Resumo: A medida de segurança constitui uma espécie de sanção penal imposta pelo Estado. Sendo o Brasil um Estado Constitucional Democrático de Direito, devem ser observadas na aplicação da medida de segurança as mesmas garantias e princípios constitucionais que fundamentam a aplicação da sanção pena. O princípio da proporcionalidade busca corresponder a pena ao delito praticado, no caso concreto. Esta não deve ser tão branda que estimule a vingança privada, nem tão severa que ultrapasse o limite da culpabilidade do agente pelo fato. O presente artigo tem por objetivo analisar o instituto da medida de segurança sob o aspecto do estado democrático de direito. Realizando a revisão bibliográfica sobre o tema e aprofundando o estudo sobre a importância desse instituto à sociedade e ao sujeito a quem é imposta a medida. O método utilizado será o hipotético-indutivo, baseando-se na construção doutrinária, jurisprudencial e normativa, sendo analisado o instituto em face do princípio constitucional de liberdade. Para o desenvolvimento da análise serão utilizadas técnicas de pesquisa bibliográfica.
Palavras-chaves: Medida de Segurança. Limite temporal. Princípio da legalidade
Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1. Princípio constitucional da medida de segurança; 2.2. Princípio da legalidade; 3. Conclusão; 4. Referências
1. INTRODUÇÃO
A medida de segurança é uma providência do Estado, fundamentada no jus puniendi, imposta ao agente inimputável ou semi-imputável que pratica um fato típico e ilícito, com base no grau de periculosidade do mesmo.
Medida de segurança é toda a reação criminal, detentiva ou não detentiva, que se liga à prática, pelo agente, de um fato ilícito típico, tem como pressuposto e princípio de medida a sua periculosidade e visa finalidades de defesa social ligadas à prevenção especial, seja sob a forma de segurança, seja sob a forma de ressocialização.
2. Desenvolvimento
A finalidade da medida de segurança seria a adequada reintegração social de um indivíduo considerado perigoso para a própria sociedade. O Código Penal Brasileiro de 1940 instituiu e sistematizou a aplicação da medida de segurança. No seu início, foi adotado o sistema duplo binário (pena + medida de segurança), onde a medida de segurança poderia ser aplicada em concomitância com a pena. Comenta a respeito Eduardo Reale Ferrari:
Divididas em detentivas ou não detentivas, as medidas de segurança classificavam-se como pessoais, conforme a gravidade do crime, bem como a periculosidade do agente, admitindo-se, outrossim, medidas de natureza patrimoniais, das quais exemplos constituíram o confisco, a interdição de estabelecimento e a interdição de sede de sociedade ou associação (art. 100). (FERRARI.2001,p.35)
Tratava-se, assim, de uma resposta penal justificada pela periculosidade social, punindo o indivíduo não pelo que ele fez, mas pelo que ele era.
Em 1969, por meio do Decreto-lei 1.004, o anteprojeto criminal inicial de Nelson Hungria foi convertido em lei penal. O Código de 1969 classificou as medidas de segurança em detentivas e não detentivas, acrescentando a estas últimas a interdição do exercício da profissão e a cassação de licença para direção de veículos motorizados (art. 87).
No entanto, o mais importante deste Código foi a adoção do sistema vicariante com respeito à aplicação da medida de segurança, proibindo-se a cumulação das sanções detentivas (pena + medida de segurança). Se, na análise do caso concreto, restasse comprovada a imputabilidade do agente, aplicar-se-ia a pena, como sanção. Caso o mesmo fosse considerado absolutamente inimputável, seria aplicada a medida de segurança. Configurado semi-imputável, o juiz optaria entre a aplicação da pena ou da medida de segurança, de acordo com o caso. Portanto, enquanto o fundamento para a aplicação da pena é a culpabilidade, a medida de segurança encontra embasamento na periculosidade aliada à inimputabilidade (ou semi-imputabilidade) do indivíduo.
Quatro são as diferenças principais entre a pena e a medida de segurança:
a) As penas têm caráter retributivo-preventivo; as medidas de segurança têm natureza eminentemente preventiva.
b) O fundamento da aplicação da pena é a culpabilidade; a medida de segurança fundamenta-se exclusivamente na periculosidade.
c) As penas são determinadas; as medidas de segurança são por tempo indeterminado. Só findam quando cessar a periculosidade do agente.
d) As penas são aplicáveis aos imputáveis e semi-imputáveis; as medidas de segurança são aplicadas aos inimputáveis e, excepcionalmente, aos semi-imputáveis, quando estes necessitarem de especial tratamento curativo.
2.1. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MEDIDA DE SEGURANÇA
A medida de segurança constitui uma espécie de sanção penal imposta pelo Estado. Sendo o Brasil um Estado Constitucional Democrático de Direito, devem ser observadas na aplicação da medida de segurança as mesmas garantias e princípios constitucionais que fundamentam a aplicação da sanção pena. A esse respeito preceitua Cezar Roberto Bittencourt:
A medida de segurança e a pena privativa de liberdade constituem duas formas semelhantes de controle social e, substancialmente, não apresentam diferenças dignas de nota. Consubstanciam formas de invasão da liberdade do indivíduo pelo Estado, e, por isso, todos os princípios fundamentais e constitucionais aplicáveis à pena regem também as medidas de segurança. (BITENCOURT.2003,p.681)
Eduardo Reale Ferrari, citando Luiz Flávio Gomes, estabelece:
Luiz Flávio Gomes afirma que penas e medidas de segurança criminais constituem formas de controle social, devendo ambas ser obviamente limitadas e regulamentadas. Constituem formas de invasão do Poder Estatal na liberdade do homem, sendo que todos os instrumentos garantidores inseridos na Constituição Federal de 1988 valem automaticamente para o inimputável e para o semi-imputável sujeito a tratamento, não podendo o operador do direito renunciar à análise dos princípios constitucionais norteadores a qualquer espécie de sanção penal. (GOMES apud FERRARI. 2001,p.91)
2.2. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O princípio da legalidade, considerado o mais importante para o direito penal, no ordenamento jurídico brasileiro encontra-se inscrito no art. 2° do Código Penal e art. 5º, inc. XXXIX da CF/88. Explica a respeito Eduardo Reale Ferrari:
O princípio da legalidade consiste numa rígida limitação ao jus puniendi estatal, configurando-se exigência da lei formal uma garantia indispensável à conservação dos valores do Estado Democrático de Direito. Espécie de sanção, a medida de segurança criminal priva ou restringe bens jurídicos individuais, constituindo imperiosa obediência ao princípio da legalidade, evitando que o juiz por seu arbítrio imponha medidas não expressamente previstas em lei. (FERRARI. 2001, p.93)
Consoante ao princípio da legalidade entende-se inconstitucional a aplicação indefinida da medida de segurança, sem limite temporal máximo predefinido. Apesar de não ser expressamente descrito no Código Penal Brasileiro, busca-se atualmente a aplicação de um limite máximo para a medida de segurança análogo ao da pena máxima cominada em abstrato ao delito.
O Código Penal prevê em seu art. 97, parágrafo primeiro, o prazo de duração das medidas de segurança:
Art.97 (...)
§1°
A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.
De acordo com o sistema atual, a sentença que aplica a medida de segurança deve, obrigatoriamente, fixar prazo mínimo de internação ou tratamento ambulatorial, sendo este entre 01 (um) a 03 (três) anos. Este prazo mínimo é destinado à realização de exames para análise da cessação da periculosidade. Tal exame deve ser realizado ao término do prazo mínimo fixado em sentença, devendo ser repetida de ano em ano ou a qualquer tempo, caso o juiz da execução assim determinar. Para haver a desinternação ou liberação, somente pode ocorrer quando for restabelecida a situação anterior do agente, ou seja, ocorre quando cessa a periculosidade, mantendo-se em liberdade vigiada por mais um ano, para se assegurar de que não ocorrerá reincidência.
A lei diz que o juiz pode, em casos excepcionais, determinar a antecipação do exame de cessação da periculosidade, mesmo sem ter cumprido o prazo mínimo, atendendo ao pedido fundamentado do Ministério Público, do interessado, seu procurador ou defensor público (art. 176 da Lei de Execuções Penais). A cessação da anomalia pode ocorrer a qualquer tempo, de modo que a fixação do prazo mínimo deve ser afastada, não sendo a prevenção geral positiva fundamento para manter a segregação quando cessada a periculosidade, porquanto não é finalidade principal das medidas de segurança. Muitos doutrinadores criticam o fato daqueles submetidos à medida de segurança terem sua alta baseada na periculosidade e não em sua recuperação.
Paulo Jacobina é contra o modelo da forma em que é aplicado:
Da forma como está prevista no nosso direito atualmente, ela (a medida de segurança) seria um tratamento cuja alta não se daria em razão pura e simples da recuperação do paciente, mas pela sua submissão à perícia de cessação de periculosidade periódica, submetida ao juiz, que passaria, sem ser médico, a ter o poder clínico de considerar o paciente curado, mesmo quando a própria ciência discute se é possível falar em cura da loucura. (JACOBINA. 2008, p. 133)
O que se vê, em verdade, nas medidas de segurança é que caso a periculosidade persista, o paciente continua internado. Muito se discute sobre a constitucionalidade desta falta de limitação máxima de prazo. A ausência de limites máximos e a obrigatoriedade dos limites mínimos são baseados em dois argumentos: a diferença entre enfermos mentais e condenados imputáveis e o perigo que o destinatário da medida de segurança oferece a sociedade.
De acordo com a Constituição Federal, em seu art. 5º, XLVII, b, é proibida a pena de caráter perpétuo no Brasil. Apesar da medida de segurança não estar contemplada no rol de penas previsto pelo Código Penal, entende-se que a medida de segurança é uma espécie de pena, pois se trata de uma privação ou restrição da liberdade face ao crime cometido pelo inimputável ou semi-imputável.
A maioria dos doutrinadores que entende ser inconstitucional a falta de fixação de prazo máximo, são favoráveis para que as medidas de segurança sejam guiadas pelo limite máximo previsto no CP, que é de 30 anos ou no prazo máximo atribuído ao delito que fora cometido.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem se mostrado contrário a internação “perpétua”:
PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. CUMPRIMENTO DA MEDIDA EM PRAZO SUPERIOR AO DA PENA MÁXIMA COMINADA AO DELITO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. INÍCIO DO CUMPRIMENTO. MARCO INTERRUPTIVO. PERICULOSIDADE DO AGENTE. CONTINUIDADE. PRAZO MÁXIMO DA MEDIDA. 30 (TRINTA) ANOS. PRECEDENTES DO STF. DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA. ART. 5º DA LEI 10.216/2001. APLICABILIDADE. ALTA PROGRESSIVA DA MEDIDA DE SEGURANÇA. PRAZO DE 6 (SEIS) MESES. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. A prescrição da medida de segurança deve ser calculada pelo máximo da pena cominada ao delito cometido pelo agente, ocorrendo o marco interruptivo do prazo pelo início do cumprimento daquela, sendo certo que deve perdurar enquanto não haja cessado a periculosidade do agente, limitada, contudo, ao período máximo de 30 (trinta) anos, conforme a jurisprudência pacificada do STF. (…) 3. A desinternação progressiva é medida que se impõe, provendo-se em parte o recurso para o restabelecimento da decisão de primeiro grau, que aplicou o art. 5º da Lei 10.216/2001, determinando-se ao Instituto Psiquiátrico Forense que apresente plano de desligamento, em 60 (sessenta) dias, para que as autoridades competentes procedam à “política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida” fora do âmbito do IPF. (STF. Habeas Corpus n.100.383. Relator: FUX, Luis. Publicado no DJe de 04-11-2011).
Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o prazo máximo de cumprimento da medida de segurança não pode ultrapassar a pena cominada ao ilícito ou o prazo máximo previsto no art. 75 do CP:
HABEAS CORPUS. PENAL. EXECUÇÃO PENAL. MEDIDA DE SEGURANÇA. PRAZO INDETERMINADO. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE PENAS PERPÉTUAS. LIMITE DE DURAÇÃO. PENA MÁXIMA COMINADA IN ABSTRATO AO DELITO COMETIDO. PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA PROPORCIONALIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. A Constituição Federal veda, em seu art. 5º, inciso XLII, alínea b, penas de caráter perpétuo e, sendo a medida de segurança espécie do gênero sanção penal, deve-se fixar um limite para sua duração. 2. O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, à luz dos princípios da isonomia e da proporcionalidade. 3. Ordem concedida para declarar extinta a medida de segurança aplicada em desfavor do paciente, em razão do seu integral cumprimento. (STJ. Habeas Corpus n. 167.136. Relator: MOURA, Maria Thereza de Assis. Publicado no DJe de 10-05-2013).
3. CONCLUSÃO
Deve o Estado tentar tanto quanto for possível tratar esses indivíduos considerados inimputáveis, respeitando seus direitos e garantias fundamentais. A medida de segurança além de tolher a liberdade visa o tratamento, isto é, reverter na medida do possível estados sérios de indivíduos considerados inaptos ao convívio social.
Portanto, a intervenção estatal deve ser limitada, devendo ser estendido às medidas de segurança o conteúdo garantidor peculiar às penas, porquanto não pode o enfermo mental delinquente ser considerado que da pior condição que o delinquente mentalmente são, em nome do princípio da igualdade. Ademais, a reincidência não é motivo impeditivo da imposição de limites máximos, porquanto evidente o elevado percentual de reincidência entre os imputáveis.
Logo, deve ser fixado um limite temporal máximo para as medidas de segurança, para que esta não se configure como uma pena de caráter perpétuo.
4. Referências
BITENCOUT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – 17. ed. São Paulo: Saraiva 2012
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 100.383. Relator: FUX, Luis. Publicado no DJe de 04-11-2011. Disponível em https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20759599/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-100383-ap-stf. Acessado em 05-07-2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 167.136. Relator: MOURA, Maria Thereza de Assis. Publicado no DJe de 10-05-2013. Disponível em https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23171698/habeas-corpus-hc-167136-df-2010-0055136-5-stj. Acessado em 05-07-2018.
FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de Segurança e Direito Penal no estado democrático de direito. Editora dos Tribunais, São Paulo, 2001.
GOMES, Luis Flávio. Duração das Medidas de Segurança e seus limites. Artigos de Revista. RT n° 663. 1993.
GRECO, Rogério. Código Penal: comentado / Rogério Greco. – 11. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2017.
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Direito Penal da Loucura. Brasília: ESMPU, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado / Guilherme de Souza Nucci. – 17. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.
Acadêmico de direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: QUEIROGA, Gabriel Fernandes Caldeira. O limite temporal da medida de segurança no Estado Democrático de Direito brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jul 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52064/o-limite-temporal-da-medida-de-seguranca-no-estado-democratico-de-direito-brasileiro. Acesso em: 01 nov 2024.
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