Resumo: O objetivo do presente é analisar, à luz do painel jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, o reconhecimento da (im)possibilidade da cassação da aposentadoria como sanção administrativa aplicável ao servidor público. Como é cediço, a Constituição Federal, em especial o artigo 37, foi responsável por promover robusta modificação axiológica na atuação da Administração Pública. O dispositivo ora mencionado consagra o princípio da legalidade administrativa, o qual tremula como paradigma de vinculação, afixando pontos limítrofes e conformadores para o agir administrativo. Neste quadrante, a cassação da aposentadoria do servidor público como sanção administrativa ainda desperta debates e reflexões sobre sua (in)constitucionalidade. Para tanto, é importante examinar o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da temática. A metodologia empregada parte do método dedutivo, auxiliada da revisão bibliográfica como técnica primária de pesquisa.
Palavras-chaves: Cassação de Aposentadoria. Sanção Administrativa. Princípio da Legalidade Administrativa. Entendimento Jurisprudencial.
Abstract: The purpose of this paper is to analyze, in the light of the jurisprudential panel of the Federal Supreme Court, the recognition of the (im) possibility of the annulment of retirement as an administrative sanction applicable to the public servant. As it is, the Federal Constitution, especially article 37, was responsible for promoting a robust axiological modification in the performance of Public Administration. The aforementioned provision enshrines the principle of administrative legality, which shifts as a linking paradigm, setting boundary and shaping points for administrative action. In this quadrant, the retirement of the public servant as an administrative sanction still arouses debates and reflections on his (in) constitutionality. Therefore, it is important to examine the Federal Supreme Court's understanding of the issue. The methodology used starts from the deductive method, aided by the bibliographic review as the primary research technique.
Keywords: Retirement Cassation. Administrative Sanction. Principle of Administrative Legality. Jurisprudential understanding.
1 COMENTO INTRODUTÓRIO: A CIÊNCIA JURÍDICA À LUZ DO PÓS-POSITIVISMO
Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como os proeminentes cenários apresentados com a evolução da sociedade, passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém” (VERDAN, 2009, s.p.). Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente.
A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está assentado em assegurar que inexista a difusão da prática da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea.
Ao lado disso, há que se citar o voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza” (BRASIL, 2009). O fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação” (VERDAN, 2009, s.p.). Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista se cinge à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
Nesta tela, retratam-se os princípios jurídicos como elementos que trazem o condão de oferecer uma abrangência rotunda, albergando, de modo singular, as distintas espécies de normas que constituem o ordenamento pátrio – normas e leis. Os princípios passam a constituir verdadeiros estandartes pelos quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar (2005, s.p.). Como consequência do expendido, tais cânones passam a desempenhar papel de super-normas, ou seja, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo” (VERDAN, 2009, s.p.). Por óbvio, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que dão substrato de edificação à ramificação Administrativa do Direito.
Escorando-se no espancado alhures, faz-se mister ter em conta que o princípio jurídico é um enunciado de aspecto lógico, de característico explícito ou implícito, que, em decorrência de sua generalidade, goza de posição proeminente nos amplos segmentos do Direito, e, por tal motivo, de modo implacável, atrela o entendimento e a aplicação das normas jurídicas à sua essência. Com realce, é uma flâmula desfraldada que reclamada a observância das diversas ramificações da Ciência Jurídica, vinculando, comumente, aplicação das normas abstratas, diante de situações concretas, o que permite uma amoldagem das múltiplas normas que constituem o ordenamento aos anseios apresentados pela sociedade. Gasparini, nesta toada, afirma que “constituem os princípios um conjunto de proposições que alicerçam ou embasam um sistema e lhe garantem a validade” (GASPARINI, 2012, p. 60).
Nesta senda, é possível analisar a prodigiosa tábua principiológica a partir de três órbitas distintas, a saber: onivalentes ou universais, plurivalentes ou regionais e monovalentes. Os preceitos acampados sob a rubrica princípios onivalentes, também denominados universais, têm como traço peculiar o fato de ser comungado por todos os ramos do saber, como, por exemplo, é o caso da identidade e da razão suficiente. É identificável uma aplicação irrestrita dos cânones às diversificadas área do saber. Já os princípios plurivalentes (ou regionais) são comuns a um determinado grupo de ciências, no qual atuma como agentes de informação, na medida em que permeiam os aportes teórico-doutrinários dos integrantes do grupo, podendo-se citar o princípio da causalidade (incidente nas ciências naturais) e o princípio do alterum non laedere (assente tanto nas ciências naturais quanto nas ciências jurídicas).
Os princípios classificados como monovalentes estão atrelados a tão somente uma específica seara do conhecimento, como é o caso dos princípios gerais da Ciência Jurídica, que não possuem aplicação em outras ciências. Com destaque, os corolários em comento são apresentados como axiomas cujo sedimento de edificação encontra estruturado tão somente a um segmento do saber. Aqui, cabe pontuar a importante observação apresentada por Di Pietro que, com bastante ênfase, pondera “há tantos princípios monovalentes quantas sejam as ciências cogitadas pelo espírito humano” (DI PIETRO, 2010, p. 62-63). Ao lado disso, insta destacar, consoante entendimento apresentado por parte da doutrina, que subsiste uma quarta esfera de princípios, os quais são intitulados como “setoriais”. Prima evidenciar, com bastante destaque, que os mandamentos abarcados pela concepção de dogmas setoriais teriam como singular aspecto o fato de informarem os múltiplos setores que integram/constituem uma determinada ciência. Como robusto exemplo desse grupo, é possível citar os princípios que informam apenas o Direito Civil, o Direito Penal, o Direito Administrativo, dentre outros.
Tecidas estas ponderações, bem como tendo em conta as peculiaridades que integram a ramificação administrativa da Ciência Jurídica, de bom alvitre se revela ponderar que os “os princípios administrativos são postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exercício das atividades administrativas” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 20). Assim, na vigente ordem inaugurada pela Carta da República de 1988, revela-se imperiosa a observação dos corolários na construção dos institutos administrativos. Pois, olvidar-se de tal, configura-se verdadeira aberração jurídica, sobremaneira, quando resta configurado o aviltamento e desrespeito ao sucedâneo de baldrames consagrados no texto constitucional e os reconhecidos pela doutrina e jurisprudência pátrios.
Urge salientar que a Constituição Cidadã, ao contrário das Cartas que a antecederam, trouxe, de forma expressa e clara, os princípios informadores da Administração Pública, assinalando a incidência de tais preceitos a todos os entes da Federação, bem como os elementos estruturantes da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes constituídos. Para tanto, como fértil sedimento de estruturação, é possível transcrever o caput do artigo 37 que, em altos alaridos, dicciona que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (BRASIL, 1988). Nesta toada, ainda, quadra, também, ter em mente os seguintes apontamentos:
Trata-se, portanto, de princípios incidentes não apenas sobre os órgãos que integram a estrutura central do Estado, incluindo-se aqui os pertencentes aos três Poderes (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário), nas também de preceitos genéricos igualmente dirigidos aos entes que em nosso país integram a denominada Administração Indireta, ou seja, autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações governamentais ou estatais (SERESUELA, 2002, s.p.).
É verificável, desta sorte, que os preceitos em comento, dada à proeminência alçada pelo texto constitucional, passam a atuar como elementos que norteiam e, corriqueiramente, conformam a atuação dos entes federativos, bem como as estruturas, tais como autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações, que constituem a Administração Indireta. Em razão de estarem entalhados nas linhas que dão corpo à Lex Fundamentallis do Estado Brasileiro, a doutrina convencionou chamá-los de “Princípios Constitucionais Explícitos” ou “Princípios Expressos. São considerados como verdadeiras diretrizes que norteiam a Administração Pública, na medida em que qualquer ato por ela emanado só será considerado válido se estiver em consonância com tais dogmas (CARVALHO FILHO, 2011, p. 21).
De outra banda, tem-se por princípios reconhecidos aqueles que, conquanto não estejam taxativamente contemplados no texto constitucional, de modo explícito, permeiam, por conseguinte, toda a ramificação do Direito Administrativo. Isto é, são corolários que encontram descanso, mais evidente e palpável, na atividade doutrinária e jurisprudencial, que, por meio dos seus instrumentos, colaboram de forma determinante na consolidação e conscientização de determinados valores, tidos como fundamentais, para o conhecimento e a interpretação das peculiaridades e nuances dos fenômenos jurídicos, advindos dessa ramificação da Ciência Jurídica. “Os princípios são mandamentos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas” (GASPARINI, 2012, p. 61).
2 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ADMINISTRATIVA COMO PARADIGMA DE VINCULAÇÃO DA ATUAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Em uma primeira plana, cuida ressoar que o Estado Democrático de Direito, a exemplo do Brasil, tem suas bases fundamentais alicerçadas sobre uma dicotomia entre a atuação dos particulares e a atuação do Poder Público. No que tange à atuação dos particulares, dotada de ordem permissiva, é norteada pela máxima do que aquilo que a lei não proíbe, é permitido. Aqui, algumas ponderações são bem-vindas. Pode-se destacar, com altos alaridos, que “se denota a pedra fundante do referido mandamento na redação que inaugurou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fruto dos ideais advindos do Iluminismo” (VERDAN, 2009, s.p.).
Ora, o corolário em comento tem suas balizas fincadas em um período pós-revolucionário, no qual se buscou consolidar os direitos essenciais do indivíduo. Sem perder de vista tal ensinamento, o artigo 8º da Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão trouxe à baila que: “Ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente publicada”.
Fato é que os sobreditos postulados tiveram o condão de se desdobrar e produzir consequências no âmbito interno dos países, passando a se irradiar por seus ordenamentos jurídicos, ao tempo em que compunham, de modo claro e robusto, suas Cartas Políticas. No Brasil, por exemplo, “a primeira manifestação de tais ditames foi vislumbrada na Carta Magna de 1824” (SÃO PAULO, s.d., s.p.). Desta feita, é possível verificar que, mesmo se tratando de um período no qual o Estado Brasileiro, quando império, encontrava-se imerso em uma aura de absolutismo e ideários que se contrapunham aos axiomas de democracia e liberdade, o constituinte positivou tal dogma.
Destarte, em um ambiente no qual as ideias de concentração de poder na figura de um único indivíduo, o Imperador, tinha pleno aceite, as concepções emanadas pelo Iluminismo permitiram o favorecimento do princípio da legalidade, mesmo que de forma tão tímida e limitada. Nesta senda, a guisa de exemplificação, pode-se trazer a lume a Constituição Outorgada de 1824, que apresentou essas premissas no artigo 179, sob a égide “Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brasileiros”:
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte:
I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei. (BRASIL, 1824) (texto na íntegra)
A partir da década de 1960, progressivamente, é possível verificar o fortalecimento de “uma atmosfera marcada pela maciça repressão, decorrente de um regime ditatorial, cujas características mais substanciais estão atreladas ao total desrespeito as instituições basilares de um Estado Democrático” (VERDAN, 2009, s.p.). Com realce, cuida salientar que a década de 1960, no cenário pátrio, inaugurou o período de ditadura militar, caracterizado pela supressão de garantias e pelo aviltamento aos direitos essenciais do indivíduo, bem como pelo desrespeito aos aspectos basilares da Tripartição de Poderes. Subsistiu, assim, o ultraje ao cidadão, enquanto ser humano dotado de potencialidades a serem desenvolvidas, as quais foram abreviadas pelo regime ditatorial adotado.
Todavia, com o decorrer das décadas e a insatisfação popular, buscando o estabelecimento da democracia, tal como dos ideários ostentados, a ditadura militar brasileira ruiu, em meados da década de 1980. Em razão de tais fatos, tornou-se imperiosa a construção de uma Carta Política que agasalhasse em suas linhas os anseios básicos da população, bem como os valores ultrajados e desrespeitados por um regime ditatorial, resguardando, por consequência, a população da manifestação arbitrária do ente estatal.
Desta sorte, o constituinte de 1988, influenciado por tais necessidades, inaugurou uma nova ordem, cujo pavilhão orientador estava alicerçado no garantismo constitucional. Neste sentido, ao adentrar nas linhas da Constituição Cidadã, vislumbra-se que o princípio da legalidade, no que concerne ao particular, foi abarcado no artigo 5°, incisos II e XXXIX, como cláusulas pétreas, elencando tal preceito como Direitos e Garantias Fundamentais. Destarte, urge trazer à tona a redação dos referidos incisos, os quais sustentam:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (omissis)
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (omissis)
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (BRASIL, 1988).
Por outra banda, ostentando o reverso desta liberdade restringida pela lei, ao administrador público só lhe é conferida a capacidade para agir em conformidade com os regramentos alinhados pelo próprio povo na Casa Legislativa ou de internos inerentes aos atos administrativos. Consagrado na redação do caput do artigo 37 da Carta de Outubro de 1988, o princípio da legalidade figura, dentro da Administração Pública, como diretriz fundamental, mormente no que concerne aos regramentos de seus agentes.
Com efeito, o constituinte desfraldou flâmula orientadora para atuação da Administração Pública, vinculando, via de extensão, o seu comportamento e tomada de decisão em consonância com os baldrames emanados pelo corolário em comento. O mandamento em exame, fruto da evolução política no decorrer de séculos, tem por embrião a criação do Estado de Direito, isto é, o Estado deve respeitar as próprias leis que produz.
Nesta esteira, adotando por preceito as ponderações vertidas até o momento, é possível colocar em destaque que a atividade administrativa, em sua atuação, reclama prévia autorização dos diplomas normativos, pois, caso contrário, materializa atividade ilícita. Ao lado disso, com o escopo de robustecer as ponderações aventadas, é possível evidenciar que “significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 21).
Em tal contexto, por extensão, bem se amolda ao esposado a premissa de que a vontade da Administração Pública tem como variante originária o que da lei decorre (DI PIETRO, 2010, p. 63), ou seja, não se vislumbra uma essência subjetiva, ao contrário tem como ponto de derivação a redação das normas que integram o ordenamento jurídico. Nesse sentido, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
No Estado de Direito a Administração só pode agir em obediência à lei, esforçada nela e tendo em mira o fiel cumprimento das finalidades assinaladas na ordenação normativa. Como é sabido, o liame que vincula a Administração à lei é mais estrito que o travado entre a lei e o comportamento dos particulares. Com efeito, enquanto na atividade privada pode-se fazer tudo o que não é proibido, na atividade administrativa só se pode fazer o que é permitido. Em outras palavras, não basta a simples relação de não-contradição, posto que, demais disso, exige-se ainda uma relação de subsunção. Vale dizer, para a legitimidade de um ato administrativo é insuficiente o fato de não ser ofensivo à lei. Cumpre que seja praticado com embasamento em alguma norma permissiva que lhe sirva de supedâneo (MELLO, 2013, p. 960).
Ora, é patente que a legalidade, enquanto corolário da administração, implica em o administrador pública ter sua atuação condicionada aos mandamentos dos diplomas normativos e às exigências do bem comum. Nesta esteira, ainda, não é possível que aquele se afaste ou mesmo desvie de tais preceitos, sob pena de praticar ato eivado de invalidade, tal como se expor a responsabilidade de essência disciplinar, civil e criminal, conforme a situação concreta materializada.
“A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. 2º da lei 9.784/99” (MEIRELLES, 2012, p. 89). Desta maneira, resta clarividente que, além da atuação em consonância com o contido nos diplomas normativos, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos. No mais, em sede de Administração Pública inexiste liberdade e vontade pessoal. Como sedimento das ponderações aventadas, é possível colacionar os entendimentos jurisprudenciais:
Ementa: Apelação cível. Servidor público municipal. Município de São Leopoldo. Adicional por tempo de serviço. Lei Municipal Nº 830/58, revogada pelas Leis Municipais Nº 3.729/91 e Nº 6.055/06. Vantagem pecuniária de mesma natureza jurídica disciplinada por lei nova. Princípio da legalidade. 1. A Administração Pública deve obediência ao princípio da legalidade (art. 37, caput, da CF/88), podendo fazer apenas o que a lei autoriza. (...) Apelo desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70050259167/ Relator: Desembargador Eduardo Uhlein/ Julgado em 20.03.2013).
Ementa: Conselho Superior da Magistratura. Recurso administrativo. Concessão de gratificação especial por gestão de contratos a gestores de suprimento de fundos. Impossibilidade de extensão do benefício. Ausência de previsão legal. Submissão ao princípio da legalidade. Recurso desprovido. (...) 3. A Administração, por ser submissa ao princípio da legalidade, não pode levar a termo interpretação extensiva ou restritiva de direitos, quando a lei assim não o prever de modo expresso. Nesse mesmo sentido, eis o uníssono entendimento da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "A atuação da Administração Pública é cingida ao princípio da legalidade estrita, devendo obediência aos preceitos legais, sendo-lhe defeso proceder interpretação extensiva ou restritiva, onde a lei assim não o determinar." (RMS 26.944/CE, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 27/05/2010, DJe 21/06/2010). 4. Recurso conhecido e desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – Conselho da Magistratura/ Recurso N° 100120030745/ Relator: Desembargador Carlos Henrique Rios do Amaral/ Julgado em 04.03.2013/ Publicado no DJe em 07.03.2013)
Neste sentido, inclusive, pode-se frisar, segundo os ensinamentos de Gasparini (2012, p. 61), o princípio da legalidade é a lídima manifestação de estar a Administração Pública, ao exercer sua atividade, atrelada aos postulados insculpidos na lei, não podendo, em hipótese alguma, dela se afastar, pois, caso o faça, a consequência imediata é a invalidade do ato e a responsabilidade do autor. Em aspectos teóricos, pode-se, por fim, gizar que o princípio da legalidade é base de todos os demais princípios que instruem, limitam e vinculam as atividades administrativas, sendo que a Administração só pode atuar conforme a lei (RIO GRANDE DO SUL, 2011)[1].
De igual forma, “em observância ao Princípio da Legalidade, a administração pública não pode, a pretexto de fazer justiça, agir em desconformidade com os parâmetros legais” (ESPÍRITO SANTO, 2011)[2]. Como claro exemplo de tais ponderações, fato é que até para o aumento do salário mínimo vigente, é necessário que haja norma, devidamente aprovada pelo Poder Legislativo, segundo os ditames instituídos na própria Carta da República, pois se assim não for, a sua instituição estará inquinada de vício.
3 O PODER ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
A pretensão punitiva do Estado, baseado no monopólio da administração da justiça, manifestado, de maneira histórica, por meio da vedação da vingança privada e da autotutela dos particulares, apresenta duas dimensões essenciais de atuação, projetando-se sobre os indivíduos por dois caminhos diversificados, quais sejam: o administrativo e o penal. Destarte, as sanções de cunho administrativo quanto as de natureza penal nada mais são do que as manifestações do poder punitivo, ou ius puniendi do Estado, em suas dimensões modalidades fundamentais.
Tradicionalmente, a doutrina diferencia as duas espécies de sanções com base nos escopos, ou seja, no caso penal, a tutela da ordem social geral, assegurando valores mais amplos, e, no caso da administrativa, a tutela da organização e ordem interna corporis, assegurando o bom funcionamento da máquina estatal. De acordo com Espinosa e Soares (s.d.), a categorização é simplista e despida de rigor técnico-científico, porquanto é fato que as sanções de cunho administrativo tendem a exceder o mero âmbito interno da Administração, apresentando reflexões externos, conquanto que indiretos, em toda a sociedade, destinatária final dos serviços públicos.
Ademais, o Estado, na busca do interesse público, assume uma posição de preponderância em suas relações com os particulares, consubstanciada em uma série de prerrogativas e poderes especiais conferidos pela própria ordem constitucional. Sem embargos, é oportuno, ainda, assinalar que “tal posição decorre do princípio basilar da supremacia do interesse público sobre o privado, que, ao lado do princípio da indisponibilidade do interesse público, norteia todo o direito administrativo, constituindo os seus dois sustentáculos básicos” (ESPINOSA; SOARES, s.d., p. 05).
O poder administrativo sancionador pode ser dirigido contra os administrados em geral ou contra pessoas que se encontrem em uma posição de sujeição especial, associadas ao Estado por liames contratuais ou estatutários. Destarte, no caso específico dos agentes estatais, a exemplo de servidores e funcionários públicos, estar-se-á diante do chamado poder disciplinar, exercido pela Administração sobre o seu quadro funcional.
O poder disciplinar, em tal concepção, é uma espécie do gênero do poder administrativo sancionador e consiste na prerrogativa conferida à Administração de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à especial disciplina dos seus órgãos e serviços, fundada no princípio da hierarquia, inerente a toda organização estatal. Assim, é forçoso reconhecer que o poder disciplinar não constitui uma faculdade discricionária do administrador, mas sim um poder-dever, eis que configurada a infração, a autoridade tem o dever de cumprir a lei e aplicar a penalidade correspondente, sob pena de também incorrer em ilícito administrativo, inexiste abertura legal para qualquer espécie de tolerância baseada em critérios pautados em afinidade pessoal. Com efeito, na esteira das lições de Marinella,
[...] o poder disciplinar conferido à Administração Pública lhe permite punir, apenar a prática de infrações funcionais dos servidores e de todos que estiverem sujeitos à disciplina dos órgãos e serviços da Administração, como é o caso daqueles que com ela contratam (MARINELLA, 2007, p. 162)
Mafra (2005), ainda, alude que o poder disciplinar da Administração não deve ser confundido com o poder punitivo do Estado, porquanto é realizado por meio da Justiça Penal. Para o autor, o poder disciplinar é interno à Administração, ao passo que o penal objetiva salvaguardar os valores e os bens mais importantes do grupo social em questão. Em complementação, Meirelles (1958, p. 06) aduziu que a punição disciplinar e a penal se fundam em motivos diversos, bem como diversa é a natureza das penas. Logo, a diferença percebida não é de grau, mas sim substância.
Dessa substancial diversidade entre a infração administrativa e a infração criminal resultam conseqüências bem diferençadas entre as duas punições, que podem se justapor, sem que ocorra bis in idem, vedado no Direito Penal, mas tolerado no Direito Administrativo. Por outras palavras, um procedimento pode ao mesmo tempo constituir falta administrativa e infração penal, sujeitando o seu agente às duas punições, sem que a isto se oponha o princípio do non bis in idem (MEIRELLES, 1958, p. 06).
Além disso, o poder disciplinar também é caracterizado pela discricionariedade em determinados aspectos. Sendo assim, enquanto no Direito Penal subsiste o princípio de que não há crime sem lei especial que o defina, o Direito Disciplinar não apresenta a rigidez quanto ao procedimento a ser seguido. Ademais, o administrador aplicará a sanção que julgar cabível, oportuna e conveniente dentre as que estiverem enumeradas em lei ou regulamento, podendo, em tal contexto, considerar a natureza, a gravidade da infração e os danos que resultarem para o serviço público. Meirelles, ainda, aduziu no sentido que:
O administrador, no seu prudente critério, tendo em vista os deveres do funcionário, em relação ao serviço, e verificando a falta, aplicará a sanção que julgar cabível, oportuna e conveniente, dentre as que estiverem enumeradas em lei ou regulamento para a generalidade das infrações administrativas (MEIRELLES, 1958, p. 07).
Neste diapasão, existe a liberdade do administrador para verificar se foi, ou não, cometida alguma infração administrativa, inclusive porque a legislação nacional emprega expressões amplas e dotas de imprecisão para conceituar determinadas faltas, tais como se observa, por exemplo, das locuções “procedimento irregular”, “ineficiência no serviço” ou “desapreço na repartição”. “Contudo, apesar dessa discricionariedade, o Estado não pode se omitir na apuração de qualquer falta funcional, tendo essa aplicação da pena disciplinar o caráter de poder-dever” (FORIGO, s.d., p. 06).
Em complemento ao exposto, a não apuração pode ser considerada conivência delituosa e, portanto, configura crime contra Administração Pública. Ora, todo chefe tem o poder e o dever de punir o subordinado quando este render ensejo ou, ainda, se lhe faltar competência para a aplicação da pena devida, fica na incumbência de noticiar o fato ao conhecimento da autoridade competente. Não é demasiado sustentar que o poder disciplinar, enquanto manifestação norteada pela supremacia do interesse público, não corresponde apenas ao Estado o direito de punir, mas sim o dever de punir.
4 A CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA DO SERVIDOR PÚBLICO COMO SANÇÃO ADMINISTRATIVA: REFLEXÕES À LUZ DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Em termos iniciais, a Lei nº 8.112/1990 é responsável, em razão do princípio da legalidade administrativa, por estabelecer as sanções disciplinares aplicáveis aos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Sendo assim, o artigo 127 do sobredito diploma legal espanca que são penalidades disciplinares: I - advertência; II - suspensão; III - demissão; IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade; V - destituição de cargo em comissão; VI - destituição de função comissionada (BRASIL, 1990). Em complementação, a redação do artigo 128 norteia no sentido que na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, tal como os danos produzidos para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais. É cediço, ainda, que o ato de imposição das penalidades mencionará, em razão do princípio da motivação, o fundamento legal e a causa que ensejou a aplicação da sanção disciplinar.
Tecidos tais comentários, em decorrência do recorte temático do presente, a sanção disciplinar preconizada no inciso IV (primeira parte) do artigo 127 da Lei nº 8.112/1990 – cassação da aposentadoria – será objeto de exame mais aprofundado, adotando como paradigma o entendimento jurisprudencial explicitado pelo Supremo Tribunal Federal. Martins (2016) afirma que a cassação de aposentadoria é penalidade administrativa assemelhada à demissão, eis que acarreta a exclusão do infrator dos quadros dos inativos e, consequentemente, a cessação de seus proventos. Ainda de acordo com Tavares e Santos,
A cassação dos proventos de um servidor público ocorre nos casos em que, ainda em atividade, o então funcionário da ativa tenha cometido falta punível como a pena de demissão, aplicada pela autoridade máxima a que o servidor estava vinculado, após a instauração do devido processo administrativo disciplinar, obrigatório para essas hipóteses (art. 146 da Lei no 8.112/1990), com fundamento no relatório elaborado pela comissão processante que sugeriu a pena de demissão ao indiciado (TAVARES; SANTOS, 2016, p. 83).
Veja-se, pois, que a cassação de aposentadoria consiste na extinção do vínculo jurídico mantido com o servidor jurídico aposentado ou em disponibilidade como mecanismo de punição por infração cometida por ele, quando em atividade e cuja sanção a ser cominada seria a de demissão (MARTINS, 2016, s.p.). A questão que exsurge sobre a temática em comento tangencia a possibilidade de aplicação da sanção disciplinar a servidor público acusado do cometimento de um ilícito administrativo no exercício de suas funções, mesmo após ter satisfeito os requisitos para a concessão de aposentadoria e depois de sua homologação pelo Tribunal de Contas. Ora, denota-se que o debate não está cingido as hipóteses em que se materializaram fraudes ou algum vício de legalidade no momento do deferimento do benefício previdenciário.
A sanção disciplinar em exame incide sobre aposentadorias legítimas, que foram concedidas devidamente pelo Poder Público, contudo, posteriormente, cassadas em decorrência de alguma falta grave perpetrada pelo servidor. Inexiste, pois, qualquer questionamento acerca da higidez do benefício conferido; “a suspensão somente ocorre por fato superveniente que alteraria o fundamento jurídico para a sua concessão” (TAVARES; SANTOS, 2016, p. 84). Martins, em complementação, esclarece que:
[...] a pena de cassação de aposentadoria pressupõe o cometimento de uma falta grave durante o exercício de suas atividades, ensejadora da demissão ao servidor ativo e que venha a ser aplicada a este somente após a sua aposentadoria, sempre com o objetivo de extinguir a relação jurídica existente entre o Estado e o servidor (MARTINS, 2016, s.p.).
O autor ora mencionado, ainda, sustenta que, em decorrência da Emenda Constitucional nº 20/1998, a aposentadoria, na condição de benefício, perdeu a característica de simplória mudança de situação funcional de ativo para inativo (MARTINS, 2016). Em razão da emenda aludida, a aposentadoria resgatou a característica inerente a qualquer benefício de natureza previdenciária, a saber: o recolhimento de contribuições para sua efetivação. Ao se devolver à aposentadoria do servidor o aspecto de benefício previdenciário, reconhece-se a proteção previdenciária e que essa exige a contribuição direta do protegido no custeio de suas ações como condição necessária para a qualificação do direito adquirido a essa proteção.
Não é demasiado rememorar que a previdência tem como escopo primordial a salvaguarda dos eventos preconizados no artigo 201 da Constituição Federal, quais sejam: doença, invalidez, morte, idade, reclusão, proteção à maternidade, proteção contra o desemprego involuntário, encargos familiares e acidente do trabalho. Ora, a previdência social pressupõe o pagamento de contribuições e riscos predeterminados (com determinada previsão financeira para realizar a cobertura). Nesta linha de exposição, é importante mencionar que “daí o entendimento de que a previdência se caracteriza como um seguro sui generis, uma vez que mesmo possuindo regramentos constitucionais e legais, pressupõe filiação obrigatória e o pagamento de contribuições para o gozo do benefício” (MARTINS, 2016, s.p.).
Estabelecidos tais aportes teóricos, o entendimento do Supremo Tribunal Federal cristalizado acena no sentido de que a sanção administrativa de cassação de aposentadoria encontra previsão e respaldo no Texto Constitucional. Como exemplo, a Primeira Turma se posicionou no sentido que a sanção administrativa de cassação de aposentadoria é cabível, conforme se extraem dos arestos:
Ementa: Direito Administrativo. Agravo Interno em Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Processo administrativo disciplinar. Penalidade de cassação de aposentadoria. 1. A competência para a aplicação da sanção de cassação de aposentadoria é do Ministro responsável pela supervisão administrativa do órgão ao qual o servidor efetivo era vinculado, ainda que estivesse cedido no momento da prática dos atos ilícitos. 2. A aplicação da penalidade observou a previsão legal (art. 132, IV, VIII e X, e art. 134, ambos da Lei nº 8.112/1990). [...] (Supremo Tribunal Federal. Órgão Julgador: Primeira Turma. Acórdão proferido em RMS 34.944 AgR. Relator: Ministro Roberto Barroso. Julgado em 07 nov. 2017).
Ementa: Direito Administrativo. Agravo Interno em Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Processo administrativo disciplinar. Improbidade administrativa. Cassação de aposentadoria. 1. Pena de cassação de aposentadoria aplicada a ex-Auditor da Receita Federal do Brasil, em razão da prática de improbidade administrativa (art. 132, IV, da Lei 8.112/1990). 2. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da constitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria prevista no art. 127, IV c/c 134 da Lei 8.112/1990, não obstante o caráter contributivo de que se reveste o benefício previdenciário. 3. Nos termos do art. 201, § 9°, da Constituição Federal, ‘para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei’. 4. Recurso desprovido. (Supremo Tribunal Federal. Órgão Julgador: Primeira Turma. Acórdão proferido em RMS 34.499 AgR. Relator: Ministro. Roberto Barroso. Julgado em 11 set. 2017).
Em mesmo caminho, cita-se o entendimento da Segunda Turma da Corte Constitucional Brasileira:
Ementa: Agravo regimental no recurso extraordinário. Administrativo. Processo administrativo disciplinar. Cassação da aposentadoria. Constitucionalidade. Independência das esferas penal e administrativa. Precedentes. 1. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido da possibilidade de cassação da aposentadoria, em que pese o caráter contributivo do benefício previdenciário. [...] (Supremo Tribunal Federal. Órgão Julgador: Segunda Turma. Acórdão proferido no RE 1.044.681 AgR. Relator: Ministro Dias Toffoli. Julgado em 06 mar. 2018).
Por derradeiro, ainda como ilustração, o Tribunal Pleno do Sodalício Constitucional já externou que:
Ementa: Agravo Regimental. Suspensão de tutela antecipada. Servidor público estadual. Cassação de aposentadoria. Constitucionalidade. Decisão agravada que deferiu a suspensão de tutela antecipada. Agravo regimental improvido. [...] II – O Plenário Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela constitucionalidade da cassação da aposentadoria, inobstante o caráter contributivo de que se reveste o benefício previdenciário. Precedentes: MS 21.948/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, MS 23.299/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence e MS 23.219-AgR/RS, Rel. Min. Eros Grau. [...] (Supremo Tribunal Federal. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Acórdão proferido em STA 729 AgR. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente). Julgado em 28 mai. 2015).
É perceptível que o entendimento jurisprudencial apresentado pelo Supremo Tribunal Federal é pacífico no sentido de reconhecer que a sanção administrativa de cassação de aposentadoria encontra plena sustentação no sistema constitucional em vigor. Além disso, o Ministro Edson Facchin, por decisão monocrática, em sede de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 33.778, entendeu que
[...] o fato do servidor público ter atendido aos requisitos para a concessão de aposentadoria não impede a instauração de processo administrativo para apurar a existência de falta eventualmente praticada no exercício do cargo, porquanto os fatos que ensejaram a cassação de sua aposentadoria se deram no exercício do cargo (BRASIL, 2018, p. 11).
Entrementes, o Sodalício Constitucional, diga-se de passagem, ainda não enfrentou a questão sobre a constitucionalidade da temática envolvendo o a questão de natureza contributiva do regime previdenciário constituir empecilho à penalidade de cassação da aposentadoria. Neste aspecto, de acordo com Tavares e Santos (2016), deve-se analisar a temática sob um duplo aspecto: mantendo-se a constitucionalidade da sanção administrativa de cassação de aposentadoria, de um lado; contudo, permitindo, doutro ponto, o aproveitamento no regime geral de previdência social, do tempo de contribuição prestado pelo servidor ao regime próprio, mediante compensação financeira entre os sistemas públicos de seguro social.
Em tom de acréscimo, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.882-DF terá a oportunidade de enfrentar os pontos ora mencionados, contudo, até o momento encontra-se concluso ao Relator. A Procuradoria Geral da República apresentou manifestação no sentido de “tampouco há inconstitucionalidade aí, uma vez que a perda do cargo ou função pública acarreta o rompimento dos vínculos previdenciários, causado por ato ilícito do próprio servidor” (BRASIL, 2014, p. 14).
REFERÊNCIAS
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[2] ESPÍRITO SANTO. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Acórdão proferido em Recurso Nº. 100100033974. Conselho da Magistratura. Recurso Administrativo. 1) Alteração na localização de servidor. Impossibilidade. Ato Discricionário da Administração. Motivos Pessoais Insuficientes. 2) Aplicação subsidiária do artigo 146, parágrafo segundo, da lei complementar 46⁄94. Descabimento. Observância ao princípio da legalidade. 3) Modificação da lotação de servidores. Impertinência. Obstrução ao Planejamento do Tribunal de Justiça. 4) Efetivação da remoção ocorrida no corrente ano. Não conhecer. Inovação em sede recursal. Supressão de instância administrativa. Recurso parcialmente conhecido e improvido. Órgão Julgador: Conselho de Magistratura. Relator: Desembargador Sérgio Luiz Teixeira Gama. Julgado em 31.01.2011. Disponível em: . Acesso em 12 out. 2018.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VERDAN, Tauã Lima. A cassação da aposentadoria do servidor público como sanção administrativa: uma análise à luz do painel jurisprudencial do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jan 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52616/a-cassacao-da-aposentadoria-do-servidor-publico-como-sancao-administrativa-uma-analise-a-luz-do-painel-jurisprudencial-do-stf. Acesso em: 24 dez 2024.
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