RESUMO: Trata o estudo da análise do instituto dos embargos de declaração, considerando seu enquadramento no processo civil atual, abordando conceito, finalidade, especificidades, regime jurídico, natureza jurídica, bem como sua evolução e divergências doutrinárias a respeito.
Palavras-chave: Processo civil brasileiro. Embargos de declaração.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Dos recursos em geral. 2.1. Conceito e finalidade. 2.2. Princípios. 2.3. Efeitos. 3. Conceito e finalidade dos embargos declaratórios no âmbito do Processo Civil brasileiro. 4. Especificidades que os divergem dos demais recursos. 5. Regime jurídico. 5.1. Natureza jurídica. 5.2 Previsão legal. 5.3 Cabimento. 5.3.1 Obscuridade. 5.3.2 Contradição. 5.3.3. Omissão. 5.4. Efeitos. 6. Considerações Finais. 7. Referências.
1. Introdução
Os embargos de declaração estão inseridos definitivamente na esfera recursal em virtude da previsão legal, trazida desde o Código de Processo Civil de 1973, e observada no atual diploma processual, que os inseriu, juntamente com os demais, no título de recursos, pondo fim, ainda que apenas legalmente, às discussões acerca da natureza jurídica dos mesmos.
Ressalte-se que, na doutrina, ainda restam resquícios de dúvidas sobre a questão suscitada, no entanto, tal recurso encontra-se envolto em diversas outras controvérsias, solucionadas ou não pelo novo código processual, conforme será analisado, adiante, no corpo do trabalho.
Como cediço, o recurso em tela é o meio previsto para se combater vícios proferidos em decisões judiciais, tais como, a omissão, a obscuridade, a contradição ou o erro material, casos típicos de cabimento do mesmo. Sua função precípua não é, pois, modificar, mas aclarar a decisão viciada.
Podemos, portanto, delimitar nosso objetivo geral no estudo acerca da real importância dos embargos declaratórios no meio recursal, detalhando as nuances que envolvem o instituto, considerando as referidas controvérsias e a evolução pela qual passou, sobretudo com a chegada do novo regramento de processo civil.
Com esse intuito, pautando-se na pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, respeitando o caráter deste trabalho, emprega-se a este o método hermenêutico-dedutivo com o qual se espera, em síntese, compreender para melhor aplicar.
Nessa linha, faz-se um aparato geral sobre o instituto em si dos embargos declaratórios, dando-se a oportunidade de entender suas características e peculiaridades por meio da abordagem de sua natureza jurídica, efeitos, cabimento, etc.
Justifica-se a concretização deste trabalho pela fundamental importância do tema em epígrafe, o qual se pretende esmiuçar, não na pretensão de esgotá-lo, mas com o ideal de compreendê-lo a ponto de poder encará-lo diante de uma situação prática.
2. Dos recursos em geral.
Antes de adentrar na análise de nosso real objeto, qual seja, os embargos de declaração, convém delimitar o contexto no qual este está inserido, o que irá determinar os princípios que o regem, além de moldar seus efeitos e finalidade, sendo, portanto, de fundamental importância para sua compreensão.
2.1. Conceito e finalidade:
Para Luiz Guilherme Marinoni[1], os recurso, assim como os diversos meios de impugnação dos atos judiciais, têm por finalidade a revisão do ato guerreado, seja conseguindo a sua anulação, reformando seu conteúdo, ou atingindo seu aprimoramento. Esta última hipótese se dá através de sua complementação, com o estabelecimento de sua coerência interna ou seu aclaramento (como acontece nos embargos de declaração).
Divergem dos demais atos de impugnação por alcançar essa finalidade dentro da mesma relação processual, sendo, em regra, submetidos à apreciação de outro órgão.
Nessa seara, tomando por base as lições de Ovídio Batista[2], entende-se os recursos como:
“... o procedimento através do qual a parte, ou quem esteja legitimado a intervir na causa, provoca o reexame das decisões judiciais, a fim de que elas sejam invalidadas ou reformadas pelo próprio magistrado que as proferiu ou por algum órgão de jurisdição superior.”
Veja que a definição supra bem demonstra a possibilidade de o recurso ser apreciado pelo próprio juízo prolator da decisão recorrida, apesar de a regra, como afirmado anteriormente, ser a reapreciação por órgão distinto.
2.2. Princípios:
Dentre os diversos princípios que regem e disciplinam o instituto dos recursos, destacam-se apenas alguns que condizem com os propósitos deste trabalho, são eles:
a) Princípio da taxatividade, pelo qual se entende que serão considerados recursos todos aqueles previstos pelo art. 994[3] do Código de Processo Civil. Ressaltando-se que estes só poderão ser regidos por lei federal, consoante determinação expressa em nossa Carta Magna no seu artigo 22, inciso I[4];
b) Já o princípio da unirrecorribilidade estipula que para cada recurso, há uma função determinada e uma hipótese de cabimento específica;
c) O princípio da proibição da reformation in pejus, por sua vez, proíbe que o julgamento do recurso, interposto exclusivamente por um dos sujeitos, venha a tornar sua situação pior do que aquela existente antes da insurgência.
2.3. Efeitos:
Da mesma forma, calha apresentar os principais efeitos decorrentes da interposição dos recursos, são eles:
a) Prolongar a pendência da causa, evitando a formação da coisa julgada;
b) Transferir a um órgão superior do conhecimento da matéria decidida pelo magistrado de grau inferior, conhecido como efeito devolutivo[5];
c) Efeito translativo, o qual leva ao conhecimento daquele que julgará o recurso, não só as matérias nele evocadas, como aquelas que podem ser analisadas em qualquer tempo e grau de jurisdição, as chamadas questões de ordem pública;
d) Efeito suspensivo: impede que os efeitos da sentença impugnada se produzam desde logo, prolongando, assim, o estado de ineficácia peculiar a decisões sujeitas a recurso.
3. Conceito e finalidade dos embargos declaratórios no âmbito do Processo Civil brasileiro.
A finalidade do instituto dos embargos de declaração não é outra se não a de aclarar a decisão recorrida, sobretudo para conferir plena eficácia à prestação jurisdicional nela contida. Devem, portanto, prestar-se a sanar quaisquer vícios que possam dificultar o entendimento ou a própria execução desta.
Nesse sentido é que Luís Eduardo Simardi Fernandes[6] apresenta a seguinte definição de embargos:
“E, sustentados pelo art. 535 do CPC, definimos os embargos de declaração como o recurso que, dirigido ao próprio juízo que proferiu a decisão, destina-se a esclarecer a obscuridade, a resolver a contradição ou a sanar a omissão da decisão judicial. E também, por obra da jurisprudência e da doutrina, serve para a correção do erro material contido na decisão. E, embora não tenha como finalidade a reforma da decisão poderá, em determinadas circunstâncias, apresentar esse caráter infringente.”
Ressalte-se ser tal instituto de suma importância para o bom andamento do processo ao passo que evita a interposição de outros recursos mais complexos para resolver questões de mera interpretação.
Outra de suas funções hoje admitida é a interposição destes para efeitos de prequestionamento. Isso porque a omissão no julgado de alguma das matérias levantadas pelas partes, ainda que não interfira diretamente na decisão, não tendo sido alvo de debate, não poderá ser considerada para apresentação de recursos extraordinários. Servindo, pois, os embargos, também, para prequestionar a matéria que se espera ver analisada pelos tribunais superiores.
Dessa forma, malgrado não tenham por função ensejar a revisão ou anulação das decisões judiciais, com o esclarecimento da decisão embargada, propicia-se as partes envolvidas o exato entendimento do decisum, o que poderá levar à interposição de novo recurso, este sim com a finalidade de modificá-la.
Por fim, quanto aos efeitos infringentes mencionados pelo doutrinador supracitado, não são, conforme afirmado, o fim próprio deste recurso, mas podem ocorrer como consequência do conhecimento do mesmo.
4. Especificidades que os divergem dos demais recursos.
Os embargos declaratórios são evidentemente bem mais simples que os demais recursos, possuindo assim características próprias que facilitam sua interposição.
Tal facilidade ocorre porque não possuem eles, conforme já aludido, o fim de reformar a decisão embargada, e sim o de aclará-la[7], razão esta que determinará suas demais especificidades.
Assim, não havendo tal reforma, também não se pode falar em inversão de sucumbências, que é a finalidade precípua dos outros recursos.
No mesmo sentido, tendo como objetivo o esclarecimento da decisão a que se recorre, para alcançá-lo, é necessário que este recurso seja apreciado pelo próprio juízo que a prolatou.
Diante disso, alguns doutrinadores, a exemplo de Luíz Guilherme Marinoni[8], entendendo o efeito devolutivo como a transferência a um órgão superior da análise da matéria já abordada, alegam serem os embargos desprovidos deste efeito. Outros, assim como Helena de Toledo Coelho Gonçalves[9], mesmo percebendo o efeito devolutivo como a simples delimitação do mérito do recurso, devolvendo a matéria nele contida para reapreciação, sem especificar a que órgão deverá ser remetido, ainda assim entendem pela não manifestação desses nos embargos, posto que neles a matéria não é devolvida para re-análise e sim para o aperfeiçoamento.
No sentindo contrário estão Nelson Nery Jr., Tereza Arruda Alvim Wambier, Luis Rodrigues Wambier, Sérgio Shimura, dentre outros, que defendem a devolutividade dos embargos, posto ser este a via pela qual se devolve ao juiz a quo a oportunidade de aclarar a decisão embargada, sanando seus vícios.
De uma forma ou de outra, certo é que a delimitação dos efeitos recursais é feita por uma questão meramente didática, não estando estes obrigatoriamente incumbidos de apresentar tais efeitos.
Nesse ponto, cogente frisar que não sendo levados a apreciação de órgão superior, evitam-se as diversas custas que decorrem, dentre outras coisas, do deslocamento do processo de um órgão ao outro, estando, com isso, os embargos isentos de preparo, conforme prevê o art. 1023[10] do CPC.
Evoca-se ainda como especificidade marcante dos embargos declaratórios a não submissão destes ao princípio da proibição da reformation in pejus. Por este princípio entende-se que a parte que recorre não pode ter sua situação piorada com a interposição do recurso. Até porque os julgadores devem se deter as alegações e argumentos por ela apresentados.
No caso dos embargos, porém, não se vislumbra a aplicação de tal princípio, isso porque, o que se pretende, repisa-se, não é a reforma da decisão em favor de fulano ou sicrano, mas o aclaramento dessa, que possa levar as partes a sua plena compreensão, livre de vícios e dubiedades.
Nesse diapasão, vale citar os ensinamentos de Luis Eduardo Simardi Fernandes[11]:
“Nada impede que a parte que tenha a situação piorada seja a embargante, uma vez que o recurso visa a aprimorar a manifestação judicial, e não a esclarecê-la, complementá-la ou reformá-la exclusivamente em favor do recorrente. Este, via do recurso, pede a correção do vício, e é isso que o magistrado fará, sem se preocupar com a possibilidade de essa revisão vir a prejudicar uma das partes. Estará, isso sim, aprimorando a prestação jurisdicional, que é o objetivo maior do recurso.”
Assim ocorre porque o juiz não modificará o seu convencimento, quando da apreciação deste recurso, apenas o tornará claro para que as partes possam entender como se chegou a determinada decisão, ou até mesmo qual foi a decisão, e a partir daí, se for o caso, interpor o recurso adequado à modificação da mesma.
Nessa seara, o suscitado autor completa seu raciocínio, esclarecendo:
“... se a decisão judicial tem de ser clara, precisa e completa, livre de contradições, obscuridades, omissões e erros, a atuação do magistrado não pode ser limitada a ponto de impedir a correção desses vícios, sob pena de se frustrar a própria missão do recurso”.[12]
Por fim, há quem alegue serem também os embargos uma exceção ao princípio da unirrecorribilidade. Vejamos.
De forma simplória, pode-se dizer que o referido princípio assim estabelece: para cada espécie de ato jurisdicional a ser recorrido, deve ser cabível um único recurso. Os embargos declaratórios, no entanto, possuem ampla gama de hipóteses de cabimento, como se verá adiante, dentre as quais há aquelas em que são aceitas também a interposição de outros recursos, como é o caso de embargos propostos sobre sentença, na qual, como cediço, cabe apelação; ou ainda em decisões interlocutórias, nas quais cabe agravo, etc.
Diante disso, os embargos não estariam observando os ditames do referido princípio, já que são propostos, em situações nas quais já foram previstas outros tipos recursais.
Ocorre que, em verdade, o melhor entendimento que se tem desse princípio é o de que, conforme já definimos anteriormente, para cada ato e finalidade, há um recurso próprio. Assim, malgrado se trate de um mesmo ato, e.g., a sentença, na qual cabem, ao mesmo tempo, apelação e embargos declaratórios, deve se considerar que ambos possuem finalidades completamente distintas, já que a apelação visa à reforma da decisão guerreada, enquanto o propósito dos embargos é precipuamente de aclará-la.
Ao se manifestar sobre o assunto, Luíz Guilherme Marinoni[13] explica:
“É verdade que tais casos permitem a interposição, contra uma mesma decisão judicial, de mais de uma espécie recursal. Todavia, não se deve esquecer que cada um dos recursos cabíveis contra tais decisões tem função específica, que não se confunde com a finalidade prevista para outra espécie recursal. Assim, contra determinado ato judicial e para certa finalidade específica – não abrangida pela finalidade de outro meio recursal – deve ser cabível um único recurso.”
Pelo exposto, não há que se falar em malferimento ao princípio da unirrecorribilidade ao se tratar de embargos de declaração. A única hipótese de exceção seria a prevista por Marinoni[14], nos casos em que os embargos são fundados em omissão, posto que a jurisprudência entende ser este recurso opcional, podendo a parte atacar tal defeito diretamente com outro eventualmente admitido[15].
5. Regime jurídico.
5.1 Natureza jurídica.
Os embargos de declaração estão hoje inseridos definitivamente na esfera recursal em virtude da previsão legal, trazida desde o código de processo civil de 1973, em suas reformas, que os inseriu expressamente no rol de recursos constante em seu art. 496 – e mantido hoje pelo novo código de processo civil, no art. 994, já referido. Ressalte-se ainda que a matéria referente a eles está posicionada no título de recursos deste código (Título II), o que pôs fim, ainda que apenas legalmente, às discussões acerca da natureza jurídica dos mesmos.
No que condiz ao entendimento doutrinário, todavia, ainda restam resquícios de dúvidas sobre a questão suscitada. Muitos autores, como João Monteiro, Sergio Bermudes, Cândido de Oliveira Filho, Antônio Cláudio da Costa Machado, dentre outros, defendem a corrente de que os embargos, na verdade, constituiriam um meio de correção e integração da sentença, e não uma forma de impugnação da ideia que ela exprime.
Isso porque, alegam os referidos jurisconsultos, não possuírem os embargos efeito devolutivo, o qual seria inerente a todos os recursos, questão esta que já foi alvo de debate neste trabalho, não merecendo maiores especulações. Ademais, aduzem que o referido instituto, ao contrário do que acontece com os demais recursos, não estão sujeitos a preparo, não preveem o contraditório de forma ampla (apenas em casos excepcionais), não almejam a reforma da decisão embargada, e, consequentemente, não invertem a sucumbência; além de poderem ser opostos tanto pela parte vencida, como pela parte vencedora. Razões estas que descaracterizariam os embargos como recursos.
Sérgio Baalbaki[16] destaca ainda que institutos similares aos aclaratórios não são considerados recursos por algumas das mais expressivas legislações estrangeiras, como a da Alemanha, Argentina, Áustria, Espanha, França, Itália e Portugal.
Do lado oposto, admitindo a natureza recursal dos embargos, temos Ovídio Batista, Frederico Marques, Vicente Greco Filho, Seabra Fagundes, Rodrigo Reis Mazzei e vários outros.
Estes, por sua vez, corroboram com o entendimento de Antônio Carlos Silva[17], que leciona:
“A interposição dos embargos adia a coisa julgada, não enseja a instauração de nova relação processual, depende da vontade da parte e tem por escopo impugnar uma decisão judiciária, visando principalmente o seu esclarecimento ou a sua integração e, em casos mais raros, até mesmo a reforma da decisão (efeitos infringentes), não se pode negar que, no Direito Brasileiro, são eles um recurso e não apenas um meio de correção dos erros da sentença que, como visto, também existem entre nós, mas limitados a correção e inexatidões materiais ou erros de cálculo.”
Pelos fundamentos expostos, e considerando ainda o princípio da taxatividade e a expressa delimitação dos embargos no rol de recursos do art. 994 do CPC, entendemos também pela natureza recursal do instituto em tela.
5.2 Previsão legal. Competência e legitimidade.
Os embargos de declaração estão previstos nos artigos 1.022 e seguintes do Código de Processo Civil, no título destinado aos recursos, os quais delimitam o alcance do instituto, discriminando seu cabimento e estipulando seus prazos.
Críticas havia, no Código de Processo Civil de 1973, no sentindo de que sua previsão legal seria deficitária quanto a determinadas questões, escusando-se, por exemplo, de estipular de quem é a competência para julgá-los, ou ainda a legitimidade para a interposição dos mesmos.
A primeira lacuna suscitada, todavia, foi devidamente sanada com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil que previu quanto à competência, como já ressoava a doutrina, que é competente para processar os embargos aquele que proferiu a decisão embargada (vide art. 1023, caput, NCPC).
Superada essa primeira “lacuna”, passa-se a outra questão controvertida envolvendo a legislação que disciplina os embargos: a legitimidade para embargar determinado ato jurisdicional.
Ocorre que estando os aclaratórios no rol de recursos previsto pelo art. 994 do CPC, deveriam estes também se submeter ao que preconiza o art. 996 do mesmo diploma legal, o qual estipula que os recursos poderão ser interpostos pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público.
A doutrina e a jurisprudência, por sua vez, têm entendido que também a parte vencedora é legitimada a opor o recurso em comento. Nessa esfera, estamos com José Miguel Medina[18], o qual assevera, em virtude dos objetivos específicos dos embargos, que a noção de interesse em recorrer deve se adequar ao instituto, sendo, pois, ampliada, considerando que seu interesse não é o de inverter a sucumbência, e sim de obter uma decisão livre de vícios, para que a partir dessa se possa tomar as providências cabíveis, seja para executá-la, seja para impugná-la por meio de algum outro recurso que permita sua modificação.
Nessa linha, conclui, afirmando:
“Tanto o réu quanto o autor podem apresentar embargos de declaração, assim como o assistente, simples ou o litisconsorcial, o Ministério Público, enfim, todos aqueles a quem a decisão atinge direta ou indiretamente, tanto os que a podem executar, quanto aqueles que devem a ela submeter-se, cumprindo-a.”[19]
Não se deve, entretanto, entender essa ampliação do interesse de recorrer como uma descaracterização da natureza recursal dos embargos, sendo, por outro ângulo, apenas mais uma de suas especificidades.
5.3 Cabimento.
Ao contrário do que previa o antigo código de processo civil, o novo diploma processual, atendendo mais uma vez aos anseios da doutrina e jurisprudência pátria, deixa claro que são cabíveis embargos de qualquer decisão judicial, sendo portanto seu cabimento o mais amplo possível, vide art. 1.022, caput, do NCPC.
5.3.1 Obscuridade.
Obscuridade é o oposto de clareza; diz-se, pois, da decisão que é de difícil compreensão. Encontra seu melhor conceito, na expressão de Luiz Guilherme Marinoni[20]:
“Hipótese em que a concatenação do raciocínio, a fluidez das idéias, vem comprometida, ou porque exposta de maneira confusa ou porque lacônica, ou ainda porque a redação foi mal feita, com erros gramaticais, de sintaxe, concordância, etc., capazes de prejudicar a interpretação da motivação.”
Cabem, portanto, embargos declaratórios quando a decisão apresentar os vícios supracitados, ressaltando-se que, por se tratar de mera imprecisão, estes embargos não ensejarão a modificação do julgado, apenas o seu aclaramento.
5.3.2 Contradição.
Decisão contraditória é aquela que, em seu bojo, traz expressões antagônicas entre si, sendo que a admissão de uma anularia, por completo, a aplicação da outra.
Cogente frisar que tal contradição deve ser obrigatoriamente interna, ou seja, dentro da própria decisão embargada, não sendo cabíveis embargos fundados em contradição à lei, à jurisprudência, à súmula, ou em comparação ao que quer que seja fora do ato jurisdicional ao qual se recorre.
Outrossim, não há qualquer óbice quanto à contradição apresentada em partes distintas de uma mesma decisão, com, por exemplo, quando esta é fundamentada sob uma perspectiva, mas, no dispositivo, impõe outra totalmente adversa.
Veja que, quando a contradição se dá em face de ponto essencial à querela, como o exemplo acima citado sobre o fundamento e o dispositivo, o efeito modificativo é inevitável para se sanar o vício que acometeu a decisão. Por outro lado, em se tratando de questões menores, é possível desfazer a contradição sem grandes prejuízos ao julgado.
5.3.3 Omissão.
A omissão, por sua vez, mais polêmica, é caracterizada quando o magistrado deixa de se pronunciar sobre questão levantada pelas partes e essencial ao julgamento da lide.
Observe que a parte tem o direito de ver todos os seus argumentos refutados, sendo, portanto, o julgador obrigado a se manifestar a respeito de cada um deles, sob pena de tornar nula a decisão por ele proferida.
Manifestações há no sentido de que não seria o magistrado obrigado a se pronunciar acerca de todos os fundamentos evocados quando já formula seu convencimento com base em um deles, não sendo, pois, os demais essenciais ao julgamento da lide, situação esta que deve ser tida como excepcional.
Há também a possibilidade de se arguir omissão à matéria ainda não suscitada por quaisquer das partes em hipóteses que versem sobre questões de ordem pública, mormente quando estas podem ser conhecidas pelo juiz de ofício e a qualquer tempo.
O suprimento da omissão, portanto, é de suma importância para o bom andamento do processo, pois, por um lado pode tornar nula a decisão omissa, e, por outro, torna impossível a analise da matéria omitida por outro órgão judicial, o que caracterizaria a supressão de instâncias.
Por fim, mais uma novidade trazida pelo novo CPC, já amplamente acolhida na jurisprudência pátria, é a admissão de embargos de declaração nos casos em que é verificado erro material em determinada decisão. Tal vício encontra seu melhor entendimento nas lições de Luis Eduardo Simardi Fernandes[21], o qual leciona:
“Os erros materiais são equívocos ou lapsos ocorridos no momento da expressão do provimento, facilmente perceptíveis. São aqueles enganos evidentes, que se percebem à primeira vista, sem grandes investigações.”
O suscitado erro pode ser evocado por simples petição, mas a interposição dos embargos garante às partes a interrupção do prazo para oposição de outros recursos, caso seja necessário, motivo pelo qual é preferível e até recomendável que se opte pelos aclaratórios.
5.4 Efeitos.
Os embargos de declaração possuem em geral os mesmos efeitos produzidos pelos demais recursos. Com isso, além de obstarem o transito em julgado da decisão impugnada, interrompem, para ambas as partes, o fluxo do prazo para interposição de qualquer outro recurso.
Polêmica existe, como já abordado anteriormente, quanto ao efeito devolutivo destes. Nessa esfera, estamos com Nelson Nery Jr.[22], que assevera:
“O efeito devolutivo nos embargos de declaração tem por conseqüência devolver ao órgão “a quo” a oportunidade de se manifestar [sic] no sentido de aclarar a decisão obscura, completar a decisão omissa ou afastar a contradição de que padece a decisão.”
(...) O fato de o órgão destinatário dos embargos ser o mesmo de onde proveio a decisão embargada não empece a existência dos efeitos devolutivos neste recurso.”
Admitindo-se, pois, a incidência de efeito devolutivo, passa-se a análise do efeito suspensivo. Há quem defenda que este deverá está presente nos embargos nas hipóteses em que forem opostos contra decisões que, atacadas por outros recursos, teriam seus efeitos suspensos em decorrência deste. Ficamos com o esclarecedor apontamento de José Miguel Medina:
“Segundo nosso entendimento, o efeito suspensivo nos embargos de declaração deve decorrer do pedido formulado pela parte, fundado na impossibilidade real de que a decisão seja cumprida ou na possibilidade da integral alteração da decisão em virtude do acolhimento dos embargos. Não se deve entender, em nosso sentir, que a interposição dos embargos de declaração, por si só, geraria a cessação dos efeitos da decisão. Em face da perspectiva de não poder cumprir a decisão impugnada deve o embargante requerer que a seu recurso seja atribuído efeito suspensivo.”[23]
Possuem ainda o efeito substitutivo, posto que a decisão proferida nos embargos substitui, apenas na parte impugnada, o ato judicial anterior. Dessa forma, a decisão embarga só perderá eficácia quanto à matéria atacada.
Por fim, tem-se o efeito translativo, o qual também já fora alvo de debate, possibilitando que matérias de ordem pública sejam analisadas quando do julgamento dos embargos, tendo ou não sido questionadas por eles[24].
6. Considerações Finais
Ao se enquadrar os embargos declaratórios no meio recursal, necessário se faz adequar toda a sua sistemática aos preceitos regentes dos recursos em geral, fazendo com que essa nova modalidade de recurso assuma uma postura diferente da que antes ocupava, sem, contudo, abandonar a simplicidade que lhe é inerente; mantendo, pois, sua essência e resguardando suas especificidades.
Questão esta de essencial importância no traçado de uma análise, ainda que breve, sobre a real importância dos embargos declaratórios no meio processual, permitindo-nos conferir a consonância de sua aplicação com os princípios constitucionais vigentes.
A garantia das decisões fundamentadas, por exemplo, possui estreita ligação com os aclaratórios, sendo este o remédio cabível para sanar quaisquer vícios que provoque uma fundamentação deficiente – preceito este amplamente abordado no novo código processual.
Todavia, a evolução sofrida pelo instituto em tela, não nos permite restringir seu alcance apenas ao aperfeiçoamento das decisões, até porque, mesmo quando se propõem somente a isso, esta pode ser aperfeiçoada de forma a beneficiar uma ou outra parte, podendo estas influenciar na correção do vício apontado.
Por outro ângulo, em que pese forte entendimento doutrinário em sentido contrário, os efeitos infringentes dos embargos já amplamente aceitos na jurisprudência pátria, foram definitivamente previstos no Novo Código de Processo Civil e, assim o sendo, os aclaratórios ganham nova relevância processual, posto que se firmam definitivamente como recurso.
É certo que a matéria suscitada pelos embargos terá que obrigatoriamente já ter sido alvo de discussão em outra ocasião na lide, excetuando-se os que tratam de matéria de ordem pública.
7. Referências
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MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação. Processo civil moderno, v.2, 3ªed. São Paulo: RT, 2013.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Recursos Cíveis na Prática. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008.
NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos, 7ª ed. revista e ampliada – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 17ªed. São Paulo: RT, 2018.
NERY JUNIOR, Nelson (coord.); WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coord.). Aspectos Polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. V. 13. São Paulo: RT, 2017.
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil, volume 1: processo de conhecimento. 7ª Ed. Ver. E atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2005.
SEHNEM, Felix. “Embargos declaratórios”. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3681. Acessado em 21 de março de 2008.
[1] Processo de conhecimento v.2, p. 507.
[2] p 387/388
[3] “Art. 994. São cabíveis os seguintes recursos:
[4] “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; [...]” (g.n.)
[5] Há quem entenda que tal efeito se traduz pela simples devolução da matéria para reapreciação. Assim, o julgador apenas poderá analisar a matéria que lhe foi devolvida pela parte recorrente, não podendo tecer comentários acerca das demais questões já decidas e não evocadas pelo recurso.
[6]Embargos de declaração:efeitos infringentes, prequestionamentoe outros aspectos, p. 36/37.
[7] Ressaltando que poderá haver a modificação da decisão nos casos em que os embargos são aceitos com efeitos infringentes.
[8] Processo de conhecimento v.2, p. 553.
[9] Artigo “Embargos de Declaração: soluções sistêmicas para as lacunas da lei”. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis, v. 10, p. 173.
[10] “Art. 1.023. Os embargos serão opostos, no prazo de 5 (cinco) dias, em petição dirigida ao juiz, com indicação do erro, obscuridade, contradição ou omissão, e não se sujeitam a preparo.”
[11] Embargos de declaração:efeitos infringentes, prequestionamentoe outros aspectos , p. 158.
[12] Idem, p. 159.
[13] Processo de conhecimento v.2, p. 511.
[14] Idem, p. 51.
[15] Excetuando-se os apelos extremos, para os quais a interposição depende do prequestionamento da matéria a ser recorrida.
[16] Artigo jus navegandi p1
[17] Citado por sehnem, artigo jus navegandi p4
[18] Recursos e ações autônomas de impugnação, p 200.
[19] Idem, p. 200.
[20]Processo de conhecimento v.2, p. 554.
[21] Embargos de declaração:efeitos infringentes, prequestionamentoe outros aspectos, p. 108.
[22] Teoria Geral dos Recursos, p. 369.
[23] Recursos e ações autônomas de impugnação, p. 203.
[24] Lembrando que os próprios aclaratórios podem alegar a omissão quanto a essas questões.
Advogada. Graduada em direito pela universidade federal do ceará (UFC). Pós-graduada em direito tributário pela universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Joana Karen Wanderley. Embargos de declaração no processo civil brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 ago 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52153/embargos-de-declaracao-no-processo-civil-brasileiro. Acesso em: 01 nov 2024.
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