.
Assim, caso o juízo considere que o quadro de credores é comum para todas as empresas do grupo, será realizada assembleia de credores única. Contudo, caso o quadro de credores seja individualizado, serão realizadas várias assembleias de credores, de maneira apartada.
A última opção nos parece mais adequada, pois permite a manutenção da autonomia patrimonial de cada empresa, além de preservar o interesse dos credores, que podem votar apenas na assembleia que lhes interessa, ou seja, dedicam seus esforços a comparecerem e acompanharem apenas a assembleia em que seu crédito será habilitado. Ademais, em uma assembleia única de credores, estes correm o risco de possuir o voto diluído ante a grande quantidade de credores reunidos, pelo que se mostra mais viável a realização da assembleia individualizada.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na análise do caso da recuperação judicial da CAMERA AGROALIMENTOS S/A, entendeu que, para preservar o princípio da pars conditio creditorum, as assembleias deveriam ser realizadas de maneira separada.[56]
4.7 Prazos
Conforme artigo 191 do Código de Processo Civil, os litisconsortes com diferentes procuradores possuem prazo em dobro para contestar, recorrer e, de modo geral, falar nos autos.[57]
Ocorre que a 3ª Turma do STJ decidiu que tal prerrogativa não se aplica aos credores da empresa em recuperação judicial, pois não há réus e sim interessados. O Ministro relator Paulo Tarso Sanseverino, ao analisar a questão na recuperação judicial da empresa N.T.L, afirmou categoricamente que
não se mostra possível, porém, o reconhecimento de litisconsórcio passivo em favor dos credores da sociedade recuperanda, uma vez que não há réus na recuperação judicial. Os credores são interessados, que, embora participando do processo e atuando diretamente na aprovação do plano, não figuram como parte adversa, já que não há nem mesmo litígio propriamente dito.[58]
Assim, considera-se que os credores são terceiros interessados no processo de recuperação judicial e não parte adversa, visto que buscam o um objetivo comum: a recuperação da empresa. Como cediço, os terceiros interessados não possuem prazo em dobro para recorrer, pelo que a regra do artigo 229 do CPC não se aplicaria.
Contudo, o ministro excepcionou os casos de empresas que formam um mesmo grupo econômico e compartilham o polo ativo da demanda, afirmando que, nesses casos, o artigo 229 do CPC se aplica.
A recuperação judicial foi um mecanismo criado pelo direito, visando recuperar a empresa em crise, de acordo com o princípio basilar da preservação da empresa para, apenas em último caso, convalidar-se sua falência.
O instituto da recuperação judicial evolui ao longo dos tempos, tendo suas origens na Roma Antiga e consubstanciando-se no ordenamento pátrio através da Lei 11.101/05.
Através da análise histórica dos institutos da falência e da recuperação judicial, percebe-se como eles evoluíram e aperfeiçoaram-se ao longo dos tempos, passando a preocupar-se não apenas com os aspectos econômicos e financeiros decorrentes da crise da empresa, mas também com o aspecto social, em consonância ao princípio da função social da empresa.
Assim, atualmente, a recuperação judicial visa preservar a atividade comercial, além de proteger os interesses dos credores, empreendedores, trabalhadores e do fisco, ou seja, abrange interesses globais de todo o mercado.
O litisconsórcio é um instituto do direito processual civil caracterizado pela reunião de duas ou mais pessoas no polo ativo ou passivo de uma demanda judicial.
Apesar de não ser regulado pela legislação vigente – o que demonstra uma grande desatualização do ordenamento pátrio - é possível que ocorram casos em que a demanda de recuperação judicial seja composta por mais de um requerente, ou seja, que se forme um litisconsórcio no polo ativo da demanda, no caso de empresas que façam parte de um mesmo grupo econômico.
Referido litisconsórcio ativo, em caso de recuperação judicial, terá de ser, necessariamente, facultativo, tendo em vista não ser prudente impor decisões uniformes para todas as empresas, em decorrência das peculiaridades e autonomia de cada uma delas, bem como há de ser, essencialmente, inicial, visto a obrigatoriedade de requerimento para sua formação na petição inicial, com configuração no início da demanda.
Tendo em vista a ausência de previsão legislativa para a matéria, o tema possui vários pontos controvertidos na jurisprudência. Contudo, em decorrência da influência do capitalismo e liberalismo nas relações jurídicas e econômicas, é cada vez mais comum a formação do litisconsórcio ativo nas demandas de recuperação judicial, pelo que os temas controvertidos vêm se delineando na jurisprudência, podendo-se concluir por uma tendência de regramento, através da análise de diversos julgados.
A primeira questão controvertida na doutrina e jurisprudência nacionais refere-se à necessidade ou não da constituição formal, por registro público, do grupo empresarial, ou se bastaria apenas a atuação conjunta de fato do grupo econômico para a configuração do litisconsórcio no polo ativo da demanda.
Fato é que o desenvolvimento da atividade capitalista trouxe a necessidade de reunião de empresas com vistas a unir esforços para um fim empresarial em comum: o lucro, pelo que se entende como grupo econômico o conjunto de empresas, ligadas por um vínculo de coordenação ou subordinação comum.
A reunião de diferentes empresas em grupos econômicos traz uma série de vantagens, tais qual a maximização do lucro e da produtividade, crescimento no mercado e diminuição dos custos.
Conforme discorrido, vem-se entendendo que a simples configuração do grupo econômico de fato já é suficiente para a autorização do processamento conjunto da recuperação judicial, desde que as empresas possuam uma relação de controle comum, sempre buscando a preservação da empresa.
Outra questão controvertida na doutrina e jurisprudência nacionais configura-se pelanecessidade ou não, em caso de litisconsórcio ativo na recuperação judicial, dos estabelecimentos empresariais serem na mesma comarca.
Nesse sentido, confrontam-se dois princípios essenciais do direito: o princípio da preservação da empresa e o princípio da proteção ao trabalhador.
Certo é que o litisconsórcio ativo de empresas com sedes em diferentes comarcas dificulta o acesso do trabalhador hipossuficiente ao processo, contudo, o STJ já decidiu que no conflito entre a tentativa de recuperar a empresa e o pagamento dos créditos trabalhistas, deve prevalecer a primeira opção, tendo em vista que a empresa deve ser preservada e recuperada, em primeiro lugar, para então, se levantar recursos para pagamento dos empregados.
Assim, a posição majoritária dos tribunais superiores é a da possibilidade da recuperação judicial de empresas de um mesmo grupo econômico, mesmo que em comarcas diferentes, sendo o foro competente para julgamento da demanda o do local do principal estabelecimento do devedor, assim considerado o local mais importante da atividade empresária, ou seja, com o maior volume de negócios.
Contudo, através da análise da recuperação judicial do grupo OGX, denota-se a impossibilidade de processamento conjunto da recuperação judicial de empresas, no juízo brasileiro, que possuam sede em território internacional, tendo em vista a absoluta ausência de jurisdição, devendo, nesse caso, as recuperações judiciais serem processadas em apartado.
Ademais, vislumbra-se a questão da viabilidade de apresentação de um plano único de recuperação judicial pelas empresas recuperandas, bem como se a assembleia e o quadro de credores devem ser únicos ou separados.
A assembleia de credores é o órgão máximo de deliberação no processo de recuperação judicial, sendo nela discutidos temas como aprovação, modificação ou rejeição do plano.
O plano de recuperação judicial é a etapa mais importante do processo, devendo pormenorizar as medidas, estratégias e prazos através dos quais o devedor pagará suas dívidas.
Ressalte-se que a assembleia de credores é soberana, pois, uma vez votado o plano em assembleia, com sua consequente aprovação, através de deliberação que atendeu ao quórum qualificado exigido em lei, o juiz deve limitar-se apenas a homologar o plano aprovado pelos credores.
Através da análise da jurisprudência recente dos tribunais pátrios, constata-se que é mais prudente que sejam apresentados planos distintos de recuperação judicial, bem como que sejam individualizados o quadro e a assembleia de credores, com respeito ao princípio da autonomia empresarial e da pars conditio creditorum.
Por fim, discute-se se nos casos de litisconsórcio ativo nas demandas de recuperação judicial, os credores possuem prazo em dobro para de modo geral falar nos autos, prerrogativa prevista no artigo 229 do CPC, para litisconsortes com procuradores distintos.
A 3ª Turma do STJ já decidiu que tal prerrogativa não se aplica aos credores da empresa em recuperação judicial, pois nesses casos não há parte adversa, mas sim interessados. Contudo, importante salientar que foram excepcionados os casos de empresas que formam um mesmo grupo econômico e compartilham o polo ativo da demanda, afirmando que, nesses casos, o artigo 191 do CPC se aplica.
Ante o exposto, conclui-se que o objetivo precípuo da recuperação judicial é o da preservação da empresa, sendo o litisconsórcio ativo um meio para se alcançar tal finalidade, sempre com respeito aos credores e a função social da empresa.
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[1]Apelido citado por Modesto Carvalhosa (in, Folha de São Paulo, 09 de junho de 2005).
[2]Art. 47.Lei 11.101/05 A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
[3]COELHO, Fábio Ulhôa. Comentários à Nova Lei de Falências. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
[4]Art. 61 Lei 11.101/05 Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o devedor permanecerá emrecuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial.
[5]CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa: o novo regime da insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 119
[6]COSTA, Ricardo Brito. Recuperação Judicial: é possível o litisconsórcio ativo? Revista do Advogado, São Paulo, n. 105, p. 174-183, Setembro de 2009. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 182.
[7]SALOMÃO, Luis Felipe e SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação Judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 10.
[8]COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2012. 13ª ed.
[9]Art. 955 CC Procede-se à declaração de insolvência toda vez que as dívidas excedam à importância dos bens do devedor.
[10] LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959. p. 26.
[11]GUIMARÃES, Maria Celeste Morais.Recuperação Judicial de Empresas. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 38.
[12] PIMENTA, Eduardo Goulart. Recuperação Judicial de Empresas: Caracterização, Avanços e Limites. Revista Direito GV 3. V. 2 N. 1, P. 151 – 166. Jan-Jun 2006.
[13] Art. 48 Lei 11.101.05 Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;
III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo
IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
[14]Art. 51 Lei 11.101/05 A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:
I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira;
II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:
a) balanço patrimonial;
b) demonstração de resultados acumulados;
c) demonstração do resultado desde o último exercício social;
d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;
III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente;
IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento;
V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;
VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor;
VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;
VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;
IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.
[15]TJSP, AI nº 601.314-4/0-00 rel. Des. Lino Machado. Data do Julgamento: 04/03/2009. Câmara Reservada à Falência e Recuperação Judicial.
[16]COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários a Lei de Falência e de Recuperação de Empresas. São Paulo: Saraiva, 2010. 7ª ed. p. 186-187.
[17]SALOMÃO, Luis Felipe. Recuperação Judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 7.
[18]COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2012. 13ª ed. p. 158.
[19]Art. 53 Lei 11.101/05 O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:
I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo;
II – demonstração de sua viabilidade econômica; e
III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.
[20]ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. Balanço do primeiro ano de vigência da nova lei de recuperação brasileira – Lei n. 11.101/05: Êxitos e preocupações quanto à solução da crise econômica financeira. 2006, Jornadas de Derecho Comercial.
[21]Art. 6º Lei 11.101/05 A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
[22]JR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil – Teorial Geral do processo e processo de conhecimento. Bahia: Jus Podvim, 2007. 8ª ed. p. 275.
[23]Art. 46 CPC Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;
II - os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito;
III - entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir;
IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.
[24] WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, volume 1: teoria geral do processo de conhecimento / Coordenação Luiz Rodrigues Wambier. 8ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 231.
[25]CINTRA, A. C. de A. DINAMACO, C. R; GRINOVER, A. P. Teoria Geral do Processo. 26 ed. São Paulo; Malheiros, 2010. p. 79.
[26]DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: editora Lumen Juris, 2009. 12ª ed. p. 130.
[27]DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil – Volume II. São Paulo: Malheiros, 2001.
[28]JR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil – Teorial Geral do processo e processo de conhecimento. Bahia: Jus Podvim, 2007. 8ª ed. p. 280.
[29]DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. São Paulo: Malheiros, 1998. 5ª ed. p. 390-391.
[30]ASSIS, Araken de. Cumulação de Ações. São Paulo: RT, 2002. 4ª ed. p. 190.
[31]TJSP. AI nº 2094999-86.2015.8.26.0000. Des. Relator Carlos Alberto Garbi. Data de Julgamento 18/05/2015. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.
[32] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, V.2, 2003. p. 290
[33] COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p 364.
[34]CARVALHOSA, Modesto. Sociedade Holding – bens excluídos do giro dos seus negócios. Revista de Direito Mercantil, n.2, 1971, p.37-38
[35] Art. 243 Lei 6404/76§ 1o São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa.
§ 5o É presumida influência significativa quando a investidora for titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la
[36] Art. 243 § 2ºLei 6404/76 Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.
[37]Art. 265 Lei 6404/76 A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns.
§ 1º A sociedade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas.
[38]DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. São Paulo: Malheiros, 1998. 5ª ed. p. 88-90.
[39]COSTA, Ricardo Brito. Recuperação judicial: é possível o litisconsórcio ativo? In: Revista do Advogado – Recuperação Judicial: temas polêmicos. Ano XXIX. n° 105. São Paulo: AASP. Setembro de 2009. p. 180.
[40]Processo nº 2005.001.072887-7. 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ. Juiz titular: Luiz Roberto Ayoub.
[41]Processo nº 0000632-23.2014.8.26.0394. 2ª Vara Judicial de Nova Odessa/SP.
[42]TJSP. AI nº 2094999-86.2015.8.26.0000. Des. Relator: Carlos Alberto Garbi. Data de Julgamento: 31/08/2015. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.
[43]TJRS. AI nº 70049024144.Des. Relator:GelsonRolim Stocker. Data de Julgamento: 25/07/2012. 5ª CâmaraCível.
[44]COSTA, Ricardo Brito. Recuperação judicial: é possível o litisconsórcio ativo? In: Revista do Advogado – Recuperação Judicial: temas polêmicos. Ano XXIX. n° 105. São Paulo: AASP. Setembro de 2009. p. 180.
[45]TJSP, AInº6453304400. Relator. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças. Data do Julgamento: 15/09/2009.Câmara Reservada à Falência e Recuperação.
[46]TJSP. Apelação sem Revisãonº6252064200. Relator Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças. Data do Julgamento 09.06.2009.Câmara Reservada à Falência e Recuperação.
[47]STJ - CC 116.743-MG, Rel. Min. Raul Araújo, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, Data do Julgamento: 10/10/2012.
[48]STJ - 68.173 - SP (2006/0176543-8),, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Data do Julgamento: 14/03/2011.
[49]Apelação sem revisão nº 0504643-48.2014.8.19.0001 do TJRJ.4ª Vara Empresarial.
[50]TJSP. AI nº 21161305420148260000. Relator Des. Tasso Duarte de Melo. Data do Julgamento: 13/11/2014. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.
[51]TJRS. AI nº 70062985171. Relator Des. Ney Wiedemann Neto.Data do Julgamento: 28/05/2015. 6ª CâmaraCível.
[52]TJMG. AI nº 10024133086082001. Relator Des. Fernando Caldeira Brant. Data do Julgamento: 06/02/2014. 5ª CâmaraCível.
[53]TJRJ. Apelação sem revisão nº 0504643-48.2014.8.19.0001. 4ª Vara Empresarial.
[54]TJSP. Agravo de Instrumento nº 2215135-49.2014.8.26.0000. Relator Des. Teixeira Leite. Data do julgamento: 10/04/2015. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.
[55]CAVALLI, Cássio; AYOUB, Luiz Roberto. A construção jurisprudencial da Recuperação Judicial de Empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 288.
[56]TJRS. AI nº 70062985171. Relator Des. Ney Wiedemann Neto. Data do Julgamento: 28/05/2015. 6ª Câmara Cível.
[57]Art. 191CPC Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos.
[58]Recurso Especial nº 1.324.399 – SP (2012/0102789-3). Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Pós Granduanda em Direito Contratual pela UFPE; Graduada pela UFPE; Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Marília de Miranda Chiappetta dos. Litisconsórcio ativo na recuperação judicial: análise de casos e possibilidades Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 jan 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51290/litisconsorcio-ativo-na-recuperacao-judicial-analise-de-casos-e-possibilidades. Acesso em: 31 out 2024.
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