Resumo: O artigo traz uma breve síntese sobre a conquista de alguns direitos fundamentais das mulheres no Brasil, bem como sua lenta e gradual representatividade na vida em sociedade. Apresenta-se os reflexos que a sociedade machista trouxe no impasse para a conquista de tais direitos e como se tornou uma das justificativas para aumento do número de feminicídios. O texto evidencia ainda as consequências que o patriarcalismo e a desigualdade entre os gêneros ocasionou trazendo graves consequências no âmbito criminal no que tange a segurança e integridade da mulher. Por fim, faz-se considerações sobre possíveis medidas que possam reduzir tamanho problema social.
Palavras-chaves: Machismo. Feminicídio. Igualdade de gêneros.
Sumário: 1.Introdução – 2. Breve contexto da luta pela igualdade de gênero no Brasil – 3. Os reflexos do machismo e o índice de feminicídios no Brasil – 4. Diretrizes para o combate do feminicídio – 5. Considerações finais – 6.Refeências Bibliográficas.
1. Introdução
No Brasil, houve momentos nas constituições do país que a igualdade não existia em seu sentido formal, legitimando certas formas de discriminação das minorias sociais. Depois de um longo período de violações dos direitos fundamentais e censura da liberdade, finalmente, é promulgada a Constituição Federal de 1988.
A igualdade passa a ter forma de princípio maior. Inicialmente, no Preâmbulo do texto, e em seguida, o artigo 3º destaca a redução das desigualdades como objetivo do Estado brasileiro, e também, o artigo 5º, I dispõe que a igualdade é também direito fundamental, - ”Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”- e visa garantir uma vida digna, sem privilégios odiosos e sem discriminação a todos.
Atualmente, a universalidade é o fundamento do direito à igualdade e determina que todos os seres humanos são iguais e devem usufruir das mesmas condições na prática desses direitos. O direito a igualdade consta no artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que dispõe: “todas as pessoas nascem livres iguais em dignidade e direito”. No entanto, avanços nessa conquista só foi possível depois de um longo período de luta pela isonomia entres os gêneros.
Em uma sociedade fundamentada em conceitos machistas e no patriarcado, a igualdade muitas vezes fica só no papel, trazendo graves consequências para as mulheres, dentre elas o aumento do número de feminicídios ao longo dos anos.
2. Breve contexto da luta pela igualdade de gênero no Brasil
A igualdade de gênero, teve uma longa e difícil jornada ao longo da história. No Brasil, nos cem primeiros anos de constitucionalismo sequer se cogitava a participação da mulher na sociedade.
No início do século XIX, grupos de mulheres se reuniram almejando algum espaço na área da educação e do trabalho, notória a figura de Myrtes de Campos como a primeira advogada do Brasil.
Ainda em passos lentos - depois de anos de reinvindicações - apenas em 1932, oficialmente foi conquistado o direito de a mulher votar e ser votada, enquanto o do homem, data-se que em meados de 1555 tal direito já fazia parte do universo masculino. No entanto, com viés machista, apenas as mulheres casadas, com autorização dos maridos, e as solteiras e viúvas que tivessem renda própria possuíam tal direito. Em 1934, as restrições ao voto feminino foram eliminadas e, em 1946, a obrigatoriedade do voto foi estendida às mulheres.
Fortalecidas pelo movimento feminista – baseado na igualdade de direitos entre homens e mulheres - que começava a ganhar um pouco mais de espaço, na década de 50, com a volta da democracia, destacam-se as figuras das advogadas Romy Martins Medeiros da Fonseca e Orminda Ribeiro Bastos. Indignadas com a reprimenda da cultura machista, elaboraram uma nova proposta que ampliasse os direitos das mulheres. Somente dez anos depois conseguiram acabar com a tutela dos maridos sobre as mulheres, não sendo mais necessária a autorização do marido caso quisessem trabalhar fora de casa, receber herança, viajar e dentre outros direitos.
Marcada pela liberação sexual, com o advento da pílula anticoncepcional, e pelos movimentos que trazem como questão a mulher negra, indígena e homossexuais, as ideias feministas de Simone de Beauvoir ganham destaque na luta pelos direitos das mulheres na década de 60. Contudo, o direito de associação sofre reprimenda no contexto ditatorial e tais ideias ficam adormecidas.
Com a volta da democracia, as mulheres ganham mais protagonismo no governo com a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em 1985. Foi também aberta a primeira Delegacia de Defesa da Mulher, especializada no atendimento de vítimas de agressão doméstica e de casos de violência contra a mulher.
Anos mais tarde, após um lamentável episódio de violência contra a mulher, foi promulgada a Lei Maria da Penha, em 2006, grande passo para a prevenção da violência doméstica.
A figura feminina na sociedade brasileira, especificamente, foi bastante enraizada pela figura paternalista e pela posição do homem como seu dono, anulando durante muito tempo os direitos inerentes às mulheres. Esse contexto machista foi o propulsor para que episódios de violência se tornassem naturais e frequentes na sociedade brasileira, trazendo dados alarmantes até hoje, quase 30 anos depois da promulgação da Constituição de 1988.
3. Os reflexos do machismo e o índice de feminicídios no Brasil
Como já visto nesse texto, a sobreposição de que os homens são superiores às mulheres é uma ideia impregnada na história do Brasil. A agressão não vinha somente da sociedade, mas do Estado que, apropriado do machismo, fomentava a diferença entre os gêneros.
Assim, os reflexos desse comportamento e dessa cultura baseada na inferiorização da mulher, trouxeram índices desastrosos da violência de gênero. Com a pressão social diante da omissão do Estado na perpetuação dessa violência, as organizações internacionais recomendavam a adoção de medidas contra o índice de feminicídios.
No Brasil, o crime de feminicídio foi definido legalmente com a entrada em vigor da Lei nº 13.104/2015, alterando o artigo 121 do Código Penal e incluído também como circunstância qualificadora do homicídio, adicionado ao rol de crimes hediondos.
A importância da tipificação foi para dar visibilidade ao problema, traçando margens da sua extensão, bem como, o aprimoramento das políticas públicas para combater essa violência. Carmen Heins de Campos, advogada doutora em Ciências Criminais e consultora da CPMI que investigou a violência contra as mulheres no Brasil, ensina: “O feminicídio é a ponta do iceberg. Não podemos achar que a criminalização do feminicídio vai dar conta da complexidade do tema. Temos que trabalhar para evitar que se chegue ao feminicídio, olhar para baixo do iceberg e entender que ali há uma série de violências. E compreender que quando o feminicídio acontece é porque diversas outras medidas falharam. Precisamos ter um olhar muito mais cuidadoso e muito mais atento para o que falhou” (1).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de assassinatos chega a 4,8 para cada 100 mil mulheres (2); 13 mulheres morreram todos os dias em 2013 vítimas do feminicídio e 33% por parceiro ou ex-parceiro (3); a cada 7,2 segundos uma mulher é vítima de violência física no Brasil (4); 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados, amigos e conhecidos da vítima (5); 27% das mulheres vítimas de violência não denunciam e nem pedem ajuda (6); em 2013 o número de assassinatos de mulheres negras cresceu 54% - infelizmente, abarcadas também pelo exclusão étnico-scoial (7).
A taxa de feminicídios no Brasil é a quinta maior do mundo, dados da ONU Mulheres indicam que 66% dos brasileiros já presenciaram uma mulher sendo agredida física ou verbalmente em 2016 (8). O machismo viola os direitos fundamentais das mulheres e tira oportunidades. Eleonora Menicucci, socióloga e professora titular de saúde coletiva da Universidade Federal de São Paulo, ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres entre 2012 e 2015, ensina: “Trata-se de um crime de ódio. O conceito surgiu na década de 1970 com o fim de reconhecer e dar visibilidade à discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres, que, em sua forma mais aguda, culmina na morte. Essa forma de assassinato não constitui um evento isolado e nem repentino ou inesperado; ao contrário, faz parte de um processo contínuo de violências, cujas raízes misóginas caracterizam o uso de violência extrema. Inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie”(9).
4. Diretrizes para o combate do feminicídio
A violência contra a mulher – como já abordado anteriormente – é oriunda de uma sociedade patriarcal, cuja cultura por muito tempo foi aceita e consagrada na submissão da mulher perante o homem.
Ainda que a promulgação da lei do femincídio seja um importante avanço na militância da questão, não resolve o problema, as leis não coíbem a prática do machismo. É preciso romper essa cultura machista, e, para isso, leva-se tempo, mas somente com programas educacionais que ressaltem a igualdade de gênero isso será possível
A OMS faz recomendações ao combate do feminicídio. Como a questão é cultural, inserir diretrizes que modifiquem o pensamento machista podem ser interessantes. Capacitar e sensibilizar profissionais da saúde e policiais é uma forma de dar alarde a questão, buscando mecanismos que tragam segurança a vítima no momento da denúncia.
Além disso, a baixa participação da mulher na política não consegue levar ao Poder Público projetos de políticas públicas e ações afirmativas que visem a redução da propagação da cultura machista. A pouca participação da mulher na política já é reflexo da cultura machista, é preciso cortar esse ciclo vicioso.
Outro importante meio, é reduzir a posse de armas e fortalecer leis sobre as mesmas. Não permitir retrocessos a esse tipo de lei é fundamental; o risco de morte entre mulheres vítimas de feminicídio cresce 3 vezes quando existe uma arma em casa. A cada 2 segundos uma mulher é vítima de arma de fogo no Brasil (10).
5. Considerações finais
Assim, ainda que a sociedade seja bastante fundamentada no patriarcalismo, a Lei 13.104/2015 vem para dar maior visibilidade e alarme à violência de gênero, sendo um importante passo no combate a esse tipo de violência - por tanto tempo camuflado na sociedade.
Ainda que os resultados da proposta estejam longe de serem atingidos, a iniciativa convida a sociedade a repensar os estereótipos, as ideias pré-concebidas de papéis sociais denominados masculinos ou femininos e as crenças limitantes que inserem as mulheres em um grupo social inferior aos homens e sujeito à vontade destes. Ainda existe um abismo entre os direitos dos homens e das mulheres.
O feminicídio é grave e existe. Um dia difícil, o uso de drogas, o álcool, o ciúme, não são justificativas para a violência. A culpa nunca é da vítima e ninguém deve ser responsabilizado pela violência que sofreu.
6. Referências Bibliográficas
(1) Disponívelem:<http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossies/feminicidio/capitulos/o-que-e-feminicidio/>. Acesso em 21 de novembro de 2017.
(2) Disponível em: <https://nacoesunidas.org/onu-feminicidio-brasil-quinto-maior-mundo-diretrizes-nacionais-buscam-solucao/>. Acesso em 21 de novembro de 2017.
(3) Disponível em: < http://www.mapadaviolencia.org.br/>. Acesso em 21 de novembro de 2017
(4) Disponível em:< https://www.relogiosdaviolencia.com.br/>. Acesso em 23 de novembro de 2017.
(5) Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/artigo/21/estupro-no-brasil-uma-radiografia-segundo-os-dados-da-saude-. Acesso em 23 de novembro de 2017.
(6) Disponível em:< https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/aumenta-numero-de-mulheres-que-declaram-ter-sofrido-violencia>. Acesso em 23 de novembro de 2017.
(7) Disponível em: < http://www.mapadaviolencia.org.br/>. Acesso em 21 de novembro de 2017.
(8) Disponível em:< https://nacoesunidas.org/onu-feminicidio-brasil-quinto-maior-mundo-diretrizes-nacionais-buscam-solucao/>. Acesso em 24 de novembro de 2017.
(9) Disponível em: <http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossies/feminicidio/capitulos/o-que-e-feminicidio/. Acesso em 21 de novembro de 2017.
(10) Disponível em: < https://www.terra.com.br/noticias/mundo/violencia-contra-mulher/>. Acesso em 25 de novembro de 2017.
Graduada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada colaboradora da Defensoria Pública da União em São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MINGRONE, Mariana. Feminicídio: o reflexo do machismo na sociedade brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 mar 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51433/feminicidio-o-reflexo-do-machismo-na-sociedade-brasileira. Acesso em: 06 nov 2024.
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