Inicialmente é importante apresentar o conceito legal de cargo público que se encontra no art. 3º da Lei nº. 8.112/90:
Art. 3º Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.
Parágrafo único. Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.
Disto, tem-se que o cargo público e as respectivas atribuições (funções) devem estar previstas em lei. Assim, por estarem as funções previstas em lei deve o administrador observá-las sob pena de desvio de função. Eis o ensinamento José dos Santos Carvalho Filho[1]:
“O cargo, ao ser criado, já pressupõe as funções que lhe são atribuídas. Não pode ser instituído cargo com funções aleatórias ou indefinidas: é a prévia indicação das funções que confere garantia ao servidor e ao Poder Público. Por tal motivo, é ilegítimo o denominado desvio de função, fato habitualmente encontrado nos órgãos administrativos, que consiste no exercício, pelo servidor, de funções relativas a outro cargo, que não o que ocupa efetivamente. Cuida-se de uma corruptela no sistema de cargos e funções que precisa ser coibida, para evitar falsas expectativas do servidor e a instauração de litígios com o escopo de permitir a alteração da titularidade do cargo. Na verdade, o desvio de função não se convalida, a não ser em situações excepcionais autorizadas em lei, mas o servidor deve ser indenizado, quando couber, pelo exercício das funções do outro cargo, e a autoridade administrativa deve ser responsabilizada pela anomalia, inclusive porque retrata improbidade administrativa.”
De outro lado, importa ainda trazer o conceito de remoção, sintetizado por Matheus de Carvalho[2]:
“a remoção é o deslocamento do servidor público dentro do mesmo quadro de pessoal, ou seja, dentro da mesma carreira, com ou sem mudança de sede e de domicílio. Com efeito, trata-se de deslocamento funcional, podendo ocorrer mesmo que não haja deslocamento físico.
A remoção pode ser determinada de ofício, no interesse da Administração Pública ou efetivada mediante pedido do servidor, situações em que será concedida, a critério do poder público, que deve analisar a sua compatibilidade com o interesse da prestação do serviço. Sendo assim, em ambos os casos, deve haver compatibilização do deslocamento com o interesse público.”
Extrai-se, então, que é possível a alteração de lotação de servidores por ato de ofício da Administração Pública devidamente motivado, no interesse desta, salvo nos casos de inamovibilidade constitucionalmente previstos para os magistrados (art. 95, II, da CF), membros do ministério público (art. 128, §5º, I, b, da CF) e membros da Defensoria Pública (art. 134, §1º da CF).
Fixadas estas premissas, importa transcrever o art. 13 da lei nº. 7.498/97, regulamentado pelo art. 11 do Decreto nº 94.406/87, que trazem as atribuições (funções) dos auxiliares de enfermagem:
Lei nº. 7.498/97. Art. 13. O Auxiliar de Enfermagem exerce atividades de nível médio, de natureza repetitiva, envolvendo serviços auxiliares de enfermagem sob supervisão, bem como a participação em nível de execução simples, em processos de tratamento, cabendo-lhe especialmente:
a) observar, reconhecer e descrever sinais e sintomas;
b) executar ações de tratamento simples;
c) prestar cuidados de higiene e conforto ao paciente;
d) participar da equipe de saúde.
Decreto nº 94.406/87. Art. 11. O Auxiliar de Enfermagem executa as atividades auxiliares, de nível médio, atribuídas à equipe de enfermagem, cabendo-lhe:
I - preparar o paciente para consultas, exames e tratamentos;
II - observar, reconhecer e descrever sinais e sintomas, ao nível de sua qualificação;
III - executar tratamentos especificamente prescritos, ou de rotina, além de outras atividades de enfermagem, tais como:
a) ministrar medicamentos por via oral e parenteral;
b) realizar controle hídrico;
c) fazer curativos;
d) aplicar oxigenoterapia, nebulização, enteroclisma, enema e calor ou frio;
e) executar tarefas referentes à conservação e aplicação de vacinas;
f) efetuar o controle de pacientes e de comunicantes em doenças transmissíveis;
g) realizar testes e proceder à sua leitura, para subsídio de diagnóstico;
h) colher material para exames laboratoriais;
i) prestar cuidados de enfermagem pré e pós-operatórios;
j) circular em sala de cirurgia e, se necessário, instrumentar;
l) executar atividades de desinfecção e esterilização;
IV - prestar cuidados de higiene e conforto ao paciente e zelar por sua segurança, inclusive:
a) alimentá-lo ou auxiliá-lo a alimentar-se;
b) zelar pela limpeza e ordem do material, de equipamentos e de dependências de unidades de saúde;
V - integrar a equipe de saúde;
VI - participar de atividades de educação em saúde, inclusive:
a) orientar os pacientes na pós-consulta, quanto ao cumprimento das prescrições de enfermagem e médicas;
b) auxiliar o Enfermeiro e o Técnico de Enfermagem na execução dos programas de educação para a saúde;
VII - executar os trabalhos de rotina vinculados à alta de pacientes;
VIII - participar dos procedimentos pós-morte.
Assim, todos as atividades previstas no art. 11 do Decreto nº 94.406/87 compõem o nicho de atribuições dos(as) auxiliares de enfermagem, não havendo que se falar em desvio de função no caso de deslocamento de auxiliar de enfermagem de determinado departamento hospitalar para outro que cumpra função diversa.
Se não bastasse, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que há possibilidade de alteração das atribuições do cargo pela Administração Pública quando não houver maior complexidade na nova função e que esta seja de nível de escolaridade compatível com a anterior. Veja-se:
ADMINISTRATIVO - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS - TELEFONISTAS DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - ALTERAÇÕES DE ATRIBUIÇÕES (RESOLUÇÃO Nº 467/96 E 368/89) - AUMENTO DE CARGA HORÁRIA DE 30 PARA 36 HORAS SEMANAIS - PREVISÃO EDITALÍCIA - INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO - ART. 227 DO CLT NÃO APLICÁVEL AO CASO - FUNCIONÁRIO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA VISUAL - AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA - RESGUARDADAS AS VIAS ORDINÁRIAS.
1 - Prevendo o edital do Concurso para o cargo de Telefonista a possibilidade de outras atribuições ("executar atividades correlatas" - item 2.1), desde que condizentes com aquelas exercidas pelo servidor, não há violação da Administração em alterá-las, se observados os limites legais. Somente haveria ilegalidade, a ensejar o presente remédio heróico, se as funções atualmente cobradas dos servidores públicos, ora recorrentes, se afastassem do nível de escolaridade previsto, tivessem maior complexidade ou, ainda, esbarrassem em portadores de limitações orgânicas. As mudanças nas tarefas empreendidas num nível de razoabilidade, obedecendo determinados critérios exigidos para o cargo, não respalda o pedido de afronta a direito líquido e certo, constitucionalmente assegurado, apenas porque sempre se exerceu determinadas funções e estas não podem ser modificadas.
2 - Se o servidor é contratado para trabalhar 36 (trinta e seis) horas semanais, consoante previsão contida no edital do certame, não pode aduzir direito adquirido a somente trabalhar 30 (trinta) horas porque assim vem fazendo desde a posse no cargo. Inexistência de direito adquirido. Inaplicabilidade do art. 227 da CLT, posto que não incide sobre os servidores públicos norma que se dirige às empresas que exploram serviço de telefonia.
3 - Havendo notícia de telefonista portador de deficiência visual e não estando a prova pré-constituída nos autos, não há como ampará-lo através da presente via mandamental, assegurado ao mesmo, todavia, as vias ordinárias para persecução do seu direito.
4 - Recurso conhecido, porém, desprovido, com a ressalva supramencionada.
(RMS 9.590/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2000, DJ 13/11/2000, p. 150)
Por estas razões, é possível a alteração da lotação e/ou função de auxiliar de enfermagem estatutária, para desempenho de qualquer das atividades previstas no art. 11 do Decreto nº 94.406/87.
[1]In Manual de Direito Administrativo. 27ª Ed. Atlas. 2014. pag 616.
[2]In Manual de Direito Administrativo. 4ª ed. Editora Juspodivm. 2017. pag 848.
Juiz Substituto do TJCE. Bacharel em Direito pela FACID e Especialista em Direito Processual pela UESPI.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Frederico Costa. Da (im)possíbilidade de alteração de lotação e/ou função de auxiliar de enfermagem estatutário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51962/da-im-possibilidade-de-alteracao-de-lotacao-e-ou-funcao-de-auxiliar-de-enfermagem-estatutario. Acesso em: 24 dez 2024.
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