Introdução
A reforma trabalhista trouxe inúmeras modificações nos direitos trabalhistas, tanto no aspecto material quanto no aspecto processual. O objetivo do presente estudo é abordar a parte inicial do processo do trabalho, onde tudo começa quando as partes envolvidas não chegam a um acordo extrajudicial.
O tema que se apresenta pretende analisar o que mudou com a reforma no que tange ao processo do trabalho, mais especificamente no aspecto da inicial trabalhista, ou seja, a parte do processo que cabe exclusivamente ao reclamante que dará início a demanda.
Modificações na inicial trabalhista
Quando se fala em reforma trabalhista, é preciso que se compreenda que a mesma trouxe diversas inovações não apenas no direito material do trabalho, mas também no direito processual, no processo como um todo. E isso se percebe já no início da demanda, assim que o reclamante decide ajuizar uma ação trabalhsita já irá se deparar com algumas novidades inseridas e ou modificadas do art. 840 da CLT que trata do assunto. [1]
A Lei n. 13.467 de 2017, mais conhecida como Reforma Trabalhista modificou o artigo 840 da CLT que trata da inicial e que ficou com a seguinte redação: “A reclamação poderá ser escrita ou verbal” Observa-se que o caput do dispositivo permanece inalterado, exatamente igual à redação anterior, o que significa que com a reforma o princípio da oralidade não foi afetado no que tange ao pedido inicial. O reclamante permanece com seu direito de ajuizar uma demanda trabalhista de forma oral, sem a necessidade da escrita, fazendo uso da palavra e com a devida redução a termo por parte do servidor, a modificação “reside no fato de que também o servidor está obrigado a seguir os requisitos mínimos da petição inicial” [2] como se verá a partir da leitura dos parágrafos do dispositivo mencionado.
A principal modificação da inicial está no disposto do § 1.º do mesmo artigo: “sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos, de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante”. (Grifou-se)
Continua no § 2.º com nova redação assim como no parágrafo anterior: “se verbal, a reclamação será reduzida a termo, em duas vias datadas e assinadas pelo escrivão ou secetário, observado, no que couber, o disposto no § 1º deste artigo.” E por fim, a reforma acrescenta o § 3.º que reza o seguinte: “os pedidos que não atendam ao disposto no § 1º deste artigo serão julgados extintos sem resolução do mérito.”
A primeira alteração que merece ser referida aqui, e que já deveria ter sido modificada há muito mais tempo, é uma questão de nomenclatura, visto que as chamadas Juntas de Conciliação e Julgamento, onde existiam os chamados juizes classistas representantes dos trabalhadores e dos empregadores, já estão extintas desde 1999 com a Emenda Constitucional n. 24. Hoje as antigas Juntas são chamadas de Varas do Trabalho, e são compostas por um juiz singular e concursado. No entanto, ainda aparecia na redação do art. 840, a nomenclatura anterior, e que está desatualizada, quando referia que a reclamação escrita deveria conter a designação do Presidente da Junta, o que agora fala apenas em designação do juízo, corrigindo o equívoco. Pena que o legislador reformista esqueceu de fazer a mesma alteração em outros dispositivos da CLT como é o caso do art. 651 que trata da competência territorial. [3]
A segunda modificação do § 1º do art. 840 da Nova CLT é uma alteração sem muito sentido, pois apenas troca a expressão “a qualificação do reclamante e do reclamado” por “a qualificação das partes”. Parece apenas economia de palavras, visto que o sentido é rigoramente o mesmo da redação anterior. Ora, quem são as partes? Reclamante e reclamado. Mas enfim, já que o dispositivo estava sendo alterado o legislador decidiu mudar tudo que fosse possível, afinal com a nova redação “qualificação das partes” sugere um possível litisconsórcio, em que todos os reclamantes e todos os reclamados serão qualificados na inicial. A redação anterior trazia reclamante e reclamado no singular, o que não impossibilitava rigorosamente nada, mas em termos de língua portuguesa, talvez a nova redação seja, de fato, mais interessante.
No entanto, a modificação mais relevante do art. 840 da CLT está em equiparar os requisitos da inicial pelo rito ordinário àquelas que já eram exigidas pelo rito sumaríssimo de uma demanda trabalhista, ao exigir que o pedido seja certo e determinado e que seja atribuído um valor a causa. [4] Ora, mas afinal o que se entende por pedido certo e determinado? O pedido será certo e determinado quando estiver especificado o que se pretende com a referida ação, diferente do chamado pedido genérico, que nada diz, apenas se pede uma pretensão sem mencionar exatamente o que é, como seria por exemplo em uma demanda trabalhista o reclamante pedir todas as verbas rescisórias a que tem direito decorrentes de uma despedida sem justa causa e mais as demais verbas não pagas durante o contrato de trabalho. Evidente que esse tipo de ação prejudicaria o reclamado pois estaria ferindo o contraditório e a ampla defesa, sem contar no prejuízo à celeridade processual, tão necessária em lides trabalhistas. Oportuna a lembrança, que as alterações realizadas pela reforma trabalhista no art. 840 da CLT se deram exatamente por esses motivos, como está descrito na justificativa do Projeto de Lei n. 6.787/2016. [5]
Como bem mencionam Renato Saraiva e Aryanna Manfredini “em regra, o autor deverá explicitar o que pretende e em que quantidade pretende, impondo-se a determinação e certeza do pedido”. [6] No entando, os mesmo autores fazem a ressalva, mencionando que em algumas situações não é possível determinar de forma precisa o pedido como ocorre por exemplo em açoes de danos morais e até materiais como bem descrevem em uma situação hipotética: “imaginemos, nas seara trabalhista, a propositura pelo empregado de uma açao de indenização pelos danos materiais sofridos em função de agressão física praticada pelo empregador, em virtude da qual o obreiro, teve um membro do seu corpo afetado, estando em tratamento e ainda não tendo os médicos plena convicção do tempo necessário à recuperação do paciente. Nesta hipótese, é possível a utilização de pedido genérico, pelo fato de o reclamante ainda não poder precisar o montante necessário ao ressarcimento do prejuízo (despesas médico-hospitalares, tratamento fisioterápico, medicamentos, lucros cessantes, etc.). Também em relação aos danos morais, admite-se a postulação de pedido genérico, sem a fixação na peça vestibular do quantum debeatur, requerendo o autor que o próprio magistrado arbitre o valor da condenação.” [7]
Mais importante ainda que a determinação do pedido e sua certeza está no valor da causa, omitido pelo art. 840 da CLT anterior à reforma e que agora a alteração com o acréscimo do valor da causa como requisito fundamental da petição inicial acaba por colocar fim a uma divergência doutrinária que permanecia até então. Já era obrigatório colocar o valor da causa quando se tratasse de procedimento sumaríssimo, no entanto, no procedimento comum ou também chamado de ordinário, isto não era uma exigência, ao menos se formos interpretar o dispositivo de forma literal, visto que o mesmo era omisso nesse quesito. Assim, não se tinha uma resposta certa sobre o tema, muitos reclamantes colocavam um valor qualquer acima de 40 vezes o salário mínimo para deixar claro que estava se tratando de rito ordinário e não sumaríssimo [8], outros colocavam simplesmente como valor da causa a ser determinado pelo juiz, ou a calcular no final por meio de liquidação, ou simplesmente nada referiam sobre o valor da causa, seguindo rigorosamente o que estava descrito e exigido pela lei. Em contrapartida tinha ainda, os reclamantes que colocavam o valor da causa mesmo em se tratando de procedimento ordinário, o que acabava seguindo grande parte da doutrina que entendia ser obrigatório a atribuição na inicial do valor da causa, ainda que o art. 840 nada mencionasse, como se nota na obra de Sergio Pinto Martins: “mesmo inexistindo previsão da CLT sobre valor da causa, é necessário indicá-lo na inicial. O valor da causa é fundamental na petição inicial, para que o reclamado possa saber quanto o autor pretende receber, proporcionando defesa à ré, e inclusive facilitando a conciliação em audiência, que é o fim primordial da Justiça do Trabalho.” [9]
Mas, como dito acima, há aqueles autores que entendiam ser desnecessário apontar o valor da causa no rito ordinário, pois a lei era omissa, e sendo assim, caberia esta tarefa ao juiz da causa. [10] Com a reforma, esse problema acabou, agora não restam mais dúvidas da necessidade de atribuição do valor da causa sob pena de ser o processo extinto sem resolução do mérito, como se verá a seguir.
O parágrafo segundo do art. 840 da Nova CLT permite ainda a reclamação de forma verbal como já visto no presente trabalho, e deixa claro que as exigências referidas para a petição escrita também deverão constar na reclamação verbal, por óbvio. Sendo assim, a determinação dos pedidos e o valor da causa deverão constar de qualquer jeito na inicial trabalhista, sendo ela escrita ou verbal.
Por fim, foi acrescentado o § 3º ao art. 840, visto que não havia disposivito correspondente na CLT anterior. Tal dispositivo traz uma sanção ao reclamante que não atender às exigências ou requisitos da petição inicial, que será a extinção do processo sem resolução do mérito. No entanto, Mauro Schiavi adverte que “não se trata de alteração negativa, mas deve ser vista com sensibilidade pelo Judiciário Trabalhista. Antes de extinguir o pedido que não esteja de acordo com o § 1º do art. 840, da CLT, pensamos ser possível a correção com atribuição de prazo para emenda (art. 321 do CPC e Súmula 263 do TST).” [11]
O autor parece ter razão, afinal o processo do trabalho lida com uma parte hipossuficiente na relação, ou seja, o empregado que em muitas vezes não faz ideia de quais direitos possuí e como se não bastasse, ainda poderá estar sozinho na demanda fazendo uso do jus postulandi, sem um advogado para lhe assistir. Nada mais justo, que o juiz entenda o lado do trabalhador de pouco ou nenhuma instrução e lhe garanta um prazo para eventuais correções quanto aos requisitos da peça inicial.
Conclusão
Muitas alterações trouxeram benefícios a todas as partes e a sociedade como um todo, outras, no entanto, retiraram direitos dos trabalhadores e dificultaram o ajuizamento de ações trabalhistas. O certo é que a CLT é de 1943 e uma reforma fazia-se necessária, talvez não do jeito que foi feita, mas de qualquer forma ainda é muito cedo para que possamos sentir os efeitos da reforma, e somente o tempo dirá quais os pontos positivos e negativos de toda a reforma.
No que tange ao ajuizamento da ação trabalhista foram feitos alguns ajustes para suprir a omissão que havia no dispositivo anterior ou para tentar corrigir alguns equívocos que não tinham mais porque estarem descritos na mesma. Com tudo isso exposto, parece evidente que será mais complicado entrar com ação trabalhista, ainda mais utilizando-se do jus postulandi, mas por outro lado, alguns benefícios virão como a maior celeridade processual e a maior quantidade de conflitos que se resolverão de forma amigável, quando, de fato, o judiciário não era necessário.
Referências
1 – A redação anterior à reforma trabalhista do art. 840 da CLT trazia o seguinte: “A reclamação poderá ser escrita ou verbal. § 1.º Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do Presidente da Junta, ou do juiz de direito a quem for dirigida, a qualificação do reclamante e do reclamado, uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante. § 2.º Se verbal, a reclamação será reduzida a termo, em 2 (duas) vias datadas e assinadas pelo escrivão ou chefe de secretaria, observado, no que couber, o disposto no parágrafo anterior.
2 – SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 155.
3 – Nesse mesmo sentido Francisco Meton de Lima e Francisco Péricles de Lima aduzem que “a nova redação atualiza os termos, de acordo com a Emenda Constitucional n. 24, que extinguiu a representação classista, e em consequência as Juntas de Conciliação e seu Presidente, mudando os nomes para Varas do Trabalho e Juiz do Trabalho Titular da Vara.” LIMA, Francisco Meton Marques de; LIMA, Francisco Péricles Rodrigues Marques de. Reforma trabalhista: entenda ponto por ponto. São Paulo: LTr, 2017, p. 133.
4 – O art. 852-B da CLT já tinha previsão semelhante ao que a reforma trouxe para o rito ordinário, no procedimento sumaríssimo conforme reza o mencionado dispositivo: “Nas reclamações enquadradas no procedimento sumaríssimo: I – o pedido deverá ser certo ou determinado e indicará o valor correspondente.”
5 – Justificativa do Projeto de Lei n. 6787/2016: “As alterações promovidas no art. 840 tem como fundamento principal exigir que o pedido, nas ações trabalhistas, seja certo, determinado e que tenha o seu valor devidamente indicado. A exigência de que o pedido seja feito de forma precisa e com conteúdo explícito é regra essencial para garantia da boa-fé processual, pois permite que todos os envolvidos na lide tenham pleno conhecimento do que está sendo proposto, além de contribuir para a celeridade processual com a prévia liquidação dos pedidos na fase de execução judicial, evitando-se novas discussões e, consequentemente, atrasos para que o reclamante receba o crédito que lhe é devido. Vale ressaltar que o tratamento dado à matéria nesse artigo é o mesmo já estabelecido no CPC”.
6 – SARAIVA, Renato; MANFREDINI, Aryanna. Curso de Direito Processual do Trabalho. 12. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 280.
7 – Idem, p. 281.
8 – O art. 852-A da CLT ao tratar do procedimento sumaríssimo estabelece o limite do valor da causa para determinação deste rito: “os dissídios individuais cujo valor não exceda a 40 (quarenta) vezes o salário mínimo vigente na data do ajuizamento da reclamação ficam submetidos ao procedimento sumaríssimo.”
9 – MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 347-8.
10 – Seguindo essa linha de raciocínio Bezerra Leite sustentava que: “de lege lata, o valor da causa, é requisito obrigatório apenas para as causas sujeitas ao procedimento sumaríssimo, por força da aplicação conjunta dos arts. 852-A e 852-B, inciso I, § 1º, da CLT, e deve corresponder ao valor do pedido líquido. Já nas ações individuais submetidas aos procedimentos ordinário e sumário, se o autor não indicar o valor da causa, o juiz antes de passar à instrução da causa, deverá fixá-lo para determinação da alçada (Lei n. 5.584/70, art. 2º). Vale dizer, se omissa a petição inicial quanto ao valor da causa nos procedimentos ordinário e sumário, cabe ao juiz fixá-lo de ofício, ainda que na própria sentença.” LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 620.
11 – SCHIAVI, Mauro. A reforma trabalhista e o processo do trabalho: aspectos processuais da Lei n. 13.467/17. 1. ed. São Paulo: LTr Editora, 2017, p. 94.
Advogado militante (OAB/RS 73.357), trabalha nas áreas cível e trabalhista. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS no ano de 2007. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IDC-RS no ano de 2010. Mestre em Direito Processual Civil pela PUCRS no ano de 2014. Professor de Direito da Graduação e Pós-Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul -UNISC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KRIEGER, Mauricio Antonacci. Da reforma trabalhista: petição inicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 fev 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51335/da-reforma-trabalhista-peticao-inicial. Acesso em: 06 nov 2024.
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