RESUMO: O presente artigo tem por pretensão a abordagem acerca das excetivas hipóteses em que os trabalhadores são excluídos do sistema celetista de controle de jornada de trabalho, nos termos do art. 62, da CLT, recentemente alterado pela Reforma Trabalhista – Lei n. 13.467/2017, para inclusão dos empregados em teletrabalho. Através da análise bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial, objetiva-se o estudo da amplitude do rol de exceções ao controle da jornada de trabalho, que mitiga o direito social fundamental dos trabalhadores à limitação do labor, bem assim sua compatibilidade com o texto constitucional e repercussões na seara processual do trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: Duração do trabalho. Teletrabalho. Reforma trabalhista.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Conceito e objetivos da limitação da duração do trabalho; 3. Empregados excluídos do controle; 4. A Lei n. 13.467/2017 e a inclusão do teletrabalho; 5. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A duração da jornada de trabalho consiste no módulo temporal em que o trabalhador está efetivamente prestando serviços ou coloca sua força de trabalho à disposição do empregador.
Nos termos do art. 7º, XIII e XIV, da Constituição Federal de 1988, a limitação da duração normal de trabalho caracteriza-se como direito social fundamental do trabalhador, garantido como norma de ordem pública, imperativa, inclusive protegida como cláusula pétrea em face de alterações legislativas tendentes a aboli-la, nos termos do art. 60, § 4º, IV, da CRFB.
No entanto, há hipóteses expressamente previstas na legislação em que os trabalhadores são regularmente excluídos do sistema de controle de horários, razão pela qual não terão sua jornada limitada pelo empregador aos ditames constitucionais e, por consequência, não receberão o pagamento adicional pelo eventual labor prestado em sobretempo.
A Lei n. 13.467/2017, conhecida como a Reforma Trabalhista, promoveu a alteração/inclusão de mais de 100 temas na Consolidação das Leis do Trabalho, dentre eles, a ampliação do rol dos trabalhadores excluídos do controle de jornada de trabalho, acrescentando no rol excetivo do art. 62, da CLT os empregados em regime de teletrabalho.
Nesse sentido, o presente estudo possui a finalidade de analisar se esta alteração mitigou o direito social fundamental dos trabalhadores ao controle da jornada de trabalho, bem assim sua compatibilidade com a Constituição Federal e as repercussões na seara processual trabalhista.
Para tanto, perpassará pela conceituação de duração de trabalho e sua limitação, à luz do panorama constitucional atual, analisando as hipóteses de exceção ao controle de jornada previstas no art. 62, da CLT, recentemente ampliado pela Reforma Trabalhista.
2. CONCEITO E OBJETIVOS DA LIMITAÇÃO DA DURAÇÃO DO TRABALHO
A duração da jornada de trabalho, como dito, é o tempo despendido pelo trabalhador em razão do contrato de trabalho, ou seja, consiste na integralidade do módulo de tempo em que o empregado efetivamente presta seus serviços ou coloca sua força de trabalho à disposição do empregador. Tal conceituação está encampada no art. 4º, da CLT[1], o qual, apesar de igualmente sofrer alteração pela Reforma Trabalhista, trazendo hipóteses em que o trabalhador não será considerado como à disposição do empregador, manteve em seu caput o conceito básico de duração de trabalho.
Tal conceituação difere do termo jornada de trabalho, pois se entende que este último limita-se ao módulo diário de trabalho, ou seja, o serviço efetivamente prestado ou posto à disposição do empregador (aguardando ordens) dentro de um dia normal de prestação dos serviços.
Por sua vez, igualmente difere do termo horário de trabalho, uma vez que este revela os efetivos horários de início, término e intervalos de trabalho desenvolvidos pelo empregado dentro de uma jornada de labor.
A necessidade de limitação da duração de trabalho remonta à época da Revolução Industrial, período da história marcado por profundas mudanças sociais que ocorreram na Europa entre os séculos XVIII e XIX. Em apertada síntese, pode ser conceituado como o momento histórico de criação de máquinas que substituíram o trabalho braçal artesanal dominante no cenário europeu. Nesse período, havia grande exploração dos operários pelos empresários, que os forçavam a trabalhar em jornadas excessivas, superiores a 15/16 horas por dia, sob péssimas condições de trabalho. As mulheres e crianças eram os trabalhadores mais explorados nessa época.
No cenário internacional, a Organização Internacional de Trabalho (OIT) passou a editar convenções destinadas a regular a duração do trabalho, sendo várias delas ratificadas pelo Brasil[2], a exemplo das Convenções n. 4, 14, 93, dentre outras.
No cenário brasileiro, a Constituição Da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934[3], passou a prever a limitação da jornada normal de trabalho, in verbis:
Art 121. A lei promoverá o amparo da producção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a protecção social do trabalhador e os interesses economicos do paiz.
§ 1.º A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que collimem melhorar as condições do trabalhador:
a) prohibição de differença de salario para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;
b) salario minimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, ás necessidades normaes do trabalhador;
c) trabalho diario não excedente de oito horas, reduziveis, mas só prorrogaveis nos casos previstos em lei;
d) prohibição de trabalho a menores de 14 annos; de trabalho nocturno a menores de 16 e em industrias insalubres, a menores de 18 annos e a mulheres;
(...) (sem grifos no original).
A limitação da jornada de trabalho a oito horas diárias igualmente constou nas constituições brasileiras posteriores, quais sejam, na Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1937 (art. 137, “i”); na constituição da mesma nomenclatura em 1946, (art. 157, V) e com a atual nomenclatura de Constituição da República Federativa do Brasil, em 1967 (art. 158, VI). No ordenamento constitucional brasileiro vigente, a Constituição Federal de 1988 estabelece a limitação da jornada de trabalho no art. 7º, XIII e XIV, in verbis:
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
A referida norma está contida no Título II, da CRFB, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. Não obstante, em linha com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ainda que não constasse nesse título, não estaria descaracterizada a natureza de direito fundamental de natureza social dos trabalhadores, e, como tal, possui proteção constitucional superior à das demais normas que compõem o texto constitucional, uma vez que o art. 60, § 4º, IV, da Carta Magna Brasileira determina que não será objeto sequer de deliberação eventual proposta de alteração constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais.
Não obstante, a própria redação do art. 7º, XIII e XIV possibilita a flexibilização da duração de trabalho, mediante negociação coletiva, ou seja, com a participação obrigatória dos sindicatos, dado que representam normas que agravam as condições de labor dos trabalhadores (art. 8º, VI, da CRFB). Note-se, pois, que se trata de hipótese de flexibilização, e não de mera renúncia de direitos dos empregados.
Essa proteção especial ao direito fundamental de controle de horários, com possibilidade de flexibilização apenas mediante negociação coletiva, justifica-se em razão das consequências que a ausência de limitação da jornada de trabalho pode provocar.
Nesse sentido, o estabelecimento de jornadas de trabalho excessivas milita em desfavor da integridade física e mental dos trabalhadores, favorecendo o surgimento de doenças relacionadas ao trabalho, em razão da natural redução da energia e concentração no labor após jornada prolongada. Desse modo, aumentam-se as chances de adoção de posturas inadequadas e desatenção na utilização de máquinas e objetos de trabalho. Além disso, há hipóteses em que não só o trabalhador está exposto a riscos, mas também toda a coletividade, como no caso de extrapolação da jornada dos motoristas profissionais, aumentando o nível de insegurança nas rodovias.
3. EMPREGADOS EXCLUÍDOS DO CONTROLE
Não obstante seja um direito social fundamental dos trabalhadores, há empregados que estão legalmente excluídos do sistema de controle de horários. Nesse sentido, estabelece o art. 62, da CLT, já com a redação decorrente da recente alteração legislativa promovida pela Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017), em vigor a partir de 11.11.2017:
CAPÍTULO II
DA DURAÇÃO DO TRABALHO
(...)
Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: (Redação dada pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)
I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados: (Incluído pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)
II - os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial. (Incluído pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)
III - os empregados em regime de teletrabalho. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
Parágrafo único - O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento). (Incluído pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994).
Dessa forma, três são os trabalhadores excluídos do sistema de limitação da duração do trabalho estabelecido no Título II, Capítulo II da Consolidação das Leis do Trabalho: a) os exercentes de atividades externas; b) os exercentes de cargos de confiança; e, a partir de 11.11.2017, c) os empregados em regime de teletrabalho.
Apesar de mitigar o direito do trabalhador a ter sua jornada de labor regularmente delimitada pelo empregador, o entendimento jurisprudencial no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho é pela recepção do mencionado artigo pela Constituição Federal de 1988, conforme se observa dos arestos colacionados abaixo:
HORAS EXTRAS. ARTIGO 62, I, DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 7º, XIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃOCARACTERIZADA. Não procede a alegação do embargante no sentido de que o indeferimento das horas extras com fundamento no artigo 62, I, da Consolidação das Leis do Trabalho viola o disposto no artigo 7º, XIII, da Constituição da República, uma vez que o referido preceito constitucional apenas trata do limite máximo para a jornada de trabalho normal, nada dispondo especificamente quanto à vedação imposta aos empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho. Incensurável a decisão mediante a qual a Turma negou provimento ao recurso de revista, no particular. Embargos não conhecidos. (TST-RR-640754-15.2000.5.15.5555, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 12/12/2008).
AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECURSO DE REVISTA - INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 62 DA CLT - NÃO-OCORRÊNCIA. Não há que se falar na -inconstitucionalidade do art. 62 da CLT, pois, sendo o referido dispositivo consolidado norma pré-constitucional e havendo conflito com algum dispositivo constitucional, a hipótese seria de não recepção, ao invés de inconstitucionalidade. Ademais, o art. 62 da CLT foi recepcionado pela atual Carta Magna, pois disciplina situação distinta não sujeita à jornada normal mínima, não colidindo, portanto, com a regra fundamental, mas, de forma contrária, completa a norma genérica do inciso XIII do art. 7° da Constituição Federal. Com efeito, a Constituição Federal dispõe apenas genericamente sobre a jornada de trabalho, não havendo impedimento de a legislação infraconstitucional federal regulamentar, de forma específica, o tema, consoante o disposto no art. 22, I, da Carta Magna. Assim, se o dispositivo consolidado em comento excetua situações de trabalho não submetidas a controle de horário ou nas quais o referido controle é impraticável, isto não significa que obriga os trabalhadores por ele abrangidos a extrapolarem a jornada inserta no inciso XIII do art. 7°, mas apenas lhes retira o direito de receber as horas extraordinárias, já que podem estabelecer sua jornada, não se sujeitando ao poder diretivo do empregador. Agravo de instrumento desprovido. (AIRR nº 643/2000-007-05-00.9, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, publicado no DJ de 06.08.2004).
Com o fim de aprofundar o estudo, passa-se à análise dos requisitos necessários para a regular exclusão desses trabalhadores do sistema de controle da jornada de trabalho.
A primeira hipótese inscrita no art. 62, da CLT trata dos trabalhadores externos que realizem suas funções de modo incompatível com a fixação da jornada de trabalho.
A premissa básica principal do inciso I daquele artigo situa-se na incompatibilidade de fixação de horário de trabalho ou de sua regular fiscalização. Desse modo, fundamenta a hipótese de exclusão a inviabilidade/impossibilidade de controle dos horários de trabalho pelo empregador.
Importante destacar que a inviabilidade/impossibilidade de controle de horários deve ser ampla, de modo a caracterizar a hipótese em comento, uma vez que a mera dificuldade ou a existência de meios indiretos de controle impedem o enquadramento do empregado nesta exceção. Portanto, poderá o empregador adotar meios manuais (papeletas, livros de registro, cartões de ponto), informatizados (acesso a equipamentos eletrônicos de envio de dados, palm-tops, etc.), tempo médio de rotas, telefonemas, dentre outros métodos idôneos para fins de controle da jornada de trabalho prestada em seu favor. Nesse mote, o mero desinteresse do empregador em controlar os horários não o desobriga de proceder ao necessário registro, frise-se, direito social fundamental dos trabalhadores.
Esse é o entendimento majoritário do Tribunal Superior do Trabalho, esposado no Informativo n. 153 de sua jurisprudência em fase de conhecimento, conforme ementa que segue abaixo:
Horas extras. Motorista. Rastreamento de veículo por satélite. Controle indireto da jornada de trabalho. Inaplicabilidade do art. 62, I, da CLT. A adoção, pelo empregador, de recursos tecnológicos de rastreamento de veículo por satélite, para garantir a segurança ininterrupta da carga transportada, possibilita o controle indireto da jornada desempenhada pelo empregado motorista, razão pela qual não há falar em aplicação do art. 62, I, da CLT. O direito ao pagamento de horas extraordinárias não subsiste apenas nas hipóteses em que seja absolutamente impossível fiscalizar os horários cumpridos pelo empregado. Sob esse entendimento, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negou-lhe provimento. Vencidos os Ministros Walmir Oliveira da Costa, Ives Gandra Martins Filho, Guilherme Augusto Caputo Bastos e Márcio Eurico Vitral Amaro TST-E-RR-45900-29.2011.5.17.0161, SBDI-I, rel. Min. Claúdio Mascarenhas Brandão, 23.2.2017. (sem grifos no original).
Ressalte que essa modalidade de exclusão ainda conta com um requisito formal, qual seja, deverá “ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados”. Entretanto, por ser requisito meramente formal, poderá ser dispensado pelo juízo trabalhista nas hipóteses em que há ciência inequívoca, pelo trabalhador, do enquadramento nesta modalidade de exclusão do controle de jornada de trabalho, bem assim na existência de provas da real impossibilidade de controle, como nos casos dos profissionais pesquisadores externos, cujo objeto da pesquisa ou as regiões que frequentam impossibilitam o controle fidedigno de jornada. Vê-se, portanto, o caráter excetivo dessa modalidade de exclusão.
A segunda hipótese de exclusão do trabalhador do sistema de controle de jornada relaciona-se com os ocupantes de cargos de gestão no empregador, sendo equiparados pelo texto celetista – para os efeitos daquele artigo – os diretores e chefes de departamento ou filial. Vale dizer, são funções que apresentam fidúcia diferenciada no empregador, em que os trabalhadores possuem amplo poder de gestão na busca pelos interesses primordiais do ente patronal.
Entretanto, não é apenas a confiança especial relacionada à função que excluirá o trabalhador do controle da jornada, pois além dos poderes de gestão, deverá o empregador receber uma remuneração especial superior em, no mínimo, 40% do salário base do empregado.
De par com isso, uma vez ausentes quaisquer dos dois requisitos ensejadores da excludente (poderes de gestão ou remuneração diferenciada), todas as horas prestadas ou postas à disposição do empregador serão computadas para efeito de jornada e, caso extrapoladas, atrairão o pagamento adicional pelo labor prestado em sobretempo.
O Tribunal Superior do Trabalho possui entendimento sumulado no sentido de atribuir uma presunção relativa de exercício de cargos de gestão pelos gerentes gerais de agência bancárias, consoante Súmula 287.
No entanto, tal presunção é meramente relativa, podendo ser elidida por prova em contrário, inclusive quando o empregador realiza o registro da jornada, não obstante a presunção jurisprudencial de caracterização da hipótese de exceção ao controle, nos termos do Informativo n. 10, do C. TST:
Bancário. Superintendente de negócio. Pagamento de horas extras. Controle de frequência. Art. 62, II, da CLT. Não incidência. A regra do enquadramento no art. 62, II, da CLT, do bancário exercente de cargo de direção, quando é a autoridade máxima na agência ou região, não prevalece na hipótese de haver prova de controle de frequência ou pagamento espontâneo de horas extras. In casu, o reclamante era superintendente de negócio, recebeu horas extras e teve controle de frequência em algumas oportunidades durante o período contratual. Assim, a SBDI-I, por maioria, conheceu dos embargos por contrariedade à Súmula n.º 287 e, no mérito, deu-lhes provimento para condenar a reclamada ao pagamento das horas extras e reflexos, a partir da oitava hora. Vencidos os Ministros Dora Maria da Costa, Brito Pereira e Maria Cristina Peduzzi. TST-E-ED-ED-ED-RR-116101-50.2005.5.12.0014, SBDI-I, rel. Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, 24.5.2012.
Ademais, o Tribunal Superior do Trabalho também possui entendimento majoritário no sentido de que a regra prevista no art. 62, da CLT (exclusão dos trabalhadores nele inscritos ao regime previsto no capítulo “Da Duração do Trabalho”) não abrange o repouso semanal remunerado, regido especificamente pela Lei n. 605/49 e não pelo capítulo celetista destinado ao controle de horários, razão pela qual aqueles trabalhadores também possuem direito ao descanso hebdomadário e pagamento em dobro dos feriados trabalhados, nos termos do Informativo do TST n. 149[4]. Não obstante naquele caso concreto haja a menção apenas ao trabalhador em cargo de gestão, não há motivos para que não seja aplicada a mesma ratio decidendi para os demais trabalhadores inscritos no art. 62, da CLT.
Adentra-se, pois, à hipótese de exclusão do sistema de controle de jornada recentemente introduzida pela Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017) no art. 62, III, da CLT, qual seja, o trabalhador em teletrabalho.
4. A LEI N. 13.467/2017 E A INCLUSÃO DO TELETRABALHO
Em vigor a partir de 11.11.2017, a Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, trouxe várias inovações na Consolidação das Leis do Trabalho e nas Leis n. 6.019/74 (Lei do Trabalho Temporário), Lei n. 8.036/90 (Lei do FGTS) e Lei n. 8.212/91 (Lei de Custeio da Seguridade Social), sob o pretexto de modernização da legislação trabalhista e combate ao desemprego.
A alteração objeto deste estudo situa-se no acréscimo do incido III ao art. 62, da CLT, alargando o rol de trabalhadores excluídos do sistema de duração de trabalho celetista. Ao contrário das demais hipóteses de exceção previstas neste artigo, a inclusão dos trabalhadores em teletrabalho não trouxe requisitos formais adicionais para a caracterização da exclusão do regime de controle de horários[5], mas apenas para a própria caracterização do teletrabalho. Veja-se.
O próprio legislador cuidou de conceituar o trabalhador em teletrabalho, nos termos do art. 75-B, parágrafo único e caput do art. 75-C, da CLT, incluídos pela Lei n. 13.467/2017:
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.
Portanto, depreende-se o texto legal que a principal característica do teletrabalho é a prestação de labor fora das dependências do empregador, porém diferenciada do trabalho externo. Acresce-se ao conceito legal a utilização de tecnologias da informação e comunicação. Nessa esteira, Francisco Meton Marques de Lima e Francisco Péricles Rodrigues Marques de Lima conceituam o teletrabalho como “uma espécie de trabalho a distância, cuja espécie mais antiga é o trabalho em domicílio”; mais à frente, delimitam que “teletrabalho é uma forma de trabalho a distância, exercido mediante o emprego de recursos telemáticos em que o trabalhador sofre o controle patronal” [6].
Portanto, sendo uma espécie de trabalho a distância, é inevitável a atração do art. 6º consolidado, que estabelece não haver qualquer distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, no domicílio do empregado e o realizado a distância, bastando, para tanto, a presença dos pressupostos fático-jurídicos caracterizadores do vínculo empregatício, previstos nos arts. 2º e 3º, da CLT (trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e sob subordinação jurídica).
Por conseguinte, considerando que o teletrabalho foi inserido no artigo celetista que traz exceções ao regime de controle de horários (art. 62), a interpretação do magistrado trabalhista sobre essa regra deve ser igualmente excetiva, compatibilizando-a com os demais princípios e regras norteadoras do Direito Juslaboral.
Acerca dos métodos de interpretação do direito, Maurício Godinho Delgado[7] sugere que os principais métodos (gramatical, lógico, sistemático e teleológico) devam ser utilizados em conjunto, a fim de se extrair o “sentido e extensão da norma jurídica enfocada”.
Utilizando-se, pois, o conjunto dos métodos interpretativos esposados, verifica-se que o direito social fundamental de limitação da jornada de trabalho é a regra geral, que deve prevalecer em face de leis infraconstitucionais menos benéficas ao trabalhador. Os operadores do direito devem ter em mente essa diretriz hermenêutica na análise dos casos concretos.
Desse modo, apesar de o labor em teletrabalho ser, por definição, diverso do labor estritamente externo, deve sofrer a mesma interpretação restritiva atribuída pelo Tribunal Superior do Trabalho, conforme esposado em linhas pretéritas, ou seja, que o labor seja incompatível/impossível de ser controlado, ainda que por meios indiretos. Especialmente nessa modalidade de labor, em que o uso de instrumentos de tecnologia da informação e comunicação são necessários, afigura-se plenamente possível que o empregador controle a jornada de trabalho de seus empregados, seja pela verificação imediata, em tempo real, do início, término e pausas nas atividades do empregado, seja pela elaboração de relatórios das atividades realizadas e dos horários dedicados à atividade laboral, ou qualquer outro método idôneo que possibilite a aferição do efetivo tempo gasto com as atividades ou colocados à disposição do empregador.
No campo processual do trabalho, e considerando que as hipóteses previstas no art. 62, da CLT são exceções, o ônus da prova quanto à inviabilidade/impossibilidade de controle de jornada de trabalho incumbe ao empregador, por ser fato impeditivo do direito obreiro, nos termos do art. 818, II, da CLT c/c art. 373, II, do CPC. A imputação desse ônus enquadra-se com ainda mais necessidade diante da realidade dessa modalidade contratual, pois o empregador, acreditando que o trabalhador enquadra-se nas modalidades de exceção ao controle de jornada, via de regra não realiza o controle dos horários desses empregados, não apresentando em juízo os registros formais de frequência a cuja manutenção está obrigado, por força do art. 74, § 2º, da CLT. Contudo, note-se que o comando celetista impõe tal necessidade de mantença dos controles formais pelos empregadores que contem com mais de 10 empregados, mantendo-se o ônus da jornada extraordinária com o empregado, nos demais casos (art. 818, I, da CLT c/c art. 373, I, do CPC).
Importante sobrelevar que o C. TST possui entendimento sumulado, no sentido de reconhecer, em favor do trabalhador, uma presunção de veracidade da jornada de trabalho indicada na exordial, caso o empregador com mais de 10 empregados não apresente os registros de frequência respectivos. Contudo, admite-se que o ente patronal se desincumba do ônus que lhe cabe por prova em contrário, conforme Súmula 338, I, da Corte Superior Trabalhista.
Nessa esteira de raciocínio, e em razão do princípio processual fundamental da eficiência contido no art. 8º, do CPC/2015, plenamente aplicável no âmbito processual trabalhista (art. 769, da CLT c/c art. 15, do CPC/15), poderá o magistrado do trabalho inverter a ordem de colheita de provas em audiência, nos casos de ausência injustificada dos controles de frequência e alegação de qualquer das hipóteses de exclusão do controle de horários prevista no art. 62, da CLT, dado que milita em favor do empregado a presunção relativa da jornada esposada na exordial. Passará, pois, a colher em primeiro lugar as provas orais de iniciativa do empregador, oportunizando-lhe a possibilidade desse ônus processual se desincumbir.
CONCLUSÃO
As normas constitucionais e infraconstitucionais que estabelecem a limitação e o controle de jornada possuem natureza de ordem pública, de observância cogente – obrigatória para as partes na relação de emprego, que não podem ser objeto de negociação coletiva tendente a excluir esse direito ou reduzi-lo a patamares inferiores ao estuário normativo mínimo dos trabalhadores.
A conquista dos trabalhadores em relação à limitação da jornada de trabalho não pode ser mitigada em razão de alterações legislativas que, sem embargo, promovem o retrocesso social, cuja vedação decorre da norma constitucional originária (art. 7º, caput, da CRFB).
Nesses termos, mister que a análise sobre as hipóteses de exclusão de trabalhadores do sistema de controle de jornada de trabalho guarde interpretação restritiva, absolutamente excepcional diante da inviabilidade (rectius: impossibilidade) do controle efetivo, de forma a garantir o amplo alcance do comando constitucional.
REFERÊNCIAS
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10ª edição. São Paulo: Editora Ltr. 2016.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm>. Acesso em 27.05.2018.
______. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 27.05.2018.
______. Jurisprudência. Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, DF. Disponível em http://www.tst.jus.br/. Acesso em 27.05.2018.
______. Senado Federal. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1930-1939/constituicao-1934-16-julho-1934-365196-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em 27.05.2018.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7ª. ed. Coimbra: Almedina, 2003.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª ed. São Paulo: LTr, 2017.
LIMA, Franciso Meton Marques de;. LIMA, Francisco Péricles Marques de. Reforma trabalhista: entenda ponto por ponto. São. Paulo: LTr, 2017.
Organização Internacional do Trabalho. Convenções ratificadas pelo Brasil. Disponível em http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/lang--pt/index.htm. Acesso em 27.05.2018.
[1] Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.
§ 1º Computar-se-ão, na contagem de tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade, os períodos em que o empregado estiver afastado do trabalho prestando serviço militar e por motivo de acidente do trabalho. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
§ 2o Por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado como período extraordinário o que exceder a jornada normal, ainda que ultrapasse o limite de cinco minutos previsto no § 1o do art. 58 desta Consolidação, quando o empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas, bem como adentrar ou permanecer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares, entre outras: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
I - práticas religiosas; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
II - descanso; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
III - lazer; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
IV - estudo; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
V - alimentação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
VI - atividades de relacionamento social; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
VII - higiene pessoal; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
VIII - troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
[2] Organização Internacional do Trabalho. Convenções ratificadas pelo Brasil. Disponível em http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/lang--pt/index.htm. Acesso em 27.05.2018.
[3] BRASIL. Senado Federal. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1930-1939/constituicao-1934-16-julho-1934-365196-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em 27.05.2018.
[4] Informativo n. 149, do C. TST. Cargo de confiança. Art. 62, II, da CLT. Repouso semanal remunerado e feriados. Não concessão. Pagamento em dobro. Incidência da Súmula nº 146 do TST. O empregado exercente de cargo de gestão, inserido no art. 62, II, da CLT, tem direito ao gozo do repouso semanal e à folga referente aos feriados com a remuneração correspondente. Assim, caso não usufrua esse direito ou não tenha a oportunidade de compensar a folga na semana seguinte, o empregador deve pagar, em dobro, a remuneração dos dias laborados, nos termos da Súmula nº 146 do TST. O objetivo do art. 62, II, da CLT é excluir a obrigação de o empregador remunerar, como extraordinário, o trabalho prestado pelos ocupantes de cargo de confiança, mas isso não retira do empregado o direito constitucionalmente assegurado ao repouso semanal remunerado, previsto no art. 7º, XV, da CF. Sob esse entendimento, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negou-lhe provimento. TST-E-RR3453300-61.2008.5.09.0013, SBDI-I, rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, 17.11.2016.
[5] CLT. Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: (Redação dada pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)
(...) III - os empregados em regime de teletrabalho. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência).
[6] LIMA, Franciso Meton Marques de;. LIMA, Francisco Péricles Marques de. Reforma trabalhista: entenda ponto por ponto. São. Paulo: LTr, 2017. p. 45.
[7] “Contemporaneamente, a Hermenêutica Jurídica recomenda que se harmonizem, na operação interpretativa, os três últimos métodos acima especificados, formando um todo unitário: método lógico-sistemático e teleológico (após feita a aproximação da norma mediante o método linguístico, é claro). De fato, não há como se pesquisar o “pensamento contido na lei”, a mens legis ou ratio legis (utilizando-se, pois, do método lógico), sem se integrar o texto interpretado no conjunto normativo pertinente da ordem jurídica (valendo-se, assim, do método sistemático) e avançando-se, interpretativamente, na direção do encontro dos fins sociais objetivados pela legislação em exame (fazendo uso do método teleológico, portanto).” In: DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª Edição. São Paulo: LTr, 2017. pg. 236 e 248.
Bacharel em Direito e Especialista em Direito e Processo do Trabalho Público e Privado pela Faculdade Estácio do Recife.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Gustavo Elias de Morais. Trabalhadores excluídos do controle de jornada de trabalho e alterações promovidas pela Lei n. 13.467/2017 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jun 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51799/trabalhadores-excluidos-do-controle-de-jornada-de-trabalho-e-alteracoes-promovidas-pela-lei-n-13-467-2017. Acesso em: 02 nov 2024.
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