RESUMO: Este estudo se propõe a analisar a presença do peculato de uso na administração pública municipal, bem como suas causas e consequências. É um fenômeno que se diferencia do crime de Peculato (Artigo 312 do Código Penal) por algumas sutilezas a serem apesentadas, assim como as consequências da incorrência deste instituto, principalmente no que se refere à Lei n.º 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), e as possíveis consequências ao modelo de gestão pública, bem como seus respectivos princípios. Esta investigação mostra-se relevante à medida que com a evolução da transparência e participação da população na Administração Pública, a sociedade exige reposta a esses fenômenos que podem acontecer e trazer prejuízo ao erário do município e, consequentemente, ao cotidiano das pessoas.
Palavras-Chave: Administração Pública. Improbidade. Peculato de Uso.
ABSTRACT: This study aims to analyze the presence of embezzlement in municipal public administration, as well as its causes and consequences. It is a phenomenon that differs from the crime of Peculato (Article 312 of the Criminal Code) for some subtleties to be filed, as well as the consequences of this institute, especially regarding Law No. 8.429 / 92 (Law of Improbity Administrative), and the possible consequences to the public management model, as well as their respective principles. This research proves to be relevant as with the evolution of the transparency and participation of the population in the Public Administration, society demands a response to these phenomena that can happen and bring harm to the public treasury of the municipality and, consequently, to the daily life of the people.
Keywords: Improbity. Misuse of Use. Public Administration.
INTRODUÇÃO
Diante do aprimoramento e evolução dos modelos de gestão e a evolução da humanidade na formação cidadã, econômica, política e social, novos estudos com o objetivo de compreender melhor os fenômenos de gestão fazem-se necessários, e na gestão do setor público acompanha este pensamento.
Este estudo se propõe a investigar a presença do peculato de uso na administração pública municipal, bem como as causas e consequências deste instituto.
Já que é pacífico que a administração pública pressupõe a existência do Estado, e, portanto, da submissão às regras jurídicas. “Os princípios jurídicos representam os valores materiais eleitos pela própria sociedade como justiça” (MADEIRA, 2010, p. 1).
Os pilares fundamentais da administração pública brasileira tem entre eles o princípio da legalidade, proposto no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, fazendo com que o campo de atuação do gestor público restrinja-se aos mandamentos da lei.
De acordo com Meirelles et al. (2010), a Administração Pública, em virtude da forma de estado institucionalizada no Brasil, propõe autonomia administrativa aos entes da federação, ou seja, à união, aos estados, aos municípios e aos territórios, cada um de uma forma específica. Nos Municípios a administração fica a cargo do da Prefeitura Municipal, na figura do Prefeito, e da Câmara Municipal, na figura dos Vereadores.
O crime de peculato, que se trata basicamente de apropriação ou desvio de valores em favor próprio ou de terceiro, por agente público, como é previsto no artigo 312 do Código Penal, apresenta uma nuance curiosa que é a figura do Peculato de Uso.
Esta é a expressão usada quando, de acordo com Delmanto et al. (2011), o funcionário público faz uso indevido da coisa pública, sem que tenha e apropriado, mas que acontece em razão da função que exerce.
A hipótese de agentes públicos de uma prefeitura municipal desviarem a finalidade de certos bens públicos a satisfazer interesses particulares próprios ou de outrem, como, por exemplo, utilização de máquinas, carros, ambulâncias, ferramentas, equipamentos, e outros bens infungíveis, sem a intenção de se apropriar definitivamente, caracteriza o ponto central desse estudo, que é o instituto do peculato de uso.
O fato de o peculato de uso não ser considerado crime, não quer dizer que o direito ficou silente à manifestação deste instituto, que se mostra atentatório a vários princípios da administração pública, entre eles, a supremacia do interesse público e a moralidade.
De maneira direta, a legislação tem papel importante nessa pesquisa, pois, quando se trata de administração pública, pressupõe, antes de tudo, o princípio da legalidade com norteador das ações dos agentes públicos, ratificado por Di Pietro (2014), que a legalidade é o elemento que traz limites à atuação da administração pública, isto é, “a administração pública só pode fazer o que a lei permite” (DI PIETRO, 2014, p. 65).
Diferente da gestão empresarial onde a abrangência e liberdade de ação faz com que pudera realizar qualquer atividade econômica, desde que não seja proibida, onde uma das nuances fica evidente no artigo 170, § único da Constituição Federal de 1988.
E, a partir desses pressupostos, e a hipótese de dúvida que pode surgir em onde estaria enquadrado o instituto do Peculato de Uso, e suas consequências jurídicas na Gestão Pública, fica clara a motivação dessa pesquisa, e tal pesquisa mostra viabilidade de execução, vez que o método utilizado é disponível e tem acesso público.
Justifica-se, também, pelo fato de que com a evolução da transparência e participação da população na Administração Pública, a sociedade exige reposta mais concretas e comprovadas a esses fenômenos que podem acontecer e trazer prejuízo ao erário do município e, consequentemente, ao cotidiano das pessoas administradas.
METODOLOGIA
Em proposta a atingir os objetivos desta pesquisa, a metodologia utilizada consiste na abordagem qualitativa, com a utilização do método dedutivo, que, segundo o qual, Marconi & Lakatos (2010), entendem como o método em que a conclusão pretende analisar e explicar o conteúdo das premissas já estabelecidas no estudo.
Fez-se necessário realizar revisão bibliográfica profunda do material já tornado público tanto no campo da Administração Pública, no Direito Administrativo, na Eficiência de Gestão, como por exemplo, principalmente, utilização de livros, artigos científicos, periódicos, legislação pertinente aos temas, a Constituição Federal, e sites oficiais.
A fase exploratória da pesquisa é essencial pois, segundo Henriques & Medeiros (2014) traz critérios, métodos e técnicas para confecção de estudo e investigações objetivas, a fim de oferecer informações sobre o objeto da pesquisa e orientar a formulação de hipóteses.
Para tanto, “pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições” (GIL, 2007, p. 41).
A pesquisa seguiu a seguinte ordem:
a) Fase exploratória: leitura abrangente de todo o material bibliográfico;
b) Fase seletiva: apontamentos e seleção de material pertinente;
c) Realização de Citações de acordo com a conveniência e necessidade da pesquisa;
d) Realização de sistematização do material e extração das premissas a serem discutidas;
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
De antemão, abre-se espaço a elucidar os conceitos primordiais neste estudo então Madeira (2010) acompanha a doutrina majoritária em propor que a administração pública pressupõe a existência do Estado, e, portanto, da submissão às regras jurídicas. “Os princípios jurídicos representam os valores materiais eleitos pela própria sociedade como justiça” (MADEIRA, 2010, p. 1).
E este dito Estado Democrático de Direito, tem como regra fundamental, a obediência ao regime constitucional, e de acordo com Maia (2014), este Estado se estabelece com força normativa de uma Constituição promulgada, e com atribuições específicas nela dispostas.
Destarte, a premissa de que a administração pública está submetida ao princípio da legalidade, proposto no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, cabe lembrar que o campo de atuação do gestor público torna-se restrito aos mandamentos da lei
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] (BRASIL, 1988).
Lara (2017) corrobora com o exposto, neste sentido, ao propor que “o êxito do dever de fazer dos atos da Administração Pública, de tal modo que evite os excessos e abusos, para que não ocorra ilegalidade dos referidos atos” (LARA, 2017, p. 2).
Já Carmona (2012) diz que no campo do direito administrativo contemporâneo, o gestor público, esteja onde estiver, está obrigado a fazer tudo o que a lei permite fazer.
Madeira (2010), ratifica que a Legalidade, como sendo um princípio constitucional norteador da gestão pública, não se pode afastar da noção de bem comum ou bem coletivo, e a ele está adstrita, “não podendo, por exemplo, conceder benefícios e vantagens aos servidores senão na forma prevista em lei” (MADEIRA, 2010, p. 10).
Assim sendo, verifica-se a incidência direta de outro princípio da administração pública, que é a supremacia do interesse público, onde Mello (2010) tem como a relação vertical entre o interesse público e o interesse privado, isto é, a administração pública, uma vez investida fictamente nos interesses coletivos do povo, pode propor atos unilaterais de sua parte, visando este propósito, e estes atos, estariam supremos ante aos atos da vida privada e aos interesses das pessoas particulares.
Neste sentido, “a administração pública corresponde à face do Estado (Estado-Administração) que atua no desempenho da função administrativa, objetivando tender concretamente os interesses coletivos” (CUNHA JÚNIOR, 2014, p. 25).
De acordo com Meirelles et al. (2010), a Administração Pública, em virtude da forma de estado no Brasil, propõe autonomia administrativa aos entes da federação, ou seja, à união, aos estados, aos municípios e aos territórios, cada um de uma forma.
Meirelles et al. (2010), ainda diz que o Município brasileiro, como entidade estatal integrante da República Federativa do Brasil, realiza suas atividades administrativas por meio da prefeitura municipal (poder executivo), e a Câmara Municipal (poder legislativo).
A gestão pública no âmbito municipal é dirigida pelo Prefeito, “que comanda, supervisiona e coordena os serviços de peculiar interesse do Município, auxiliado por secretários municipais ou diretores de departamento” (MEIRELLES et al., 2010, p. 814).
De acordo com Mello (2010), todos aqueles que servem e agem em nome do poder público, como instrumento expressivo, mesmo que transitoriamente, e independente do regime da relação, é considerado Agente Público. O que não se pode tratar como sinônimo de servidor público, pois este seria uma ramificação daquele.
Quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. Por isto, a noção abarca tanto o Chefe do Poder Executivo (em quaisquer das esferas), como senadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da Administração Direta dos três poderes, os servidores das autarquias, das fundações governamentais, das empresas públicas e sociedades de economia mista nas distintas órbitas do governo, o concessionários e permissionários de serviço público, os delegados de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação civil de serviços e os gestores de negócios públicos (MELLO, 2010, p. 245).
O artigo 327 do Código Penal Brasileiro consolida esta reflexão quanto mostra positivado que “considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública” (BRASIL, 1940).
O PECULATO
No Código Penal Brasileiro, os crimes contra a Administração Pública são divididos em três esferas, assim sejam: crimes praticados pelos seus próprios integrantes (funcionários), crimes praticados por particular contra a Administração Pública, e crimes contra a Administração da Justiça.
O crime denominado Peculato, por sua vez, enquadra-se na primeira hipótese, pois, de acordo com Bitencourt (2014), afinal, é praticado por agente público e, sobretudo, em razão da função que exerce.
O crime de Peculato está tipificado no artigo 312 do Código Penal Brasileiro, com a seguinte conduta típica: “apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”, atribuindo a este crime a pena de reclusão de dois a doze anos de reclusão, e multa. (BRASIL, 1940).
Neste momento, não cabe a esta investigação aprofundar nos detalhes do cumprimento da pena, tampouco noutros aspectos jurídicos que fogem ao escopo da pesquisa. Mas, sim, consolidar a premissa de que estes crimes podem acontecer em qualquer âmbito da administração pública, inclusive na seara municipal.
Também incluído nos chamados, pela doutrina, de Crimes Funcionais, Bitencourt (2014) afirma que além de crimes dispostos no Código Penal, estes atos também são, automaticamente, ilícitos administrativos, isto é, que apresentam antijuridicidade nas leis administrativas.
Observa-se que “o ilícito administrativo é um minus em relação ao ilícito penal, resultando que a única diferença entre ambos reside na gravidade” (BITENCOURT, 2014, p. 37).
Os chamados delitos funcionais pertencem à categoria dos crimes próprios, que só podem ser praticados por determinada classe de pessoas em face de a norma incriminadora exigir uma condição ou situação particular. São os que só podem ser cometidos por pessoas que exercem funções públicas (JESUS, 2009, p. 116).
Pela literalidade do artigo 312 do Código Penal, fica claro que é o bem jurídico tutelado, a própria administração pública e o seu erário, onde o sujeito passivo é a Administração, e o sujeito ativo o agente público que pratica o verbo tipificado no dispositivo.
O CARÁTER ATÍPICO DO PECULATO DE USO
Esta é a expressão usada quando, de acordo com Delmanto et al. (2011), o funcionário público faz uso indevido da coisa pública, sem que tenha e apropriado, mas que acontece em razão da função que exerce.
E para tanto, Nucci (2015) demonstra sua preocupação, quando permite considerar que a Legislação brasileira embora não o tenha configurado tipo penal, teve o cuidado de enquadrar este ilícito administrativo noutro dispositivo que o proíba.
Fica explícito que o Código Penal de 1940 não abrigou a figura do peculato de uso, e esta conduta, desde que não constituísse outro crime tipificado, deveria, de acordo com Costa (2010) a conduta ser vislumbrada diante da Lei de Improbidade Administrativa.
Acontece que esta conduta, embora seja denominada, vulgarmente, um tipo de peculato, não se enquadra no verbo tipificado no artigo 312 do Código Penal. Portanto, não se verifica crime, na hipótese citada. “Costuma-se exigir dois requisitos: 1. Que o agente tenha a intenção de restituir a coisa; 2. Que a coisa seja infungível [...]” (DELMANTO et al, 2011, p. 891).
Tanto que Costa (2012) propõe que o peculato de uso só poderia ser reconhecido quando a coisa fosse infungível, pelo fato de, no caso de dinheiro público, ainda que fosse possível a restituição, estaria configurada a modalidade de peculato-desvio, disposta no artigo 312 do Código Penal
Assim, Delmanto et al. (2011) vislumbra a ideia de que qualquer bem público que por decisão de agente público esteja sendo utilizado em outro destino que não seja o de interesse público, não pode ser enquadrado no artigo 312 do Código Penal como crime, mas apenas um ilícito administrativo.
AS IMPLICAÇÕES DA LEI N.º 8.429/92 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA)
Antes de tratar do texto da Lei, é necessário pontuar que a moralidade e a probidade, no prisma de Di Pietro (2014), são expressões que, na administração pública, soam ambas com significado de honestidade. O que faz elucidar que improbidade administrativa seriam atos desonestos para com a administração pública.
A Lei 8.429/92 trata de elencar de forma exemplificativa e atribuir sanções aos atos de improbidade administrativa, e os classifica de acordo a gravidade: Os atos que acarretam enriquecimento ilícito, os que causam prejuízo ao erário, e os que atentam contra os princípios da administração pública.
A palavra improbidade significa a falta de probidade, ou seja, a inobservância dos deveres, da justiça, da honradez. A improbidade administrativa é a denominação técnica para a corrupção administrativa. Todo ato cometido por um administrador público avesso à lei e à moral; que infrinja os deveres de imparcialidade, honestidade e lealdade, ou seja, o dever de probidade está profundamente ligado ao comportamento do administrador público como elemento fundamental à validade de seus atos (CARMONA, 2012, p. 8).
Portanto, o fato de o peculato de uso não ser considerado crime, não quer dizer que o direito ficou silente à manifestação deste instituto, que se mostra atentatório a vários princípios da administração pública, entre eles, a supremacia do interesse público e a moralidade.
Diante disso, a Lei n.º 8.429/92, chamada de Lei de Improbidade Administrativa elenca as formas de peculato de uso em alguns tópicos. Entre eles, nos ato que acarretam enriquecimento ilícito (artigo 9º).
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, 1equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; [...] XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.
Di Pietro (2014) ressalta que o rol de atos de improbidade listados nesta Lei não é taxativo, mas sim exemplificativo, podendo surgir novas formas de atos de improbidade administrativa que aí não estejam listados, mas que venham a ser de mesmo gênero e mereçam a mesma apreciação da Lei.
Além disso, Cunha Junior (2014) assevera que o sujeito ativo dos atos de improbidade administrativa vão além dos agentes públicos, mas, também, “terceiros que, mesmo não sendo agentes públicos, induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma direta ou indireta” (CUNHA JUNIOR, 2014, p. 559).
As sanções para quem comete os atos de improbidade administrativa equivalentes ao peculato de uso estão dispostas no artigo 12 deste mesmo diploma legal.
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
Assim, o receio de que aqueles indivíduos que praticassem o peculato de uso não tivessem sanções se esvai na Lei de Improbidade Administrativa, onde, embora não seja com reclusão ou detenção, mas se verifica sanções na seara civil e administrativa.
Nesse contexto, salienta-se que de acordo com o artigo 20 desta Lei, “A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória” (BRASIL, 1992).
Fato este que faz vislumbrar quanto tempo discorreria até que um processo desta magnitude chegasse ao trânsito em julgado. No entanto, como não é este o objeto desta investigação, por ora, não cabe aprofundar.
IMPLICAÇÕES NA GESTÃO
xistem princípios que são exclusivos da administração pública, e outros que são, também, bases da administração empresarial, como são os casos da eficiência, impessoalidade, hierarquia, etc.
Maximiano (2000) verifica o princípio da impessoalidade como preponderante pressuposto da eficiência da gestão das organizações. E considerando que na gestão pública onde o campo de atuação é muito mais limitado, a não observação do princípio da impessoalidade pode gerar efeitos mais danosos ainda que na administração empresarial.
A escola de Administração Científica, protagonizada por Taylor, de acordo com Chiavenato (2007), em seus princípios fundamentais tinha o de “selecionar cientificamente os trabalhadores de acordo com as tarefas que lhe serão atribuídas” (CHIAVENATO, 2007, p. 96).
Uma visível evidência do princípio da impessoalidade na divisão de funções de acordo com as aptidões. Na visão de Chiavenato (2007), a falta de impessoalidade gera problemas na hierarquia e possivelmente na eficiência das atividades.
O peculato de uso, por sua vez, evidencia, além de descumprimento do princípio da supremacia do interesse público, mas mostra contrariedade, também, aos princípios da impessoalidade, quando beneficia uns em detrimento do coletivo, e, consequentemente, na eficiência da gestão do município onde é verificado esse fenômeno.
Nesta fase, Lara (2017) entende como sendo interesse público, quando o gestor público se orienta por critérios objetivos, “sendo que toda a atividade da Administração Pública deve ser praticada tendo uma finalidade pública, ficando o agente público impedido de considerar interesses pessoais ou de terceiros” (LARA, 2017, p. 4).
RESULTADO E DISCUSSÕES
É de se considerar preliminarmente que os princípios jurídicos representam os valores materiais eleitos pela própria sociedade como justiça, e que estes são pilares fundamentais da Administração Pública Contemporânea (MADEIRA, 2010). Assim, também tem preceituado o artigo 37 da Constituição Federal, colocando entre outros, o princípio da legalidade como fundamento primordial da gestão pública.
Madeira (2010) ainda ratifica que a Legalidade, como princípio constitucional norteador da gestão pública, não se pode afastar da noção de bem comum ou bem coletivo, e a ele está adstrita, sem que possa oferecer benefícios ou vantagens a servidores sem qualquer critério de impessoalidade, e sem estar previsto em dispositivo legal.
Meirelles et al. (2010), propõe que os entes da federação tenham autonomia resguardada pela Constituição, e que unidades administrativas sejam atribuídas à União, Estados, Municípios e o Distrito Federal. Sendo que no Município quem exerce a Gestão Pública é a Prefeitura Municipal, na figura do Prefeito, e da Câmara Municipal, na figura dos Vereadores, correspondendo aos poderes executivo e legislativo, respectivamente.
Neste contexto, o Peculato (art. 312 CP) surge como o ato de apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio.
Então surge a dúvida se estaria aí enquadrado o agente eu utiliza ou dar destino de utilização alheia ao interesse público, sem o interesse de que seja definitivo. Delmanto (2011) ainda diz que esta é a expressão usada quando o funcionário público faz uso indevido da coisa pública, sem que tenha e apropriado, mas que acontece em razão da função que exerce.
Foi verificado que esta conduta, embora seja denominada, vulgarmente, um tipo de peculato, não se enquadra no verbo tipificado no artigo 312 do Código Penal. Portanto, não é crime. Contudo, o fato de essa conduta não ser considerada criminosa, não quer dizer que seja uma conduta permitida. Demonstra que ofende alguns princípios da administração pública, como a moralidade, supremacia do interesse público, e é considerado ilícito administrativo.
Verificou-se que a conduta do Peculato de Uso é compatível com as condutas discriminadas no artigo 9º, Incisos IV e XII da Lei de Improbidade Administrativa, e que, portanto, deveria incorrer naquelas sanções, entre elas a perda de bens ou valores acrescidos ao patrimônio, ressarcimento do dano, perda da função pública, suspensão de direitos políticos, multa civil, proibição de contratar com o serviço público, receber benefícios fiscais ou outras subvenções.
É importante ressaltar que ao ser verificada postura atentatória aos princípios fundamentais da impessoalidade, supremacia do interesse público e legalidade, é que Chiavenato (2007) pontua que estas são situações que impactam diretamente na eficiência da gestão de qualquer organização, uma vez que vários desses princípios não são exclusivos da gestão pública, como a impessoalidade, hierarquia etc.
É evidente que peculato de uso além de descumprimento do princípio da supremacia do interesse público, mas mostra contrariedade, também, aos princípios da impessoalidade, quando beneficia uns em detrimento do coletivo, e, consequentemente, na eficiência da gestão do município, onde é verificada esta situação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa se propôs a investigar a presença do peculato de uso na administração pública municipal, bem como as causas e consequências deste instituto.
Extraiu-se que a Administração Pública Municipal compreende a Prefeitura e a Câmara de Vereadores, e que os agentes públicos municipais, todas aquelas pessoas engajadas em atividade pública, mesmo que de forma transitória, independentemente do regime.
Diante da possibilidade de estes indivíduos de alguma forma vierem a utilizar bens públicos com finalidades alheias ao interesse público, percebe aí, além do descumprimento de alguns princípios da administração, o enquadramento no artigo 9º, Incisos IV ou XII da Lei n.º 8.429/92, em que doutrinariamente é chamado de Peculato de Uso.
O Peculato de Uso é assim chamado, pois é uma destinação do bem público para fins particulares, mas sem a intenção de que seja perpétua, e também, que se trate de um bem infungível.
É uma conduta atípica, isto é, não considerada crime pelo Código Penal, mas que o agente incorreria nas sanções do artigo 12, inciso I da Lei n.º 8.429/92, sanções estas na seara administrativa que teriam efeitos na vida civil e política do agente, como a suspensão temporária dos direitos políticos, perda da função pública, perda de bens acrescidos ao patrimônio, ressarcimento de dado, multas, etc.
Ademais, a presença deste fenômeno na administração municipal, que pode se abstrair, por exemplo, na utilização e ônibus, carros, máquinas ou equipamentos para beneficiar particulares, sem utilização de critério de impessoalidade, atinge diretamente além deste, o princípio da supremacia do interesse público, e, portanto, da eficiência da gestão deste ente federativo, considerando que estas atividades não entram em orçamento e, ao serem executadas, prejudicam atividades que estavam no orçamento e não são executadas.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: Parte Especial 5 – Dos Crimes Contra a Administração Pública e dos Crimes Praticados por Prefeitos. 8º edição. São Paulo: Saraiva, 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Portal do Planalto, Brasília, 2018. Disponível em: . Acesso em 18 jan. 2018.
BRASIL. Decreto Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Portal do Planalto, Rio de Janeiro, 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 28 dez. 2017.
BRASIL. Decreto Lei nº 201 de 27 de fevereiro de 1967. Portal do Planalto, 1967. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2018.
BRASIL. Lei nº 8.429 de 02 de junho de 1992 – Lei de Improbidade Administrativa. Portal do Planalto, 1992. Disponível em: . Acesso em: 28 dez. 2017.
CAMPOS, M. B. L B.; CAMPOS, W. A. F. L.; COSTA, R. A. Q. Administração Pública Municipal. Belo Horizonte: Editora Líder, 2009.
CARMONA, G. L. P. A (In)aplicabilidade do Princípio da Insignificância aos Atos de Improbidade Administrativa. Revista Âmbito Jurídico, Rio Grande, Ano XV, n.º 102, jul. 2012. Disponível em: . Acesso em: 09 fev. 2018.
CHIAVENATO, I. Teoria Geral da Administração. Abordagens Prescritivas e Normativas. 7ª edição. São Paulo: Manole, 2007.
COSTA, A. M. Criminalidade na Administração Pública: Peculato, Corrupção, Tráfico de Influência e Exploração de Prestígio. Revista da EMERJ, volume 13, n.º 52, Nov. 2010. Disponível em: . Acesso em: 09 fev. 2018.
CUNHA JÚNIOR, D. Curso de Direito Administrativo. 13ª edição. Salvador: JusPodivm, 2014.
DELMANTO, C.; DELMANTO, R.; DELMANTO JUNIOR, R.; DELMANTO, F. M. A. Código Penal Comentado. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.
DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.
FRAGA, J. F. B. Princípios Aplicados à Administração Pública. Conteúdo Jurídico. Brasília – DF, 20 jul. 2017, Ano IX, n.º 811, p. 158-164. Disponível em: . Acesso em: 09 fev. 2018.
GIL, A. C. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2007.
HENRIQUES, A.; MEDEIROS, J. B. Monografia no Curso de Direito: Como Elaborar o Trabalho de Conclusão de Curso, 8.ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.
JESUS, D. E. Direito Penal – Parte Especial – Vol. 4. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
LARA, F. A. A Importância de Serem Respeitados os Princípios Explícitos da Administração Pública na Constituição Federal. Revista Âmbito Jurídico. Rio Grande, Ano XX, n.º 166, 01 nov. 2017. Disponível em: . Acesso em: 09 fev. 2018.
MADEIRA, J. M. P. Administração Pública. Tomo I, 11ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier 2010.
MAIA, T. M. C. A Administração Pública Consensual e a Democratização da Atividade Administrativa. Revista Jurídica UNIGRAN, Dourados-MS, Volume 16, n.º 31, jan./jul. 2014. Disponível em: . Acesso em: 09 fev. 2017.
MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos de Metodologia Científica. 7ª edição. São Paulo: Atlas, 2010.
MARQUES, M. Administração Pública: Uma abordagem prática. Rio de Janeiro: Editora Ferreira, 2010.
MAXIMIANO, A. C. A. Introdução à Administração. 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2000.
MEIRELLES, H. L.; AZEVEDO, E. A. A.; ALEIXO, D. B.; BURLE FILHO, J. E. Direito Administrativo Brasileiro. 36ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
MELLO, C. A. B. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
NUCCI, G. S. Manual de Direito Penal. 11ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015.
RABESCHINI, A. G. Crimes Contra a Administração Pública Cometidos por Agentes Públicos. Conteúdo Jurídico. Brasília – DF, 31 de outubro de 2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.50471&seo=1>. Acesso em: 09 jan. 2018.
RORIZ, R. M. O Direito Administrativo e os Modelos de Administração Pública. Conteúdo Jurídico. Brasília – DF, 26 abr. 2014, Ano VI, n.º 295. Disponível em: . Acesso em: 09 fev. 2018.
SARAIVA, I. N. O Princípio da Eficiência como Postulado da Administração Pública Gerencial. Conteúdo Jurídico. Brasília – DF, 23 de maio de 2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.48216&seo=1>. Acesso em: 09 jan. 2018.
VERDAN, T. L. O Princípio da Moralidade na Administração Pública: Flâmula norteadora da atuação estatal. Conteúdo Jurídico. Brasília – DF, 11 abr. 2013. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42822&seo=1>. Acesso em: 09 jan. 2018.
Especialista em Comércio Exterior, Professor, Administrador, e Graduando em Direito pela Faculdade Guanambi - CESG/FG, Guanambi - BA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Irving Rahy de Castro. Administração Pública Municipal e incidência de peculato de uso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jul 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52035/administracao-publica-municipal-e-incidencia-de-peculato-de-uso. Acesso em: 01 nov 2024.
Por: EMILY PANISSE MENEGASSO
Por: Valdeir Britto Bispo
Por: Paula Caroline Serafim Maria
Por: ALESSANDRO BERNARDO DOS SANTOS
Precisa estar logado para fazer comentários.