RESUMO: A greve é um poderoso mecanismo garantido aos trabalhadores na luta pela melhoria de sua condição social. Criminalizada em um primeiro momento, oscilou entre tolerância e permissão, conforme o nível democrático vivido à época. A Constituição de 88 foi o principal marco de garantia desse direito. A Lei 7783/89 trouxe normas, de observância obrigatória, sobre os requisitos para seu legítimo exercício. O estudo trata desse tema, trazendo divergências e fazendo uma análise dos requisitos previstos na norma positivada.
PALAVRAS-CHAVE: Greve. Princípios Constitucionais. Relações Sindicais.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Desenvolvimento 3. Conclusão 4. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
O conceito legal de greve se encontra no Art. 2º da Lei 7783/89, que assim dispõe:
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.
Segundo Maurício Godinho Delgado, greve é a “paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão, visando a defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos”. (GODINHO, 2013)
Historicamente, a greve, no Direito brasileiro, foi, inicialmente, proibida pelo Código Penal de 1890. No entanto, no mesmo ano, houve a derrogação dessa proibição pelo Decreto 1162/1890. A partir daí, a greve oscilou, ora como delito, ora como atividade tolerada com inúmeras ressalvas, ora permitida. Sempre de acordo com o momento mais ou menos democrático vivido no país à época.
Entende-se que a greve é um direito individual de exercício coletivo, que busca pressionar a classe patronal no intuito de melhorar as condições de vida dos trabalhadores.
2. Desenvolvimento
Diz a doutrina que os conflitos coletivos, via de regra, são solucionados através de três modalidades: heterocomposição, autocomposição e autotutela
Na heterocomposição, um terceiro agente intervém diretamente para a solução do caso. Exemplos são a arbitragem e o processo judicial.
A autocomposição, por sua vez, pressupõe a ideia de que as partes chegaram a uma solução consensual por elas mesmas. Exemplo é a negociação coletiva.
Há divergências na doutrina acerca do enquadramento da conciliação e da mediação, porquanto, em ambas, há influência de um terceiro, sendo certo que, na primeira, o conciliador pode chegar a sugerir opções de solução para o conflito; enquanto que, na mediação, o mediador facilita o diálogo entre as pessoas para que elas mesmas proponham soluções .
Por fim, há a autotutela, na qual uma das partes impõe a sua vontade em face da outra. Há doutrinadores que defendem que a greve seria uma forma de autotutela, na medida em que a classe trabalhadora impõe sua vontade de não prestar serviços. Por outro lado, há quem defenda que não se trata de autotutela, pois a greve é apenas um instrumento para a resolução da controvérsia, não tendo aptidão, por si só, de solucionar a questão.
A legitimidade para a deflagração da greve é dos trabalhadores (Art. 9º da CF e Art. 1º da Lei 7783/89). Os requisitos para seu legítimo exercício também estão elencados no referido diploma normativo, tais como: necessidade de tentativa de negociação prévia (Art. 3º); aprovação em assembleia (Art. 4º); aviso prévio ao empregador e, nos casos de greves em atividades essenciais, à sociedade (Arts. 3º e 132) e garantia de atendimento às necessidades inadiáveis (Arts. 10,11 e 12).
É pacífico o entendimento de que a greve abusiva não gera direitos, conforme OJ 10 da SDC do C.TST, “in verbis”:
É incompatível com a declaração de abusividade de movimento grevista o estabelecimento de quaisquer vantagens ou garantias a seus partícipes, que assumiram os riscos inerentes à utilização do instrumento de pressão máximo.
A lei permite a possibilidade de greve em atividades ditas essenciais (Art. 10). No entanto, seu exercício será mais restrito, na medida em que impõe um à ônus à coletividade. Há divergências na doutrina e na jurisprudência sobre se o referido rol é taxativo ou exemplificativo. Uma corrente entende que, por ser norma que limita direito fundamental (greve), deve ser interpretada restritivamente. A segunda corrente advoga a tese de que existem outros serviços essenciais que também merecem o enquadramento no referido rol:
De início, cumpre registrar que em recente julgado desta Corte, (RODC - 54800-42.2008.5.12.0000, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, publicado no DEJT 27/11/2009), concluiu-se que a Lei de Greve (Lei 7.783/89) não inclui no seu rol taxativo de serviços ou atividades essenciais a atividade portuária, e, diante disso, como a referida lei, no que tange às atividades essenciais, restringe um direito fundamental dos trabalhadores em detrimento do interesse maior da sociedade, não pode sofrer interpretação ampliativa, abrangendo, portanto, apenas os serviços e atividades expressamente considerados essenciais pelo legislador.” (Processo: RODC - 2400400-20.2006.5.09.0909 Data de Julgamento: 10/05/2010, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Divulgação: DEJT 24/09/2010.)
O sistema de judicialização do direito de greve dos servidores públicos civis está aberto para que outras atividades sejam submetidas a idêntico regime. Pela complexidade e variedade dos serviços públicos e atividades estratégicas típicas do Estado, há outros serviços públicos, cuja essencialidade não está contemplada pelo rol dos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989. Para os fins desta decisão, a enunciação do regime fixado pelos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989 é apenas exemplificativa (numerus apertus).” (STF - MI 708 / DF - DISTRITO FEDERAL - Relator(a): Min. GILMAR MENDES - Julgamento: 25/10/2007 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno)
Em regra, durante o exercício do direito de greve, há a suspensão do contrato de trabalho, não havendo falar em pagamento de salários (Art. 7º). Entretanto, doutrina e jurisprudência mitigam o rigor da lei, quando, ainda que não havendo negociação dos dias trabalhados, nos casos de grave descumprimento contratual por parte do empregador, más condições ambientais ou prazo prolongado do movimento paredista.
Algumas modalidades de greve são de compatibilidade controvertida com o ordenamento jurídico. Como exemplo, podemos citar as greves políticas, nas quais há insatisfação com as decisões políticas do ente federativo. Há quem defenda sua incompatibilidade, visto que o empregador não terá mecanismos para negociar, visto que não foi o causador do conflito, nem tampouco possui meios para resolver a controvérsia. Outra corrente advoga o entendimento que nem a lei, nem a norma constitucional restringiram o limite, sendo certo que determinados rumos político-econômicos guiados pelos governantes pode influenciar diretamente nas relações laborais.
No serviço público, dispõe o Art. 37, VII da CF que “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”. Durante muito tempo, o STF entendeu que a norma era de eficácia limitada, não produzindo efeitos imediatos e necessitando da lei reguladora para sua efetivação prática. Entretanto, em 2007, a Corte Suprema modificou seu entendimento e passou a considerar a norma como de eficácia contida e determinando a adoção da Lei 7783/89, com as adaptações necessárias, para os casos de greve no serviço público. Ressalte-se que a greve é proibida aos militares (Art. 142, §3º, IV da CF) e aos policiais civis, em razão de constituírem expressão da soberania nacional, revelando-se braços armados da nação, garantidores da segurança dos cidadãos, da paz e da tranquilidade públicas (MI 771/2014).
A competência para julgamento das lides decorrentes de greve é da Justiça do Trabalho, na forma do Art. 114, II da CF/88. A Súmula Vinculante 23, nesta linha, dispõe que as medidas possessórias atinentes a proteger o patrimônio do empregador também devem ser ajuizadas perante esta Especializada:
A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada.
Entretanto, no caso de servidores estatutários, a competência é da Justiça Comum ou Federal, em razão da natureza do vínculo entre esses trabalhadores e a Administração Pública.
Assim, permanecia na Justiça do Trabalho as lides decorrentes entre empregados públicos, regidos pela CLT, e a Administração Pública. No entanto, em decisão recente, o STF decidiu, em Tema de Repercussão Geral, que a competência para julgamento de greve de empregados públicos da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional passou para a Justiça Comum ou Federal (Tema 544), “in verbis”:
"A justiça comum, federal ou estadual, é competente para julgar a abusividade de greve de servidores públicos celetistas da Administração pública direta, autarquias e fundações públicas"
Por fim, importante mencionar a figura do locaute. Para Mauricio Godinho Delgado, locaute “é a paralisação provisória das atividades da empresa, estabelecimento ou seu setor, realizada por determinação empresarial, com o objetivo de exercer pressões sobre os trabalhadores, frustrando negociação coletiva ou dificultando o atendimento a reivindicações coletivas obreiras.”
A legislação expressamente proíbe a prática no Art. 17 da Lei 7783/89. Entende-se que seria uma medida injusta e desproporcional, porquanto o empregador já possui inúmeros mecanismos de pressão, tais como o poder empregatício, o poder resilitório, sem falar na concorrência acirrada pelo emprego em épocas de desemprego galopante, como estamos vivenciando.
Percebe-se que, para a configuração do locaute, mister que a paralisação seja temporária com o intuito de pressionar os trabalhadores. Assim, a figura não se confunde com o encerramento normal das atividades empresariais ou com a falência, visto que não há o elemento subjetivo necessário à sua configuração.
3. Conclusão
A greve é um poderoso instrumento de pressão que possui a classe trabalhadora. Sua feição democrática é evidente e emerge dos princípios que norteiam a Constituição Federal e as normas internacionais.
No entanto, por não existir direitos absolutos, seu legítimo exercício é regulado pela lei, necessitando o preenchimento de requisitos expressos no ordenamento jurídico.
É inegável que o conflito originado causa transtornos, não apenas às partes, como também à coletividade. Desta forma, a lei faz uma ponderação, para que esse direito fundamental não seja aniquilado, tampouco que a sociedade seja seriamente prejudicada com a atuação do movimento paredista.
Garantindo a todos os seus respectivos direitos, a Democracia sai fortalecida.
4. Referências Bibliográficas
http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-e-mediacao-portal-da-conciliacao/perguntas-frequentes/85619-qual-a-diferenca-entre-conciliacao-e-mediacao. Acesso em 29.04.2018
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Ed.LTr. 12ªed., 2013
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Gama Filho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Rafael Pazos. Alguns apontamentos sobre a greve no Direito brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 maio 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51640/alguns-apontamentos-sobre-a-greve-no-direito-brasileiro. Acesso em: 05 nov 2024.
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