RESUMO: O presente artigo tem por pretensão a abordagem acerca da terceirização trabalhista, suas hipóteses de incidência lícita e ilícita, bem assim o panorama normativo após a entrada em vigor da Reforma Trabalhista – Lei n. 13.467/2017, que possibilitou a terceirização nas atividades principais da tomadora dos serviços. Através da análise bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial, objetiva-se o estudo da ampla possibilidade de terceirização em quaisquer atividades do tomador, bem assim a possível precarização das relações de trabalho e a postura a ser adotada pelos operadores do direito juslaboral.
PALAVRAS-CHAVE: Reforma trabalhista. Terceirização. Atividade-fim.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Conceito, objetivos e hipóteses de incidência da terceirização trabalhista; 3. A terceirização em atividade-fim após a Lei n. 13.467/2017; 4. Conclusão. Referências.
A terceirização é o procedimento comercial por meio do qual uma empresa transfere parte de seu processo produtivo periférico/acessório para outras empresas, com o fim de concentrar seus esforços em sua atividade-fim, garantido, assim, maior produtividade e especialização.
Por longo período, o cenário brasileiro não possuiu legislação acerca da terceirização, o que possibilitou a utilização livre desse modelo produtivo pelos empregadores e, por consequência, precarização das relações de trabalho, dado que, para garantia da redução de custos mesmo havendo uma empresa intermediando a mão de obra em favor do tomador, houve a necessidade de redução dos salários e da qualidade das condições de trabalho.
Nesse cenário, em papel interpretativo, o Tribunal Superior do Trabalho procurou estabelecer critérios e requisitos para a realização lítica da terceirização, fixando, dentre outras consequências, o reconhecimento da responsabilidade subsidiária do tomador do serviços e a possibilidade de terceirização de mão de obra apenas em atividades-meio da empresa contratante.
A seu turno, a Lei n. 13.467/2017, conhecida como a Reforma Trabalhista, promoveu a alteração/inclusão de diversos temas na Consolidação das Leis do Trabalho, bem assim na Lei n. 6.019/74, possibilitando a prática da terceirização inclusive nas atividades principais (atividades-fim) do tomador dos serviços.
De par com isso, o presente estudo possui a finalidade de analisar se esta alteração trouxe precarização para as relações de trabalho, bem assim a postura a ser adotada pelos operadores do direito justrabalhista quando do julgamento dos casos concretos que envolvam terceirização de serviços na atividade-fim do tomador, de forma a garantir a igualdade material estabelecida na Constituição Federal de 1988.
Para tanto, perpassará pela conceituação de terceirização de serviços, suas hipóteses de incidência e as alterações promovidas pela Lei n. 13.467/2017 na legislação de regência (Lei n. 6.019/74).
2. CONCEITO E OBJETIVOS DA TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA
A terceirização de serviços, também conhecida como externalização e subcontratação, consiste no procedimento comercial, de natureza contratual, por meio do qual uma empresa transfere parte de seu processo produtivo periférico – acessório – para outras empresas, com o fim de concentrar seus esforços em sua atividade-fim, garantido, assim, maior produtividade e especialização.
No modelo terceirizante, quebra-se a relação natural existente no Direito do Trabalho entre empregado e empregador, para ser criada uma relação entre três sujeitos, em que o empregado, apesar de formalmente ligado a um empregador, presta serviços em favor de um terceiro, qual seja, o tomador dos serviços.
A terceirização remonta à época do modelo de produtividade praticado pela empresa japonesa Toyota, a partir da década de 1970. Este modelo, conhecido como toyotismo, baseia-se na utilização mais eficiente dos meios de produção, sempre com base da demanda, e permite a ampliação ou diminuição do ritmo de trabalho de acordo com demanda exigida. Desse modo, mantém um quadro mínimo de trabalhadores, que eventualmente é aumentado por subcontratações e trabalhadores temporários, de acordo com as condições de mercado[1].
No cenário brasileiro, a possibilidade de subcontratação de mão de obra, mediante a inserção do trabalhador no modelo de produção do tomador dos serviços – mesmo mantendo o vínculo com a empresa subcontratada –, teve como precursora a subempreitada, prevista no art. 455, da CLT e até hoje inalterada[2]. Pela redação do artigo celetista, observa-se o estabelecimento da responsabilidade subsidiária do empreiteiro principal, tomador dos serviços, em caso de inadimplemento das obrigações pelo empreiteiro principal.
No campo estatal, a terceirização dos serviços restou viabilizada através da edição do Decreto-Lei 200/67, que estabeleceu a possibilidade de subcontratação de mão de obra através de empresa interposta, inclusive como hipótese preferencial à contratação direta, in verbis:
Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.
(...)
§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.
A elaboração de leis específicas acerca da terceirização de serviços restringiu-se, até então, à Lei n. 6.019/74 e Lei n. 7.102/83. A primeira tratava apenas das hipóteses de contratação temporária de mão de obra, seja para substituição transitória dos empregados permanentes, seja pelo aumento extraordinário dos serviços, perfilhando em parte a prática do toyotismo e sujeitando as contratações às demandas do mercado. Já a segunda, concentra-se na hipótese de subcontratação dos serviços de vigilância para estabelecimentos de crédito (bancos), porém, não de forma temporária como a Lei n. 6.019/74, mas sim, permanente.
De toda sorte, o Tribunal Superior do Trabalho sempre observou as possibilidade de terceirização de mão de obra como excepcionais, conferindo validade apenas às hipóteses previstas em lei. Assim, editou a Súmula 256, firmando entendimento majoritário no sentido de que “Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.” [3].
Contudo, como forma de abranger o entendimento jurisprudencial acerca da terceirização no setor público, houve o cancelamento da súmula 256 e edição da súmula 331, englobando o entendimento jurisprudencial anterior e acrescentando as hipóteses de responsabilização subsidiária, mesmo em caso de terceirização lícita, bem assim as entabuladas com os entes da Administração Pública Direta e Indireta:
SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
A partir do referido verbete sumular, observa-se que o entendimento jurisprudencial da Corte Superior Trabalhista caminha no sentido de conferir validade apenas para as hipóteses de terceirização expressamente previstas em lei, bem assim para as que se relacionem somente com as atividades-meio do tomador dos serviços. Como critério adicional, estabeleceu a impossibilidade de existência de subordinação ou pessoalidade diretas do tomador dos serviços em face do empregado terceirizado.
Nesses termos, atividade tormentosa para os operadores do direito se perfaz quanto ao efetivo estabelecimento dos critérios definidores da atividade-meio e atividade-fim, em razão da diversidade de tarefas e funções desempenhadas numa mesma organização empresarial, bem assim o entrelaçamento e relação de interdependência entre as atividades desempenhadas e a importância para o resultado do serviço/produto final do empregador. Nesse sentido, Maurício Godinho Delgado estabelece distinção contundente entre atividade-meio e atividade-fim, lecionando que a diferenciação se perfaz quanto à inserção ou não do trabalhador na dinâmica empresarial do tomador dos serviços[4]:
Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços.
Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços. São, ilustrativamente, as atividades referidas, originalmente, pelo antigo texto da Lei n. 5.645, de 1970: “transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas”. São também outras atividades meramente instrumentais, de estrito apoio logístico ao empreendimento (serviço de alimentação aos empregados do estabelecimento, etc.).
A ilicitude da terceirização, portanto, importará na declaração de nulidade do contrato formal de trabalho entabulado com a empresa interposta e o reconhecimento do vínculo empregatício direto com o tomador dos serviços, nos termos referenciados nos itens I e II, da Súmula 331, do C. TST, acima esposada. Nessas hipóteses, a modalidade de responsabilidade será solidária, pois respaldada no art. 9º, da CLT, que estabelece serem nulos todos os atos destinados a desvirtuar, impedir ou fraudar os preceitos da Consolidação das Leis do Trabalho, bem assim com esteio no art. 942 e parágrafo único, do Código Civil, prevendo especificamente tal modalidade de responsabilidade em face de todos os que ofenderam ou violaram os direitos de outrem, no caso, do trabalhador.
A interpretação restritiva do Tribunal Superior do Trabalho se impõe, ante a precarização verificada com a utilização desse procedimento no mercado de trabalho brasileiro. De acordo com estudos realizados pela CUT e Dieese, com base em dados fornecidos pelo Ministério do Trabalho em 2013, os empregados terceirizados trabalham em média três horas a mais por semana em relação aos trabalhadores contratados diretamente pelo tomador dos serviços, bem assim ganham salários 25% inferiores, além de estarem mais sujeitos a acidentes de trabalho[5].
Vê-se, portanto, a redução expressiva da média salarial dos trabalhadores terceirizados. Ainda que ganhassem salário igual, o simples aumento da jornada normal de trabalho sem a contrapartida proporcional financeira já importa em diminuição do valor do salário-hora.
No entanto, em relação à terceirização de serviços realizada nas hostes dos entes da Administração Direta e Indireta, não haverá o reconhecimento de vínculo direto com o tomador, em razão da ausência do requisito constitucional do concurso público (art. 37, II e § 2º, da CRFB). Nesses casos, a própria responsabilidade subsidiária atribuível ao tomador dos serviços não será automaticamente aplicada, em razão do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 16, proferido pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, em 24.11.2010, declarando a constitucionalidade do § 1º, do art. 71, da Lei n. 8.666/93[6] e afastando, via de regra, a responsabilidade dos entes públicos pelas obrigações trabalhistas da empresa subcontratada.
Nos termos do entendimento já propalado pelo C. TST, no item V, da Súmula 331, a responsabilidade subsidiária dos entes integrantes da Administração Pública direta e indireta, nas mesmas condições do item IV do aludido verbete sumular, não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas pela empresa interposta, mas apenas caso reste evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, principalmente no tocante à fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da empregadora formal do trabalhador.
Inclusive, não poderão os tribunais do trabalho simplesmente afastar a aplicação do art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93, pois tal procedimento, na visão do E. STF, afronta a cláusula de reserva de plenário inscrita no art. 97, da CRFB, nos exatos termos da Súmula Vinculante n. 10, do Pretório Excelso.
Recentemente, o STF reafirmou sua jurisprudência em relação à responsabilidade da Administração Pública Direta e Indireta pela terceirização de serviços, fixando tese no Recurso Extraordinário n. 760.931/DF, no sentido de que o mero inadimplemento da prestadora de serviços não enseja responsabilidade automática da Administração, acrescentando a necessidade de existência de prova taxativa do nexo de causalidade entre a omissão atribuível à Administração e o dano sofrido pelo particular[7].
3. A TERCEIRIZAÇÃO EM ATIVIDADE-FIM APÓS A LEI N. 13.467/2017
No cenário de discussão entre atividade-meio e atividade-fim, bem assim sua específica delimitação para fins de caracterização da licitude da terceirização, a Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017, no afã de regulamentar a terceirização de serviços, promoveu várias alterações na Lei n. 6.019/74, além de acrescentar diversos artigos naquele diploma legal.
Dentre os artigos de maior revelância acerca da terceirização de serviços, cita-se o novo art. 4º-A, com a seguinte redação:
Art. 4º-A. Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.
§ 1o A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços.
§ 2o Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante. (sem grifos no original).
Considerando a específica redação atribuída ao caput do artigo 4º-A, vários empregadores e operadores do direito finalmente entenderam que havia possibilidade legal de realizar a terceirização de mão de obra na atividade-fim da empresa cliente – tomadora dos serviços, inclusive apressando-se em requerer perante as demandas pendentes de julgamento a convalidação da terceirização alegadamente ilícita, exatamente pela exploração de atividade-fim pelo empregado terceirizado.
Não obstante, sugere-se que essa interpretação não se caracteriza como a mais adequada.
De acordo com a redação do art. 3º, da Lei n. 13.429/2017, houve a expressa menção de que a referida a norma entraria em vigor na data de sua publicação, o que ocorreu apenas em 31.03.2017, razão pela qual, de pronto, não há como ser aplicada para regularizar situações de trabalho já superadas, tendo em conta que a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro quanto à eficácia das leis no tempo fundamenta-se no princípio da irretroatividade, ex vi do art. 6º, da LINDB c/c art. 5º, XXXVI, da CRFB.
Portanto, não há que se falar em retroatividade da inovação legislativa para convalidar terceirização levada a efeito em momento anterior, período em que não havia qualquer permissão para a intermediação de mão-de-obra em atividade-fim, fora dos estritos limites do entendimento majoritário do C. TST (Súmula 331).
Demais disso, igualmente sugere-se que não é certo falar que a terceirização foi permitida para toda e qualquer atividade-fim nas empresas tomadoras dos serviços, após a edição da Lei n. 13.429/2017.
Apesar de haver previsão expressa no art. 4º-A, § 2º, da norma em tela no sentido de que não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores das empresas prestadoras de serviços e a empresa contratante, considera-se que o entendimento mais adequado deve ser realizado em consonância com o princípio basilar da proteção que impera na seara trabalhista (art. 7º, caput, da CRFB), pelo qual apenas a terceirização lícita não gera vínculo empregatício com a tomadora, não havendo, ao longo do texto legal naquele período, disposição sobre a permissividade ou licitude da terceirização em atividade-fim dos prestadores de serviço terceirizados.
Vale ressaltar a diferença existente entre os trabalhadores temporários e terceirizados, para fins de aplicação da inovação legislativa.
Consoante art. 2º, da Lei n. 6.019/74, o “Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.”
Por seu turno, dispõe o art. 9º, § 3º, da Lei n. 13.429/2017, que O contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços” (original sem grifos).
Nesse sentido, no momento em que a Lei n. 13.429/2017 estabeleceu que o trabalho temporário poderia versar sobre atividade-fim do tomador dos serviços, não estabeleceu qualquer inovação legal, pois é sabido que o trabalhador temporário já exercia atividade-fim na tomadora de seus serviços, já que a substituição se dava sobre trabalhadores permanentes daquela, ou para atender à demanda complementar de seus próprios serviços, como se dá com a indústria de alimentos, em épocas festivas.
Situação diversa se operou quanto aos trabalhadores terceirizados, que não se confundem com os temporários.
O trabalho temporário é contrato particularizado, com requisitos, condições, prazos e direitos específicos estabelecidos nos arts. 1º a 4º, 6º a 12, da Lei n. 6.019/74.
Já o contrato dos trabalhadores interpostos possui requisitos e condições diversos, não podendo, assim, ser inadvertidamente confundido com o trabalho temporário.
Como se não bastasse, quando o legislador quis especificar que seria permitido o desenvolvimento de atividade-fim no tomador de serviços, o fez especificamente apenas para os trabalhadores temporários, nos exatos termos do trecho legal acima transcrito, não se admitindo interpretações extensivas prejudiciais aos trabalhadores terceirizados, em nítido contrassenso com todo o arcabouço normativo trabalhista, baseado no estabelecimento de direitos que visem à melhoria das condições sociais do trabalhador (art. 7º, caput, da CRFB).
Nesses moldes, o advento da Lei n. 13.429/2017 ainda não foi suficiente para possibilitar a realização de terceirização na atividade-fim das empresas tomadoras dos serviços.
Porém, pouco mais de três meses depois da referida alteração legislativa, foi editada a Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, em vigor a partir de 11.11.2017, que conferiu nova redação ao recentíssimo artigo 4º-A, da Lei n. 6.019/74, a fim de que não pairassem mais quaisquer dúvidas acerca da possibilidade de terceirização em atividade-fim do tomador dos serviços, in verbis:
Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. (sem grifos no original).
Desse modo, a Reforma Trabalhista conferiu vasta autorização normativa para a realização da terceirização de serviços em quaisquer atividades-fim da tomadora dos serviços.
Não há como se negar, pois, o caráter precarizante da possibilidade de terceirização de atividade-fim da tomadora dos serviços. A partir de 11.11.2017, não haverá, pois, quaisquer limitações para que empregados contratados diretamente e os terceirizados exerçam idênticas funções, em benefício de um mesmo tomador, porém com gama de direitos distinta, importando em nítida discriminação injustificável, contrária ao princípio da igualdade material estabelecido no art. 5º, caput, da CRFB.
É certo que ainda houve uma parca tentativa de promover equivalência de direitos entre os trabalhadores diretamente contratados e os terceirizados, através da redação do art. 4º-C, da Lei n. 6.019/74[8]. Contudo, são restritos os direitos ali extensíveis aos trabalhadores terceirizados, e somente incidirão quando os terceirizados prestarem serviços nas dependências da tomadora dos serviços. Os demais direitos trabalhistas seriam extensíveis apenas se decorressem da vontade dos contratantes, em total disparidade com o normalmente esperado pela atividade empresarial e com os fins primordias da terceirização de serviços (redução de custos).
Desse modo, apesar de expressa autorização legislativa, é importante sobrelevar que todo ato normativo do Poder Público demanda compatibilidade vertical com a Constituição Federal de 1988, pois dela retira o fundamento da própria existência e validade. A CRFB estabeleceu como pilares fundamentais da República a dignidade da pessoa humana, bem assim os valores sociais do trabalho. Não obstante a livre iniciativa também esteja estampada no art. 1º, IV, da CRFB ao lado do valor social do trabalho, entende-se que a interpretação desses fundamentos deve seguir a esteira da proporcionalidade. Noutro giro, o próprio caput do art. 7º, da CRFB estabelece o caráter progressista de direitos no âmbito das relações de trabalho, pois, além de elencar os direitos sociais trabalhistas mínimos, estabeleceu a cláusula aberta para outros direitos que visem à melhoria – e não ao retrocesso – das condições sociais.
De par com esse raciocínio, a interpretação ampla e notoriamente precarizante da terceirização em atividade-fim milita contra o ideário constitucional dignificante e isonômico, pois possibilita a existência de condições díspares entre trabalhadores inseridos em idêntica dinâmica empresarial, apenas na tentativa de “adequação” das relações juslaborais às novas demandas de mercado.
Por sua vez, o Tribunal Superior do Trabalho, mesmo antes da alteração legislativa, já propalava o mecanismo a ser utilizado para a garantia de isonomia entre os trabalhadores terceirizados, qual seja, a aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei n. 6.019/74[9]:
OJ-SDI1-383 TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, “A”, DA LEI Nº 6.019, DE 03.01.1974 (mantida) - Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974.
É certo que a aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei n. 6.019/74, nos termos esposados pelo C. TST na Orientação Jurisprudencial n. 383, da SBDI-1, apenas estaria garantida para as hipóteses de terceirização ilícita na Administração Pública, conforme se pode observar acima. Contudo, tal entendimento poderá ser aplicado também às relações privadas, fundamentado na aplicação do princípio da isonomia aos particulares na relação de trabalho, na esteira da teoria da eficácia diagonal dos direitos fundamentais.
Todavia, a Reforma Trabalhista foi arquitetada com os olhos fixos na jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho, antecipando-se ao entendimento da Corte Trabalhista quanto à interpretação possivelmente restritiva a ser adotada quanto à terceirização em atividade-fim. Tal se observa pela nova redação do art. 702, “f”, da CLT, igualmente conferida pela Lei n. 13.467/2017, impondo novo procedimento excessivamente rigoroso para a criação e alteração das súmulas pelos Tribunais Trabalhistas[10], cuja constitucionalidade, inclusive, é objeto de discussão pelo Tribunal Pleno do C. TST. Por outro lado, também tentou impor restrições à atividade cognitiva dos Tribunais do Trabalho, pela impossibilidade de “criar ou restringir direitos” via súmulas[11].
Quanto à tentativa de limitação da atividade interpretativa pelos Tribunais Trabahlistas (art. 8º, § 2º, da CLT), Francisco Meton Marques de Lima e Francisco Péricles Marques de Lima possuem lição esclarecedora[12]:
Destarte, os Juízes e Tribunais não editam leis, mas proclamam normas. Acontece que no Estado de Direito atual, pluralista e democrático, nem se pode falar em lei, mas em sistema legal, do qual decorre o Direito do Estado de Direito. O Estado de Direito forjado no Iluminismo era o Estado segundo a lei, no sentido textual; enquanto o Estado de Direito atual ancora-se no sistema normativo, com todos os seus componentes axiológicos e fáticos. (...) Ora, não há norma senão depois de interpretada e não há interpretação sem criação. O Código de Justiniano, Corpus Juris Civilis, proibiu o juiz de interpretá-lo. Não vingou. O de Napoleão também, o tempo o derrotou. Não é essa regra ora sob comento que vai impedir a criatividade dos julgadores.
Defendem, pois, que a atividade cognitiva do juiz se perfaz através da interpretação dos textos normativos e, conseguintemente, extraindo a norma advinda do sistema legal.
Assim sendo, o entendimento mais adequado a partir do sistema legal em que inserida a Reforma Trabalhista situa-se pela necessidade de assegurar o princípio da isonomia nas relações de trabalho terceirizado, a fim de que trabalhadores inseridos na mesma dinâmica empresarial não sejam submetidos a situações de discriminação infundada. Forçoso reconhecer, portanto, a adoção dos mesmos direitos, legais e normativos, aos trabalhadores que exerçam as mesmas funções, sejam contratados diretamente pelo tomador dos serviços ou através de empresas interpostas especializadas, com fulcro na aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei n. 6.019/74. Apenas desse modo permite-se que a fórmula de trabalho terceirizado possa ser utilizada na prática, sem a precarização observada nos dias atuais.
A redução de custos pelos tomadores dos serviços deve ser buscada a partir da desnecessidade de manutenção de amplo pessoal administrativo para reger seus funcionários próprios, pois receberá esses serviços da empresa especializada que contratar, e não à custa da redução de salários dos trabalhadores terceirizados, ampliação de carga horária e restrição infundada de direitos.
Recentemente (15.05.2018), a Comissão de Regulamentação da Lei n. 13.467/2017, constituída por Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, encaminhou ao Presidente da Corte Superior Trabalhista uma proposta de redação de Instrução Normativa, com o fim de estabelecer balizas quanto aos limites de incidência dos preceitos decorrentes da Reforma Trabalhista. Apesar de ainda não votada pelo C. TST, a exposição de motivos daquela proposta de Instrução Normativa deixa clara a intenção de limitar-se apenas ao marco temporal de incidência das novas regras, não dispondo acerca do conteúdo das normas estabelecidas.
Desse modo, em face da ausência de delimitação pelo C. TST acerca da aplicabilidade ou não das alterações legislativas promovidas pela Lei n. 13.467/2017, mostra-se ainda mais necessária a postura do magistrado trabalhista na observância primeva do princípio da isonomia em detrimento do positivismo restrito recém sugerido pela Reforma Trabalhista.
4. CONCLUSÃO
A atividade interempresarial de transferência de parte do processo produtivo para empresas intermediadoras de mão de obra, desde que praticada sem o intuito de precarização das relações de trabalho, não deve ser limitada pela atividade jurisdicional.
No entanto, para que não seja utilizada pelos empregadores como forma de precarizar a relação de trabalho, transferindo os trabalhadores para as empresas intermediadoras com o fim de redução de custos ligados ao salário e demais direitos dos empregados, é mister que se adote uma posição isonômica entre os trabalhadores terceirizados e os contratados diretamente pelo tomador dos serviços, não apenas que atuem em suas dependências, mas de todos os trabalhadores que prestam serviços em seu benefício.
Dessa forma, garante-se que os fins positivos da terceirização de serviços sejam alcançados, pela redução dos custos com procedimentos administrativos – e não com diferenciação reducionista indiscriminada de salários – e concentração da empresa tomadora em sua atividade-fim, sem que tal objetivo seja alcançado à custa do trabalhador, sopesando-se, assim, a convivência pacífica entre a dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e livre iniciativa, fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III e IV, da CRFB).
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LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do trabalho. 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
LIMA, Francisco Meton Marques de;. LIMA, Francisco Péricles Marques de. Reforma trabalhista: entenda ponto por ponto. São. Paulo: LTr, 2017.
[1] ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
[2] CLT. Art. 455 - Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro. Parágrafo único - Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo.
[3] BRASIL. Jurisprudência. Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, DF. Disponível em http://www.tst.jus.br/. Acesso em 28.05.2018.
[4] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª ed. São Paulo: LTr, 2017.
[5] BBC BRASIL. Mais emprego ou precarização? Os possíveis impactos da lei da terceirização. Disponível em http://www.bbc.com/portuguese/brasil-39375305. Acesso em 28.05.2018.
[6] Lei n. 8.666/93. Art. 71, § 1º. A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
[7] “Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Luiz Fux, que redigirá o acórdão, vencido, em parte, o Ministro Marco Aurélio, fixou a seguinte tese de repercussão geral: "O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93". Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 26.4.2017. ”.
[8] Lei n. 6.019/74. Art. 4o-C. São asseguradas aos empregados da empresa prestadora de serviços a que se refere o art. 4o-A desta Lei, quando e enquanto os serviços, que podem ser de qualquer uma das atividades da contratante, forem executados nas dependências da tomadora, as mesmas condições: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
I - relativas a: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
a) alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
b) direito de utilizar os serviços de transporte; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
c) atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
d) treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a atividade o exigir. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
II - sanitárias, de medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho e de instalações adequadas à prestação do serviço. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 1o Contratante e contratada poderão estabelecer, se assim entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos não previstos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 2o Nos contratos que impliquem mobilização de empregados da contratada em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) dos empregados da contratante, esta poderá disponibilizar aos empregados da contratada os serviços de alimentação e atendimento ambulatorial em outros locais apropriados e com igual padrão de atendimento, com vistas a manter o pleno funcionamento dos serviços existentes. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).
[9] Lei n. 6.019/74. Art. 12 - Ficam assegurados ao trabalhador temporário os seguintes direitos:
a) remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora ou cliente calculados à base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo regional.
[10] CLT. Art. 702 - Ao Tribunal Pleno compete: (Redação dada pela Lei nº 2.244, de 23.6.1954) (Vide Lei 7.701, de 1988): f) estabelecer ou alterar súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme, pelo voto de pelo menos dois terços de seus membros, caso a mesma matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, dois terços das turmas em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas, podendo, ainda, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de sua publicação no Diário Oficial; (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017).
[11] CLT. Art. 8º, § 2º. Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.
[12] LIMA, Francisco Meton Marques de;. LIMA, Francisco Péricles Marques de. Reforma trabalhista: entenda ponto por ponto. São. Paulo: LTr, 2017.
Bacharel em Direito e Especialista em Direito e Processo do Trabalho Público e Privado pela Faculdade Estácio do Recife.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Gustavo Elias de Morais. Terceirização trabalhista e panorama normativo após a entrada em vigor da Lei n. 13.467/2017 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jun 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51812/terceirizacao-trabalhista-e-panorama-normativo-apos-a-entrada-em-vigor-da-lei-n-13-467-2017. Acesso em: 02 nov 2024.
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