ANDREIA AYRES GABARDO DA ROSA[1]
(Orientadora)
RESUMO: O presente estudo fora desenvolvido tendo como objetivo primordial a análise da violência doméstica, em suas distintas modalidades e a forma que este quadro pode influenciar para que a vítima adentre o mundo do crime, sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro. A metodologia utilizada no desenvolvimento teórico do estudo em tela fora a pesquisa bibliográfica, a partir do estudo de artigos e textos com doutrina voltada para o tema, tendo como base axiológica a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, além de outros documentos legais pertinentes para maior profundidade do estudo do tema proposto. O balanço acerca da violência infantil ocorrida no âmbito familiar evidencia que os institutos legais ainda necessitam evoluir no plano fático de aplicabilidade, para que haja a efetiva tutela das crianças e adolescentes e estes possam ver seus direitos assegurados pelo Estado, pela família e pela sociedade como um todo.
PALAVRAS-CHAVE: Violência doméstica infantil; Estatuto da Criança e do Adolescente; Criminalidade.
ABSTRACT: The present study was developed with the primary objective of analyzing domestic violence, in its different modalities and the way that this framework can influence the victim to enter the world of crime, under the perspective of the Brazilian legal system. The methodology used in the theoretical development of the study on screen was the bibliographical research, based on the study of articles and texts with doctrine focused on the theme, having as axiological the Federal Constitution of 1988 and the Statute of the Child and Adolescent, as well as other relevant legal documents for further study of the proposed theme. The balance of child violence in the family context shows that legal institutes still need to evolve in the factual plan of applicability, so that there is effective protection of children and adolescents and they can see their rights guaranteed by the State, the family and society as one all.
KEYWORDS: Domestic violence; Child and Adolescent Statute; Crime.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O INICIO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO BRASIL ATÉ OS DIAS DE HOJE. 3. TIPOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA INFANTIL. 3.1. VIOLÊNCIA FÍSICA. 3.2. VIOLÊNCIA SEXUAL. 3.3. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA. 3.4. VIOLÊNCIA NEGLIGÊNCIAL. 4. CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA NA FORMAÇÃO DO INDIVIDUO. 5. O AGRESSOR. 6. O ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE CONTRA A VIOLÊNCIA. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 8. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
As estruturas familiares atuais são resultantes de evolução histórica, influenciadas diretamente por questões culturais, sociais, políticas, econômicas e até demográficas. Apesar das características específicas de cada época, em todas as sociedades familiares ocorreram casos de violência contra crianças e adolescentes.
A violência doméstica infantil é um fenômeno que se faz presentes em todas as famílias, independentemente de nacionalidade, classe social, cor, raça ou fatores socioeconômicos. No polo ativo desta triste realidade social, figuram os pais, familiares e responsáveis, pessoas que deveriam garantir a segurança e o bem-estar, mas que são os principais agressores desta modalidade de violência.
O presente estudo tem por objeto a análise da violência doméstica infanto-juvenil e sua relação com o aumento da criminalidade. O interesse em desenvolver um estudo com base no tema proposto surgiu através da percepção de ser esta modalidade de violência muito comum, porém de difícil identificação e, consequentemente, pouco punida. Observa-se que a relação de subordinação entre o agressor e a vítima colabora para que terceiros e autoridades não tenham ciência das agressões, corroborando para um cenário onde a vítima se sente inferior, incapaz e abandonada.
Embora o ordenamento jurídico brasileiro tenha dispositivos voltados para a proteção dos menores de 18 anos, como é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ainda não existem medidas de combate eficazes, sendo a violência doméstica infantil uma situação recorrente no dia a dia de várias crianças e jovens.
O presente estudo se propõe ainda a analisar as consequências da violência doméstica familiar nas crianças e adolescentes, indicando como este pode ser um fator determinante para o futuro da vítima.
Nota-se, então, que apesar de ser esta modalidade de violência algo comum e de conhecimento de toda a sociedade, é preciso que receba um olhar mais crítico da ciência jurídica e da sociedade, tanto por sua demasiada importância social, quanto para que os juristas exerçam sua função perante a sociedade, através da busca pela efetividade das leis e da finalidade dos poderes da administração pública.
2. O INICIO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO BRASIL ATÉ OS DIAS DE HOJE
A evolução histórica da sociedade familiar brasileira mostra evidente distinção em relação às famílias europeias e norte-americanas, principalmente quanto à valorização da criança e sua função perante a família e a sociedade de forma geral. Quando os primeiros colonizadores chegaram ao Brasil, depararam-se com uma população nativa que apresentava costumes completamente distintos daqueles vistos na Europa. Os jesuítas foram os responsáveis por introduzir na cultura familiar os castigos físicos e psicológicos como métodos de disciplinar e educar as crianças(MENARDI, 2010).
Desde o Código Penal de 1890 é possível vislumbrar que o ordenamento jurídico preocupava-se com os casos de violência doméstica infantil, buscando meios de erradicar ou minimizar o costume de utilizar-se de castigos como metodologia de ensino e disciplina. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu no seu artigo 227 que crianças e adolescentes constituem um grupo social que tem direitos específicos e precisam de tutela especial, fornecida pelo Estado e pela família (IANDOLI e PIMENTEL, 2018)
Em 1990 fora sancionado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), uma lei federalcom 267 artigos, voltada a tutelar os direitos e garantias dos menores de 18 anos, especificando quais são os direitos a qual o artigo 227 da CFRB/88 se refere, bem como define ainda de quem é a competência para aplica-los, garanti-los e o procedimento a ser percorrido. Destarte, o ECA é utilizado como vetor axiológico para qualquer debate envolvendo medidas, intervenções e direitos de crianças e adolescentes(IANDOLI e PIMENTEL, 2018)
A entrada em vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente é notoriamente um marco na história dos direitos humanos na seara infantil e infanto-juvenil, entretanto, é necessário que as medidas estabelecidas sejam de fato cumpridas, para que haja efetividade quanto à sua finalidade e o documento legal não seja apenas mais uma mera carta de intenções do sistema jurídico brasileiro.
Ao se fazer breve análise acerca dos casos de violência infantil desde os primeiros casos relatados, não restam dúvidas de que houve grande evolução no combate à este tipo de violência, através das medidas estabelecidas pela legislação brasileira, principalmente pela conscientização da população acerca da importância de denunciar os casos de violência, para que as autoridades competentes possam tomar ciência dos fatos e tomar as medidas cabíveis de acordo com cada caso concreto.
Apesar da evolução social e legislativa na tentativa de minimizar os casos de violência infantil, ainda são inúmeras ocorrências de violências envolvendo crianças e adolescentes, cada vez mais cruéis e desumanas. Estas situações mostram que se faz necessário que a sociedade e as autoridades empenhem-se em buscar meios preventivos e punitivos para um combate eficaz destes casos de barbárie.
3. TIPOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA INFANTIL
Quando o assunto “violência” é colocado em pauta, inconscientemente pensa-se em agressões físicas. Entretanto, o conceito de violência é mais amplo e abrange inúmeras formas de se atingir outro indivíduo. O conceito de violência estabelecido pelo dicionário Aurélio[2] diz que violência é todo ato capaz de causar constrangimento físico ou moral. A partir do conceito trazido pelo dicionário, torna-se possível afirmar então que a violência abrange também situações que agridam o psicológico e a moral.
A violência doméstica é um quadro complexo por não ser fácil definir suas causas e uma definição específica. Apesar da conceituação dificultosa, as consequências são facilmente identificadas e de caráter devastador na vida das vítimas.
A violência pode serpraticada através de ação ou omissão que seja capaz de causar danos físicos e psicológicos às vítimas, e pode ser praticada não só por pais biológicos, mas por todos os responsáveis legais e parentes da criança ou adolescente. A violência causada por ações é chamada de violência ativa, enquanto a que deriva de omissões é chamada de violência passiva. Ao contrário da ideia difundida pelo senso comum, a violência doméstica não é influenciada diretamente por desigualdades sociais, estando presente em todas as classes sociais, sem fatores de distinção (FREITAS, J.; LIMA, K., 2018)
A respeito das formas de violência das quais os menores de 18 anos devem ser protegidos, o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que:
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Nota-se que existem inúmeras espécies de violência, como a física, sexual, psicológica e a negligencial. É preciso então aprofundar os conhecimentos acerca de cada uma destas espécies, para saber identificá-las quando estiver diante de uma situação ou circunstância que indique violência.
3.1. Violência Física
A violência Física é uma das modalidades mais comuns dentro da seara doméstica. A respeito deste tipo de agressão, Deslandes aduz que:
Qualquer ação, única ou repetida, não acidental (ou intencional), cometida por um agente agressor adulto (ou mais velho que a criança ou o adolescente), que lhes provoque dano físico. O dano provocado pelo ato abusivo pode variar de lesão à consequências como a morte (2009, p. 94).
É possível perceber, então, que a violência caracteriza-se pela vontade do agressor, ou seja, quando há utilização deliberada da força física ou abuso do poder de autoridade em relação à vítima, de modo a lhe causar sofrimento físico. Infelizmente ainda está enraizado na cultura social a ideia de valorização da cultura do castigo físico como método para disciplinar e educar crianças.
Ainda a respeito do tema,Floriodefine a violência física comodano físico não acidental provocado pelos atos de omissões dos pais ou responsáveis que quebram os padrões de cuidados com a criança determinados pela sociedade (2001, p.17).
3.2. Violência Sexual
A violência sexual não se concretiza apenas com o coito consumado, uma vez que toques, carícias e exibições também são formas de se violentar sexualmente uma criança ou um jovem. Neste sentido, tem-se que a violência sexual:
Consiste em todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual cujo agressor está em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o adolescente. Tem por intenção estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para obter satisfação sexual. Apresenta-se sob forma de práticas eróticas e sexuais impostas à criança ou ao adolescente pela violência física, ameaças ou indução de sua vontade.[...] (Brasil,2012).
Ao se analisar os casos de violência sexual, é possível auferir uma realidade preocupante: o agressor quase sempre é alguém da família ou muito próximo desta. A violência sexual por si já se mostra como algo repugnante, porém, quando praticada por aqueles que tem o dever moral, legal e até mesmo sentimental de cuidar, há um peso ainda maior.
De acordo com Farinatti, Bianzus e Leite, “o abuso sexual corresponde a aproximadamente 10% do total da violência praticada contra crianças e adolescentes”(1993, p.244).
A violência sexual que acontece dentro do lar importa numa distorção dos valores fundamentais da família, este fator se desenvolve de forma não aparente, dando surgimento a um tipo de agressão crônica, silenciosa, que culmina em sequelas físicas e mentais permanentes.
3.3. Violência Psicológica
A violência psicológica é comumente associada a outros tipos de violência, que acabam por gerar também traumas psicológicos. Em comparação às outras modalidades de violência, há um maior grau de dificuldade em identificar este tipo, uma vez que não deixa rastros visíveis.
O CRAMI – CAMPINAS, classifica a violência psicológica como sendo “(...) conjunto de atitudes, palavras e ações dirigidas para envergonhar, censurar e pressionar a criança de forma permanente. Ameaças, humilhações, gritos, injúrias, privação de amor, rejeição, etc”.[3]Nota-se, então, que várias atitudes podem ser caracterizadas como forma de agressão psicológica.
Toda e qualquer interferência negativa de algum adulto sobre a criança ou adolescente, vindo de um padrão de comportamento que apresente traços destrutivos ou vexatórios mostra-se como uma forma de agredir fisicamente.
3.4. Violência Negligencial
A violência negligencial ocorre quando os pais ou responsáveis pelo menor deixam de exercer suas funções de garantidores, privando-a de itens essenciais para seu desenvolvimento saudável. Para tanto, podemos afirmar que
“[...]A negligência significa a omissão de cuidados básicos como privação de medicamentos; a falta de atendimento aos cuidados necessários com a saúde; a ausência de proteção contra inclemências do meio como frio e calor, o não provimento de estímulos e condições para a frequência á escola”. (Brasil 2012)
A violência negligencial é uma das formas mais comuns e que pode causar danos até mesmo físicos. Não são raros, por exemplo, casos de crianças que apesar de aparentemente estarem em ambientes bem estruturados, apresentam sinais de desnutrição infantil, tampouco os casos de crianças que foram a óbito por situações que poderiam ter sido evitadas com o devido cuidado e cautela.
4. CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA NA FORMAÇÃO DO INDIVIDUO
O caráter e personalidade do indivíduo são formados enquanto este ainda é criança, por isso a infância mostra-se como uma fase de extrema importância para a formação pessoal de cada ser. (BISSOLI, 2014).
É evidente que quando a criança desenvolve-se em um ambiente harmônico, com a preocupação familiar em desenvolver e estimular princípios e valores que contribuam para a edificação de uma personalidade com traços de empatia, proatividade, facilidade de convivência em grupo e na sociedade em geral, há maior probabilidade de se tornar um adulto com sucesso pessoal e profissional.
Em contrapartida, quando a criança cresce em um ambiente hostil, violento e sem instruções a respeito de valores morais e princípios basilares para a formação de um caráter voltando a idoneidade moral, a soma destes fatores corrobora para que este indivíduo torne-se um adulto com traços de violência, rebeldia, dificuldade de convivência social e de relacionamentos interpessoais. (ISHIKAWA, 2015).
A análise a respeito das consequências da violência doméstica evidencia que não existem um padrão fixo de comportamento, visto que cada indivíduo é singular, único e com suas particularidades, ou seja, os fatores analisados não são constantes, mas totalmente subjetivos.
As consequências da violência doméstica só podem ser analisas caso a caso, porém, é inegável que existe um padrão de comportamento, evidenciando que muitas vezes os traços agressivos são características passadas através de uma hereditariedade cultural.
Em uma análise da personalidade, pode-se afirmar que os principais traços nas vítimas de violência infanto-juvenil são: sentimentos de raiva e medo, quadro de dificuldades no âmbito escolar, problemas de interação social e dificuldade em estabelecer uma relação de confiança com terceiros. Em parte dos casos, observa-se também que a inserção na delinquência é comum.
5. O AGRESSOR
Conforme já mencionado anteriormente, a violência infantil é um fenômeno de difícil combate por estar enraizada na cultura da sociedade brasileira como sendo parte de uma metodologia de ensino eficaz. Destarte, é comum que muitos pais e responsáveis utilizem-se de castigos físicos como forma de repressão a atitudes negativas das crianças. Entretanto, existem casos de agressões com altíssimo grau de violência, provocando lesões corporais na vítima.
Em 2010, a Universidade de Brasília (UnB) realizou um estudo para analisar os casos de violência infantil e fora constatado que as mães são as mais responsáveis pelas agressões. Para que haja efetiva melhora neste quadro, é necessário que a criança seja amparada de receba os devidos cuidados, sendo essencial também que a mãe também receba tratamento e instruções, para que possa cuidar de seu filho com o carinho e o afeto necessários (DUTRA, 2014)
A partir da informação apresentada pela pesquisa feita pela UnB, de que as mães são as agressoras na maioria dos casos de violência infantil, é preciso compreender que a cultura social de que a mãe é a principal responsável pela criança, dedicando seu tempo quase de forma integral, corrobora para que os casos de violência cresçam, principalmente quando se analisa que esta mãe desempenha muitas vezes o papel de dona de casa, trabalha fora e tem ainda inúmeras outras funções e atribuições, que geram uma situação de estresse.
Evidentemente que o acúmulo de atribuições e a estafa causada pelo cotidiano são fatores que influenciam no comportamento agressivo, porém não justificam a conduta violenta. A análise a respeito deste quadro evidencia que a cultura da sociedade deve evoluir em inúmeros aspectos, para que se atinja um patamar de compreensão do outro enquanto um indivíduo com fraquezas, qualidades e merecedor de respeito.
Outro motivo é a violência como fator hereditário. Há muitos casos em que o agressor fora vítima de violência quando criança ou adolescente, e por ter a conduta como não reprovável, acaba repetindo as mesmas agressões sofridas. Neste sentido, Miller (1990, pag. 61):
[...] os jornais estão constantemente nos dizendo que tem sido provado estatisticamente que a maioria das pessoas que perpetra violência física contra seus filhos, foram elas mesmas vitimas desta violência em sua própria infância. Esta informação não é totalmente correta: não deveria ser a maioria, mas todas. Qualquer pessoa que perpetra a violência contra seu filho, foi ela mesma severamente traumatizada em sua infância de alguma forma. Esta afirmativa se aplica, sem exceção, uma vez que é absolutamente impossível que uma pessoa educada num ambiente de honestidade, de respeito e de afeto venha a atormentar um ser mais fraco de tal forma que lhe inflija um dano permanente. Ela aprendeu bem cedo que é correto e adequado dar às crianças proteção e orientação porque são pequenas e indefesas, sendo que este conhecimento armazenado em estágio precoce em sua mente e em seu corpo permanecerá efetivo para o resto da sua vida.
Nota-se então que há uma afirmação da violência como uma característica comum, a partir da premissa de que se o agressor, que sofreu essa violência na infância, tornou-se um adulto com princípios e valores, segundo seus conceitos, é normal pratica-la com seus filhos e responsáveis.
6. O ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE CONTRA A VIOLÊNCIA
Com o passar dos anos as crianças e adolescentes passaram a ter suas funções sociais esclarecidas, não sendo apenas um mero objeto para compor a estrutura social. Ao se enxergar esse grupo social como indivíduos de direitos, tornou-se necessário buscar metodologias para tutelar seus direitos e deveres.
A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer no artigo 227 que crianças e adolescentes fazem parte de um grupo social que possui direitos especiais, abriu precedentes para que fosse elaborado um documento que tratasse de tais direitos de forma específica.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, sancionado em 1990, traz em seus 267 artigos a ideia de uma doutrina de proteção integral, ou seja, de que crianças e adolescentes são responsabilidade tanto da família quanto da sociedade e do Estado.
Faz-se mister salientar que o ECA preocupou-se em estabelecer de forma clara quem são os sujeitos protegidos pelo Estatuto. Compreende-se como criança as pessoas com menos de 12 (doze) anos de idade, enquanto os adolescentes são as pessoas de 12 (dozes) anos até os 18 (dezoito) anos(IANDOLI e PIMENTEL, 2018).
Não há dúvidas quanto ao caráter protecionista do ECA, que fora elaborado para ser um dos principais institutos de combate à violência infantil. O artigo 5º dispõe a respeito das formas de violência as quais as crianças e adolescentes não devem ser expostos, senão vejamos:
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
A partir da leitura do artigo 5º do ECA é possível auferir que a proteção da dignidade da pessoa humana nas fases da infância e da juventude é uma das bases principiológicas deste documento legal.
Para que haja efetividade na prestação da tutela jurisdicional, o ECA estabelece que os casos de tratamento cruel, degradante e de violência física devem ser informados ao Conselho Tutelar, para que este possa tomar as providências necessárias, a fim de cumprir com a finalidade do ordenamento, conforme estabelecido no artigo 13 do Estatuto:
Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.
O artigo 13 é de suma importância, uma vez que concede ao Conselho Tutelar competência para apurar os fatos, analisando o caso concreto e tomando as providências cabíveis de acordo com a necessidade de cada situação.
Apesar do belo texto legal, é de conhecimento público a precariedade da prestação jurisdicional do sistema brasileiro, não estando os Conselhos Tutelares longe desta triste realidade. Os problemas enfrentados por estas instituições são de todas as áreas, como falta de infraestrutura, de contingente pessoal, de meios de transporte, entre outros. Nota-se também que além da falta de investimento e apoio do Estado, não há colaboração da sociedade, tendo em vista a propagação de uma imagem negativa quanto aos serviços prestados pelos Conselhos Tutelares. Quanto à função da sociedade como um todo, é possível constatar que a premissa do legislador fora deixar expressa a função primordial da sociedade como um todo na proteção das crianças e dos adolescentes, conforme preconiza o artigo 18 do ECA, senão vejamos:
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
O texto do artigo supracitado é autoexplicativo, entretanto, sua simplicidade de leitura não deve se confundir com aplicabilidade. A primeira dificuldade encontrada em fazer-se cumprir a normativa se dá pela falta de conscientização da sociedade em relação à sua função social quanto a todos os jovens e crianças, não apenas seus familiares e conhecidos. Faz-se mister compreender ainda um problema social, que apesar de fugir do âmbito jurídico produz efeitos devastadores neste, o qual seria: a falta de empatia da sociedade atual.
O cenário social atual corrobora para dificultar ainda mais a compreensão do que seriam situações aterrorizantes, vexatórias ou constrangedoras. O bullying é considerado um ato violento, vexatório e constrangedor, por exemplo, porém, nem todos têm consciência a respeito do grau de suas atitudes e quais suas possíveis consequências, principalmente tratando-se de crianças e jovens.
Assim sendo, é essencial que o Conselho Tutelar e os demais órgãos responsáveis pela tutela dos menores de 18 anos recebam apoio do Estado e da sociedade, para que cada vez mais possamos ver se cumprir a legislação voltada para este grupo social.
Em se tratando de buscar a tutela dos direitos dos menores e conscientizar a sociedade sobre a importância de compreender que violência não é uma forma de se garantir disciplina, é preciso destacar parte do artigo 70-A do ECA:
Art. 70-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes [...].
Conforme já fora explanado anteriormente, o castigo físico ainda é enraizado na cultura familiar brasileira como sendo a forma mais eficaz de educar as crianças e os jovens. Consciente disso, o legislador pátrio buscou, através deste artigo, incentivar que o Estado e a sociedade percebam que há métodos distintos e menos agressivos de se atingir o mesmo resultado, ou até mesmo resultado ainda mais satisfatório.
O Estatuto conta ainda com um capítulo voltado especificamente para os crimes praticados contra os menores, tendo como ponto de destaque o combate à pornografia infantil. A respeito dos crimes previstos no Estatuto não desconsideram aqueles previstos no Código Penal, ou seja, não há prejuízo de um em função do outro. Neste aspecto, podemos observar o artigo 133 do CP:
Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono.
Nota-se que o ordenamento jurídico já preocupava-se em criminalizar a conduta agressiva e todas as outras formas de violência contra crianças e adolescentes. O Código Penal, por exemplo, criminalizava a conduta acima descrita, com base em combatê-las, bem antes do advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
A pena para o artigo 133 é de detenção, entretanto existem circunstâncias que aumentam a punição. Por exemplo, a pena passa a ser de seis meses a três anos, se resultar lesão corporal de natureza grave. A pena pode chegar a ser de reclusão de um a cinco anos, se resultar morte.
A pena prevista no artigo 133 poderá ainda ser de reclusão de quatro a doze anos se o abandono ocorrer em local ermo, sendo aumentada em um terço se o agente for ascendente, descendente, cônjuge, irmão tutor ou curador.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo acerca da violência infanto-juvenil no âmbito doméstico permite que sejam feitas descobertas acerca do real cenário sociocultural da atualidade, proporcionando maior amplitude quanto à abrangência do conceito de violência.
Infelizmente a violência doméstica ainda é uma realidade presente no dia a dia de inúmeros jovens e crianças e suas consequências são devastadoras. A ausência de um ambiente familiar voltado para um desenvolvimento saudável e estruturado é um fator muitas vezes determinante para o futuro daquele indivíduo.
Assim como toda e qualquer situação, não há como afirmar que em todos os casos de violência doméstica a criança irá apresentar traços de violência e agressividade, porém é hipocrisia alegar que não existe relação entre os traumas sofridos e os traços de personalidade.
É visível a evolução da sociedade quanto à conscientização acerca da importância do menor e suas funções sociais, tanto perante a família quanto à comunidade. Notou-se, então, a partir de uma evolução histórica, a valorização destes indivíduos e a percepção destes como sujeitos de direito, exigindo do Estado a mesma evolução ocorrida na sociedade.
O Estado percebeu então a necessidade de designar direitos e garantias especiais para os menores de 18 anos, com o objetivo de tutelar sua dignidade humana e proporcionar um ambiente cada vez mais voltado a oferecer condições de um crescimento saudável e voltado para o sucesso pessoal, profissional e acadêmico.
O advento do Estatuto da Criança e do Adolescente é um marco na história dos direitos dos menores, entretanto, não ofuscando o brilho desta conquista, é preciso olhar para a atual forma de sua aplicabilidade com um olhar crítico.
Apesar do texto legal propagar uma ideia deveras grandiosa e sedutora quanto à importância do menor para a sociedade, ainda há lacunas legislativas que, enquanto não forem sanadas, estarão abrindo caminhos para situações de barbárie e abandono pelo próprio Estado.
É notável que a sociedade e o poder público estão cada vez mais empenhados em buscar meios de diminuir os casos de violência intrafamiliar. Porém, assim como o avanço legislativo fora fruto de uma evolução social, é preciso que a sociedade altere suas concepções acerca de educação e disciplina, não adotando a violência, em nenhum de seus aspectos, como meio de se atingir um padrão de comportamento.
A velha máxima de “mude, que o mundo muda com você” aplica-se então ao caso concreto, quando torna-se evidente a função de cada cidadão enquanto indivíduo formador de opiniões quanto indivíduo que deve cobrar do Estado a efetividade de suas normas.
REFERÊNCIAS
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[1] Professora no Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo (FASEC). Palmas – TO. Email: [email protected]
[2] Ferreira ABH. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
[3]Violência: pai e madrasta são acusados de espancar criança levada ao HGC. Arquivo digital. Disponível em: https://www.cn1.com.br/imprimir/noticia/3/214/violcencia-pai-e-madrasta-scao-acusados-de-espancar-criancca-levada-ao-hgc.html. Acesso em 14 de março de 2018.
Bacharelanda do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo (FASEC). Palmas - TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Andreia Cristina Gomes. Violência doméstica infantil: porta para a inserção na criminalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51943/violencia-domestica-infantil-porta-para-a-insercao-na-criminalidade. Acesso em: 02 nov 2024.
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