RESUMO: As empresas em crise econômico-financeira, à luz da Lei nº 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, recebem tratamento diferenciado e especial pelo ordenamento pátrio. A justificativa desse tratamento especial, em grande parte, está atrelada ao princípio da preservação da empresa. No tocante à incidência de juros e correção monetária em créditos oriundos de condenações judiciais, há de ser observada a limitação da referida lei quanto ao período de incidência, restrito até a data do pedido de recuperação (art. 9, II, da Lei nº 11.101/2005). Tal restrição, longe de ofender a coisa julgada do comando da sentença, atende ao princípio da preservação da empresa, sendo esse aparente conflito o tema do presente artigo.
Palavras-chave: Princípio da preservação da empresa. Juros e correção monetária. Sentença cível condenatória. Coisa julgada.
ABSTRACT: The companies in economic and financial crisis, under Law 11.101/2005, which regulates the judicial, extrajudicial recovery and bankruptcy of the entrepreneur and the business society, receive differential and special treatment under the country code. The justification for this special treatment is, in large part, tied to the principle of company preservation. Regarding the incidence of interest and monetary restatement on claims arising from judicial convictions, the limitation of said law regarding the period of incidence, restricted to the date of the request for recovery (article 9, II, of Law 11.101/2005). Such a restriction, far from offending the res judicata, meets the principle of preservation of the company, this apparent conflict being the theme of this article.
Keywords: Principle of company preservation. Interest and inflation. Related searches Thing judged.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. 3. INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA NAS CONDENAÇÕES JUDICIAIS CÍVEIS. 4. COISA JULGADA. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
O Direito deve ser visto, no âmbito das relações econômicas, como uma área do conhecimento voltada à garantia dos interesses da sociedade como um todo. Mesmo quando dirigido diretamente à tutela de determinados interesses privados, o ordenamento jurídico não pode se descuidar dos aspectos social e coletivo a quem cumpre tutelar. Nesse contexto, deve ser tratado o princípio da preservação da empresa.
A empresa não deve ser vista, hoje, como uma atividade econômica e juridicamente organizada tão somente voltada à obtenção de lucros. Não estão envolvidos, nessa estrutura, apenas os interesses dos empresários, sócios ou credores, mas sim os de toda a coletividade. A empresa, acima de tudo, tem sua função social.
Volvendo ao direito processual, feitos que envolvam cumprimento de sentença em face de empresas em recuperação judicial devem inevitavelmente passar pelo crivo do princípio em tablado. Exemplo disso é a aplicação dos efeitos da recuperação a créditos formados em juízo cujos fatos geradores sejam anteriores a data do pedido de recuperação, nos quais deve haver limitação no tempo quanto à incidência de juros e correção monetária.
Entra em cenário, nesse ponto, o cotejo entre as restrições expressamente previstas em prol das empresas em crise e a segurança jurídica, advinda da coisa julgada, a ser observada no capítulo da sentença que trata dos acréscimos de capital.
2. O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA
A falência e recuperação de empresas no Brasil é fruto de longo processo evolutivo. Desde as Ordenações do Reino até os dias atuais, o legislador vem, periodicamente, aperfeiçoando a dinâmica e esparsa legislação comercial, na busca de acompanhar as mudanças que surgem com o passar dos anos.
A vigente Lei nº 11.101/2005, que substituiu o antigo Decreto-Lei n. 7.661, de 1945, foi promulgada, exatamente, para sanar os vazios do ordenamento anterior, que não mais conseguia acompanhar, de forma global, o fenômeno das empresas em crise. Percebe a doutrina que o Decreto-Lei que tratava da falência era lento, ineficaz e não resguardava os interesses coletivos da sociedade, haja vista que o seu objetivo primeiro seria a extinção da unidade econômica sem qualquer preocupação com os respectivos efeitos colaterais.
Há muito os operadores do direito aguardavam uma nova lei de falências e recuperação de empresas (antiga concordata), sobretudo porque o Decreto-Lei, mesmo sendo recepcionado pela Constituição de 1988 e estando em vigor, amoldava-se aos antiquados e conservadores parâmetros da realidade jurídico-social da época em que foi instituído.
A atual Lei de Falência e Recuperação de Empresas (Lei 11.101 de 2005) veio com o escopo de disciplinar o processo de quebra ou soerguimento de empresas financeiramente em crise, mas sem descuidar de uma interpretação sistemática da disciplina. Sua finalidade não se esgota na ruína das empresas em queda, pelo contrário. Percebe-se, da análise de seus artigos, um relevante interesse pelo princípio da função social e preservação das sociedades empresárias.
A nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas não deixa dúvidas quanto a sua preocupação em dar continuidade à atividade empresarial, quando viável, para também preservar interesses maiores, como a proteção aos níveis de emprego, à livre iniciativa e ao desenvolvimento nacional com a utilização produtiva de bens e serviços.
Merece transcrição o art. 47 dessa nova lei, que denota expressamente a intenção elogiável do legislador:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
É um desafio que se traduz na corrida pela construção de um país mais desenvolvido e produtivo, mas sem se esquivar do resguardo dos interesses de todos os setores da sociedade. Interessante, nesse contexto, a passagem de Carlos Alberto Farracha de Castro (CASTRO, 2010, pg. 197):
“A busca da concretização de uma sociedade mais justa e solidária, com a efetiva participação da sociedade, exige a preservação das empresas que adotarem uma postura ativa no tocante à concretização dos direitos sociais, muito embora a responsabilidade e função social das empresas não afastem os deveres inerentes ao Estado nesse desafio, uma vez que se cuida de obrigações paralelas e coexistentes.”
O papel das empresas, na sociedade, não mais se restringe ao lado econômico e empresarial, mas também, principalmente, à construção de uma sociedade desenvolvida e ao mesmo tempo justa e solidária.
O legislador, a título de exemplo, adotou postura elogiável no que se refere à venda da empresa em bloco, abrangendo todas as suas unidades. Isso porque almeja conferir maiores possibilidades para que se possa continuar com a atividade empresarial. Nessa esteira, cumpre transcrever a doutrina de Luiz Fernando Valente de Paiva (PAIVA, 2005, pg. 42):
“Nesse contexto, se percebe que a nova lei procurou criar condições para a preservação de ativos, já que almeja, num primeiro momento, a reabilitação da empresa e, diante da impossibilidade, a sua venda para permitir a continuação de suas atividades sob uma nova administração. E, somente diante da falha dessas possibilidades, permite-se a liquidação eficiente da sociedade, com a maximização de seus ativos.”
O princípio da preservação da empresa, relevante considerar, não está cingido unicamente à sociedade empresária em si considerada. Ele adquire um caráter eminentemente social e coletivo, à medida que implicará no processo produtivo, na política econômico-financeira e mesmo no aumento da massa desempregada no país.
Na doutrina de Carlos Eduardo Quadros Domingos (DOMINGOS, 2009, pg. 83):
“[...] a função social da empresa contém um significado umbilicalmente ligado ao próprio desenvolvimento sócio-econômico da nação, face a circulação de riquezas que o empresário ou a sociedade empresária promove, bem como pela influência mediata que gera no desenvolvimento social da coletividade em que vivemos.”
Nessa ótica, deve-se enaltecer a Lei de Recuperação e Falências como ferramenta legal que buscará a regularização da situação das empresas em crise financeira e econômica ou em estado de insolvência. A “quebra” da atividade empresarial é um fenômeno que deve ser visto não só do ponto de vista dos credores que anseiam a satisfação dos seus créditos, mas também, sob o ponto de vista da fonte produtiva que deverá ser preservada, quando possível.
Digna de nota, por fim, a expressão utilizada por Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, 2010, pg. 42):
“Suspendem-se as execuções individuais contra o empresário individual ou sociedade ou sociedade empresária que requereu a recuperação judicial para que eles tenham o fôlego necessário para atingir o objetivo pretendido da reorganização da empresa.”
A tendência da atual Lei de Falências e Recuperação, como se vê, muito mais do que decretar a falência, é preservar a atividade empresarial e todos os atores sociais interessados em sua continuidade.
3. INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA NAS CONDENAÇÕES JUDICIAIS CÍVEIS
A sentença que condena a empresa em recuperação judicial à obrigação de pagar quantia certa, como sabido, dispõe sobre a incidência de juros de mora e correção monetária sobre o valor da condenação.
No caso de reconhecimento de responsabilidade por danos morais, de cunho extracontratual, por exemplo, os juros de mora fluem desde o evento danoso, nos termos do art. 398 do Código Civil de 2002 e Súmula nº 54 do Superior Tribunal de Justiça, e a correção monetária a partir do efetivo prejuízo, segundo o teor do enunciado de súmula nº 43 do STJ.
Se é certo que, ordinariamente, os acréscimos devem incidir até o efetivo pagamento da quantia, assim não ocorre nos créditos cujos fatos geradores tenham ocorrido anteriormente ao pedido de recuperação judicial do devedor, pois submetidos aos efeitos do plano de recuperação aprovado, nos termos do art. 49 e 59 da Lei nº 11.101/2005.
Um desses efeitos é a limitação da incidência dos juros e atualização do capital somente até a data do pedido de recuperação judicial feito pela empresa em crise, nos termos do art. 9, II, do citado diploma legal. Isso se deve, sobretudo, à novação das dívidas, principal efeito extraído da lei, incidente somente com relação aos créditos anteriores ao pedido formulado pelo devedor.
Uma rápida análise dos arts. 49 e 59 da Lei nº 11.101/2005 dá conta de que estão sujeitos às implicações decorrentes da aprovação do plano de recuperação judicial somente aqueles créditos existentes à data do pedido de recuperação.
O que fazer, todavia, na situação de o crédito ser formalizado após o pedido de recuperação, mas tendo por fato gerador situação anterior? Por exemplo, supondo que no ano de 2012 tenha ocorrido o pedido de soerguimento do devedor; em 2010 tenha havido ocorrência de lesão ao credor; tal credor tenha seu crédito constituído somente em 2013 com a sentença judicial.
A solução perpassa também sobre o princípio da preservação da empresa.
Embora o crédito tenha data posterior ao pedido de recuperação, considera-se que sofrerá as implicações decorrentes do juízo universal. Isso porque a obrigação constituída pela sentença se refere a fatos ocorridos em momento pretérito ao requerimento de soerguimento.
Nesse contexto, o art. 49 da LRF, supracitado, deve ser interpretado à luz do art. 47 da mesma lei e do princípio da preservação da empresa.
Quando os arts. 49, 59 e 61, todos da LRF, preveem a exclusão dos efeitos da recuperação aos créditos posteriores ao pedido feito pelo devedor, o fazem com o intuito de preservar, sobretudo, o acesso da empresa debilitada aos créditos no mercado e demais meios para superação da crise econômico-financeira. O julgado do STJ, adiante citado, deixa clara tal intenção da lei:
DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS POSTERIOR AO PEDIDO. NÃO SUJEIÇÃO AO PLANO DE RECUPERAÇÃO E A SEUS EFEITOS. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO NO JUÍZO COMUM. RESSALVA QUANTO A ATOS DE ALIENAÇÃO OU CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. 1. Os créditos constituídos depois de ter o devedor ingressado com o pedido de recuperação judicial estão excluídos do plano e de seus efeitos (art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005). Isso porque, "se assim não fosse, o devedor não conseguiria mais acesso nenhum a crédito comercial ou bancário, inviabilizando-se o objetivo da recuperação" (COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falencias e de recuperação de empresas. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 191). 2. Nesse diapasão, devem-se privilegiar os trabalhadores e os investidores que, durante a crise econômico-financeira, assumiram os riscos e proveram a recuperanda, viabilizando a continuidade de sua atividade empresarial, sempre tendo em mente que a notícia da crise acarreta inadvertidamente a retração do mercado para a sociedade em declínio. (...) (REsp 1298670/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 26/06/2015) (grifei)
A referida exclusão dos créditos posteriores opera, assim, em favor da empresa em crise, sendo desarrazoado o tratamento diferenciado quanto aos créditos de obrigações anteriores, mas apenas constituídos por sentença posteriormente ao pedido recuperacional.
A limitação de juros e correção monetária prevista no art. 9, II, da LRF deve ser interpretada em consonância com o espírito da lei, no sentido de beneficiar o devedor em crise. Já que o crédito decorrente de condenação judicial é fruto de relação anterior ao pedido de recuperação, é perfeita a incidência da limitação em tablado.
Há, nesse sentido, entendimento proferido pela Corte de Cidadania:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. DEVEDOR EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO VERIFICADA. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO. EVENTO DANOSO OCORRIDO EM MOMENTO ANTERIOR AO PEDIDO RECUPERACIONAL. SUBMISSÃO AOS SEUS EFEITOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA PROFERIDA POSTERIORMENTE. IRRELEVÂNCIA. 1. Ação ajuizada em 20/5/2013. Recurso especial interposto em 27/9/2017 e concluso ao Gabinete em 8/3/2018. 2. O propósito recursal é definir se o crédito de titularidade das recorridas, decorrente de sentença condenatória transitada em julgado após o pedido de recuperação judicial do devedor, deve sujeitar-se ao plano de soerguimento. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões controvertidas, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, não há como reconhecer a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional. 4. Para os fins do art. 49, caput, da Lei 11.101/05, a constituição do crédito discutido em ação de responsabilidade civil não se condiciona ao provimento judicial que declare sua existência e determine sua quantificação. Precedente. 5. Na hipótese, tratando-se de crédito derivado de fato ocorrido em momento anterior àquele em que requerida a recuperação judicial, deve ser reconhecida sua sujeição ao plano de soerguimento da sociedade devedora. 6. Recurso especial provido. (REsp 1727771/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 18/05/2018) (grifei)
Estabelecida a premissa de que a execução de créditos constituídos por sentença condenatória cível deve ser lida à luz do princípio da preservação da empresa, cumpre destacar, doravante, o aparente conflito dessa conclusão com a segurança jurídica decorrente da coisa julgada.
4. COISA JULGADA
Em prol da segurança jurídica, estabilidade das relações constituídas e do tratamento igualitário entre os jurisdicionados, a Constituição Federal de 1988 dispõe, como direito fundamental, que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, XXXVI).
No âmbito infraconstitucional, o Novo Código de Processo tratou de conceituar a coisa julgada material no art. 502: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.”
Salvo situações especiais previstas em lei de relativização da coisa julgada, não se pode olvidá-la nas situações jurídicas consolidadas, sob pena de grave instabilidade no meio social. Os efeitos da autoridade da decisão judicial, longe de se limitar aos efeitos passados do julgado, é necessário para moldar as condutas presentes e futuras das partes, notadamente pela importância da formação dos precedentes judiciais.
Quanto ao ponto, é notável a lição de Fredie Didier Júnior (DIDIER, JR., 2015, pgs. 469/470):
“Sucede que não é apenas em relação ao passado que se mostra necessário garantir estabilidade. O indivíduo, muita vez, termina por pautar a sua conduta presente com base num comportamento adotado por outro indivíduo ou, o que mais nos interessa aqui, pelo Estado. Dentro dessa dimensão pública, é natural que as soluções dadas pelo Poder judiciário às situações que lhe são postas para análise sejam levadas em consideração pelo indivíduo para moldar a sua conduta presente. Isso se vivifica ainda mais quando se observa a importância que os precedentes judiciais vêm ganhando em nosso ordenamento. Ao conferir-lhes os mais diversos efeitos jurídicos, o legislador brasileiro visa a garantir certa previsibilidade quanto à atuação do Estado-juiz.”
Dito isso, percebe-se, quando da limitação de juros e correção na execução de sentença de empresa em recuperação, um aparente conflito com a coisa julgada formada na sentença do juízo. Como limitar no tempo (até a data do pedido de recuperação) os acréscimos de capital que já foram estabilizados em sentença judicial transitada em julgado?
Entram em colisão, no caso, o direito fundamental à coisa julgada e o importante princípio da preservação da empresa, o que deve ser solucionado pela técnica da ponderação.
Sem descartar completamente a incidência de um ou de outro, deve o julgador dar solução criativa, proporcional e consonante com o espírito das leis. A verificação do contexto social, político e econômico é fundamental para a correta ponderação dos princípios, que, antes de se excluírem, acabam por se completar.
A ponderação de interesses consiste, assim, no método necessário ao equacionamento das colisões entre princípios da Lei maior, onde se busca alcançar um ponto ótimo, em que a restrição a cada um dos bens jurídicos de estatura constitucional envolvidos seja a menor possível, na medida exata necessária à salvaguarda do bem jurídico contraposto (SARMENTO, 2003).
Por tudo o que foi dito, limitar, mas não desconsiderar, ocasionalmente, a estabilidade da coisa julgada, em prol do princípio da preservação da empresa, é medida em prol da razoabilidade. E isso, notadamente, quando há previsão legal expressa autorizativa. No caso, a outorga legal é extraída da Lei nº 11.101/2005, art. 9º, inciso II.
O Superior Tribunal de Justiça, em julgado recente, manifestou-se sobre o tema:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. ATUALIZAÇÃO. TRATAMENTO IGUALITÁRIO. NOVAÇÃO. JUROS E CORREÇÃO. DATA DO PEDIDO DA RECUPERAÇÃO. 1. Ação de recuperação judicial da qual foi extraído o recurso especial, interposto em 21/08/2014 e atribuído ao gabinete em 25/08/2016. Julgamento: CPC/73 2. O propósito recursal é decidir se há violação da coisa julgada na decisão de habilitação de crédito que limita a incidência de juros de mora e correção monetária, delineados em sentença condenatória por reparação civil, até a data do pedido de recuperação judicial. 3. Em habilitação de créditos, aceitar a incidência de juros de mora e correção monetária em data posterior ao pedido da recuperação judicial implica negativa de vigência ao art. 9º, II, da LRF. 4. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos. Assim, todos os créditos devem ser atualizados até a data do pedido de recuperação judicial, sem que isso represente violação da coisa julgada, pois a execução seguirá as condições pactuadas na novação e não na obrigação extinta, sempre respeitando-se o tratamento igualitário entre os credores. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1662793/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 14/08/2017) (grifei)
Invocar a coisa julgada para afastar a limitação dos juros e atualização monetária nas execuções judiciais de empresa em recuperação pode não ser a medida mais razoável para a estabilidade do meio social.
Aumentar os encargos da empresa, de modo a facilitar a sua ruína, vai na contramão da estabilidade social, econômica, produtiva e tecnológica do país, que perde atores no mercado.
A instabilidade gerada com a falência de uma empresa pode ir muito além da flexibilização gerada com a relativização da coisa julgada. O princípio da preservação da empresa deve, portanto, ser posto em novas pautas.
5. CONCLUSÃO
A nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas trouxe novidades de considerável impacto positivo para o meio empresarial e, concomitantemente, para a coletividade. Entre essas melhorias está a consagração da Preservação da Empresa, princípio intimamente relacionado à função social da propriedade e à estabilidade da ordem econômica, expressos na Constituição Federal de 1988 (art. 170).
No âmbito dos processos judiciais, o princípio em tela ganha nítida posição na ponderação de princípios, pois igualmente relevante no Estado Democrático de Direito.
É nessa ótica que os créditos de fatos geradores anteriores ao pedido de recuperação judicial devem ser analisados, sujeitando-se aos efeitos dela decorrentes. Importante efeito, como demonstrado, reside na limitação temporal de incidência de juros e correção monetária.
Tal limitação temporal, embora aparentemente conflitante com a coisa julgada formada na sentença constitutiva do crédito, não cede em face da autoridade da decisão judicial, isso porque protegida por outro princípio igualmente importante, que na ponderação é plenamente viável que prevaleça: o princípio da preservação da empresa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1662793/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 14/08/2017. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1662793&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true>. Acesso em: 30 de maio de 2018.
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Graduado em Direito pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (Sobral/CE). Analista Judiciário no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FELIPE WILLIAM SILVA GONçALVES, . A incidência de juros de mora e correção monetária em condenações judiciais cíveis à luz do princípio da preservação da empresa em recuperação judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51845/a-incidencia-de-juros-de-mora-e-correcao-monetaria-em-condenacoes-judiciais-civeis-a-luz-do-principio-da-preservacao-da-empresa-em-recuperacao-judicial. Acesso em: 01 nov 2024.
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