RESUMO: trata-se de artigo que tem por objetivo demonstrar a visão do Supremo Tribunal no tratamento do princípio da presunção de inocência ao longo destes quase trinta anos, da nova ordem constitucional, bem como a divergência entre o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que entende pelo caráter perpétuo dos antecedentes criminais e do Supremo Tribunal Federal (STF), cujo posicionamento está inclinado para o caráter temporário. Neste sentido, foi analisado alguns casos importantes que demandaram o STF na apreciação princípio da presunção de inocência. O trabalho foi finalizado com um prospectivo no sentido de que a Corte Suprema definirá pelo caráter temporário dos antecedentes criminais, assim como fez o legislador em relação à agravante da reincidência penal.
Palavras-chave: Casos difíceis. Supremo Tribunal. Aborto. Anencefalia. Execução Provisória. Pena. Antecedentes. Perpetuidade. Temporariedade.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2 . O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL E SEU RECONHECIMENTO UNIVERSAL. 3. A IRRADIAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PARA OUTRAS ÁREAS DO DIREITO – ALGUNS CASOS DIFÍCEIS. 4. O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. CASO DIFÍCIL AINDA NÃO PACIFICADO. 5. O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA LIMITANDO O AMBITO DE APLICAÇÃO DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS E A DIVERGÊNCIA QUANTO A SUA (NÃO) PERPETUIDADE. 6. CONCLUSÃO. 7 REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
No ano vindouro comemoraremos 30 (trinta) anos de Constituição Federal, cuja interpretação e guarda, compete ao nosso Supremo Tribunal Federal, também conhecido de Tribunal Constitucional, com competência para julgamento de matérias eminentemente constitucional, salvo as hipóteses de competência originária estabelecidas na Constituição.
A Constituição Federal é o ápice do ordenamento jurídico brasileiro, de modo que as demais espécies de normas a ela se submete. Sendo assim, as normas já existentes ao tempo da sua inauguração ou foram recepcionadas ou foram revogadas tacitamente. Já as novas normas devem se adequar ao texto constitucional, sob pena de serem julgadas inconstitucionais, não só em ação direta de inconstitucionalidade, como também de forma difusa, por qualquer juiz ou tribunal que seja provocado a analisar a matéria que esteja contrária à Carta Magna.
Segundo o professor Luís Roberto Barroso, ao discorrer sobre as transformações do direito constitucional contemporâneo ensina que três marcos fundamentais se destacam: o histórico, o filosófico e o teórico. Este último, refere-se às transformações que sofreu a hermenêutica jurídica:
[...] com o surgimento de um conjunto de ideias identificadas como nova interpretação constitucional. Nesse ambiente, foram afetadas premissas tradicionais relativas ao papel da norma, dos fatos e do intérprete, bem como foram elaboradas ou reformuladas categorias como a normatividade dos princípios, as colisões de normas constitucionais, a ponderação como técnica de decisão e a argumentação jurídica.
De fato, na vigência da nova ordem constitucional, em que o legislador constituinte formatou a Constituição tendo como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, inerente a um Estado democrático de direito, elencando um extenso rol de direitos e garantias fundamentais, seria natural o surgimento de demandas junto ao Supremo Tribunal Federal no sentido de interpretar a legislação infraconstitucional, sob a ótica da nova Constituição, especialmente nos casos do direito punitivo.
Assim, vários foram os casos difíceis submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, especialmente aqueles que conflitaram com o princípio da presunção de inocência, os quais serão aqui rememorados, sem muito aprofundamento, mas de pronto, observa-se que os casos penais difíceis normalmente estão em confronto com alguma garantia constitucional expressa ou implícita na Constituição.
No entanto, o objetivo principal deste trabalho é, após discorrer sobre o princípio da presunção de inocência, considerando a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal, tratar dos antecedentes criminais, instituto de direito penal aferido na primeira fase da dosimetria da pena (art. 59, CP), especialmente pela divergência encontrada nos tribunais e na doutrina penal brasileira, no tocante à adoção do sistema da perpetuidade, o que, in tesi, conflita com alguns princípios constitucionais, estando afeto a sua Repercussão Geral no RE 593.818 RG[1], à relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso.
O tema talvez não seja daqueles casos difíceis enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal, no entanto é de grande relevância não só acadêmica, mas também jurídica, pois influenciará em milhares de casos penais que aguardam julgamento e quiçá até mesmo nos casos em execução, uma vez que os antecedentes criminais influenciam na dosagem da pena, mais especificamente na primeira fase, na fixação da pena-base, com reflexos nas demais fases da dosimetria.
Para se chegar ao objeto do trabalho, será necessário fazer um resgate do princípio da presunção da inocência, uma vez que teve influência na definição não só da reincidência, mas também na definição de maus antecedentes criminais.
2. O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL E SEU RECONHECIMENTO UNIVERSAL
O princípio da presunção de inocência expresso na Constituição Federal com a dicção de que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória" (Art. 5, inc. LVII, CF), não encontra resistência doutrinária e jurisprudencial quanto a sua aplicação no âmbito criminal. Em regra, as discussões sobre a presunção de inocência estão relacionadas com a inversão do ônus da prova em matéria penal, as cautelares que podem restringir a liberdade do indivíduo, a execução provisória da pena, a reincidência e os maus antecedentes.
O princípio da presunção de inocência surgiu em favor do indivíduo contra ações do Estado, especialmente na esfera penal, em face do seu jus puniendi. Isso porque a partir da ocorrência do delito, o Estado, com sua força soberana, passa a buscar a autoria e materialidade, utilizando-se de todos os recursos legais disponíveis, dentre eles, a busca e apreensão domiciliar, prisões cautelares, quebra de sigilos (fiscal, bancário, telefônico, correspondência), investigações diversas com aparato policial, incluindo a realização de perícias variadas, enfim, tudo que for legal e possível para identificação do autor e a coleta das provas suficientes para desencadear uma condenação, demandando ações no âmbito policial, Ministério Público e Poder Judiciário.
Neste sentido, o princípio da presunção de inocência surge para limitar a ação do Estado. Segundo Bento[2], o princípio da presunção de inocência desdobra-se em três momentos necessários para a investigação científica, quais sejam:
[...] primeiro, quanto ao tratamento dispensado ao cidadão submetido a uma investigação policial, onde deve ser preservado o estado inicial em que se encontrava antes do início da persecução penal, qual seja inocente; segundo momento, quanto à utilização das prisões provisórias que, dependendo do caso, pode refletir como uma antecipação de pena; e terceiro momento, quanto à valoração de provas na instrução criminal, implicando até em absolvição plena do que em absolvição por insuficiência de provas, que poderá ser uma ação civil de indenização pelo cometimento do pretenso crime, e reiniciando a fase probatória.(sem negrito no original)
Além disso, o princípio da presunção de inocência configura um direito constitucional fundamental, ou seja, está inserido no rol dos direitos e garantias fundamentais da pessoa (art. 5.º). Do ponto de vista intrínseco é um direito de natureza predominantemente processual, com repercussões claras e inequívocas no campo probatório, das garantias e de tratamento do acusado. No entanto, cuida-se de uma presunção iuris tantum, significando dizer que admite prova em sentido contrário. Assim, uma das consequências imediata da presunção de inocência é a vinculação de todos (poderes públicos e particulares)[3].
A doutrina aponta que o princípio da presunção de inocência surgiu em 1215, com a Magna Carta Libertatum, imposta ao rei inglês João-sem-terra[4], representando uma vitória da liberdade e a valorização da pessoa em relação ao Estado, uma vez que no seu art. 39, reconheceu que os "homens livres devem ser julgados pelos seus pares e de acordo com a lei da terra [distanciando progressivamente da crença de que os homens deveria ser julgados pelo Ser superior, entidade divina], como ditame originário da presunção de inocência, do contraditório, da ampla defesa, e da proibição de provas ilícitas"[5] Mas, também é certo que alguns autores registram que a presunção de inocência remonta ao direito romano.[6]
A presunção de inocência surge em reação a um processo penal de caráter inquisitivo, que vigorou em certo período da história da humanidade, onde o direito penal foi utilizado "como instrumento de perseguição, com prisões com base em boatos, condenações infundadas baseadas em revanchismo ou oportunismo dos que manipulavam o poder"[7], ou seja, época de um direito penal inquisitivo em que vigorava o segredo e o emprego da tortura, contrariando os ditames da dignidade humana, pregado nos ensinamentos de Cesare Beccaria, na sua obra “Dos Delitos e das Penas” (1764), tempo em que criticou ferrenhamente as acusações secretas, os juramentos, a tortura e a pena de morte, propondo a humanização das penas e a sua proporcionalidade, além de sugerir a introdução de um tratamento humano aos processados[8]. Dizia Beccaria: "um homem não pode ser tido como culpado antes que a sentença do juiz o declare; e a sociedade apenas lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido que ele tenha violado as normas que tal proteção lhe foi dada".[9]
A Declaração de Direitos do Bom Povo da Virginia, uma das treze colônias inglesas na América e datada de 12 de janeiro de 1776, já contemplava institutos que reforçaram a presunção de inocência, uma vez que abarcava "o direito de defesa nos processos criminais, bem como julgamento célere por júri imparcial, posto que ninguém seria privado de sua liberdade, exceto por lei da terra ou julgamento de seus pares"[10], ou seja, havia um abrandamento da norma, pela presunção de que possivelmente o cidadão poderia ser inocente de imputações feitas em face da sua pessoa.
Com a eclosão da Revolução Francesa, pela primeira vez, o princípio da presunção de inocência foi positivado no art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, com a dicção de que: "Todo o homem presume-se inocente enquanto não houver sido declarado culpado; por isso, se julgar indispensável a sua prisão: todo rigor necessário, empregado a efetuar, deve ser severamente reprimido pela lei"[11]. Neste sentido, "fica evidenciada a clara intenção dos revolucionários iluministas em estabelecer outro eixo para o processo penal, qual seja, a abolição da presunção de culpa e a fixação da presunção de inocência para todos os imputados", conforme afirma Moraes[12]. Assim, a Declaração Francesa acabou por influenciar que o indivíduo investigado pela prática de crime, no decurso do processo ou do inquérito policial deveria ser tratado com o mínimo de dignidade, evitando-se sua submissão a institutos ou condições que o equiparasse como culpado[13].
A partir daí, a tutela normativa da presunção de inocência passa a ter um caráter universal, pois foi reproduzido em diversos documentos internacionais[14], sendo que na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), adotada nas Organizações das Nações Unidas (ONU), trouxe em seu artigo 11 que: "todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa". Já O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, estabeleceu no seu art. 14, item 2, que “toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”. Mas antes disso, na Europa, em 1950, a Convenção Europeia sobre Direitos Humanos[15] trouxe no seu art. 6º, item 2, a regra de que “qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada”. Por sua vez, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, (Pacto de São José da Costa Rica), carrega consigo que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.
Agora mais recente, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, ratificado pelo Brasil no Decreto[16] n. 4.388, de 25 de setembro de 2002, criado para julgar os crimes de guerra, agressão, contra a humanidade e de genocídio, assim como os crimes contra o próprio tribunal, também contemplou o princípio da presunção de inocência, na medida em que no seu art. 66, garantiu que:
1. Toda a pessoa se presume inocente até prova da sua culpa perante o Tribunal, de acordo com o direito aplicável.
2. Incumbe ao Procurador o ônus da prova da culpa do acusado.
3. Para proferir sentença condenatória, o Tribunal deve estar convencido de que o acusado é culpado, além de qualquer dúvida razoável.
Como se pode ver, os documentos internacionais apontados, utilizam-se das expressões "delito" ou "infração", gênero da espécie crime, o que justifica a sua utilização na esfera criminal, sem nenhum questionamento, especialmente, com o instituto da prisão que deve ser sempre o último instrumento coercitivo a ser utilizado pelo Estado. E é neste sentido que a nossa Constituição somente autoriza a prisão por ordem judicial (prisão pena e cautelares), salvo a prisão em flagrante (art. 5º, inc. LXI), demonstrando que, mesmo antes de uma sentença penal condenatória definitiva, é possível a prisão de alguém, o que em tese, tornam as prisões cautelares (preventiva e temporária) como constitucionais, implicando dizer que o princípio da presunção de inocência é flexibilizado dentro da sua própria órbita de aplicação que é o direito criminal, o que não impede a sua análise nas outras esferas do direito conforme passamos a discorrer.
3. A IRRADIAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PARA OUTRAS ÁREAS DO DIREITO – ALGUNS CASOS DIFÍCEIS.
O teor literal do texto constitucional de que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória" (Art. 5, inc. LVII, CF), não dá margem a garanti-lo em áreas extrapenal, uma vez que está ligado à exigência de uma “sentença penal” condenatória definitiva.
Ocorre que no Brasil, o princípio da presunção de inocência acabou por irradiar para outras áreas do direito. Seria isso, uma característica genuinamente brasileira? Cremos que não! E isso foi demonstrado em uma sentença datada de 1290, em Portugal, quando a presunção de inocência foi acatada em caso característico de direito civil:
Conta-se que certa pessoa, João Perez, dizia-se credor de Garcia Estevez em quatro maravedis, dívida esta negada por Garcia Estevez, pelo que, João Perez, desafiou-o a jurar nos Santos Evangelhos, ou que ele o faria. Marcado o dia de julgamento, somente Garcia Estevez, o suposto devedor, apareceu. Como não comparecera o suposto credor, Garcia Estevez pediu ao julgador que o liberasse do juramento. O julgador assim decidiu (douvos em juyzo deste juramento por quite) pondo fim ao processo, absolvendo Garcia Estevez. [...] A sentença de absolvição é datada de agosto de 1290[17].
Como dito anteriormente, os documentos internacionais que contemplaram o princípio da presunção de inocência, utilizaram das expressões "delito" ou “infração", sendo que para nós, delito pode ser civil ou penal, apesar de ser mais comum sua utilização na esfera penal. Da mesma forma ocorre com a expressão “infração” que pode ser penal ou civil, a exemplo das infrações administrativas, bem como a referência expressa na Lei de Introdução do Código Penal (Decreto-lei n. 3.914/41), que no seu artigo 1° previu que: "Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção[...]; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples [...][18].
Em ensaio sobre o ilícito penal e ilícito civil, José de Castro Meira, após resgatar a origem dos termos maleffcium, flagitum, fraus, facinus, peccatum, probum, crimen e delictuma, conclui que: "a palavra delito, portanto, tem originalmente uma compreensão bastante ampla, não se prestando apenas à definição da ilicitude penal". Diz ainda, que a palavra ilícito corresponde "a torto, em italiano, e a entuerto, em espanhol, expressões que, por si sós, deixam clara a ideia do que não é certa, torcido, contrário ao direito"[19]. Cita ainda que "há delitos que gozam de escusa absolutória, sem que percam o seu caráter ilícito, como também se multiplicam as infrações administrativas e disciplinares, sancionadas pela lei com pena, sem que se revistam de natureza delituosa".
Mas não vamos nos prender à elucidação das palavras delito, ilícito, infração, seja de natureza civil ou penal, optaremos por acatar a divisão em ilícito civil (administrativo e eleitoral) e ilícito penal, sendo certo que, em regra, um ilícito exclusivamente civil, não comporta responsabilização penal, o que torna inviável a aplicação do princípio da presunção de inocência, que no texto constitucional brasileiro deixa claro tratar-se de princípio de direito criminal.
Por outro lado, muitas condutas que constituem ilícito penal (crime ou contravenção), também são condutas responsabilizadas na esfera civil, administrativa, trabalhista, eleitoral, as quais apesar de serem instâncias independentes, sofrem influência imediata da esfera criminal. Daí que o Código de Processo Penal previu que a sentença penal condenatória serve como título executivo judicial para promoção da ação civil ex-delito (art. 63, CPP), estabelecendo, ainda, que quando o juiz criminal decide pela condenação, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido (art. 387, IV)[20].
Ressalte-se que o Código Penal prevê como efeito extrapenal da condenação, a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo, incapacidade do exercício do pátrio poder, tutela ou curatela e a inabilitação para dirigir veículo (art. 92), não sendo eles automáticos, exigindo que sejam motivadamente declarados na sentença. Além disso, existem crimes que tem como efeito automático da condenação a perda do cargo público (não exigindo que sejam declarados na sentença criminal), a exemplo dos crimes de tortura, previsto na Lei n. 9.455/97 (§7º do art. 1º) e os crimes previsto na Lei n. 12.850/2013 que define a organização criminosa (art. 2º, §6º). Mas todos estes efeitos condenatórios apontados exigem que a sentença penal tenha transitado em julgado.
Daí que surge a irradiação do princípio da presunção de inocência para outras áreas do direito, pois como aplicar qualquer destes efeitos condenatórios, se a sentença criminal ainda não transitou em julgado? Desta forma a doutrina do Direito Administrativo sancionador vem adotando o princípio da presunção de inocência, uma vez que esta seara do direito é muito similar ao direito criminal, cabendo ao Estado o ônus da prova, que irá ilidir a presunção de inocência.
Mattos[21] para justificar a aplicação do princípio da presunção de inocência no direito administrativo disciplinar, faz um relato histórico deste princípio desde o seu surgimento com os ideais da Revolução Francesa (1789-1799) até os dias atuais, passando pelos principais documentos internacionais, antes mencionados. Segundo ele:
O processo disciplinar atinge também um status de realidade permanente, onde o Estado assume a obrigação de estabelecer o princípio da certeza, através da apuração da verdade. Sendo certo, que a verdade está abrigada na prova, pois sem ela, não há plausibilidade para se levar a efeito uma punição disciplinar[22].
A presunção de inocência no Direito Administrativo é tão sólida que foi reconhecida expressamente no art. 20 da Lei n. 8.429/92, que trata da improbidade administrativa, ao dispor que: “a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória”. Neste ponto, Mattos esclarece que:
[...] Em nome da segurança jurídica, o art. 20 assenta que a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos do acusado só se efetivam após o transito em julgado da sentença condenatória. Essas penas estão contidas no art. 12, aplicáveis aos agentes públicos condenados por ato de improbidade administrativa. Os efeitos dessa condenação refletem-se na esfera administrativa e política do agente público, não sendo lícito considerar-se culpado antes do trânsito em julgado da sentença (art. 5º, LVII, da CF) quem quer que seja, ainda mais quando se trata de privações políticas e funcionais”. A prudência exige que a perda desses fundamentais direitos somente se efetive após o esgotamento de todos os recursos cabíveis, para que não se puna o agente público antes que a Justiça possa considerá-lo, em definitivo, inocente ou culpado da acusação que lhe é desferida ou mande arquivar a ação por qualquer vício processual. O Estado Democrático de Direito não permite a aplicação de graves sanções, com a condenação preliminar do acusado, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, tendo em vista a possibilidade de reversibilidade do que foi determinado: [...] (negritei)[23]
Também na área de concursos públicos, onde se analisa a vida pregressa de candidatos, tem se reconhecido o princípio da presunção de inocência, de forma que simples anotações relacionadas à prática de delitos, sejam em inquéritos policiais, sejam em ações penais, sem condenações com trânsito em julgado, não tem servido para afastar candidatos dos concursos públicos, conforme já manifestou o Supremo Tribunal Federal, nos julgados abaixo:
[...] I - Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. II - Agravo regimental improvido. (RE 559135 AgR, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 20/05/2008)[24] No mesmo sentido: ARE 733.957-AgR, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 6-12-2013, DJE de 12-12-2013 e AI 855.448, rel. min. Luiz Fux, decisão monocrática, julgamento em 31-5-2012, DJE de 6-6-2012;
[...] O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a eliminação do candidato de concurso público que esteja respondendo a inquérito ou ação penal, sem pena condenatória transitada em julgado, fere o princípio da presunção de inocência. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 741101 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 28/04/2009) [25]
No RE 634.224/DF, o STF decidiu que “A exclusão de candidato regularmente inscrito em concurso público, motivada, unicamente, pelo fato de haver sido instaurado, contra ele, procedimento penal, sem que houvesse, no entanto, condenação criminal transitada em julgado, vulnera, de modo frontal, o postulado constitucional do estado de inocência, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República” [26].
No entanto, em virtude da independência das instancias (penal e administrativa), o fato de não existir ainda uma sentença penal condenatória, não impede a instauração de processo administrativo disciplinar (MS 21.545, voto do Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 11-3-1993, Plenário, DJ de 2-4-1993.)[27] No mesmo sentido: AI 747.753-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 14-9-2010, Segunda Turma, DJE de 28-10-2010.[28]
Ainda, no tocante a irradiação do princípio da presunção de inocência para outras áreas do direito, vale lembrar que em agosto de 2008 o Supremo Tribunal Federal julgou a ADPF N. 144, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) [29], distribuída ao Ministro Celso de Melo, que, entre vários questões, postulava que fosse declarada, a não-recepção de alguns dispositivos da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, que dispõe sobre as hipóteses de inelegibilidade no Brasil.
Para a AMB, a exigência do trânsito em julgado impedia a Justiça Eleitoral reconhecer a inelegibilidade de muitos candidatos já condenados criminalmente, sem transito em julgado, ou com representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político. Argumentava-se que o vasto arsenal de recursos e a morosidade natural do processo penal brasileiro, acabava por tornar a inelegibilidade praticamente uma norma inócua, peticionando para afastar a exigência do trânsito em julgado, para que a Justiça Eleitoral pudesse considerar a sentença condenatória em processo criminal, independentemente do seu trânsito em julgado, como fato impeditivo de elegibilidade.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal, em uma posição contramajoritária, considerou improcedente a pretensão da autora, concluindo entre outras questões que seria perfeitamente constitucional a norma que exige o trânsito em julgado para considerar o candidato inelegível, pois em consonância com o princípio da presunção de inocência que irradia para o campo do direito eleitoral.
Registrou-se no voto do Relator Ministro Celso de Melo, que “somente os eleitores dispõem de poder soberano e de legitimidade para rejeitar, pelo exercício do direito de voto, candidatos ímprobos, desonestos e moralmente desqualificados”, ou seja, não se admitindo que a vida pregressa dos candidatos seja mantida em sigilo e inacessíveis aos cidadãos.
Ressaltou o conflito ideológico entre o valor da presunção de inocência e o desvalor do postulado autocrático que privilegia a onipotência do Estado, que, segundo o relator, se revelou muito nítido na Itália, utilizando os ensinamentos de Antônio Magalhães Gomes Filho, rememorando as três escolas que surgiram a partir do século XIX:
A Escola Clássica, cujos maiores expoentes foram FRANCESCO CARRARA E GIOVANNI CARMIGNANI, que sustentavam, inspirados nas concepções iluministas, o dogma da presunção de inocência, a que se seguiram os adeptos da Escola Positiva, como ENRICO FERRI e RAFFAELE GAROFALO, que preconizavam a ideia de que é mais razoável presumir a culpabilidade das pessoas, e, a refletir o espírito do tempo" (Zeitgeist) que tão perversamente buscou justificar visões e práticas totalitárias de poder, a Escola Técnico-Jurídica, que teve, em EMANUELÉ CARNEVALE e em VINCENZO MANZINI, os seus corifeus, responsáveis, dentre outros aspectos, pela formulação da base doutrinária que deu suporte a uma noção que prevaleceu ao longo do regime totalitário fascista - a noção de que não tem sentido nem é razoável presumir-se a inocência do réu!!!
Relembrou que a Constituição brasileira de 1988, fundada em bases democráticas, é contrária ao absolutismo do Estado e a força opressiva do poder, em face do contexto histórico que justificou, em nosso processo político, a ruptura com paradigmas autocráticos do passado que:
[...] baniu, por isso mesmo, no plano das liberdades públicas, qualquer ensaio autoritário de uma inaceitável hermenêutica de submissão, somente justificável numa perspectiva "ex parte principis", cujo efeito mais conspícuo, em face da posição daqueles que presumem a culpabilidade do réu, ainda que para fins extrapenais, será a virtual esterilização de uma das mais expressivas e historicamente significativas conquistas dos cidadãos, que é a de jamais ser tratado, pelo Poder Público, como se culpado fosse!
Afirmou, em seu voto, que presunção de inocência, embora historicamente vinculada ao processo penal, também irradia os seus efeitos, sempre em favor das pessoas, contra o abuso de poder e a prepotência do Estado, demonstrando ainda que a irradiação da presunção de inocência ocorre ainda em outros países, ou seja, que não é criação brasileira, citando a Corte Portuguesa:
[...] o Tribunal Constitucional português, examinando a validade jurídica de certo diploma normativo, declarou-o inconstitucional na parte em que determinava a perda total, pelo servidor, de sua remuneração, em decorrência de suspensão preventiva resultante da mera instauração de processo disciplinar, sequer concluído.
Esse julgamento, realizado em 1990 (Acórdão n. 198/90, Relator Conselheiro Monteiro Diniz, "in" "Acórdãos do Tribunal Constitucional7', vol. 16/473), acha-se consubstanciado em decisão assim ementada: I - O princípio da presunção de inocência do arguido é, no seu núcleo essencial, aplicável ao processo disciplinar. II - Este princípio ilegítima a imposição de qualquer ônus ou restrição de direitos ao arguido que representem a antecipação de condenação. III - é, pois, inconstitucional a norma que consente a perda total de vencimento do funcionário desligado ao serviço em virtude de processo disciplinar, por se traduzir na antecipação de um quadro de efeitos semelhantes ao da pena disciplinar de demissão. [...].
Alertou sobre a relevância da coisa julgada, uma vez que propicia a estabilidade das relações sociais e a superação dos conflitos, consagrando a segurança jurídica, “que traduz, na concreção de seu alcance, valor de transcendente importância política, jurídica e social, a representar um dos fundamentos estruturantes do próprio Estado democrático de direito”.
Importa salientar que o a presunção de inocência foi tratada na ADPF n. 144, não como regra, mas como princípio constitucional. Se fosse regra, estaria limitada ao direito penal, o que impediria a sua irradiação para o direito eleitoral. Já os princípios, por serem “mandamentos de otimização”, que segundo Alexy “são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possiblidades jurídicas e fáticas existentes”, ou seja, que podem ser satisfeitos em graus variados, que além de depender de possibilidades fáticas, também dependem das possibilidades jurídicas[30], ou seja, o seu alcance é bem maior do que as regras.
Neste sentido concluiu o STF que a presunção de inocência “projeta-se para além de uma dimensão estritamente penal, alcançando quaisquer medidas restritivas de direitos, independentemente de seu conteúdo, ainda que em sede administrativa”, julgando improcedente a ADPF N. 144.
Ocorre que, em 16 de dezembro de 2012, o Supremo Tribunal Federal foi novamente demandado a se manifestar sobre o princípio da presunção de inocência, quando julgou conjuntamente as Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 29 (Partido Popular Socialista) e nº 30 (Conselho Federal da OAB) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4578 (a Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL). As ações declaratórias foram julgadas procedentes, ou seja, considerados como constitucionais os dispositivos da Lei Complementar n. 135, de 04 de junho de 2010 (Lei da Ficha Limpa), enquanto que a ação de inconstitucionalidade foi considerada improcedente. A relatoria foi do Ministro Luiz Fux.
A mudança da composição da Corte Suprema, com o ingresso dos Ministros Luiz Fux, Dias Toffoli e Rosa Weber, bem como a pressão popular à época, foi suficiente para mudança de entendimento pela flexibilização do princípio da presunção de inocência, com o entendimento de que não se estendia ao direito eleitoral, especificamente à Lei da Ficha Limpa, passando a admitir na análise de vida pregressa de candidatos, a consideração da existência de condenação judicial não definitiva, a rejeição de contas, a renúncia abusiva ou perda de cargo.
Neste segundo julgado, observamos que o STF deixou passar a oportunidade de utilização da técnica de sopesamento (ponderação) de Robert Alexy, especialmente na discussão sobre o princípio da presunção de inocência versus princípio da moralidade administrativa, apesar de o Ministro Ricardo Lewandowski, durante os debates, ter alertado ao pleno que estavam diante de uma hipótese de ponderação de valores de mesma natureza constitucional e do mesmo nível, ou seja, estavam diante de um “direito individual a ser sopesado contra um direito coletivo, que também tem abrigo na Constituição, e que se espraia por vários dispositivos da Constituição, a começar pelo artigo 37, caput, que fala da moralidade”, no entanto, sua voz não foi suficiente para a utilização da técnica do sopesamento de Robert Alexy[31].
Assim, podemos afirmar que o princípio da presunção de inocência, apesar de o seu texto literal demonstrar que foi cunhado para a área criminal, observamos que a jurisprudência e a doutrina brasileira, acabou por entender que ele se irradia para outras esferas do direito, especialmente para o Direito Administrativo, vindo expressamente previsto na Lei de Improbidade Administrativa, no entanto, no plano do direito eleitoral, o Supremo mudou seu entendimento, para prestigiar a Lei da Ficha Limpa, atendendo aos reclames popular, o que em tese, foge à regra do papel contramajoritário do STF.
4. O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. CASO DIFÍCIL AINDA NÃO PACIFICADO.
Outro importante tema que vem incomodando a comunidade jurídica, especialmente aqueles que lidam nas defesas criminais, diz respeito à possibilidade (ou não) da execução provisória da pena, em virtude da recente guinada na jurisprudência do STF, que rompeu com o precedente estabelecido no HC N. 84.078/MG (05/02/2009), de relatoria do Ministro Eros Grau, ocasião em que declarou ofensiva ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade a execução provisória da pena de prisão, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
A mudança de orientação do STF, decisão de plenário, (ADCs n. 43 e 44) entendeu que o art. 283 do CPP não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância. Além disso o Plenário virtual reafirmou, em sede de repercussão geral (Tema nº 925) no sentido de que:
[...] a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, a Constituição Federal. (ARE nº 964.246/SP, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 25/11/16)
Ressalte-se que referido ARE n. 964246/SP de relatoria do Ministro Teori Zavaski, foi julgado após a decisão do HC n. HC 126292, em 17/02/2016, também de sua relatoria em que concluiu no mesmo sentido.
No entanto, em que pese estas duas decisões, uma delas em repercussão geral, com força obrigatória, a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado, parece não ter se pacificado, em face das seguintes indagações: a) essa decisão pode retroagir para alcançar fatos passados? b) Essa decisão deve ser aplicada obrigatoriamente a todos os casos já julgados pelos tribunais de segunda instância, mesmo naqueles casos em que a decisão de primeira e segunda instância tenham garantido ao acusado o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado? c) Essa decisão não contraria o princípio da dignidade humana diante do estado de coisas inconstitucionais[32] do Sistema Penitenciário brasileiro, alvo da ADPF n. 347?
No tocante a sua retroatividade, já existem vozes em sentido contrário, a exemplo dos professores Rene Ariel Dotti e Luiz Flávio Gomes[33], os quais entendem que “Nenhuma lei, leia-se, nenhuma norma, nenhum direito penal novo (ainda que fruto da jurisprudência da Corte Máxima) pode retroagir, salvo para beneficiar o réu”.
Em matéria tributária, que se aproxima do direito penal, o professor Luís Roberto Barroso[34], ao discorrer sobre a mudança da Jurisprudência do STF, assim concluiu:
Eventual decisão do STF que modifique entendimento anterior e consolidado da própria Corte em relação ao crédito de IPI, produzindo resultado equivalente à majoração do tributo, somente poderá ter efeitos prospectivos (ex nunc). A conclusão decorre da incidência dos princípios constitucionais da segurança jurídica, da confiança legítima e da boa-fé, bem como da regra da irretroatividade tributária, já que a alteração de entendimento da Corte sobre o mesmo conjunto legislativo equivale à edição de nova norma.
Assim, sem aprofundar no assunto, parece ter razão àqueles que entendem que a nova orientação do STF, sobre a execução provisória da pena, não deve retroagir para alcançar fatos passados.
No tocante às outras duas indagações, vale citar as recentes manifestações ocorridas no julgamento do HC 136.720[35], de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, em que concedeu parcialmente a ordem para que o paciente pudesse aguardar em liberdade o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, justificando que o magistrado de primeira instância condicionou o início da execução da pena ao trânsito em julgado da sentença condenatória e que tal direito foi mantido pelo TJPB, portanto não poderia o STJ negar um direito que lhe tinha sido conferido desde a primeira instância, sem contestação pelo Ministério Público.
O Relator afirmou que a decisão da Corte, sobre a possibilidade de execução provisória da pena, tomada por maioria, tem sido interpretada de forma equivocada por juízes e membros do MP, nos seguintes termos:
A partir da decisão do STF, a qual, por decisão majoritária, restringiu o princípio constitucional da presunção de inocência, prisões passaram a ser decretadas, após a prolação de decisões de segundo grau, de forma automática, na maior parte das vezes, sem qualquer fundamentação idônea. Esse retrocesso jurisprudencial, de resto, como se viu, mereceu o repúdio praticamente unânime dos especialistas em direito penal e processual penal, em particular daqueles que militam na área acadêmica.
Disse ainda o relator que seria teratológico que o Tribunal determinasse a prisão depois de julgado o recurso de apelação, sem que o titular da ação penal incondicionada tivesse recorrido contra a decisão que facultou ao acusado aguardar em liberdade até o trânsito em julgado da decisão condenatória:
Com a devida vênia, ouso manifestar ainda a minha perplexidade diante da guinada jurisprudencial do STF com relação à prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, sobretudo porque ocorreu logo depois de termos assentado, na ADPF 347 e no RE 592.581, que o sistema penitenciário brasileiro encontra-se em situação falimentar.
Na ocasião do julgado, os Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que antes julgaram favorável à execução provisória da pena, demonstraram nítida intenção de mudança de posicionamento, o que em tese sugere um novo prospectivo para uma futura decisão, caso o Pleno do STF tenha que se manifestar novamente sobre o tema, acreditando-se que os Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Lewandowski, continuariam votando contra a execução provisória da pena, talvez com o reforço dos Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, o que já seria suficiente para uma nova mudança de entendimento, ressaltando que não se sabe ainda o posicionamento do Ministro Alexandre de Morais, que substitui o saudoso Ministro Teori Zavaski, que era favorável à execução provisória da pena.
No dia 23 de agosto do corrente ano, o Ministro Lewandowski novamente se manifestou sobre o tema no HC 145.953, entendendo que:
A antecipação do cumprimento da pena, na espécie, somente poderia ocorrer mediante um pronunciamento específico e justificado que demonstrasse, à saciedade, e com base em elementos concretos, a necessidade da prisão preventiva, o que, aliás, foi rechaçado explicitamente pelo magistrado sentenciante, ao dispor que a custódia cautelar do condenado não se afigura necessária, posto que ausentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal”.[36]
Por fim, uma vez discorrido sobre o princípio da presunção de inocência apontando alguns casos difíceis de enfrentamento do tema, passamos a tratar dos antecedentes criminais e sua perpetuidade ou não, uma vez que, também será alvo de decisão pela corte no RE 593.818 RG, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso.
5. O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA LIMITANDO O AMBITO DE APLICAÇÃO DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS E A DIVERGÊNCIA QUANTO A SUA (NÃO) PERPETUIDADE.
O Código Penal brasileiro no seu artigo 59, prevê oito circunstancias judiciais para fixação da pena base, dentre ela os antecedentes criminais. No entanto, não trouxe o seu conceito, assim como não estabeleceu um prazo prescricional para a extinção dos seus efeitos, deixando essa tarefa para a doutrina e a jurisprudência.
Em regra a doutrina entende que os antecedentes criminais dizem respeito aos dados atinentes à vida pregressa do réu na seara criminal, ou seja, os fatos e acontecimentos que envolvem o seu passado criminal, bons ou ruins. Nas lições de Cleber Masson[37], seria “como o ‘filme’ de tudo o que ele fez ou deixou de fazer antes de envolver-se com o ilícito penal, desde que contidos em sua folha de antecedentes”.
Rogério Greco[38], entende que os antecedentes criminais
[...] dizem respeito ao histórico criminal do agente que não se preste para efeitos de reincidência. Entendemos que, em virtude do princípio constitucional da presunção de inocência, somente as condenações anteriores com trânsito em julgado, que não sirvam para forjar a reincidência, é que poderão ser consideradas em prejuízo do sentenciado, fazendo com que sua pena-base comece a caminhar nos limites estabelecidos pela lei penal.
A jurisprudência Supremo Tribunal evoluiu no tocante ao conceito de maus antecedentes, pois antes considerava que inquéritos e ações penais em curso eram considerados maus antecedentes (HC 84.088/MS), posteriormente foram surgindo novas orientações até culminar com o entendimento de que “ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição de antecedentes criminais” (RE 591054, Relator Min. Marco Aurélio).
No julgamento do RE 591.054/SC[39], também de relatoria do Ministro Marco Aurélio, consignou-se a existência de semelhante movimento na doutrina no sentido de que somente podem ser valoradas como maus antecedentes as decisões condenatórias irrecorríveis e que tal orientação estaria em consonância com a moderna jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, assim como da recomendação por parte do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, segundo a qual o Poder Público deve abster-se de prejulgar o acusado.
Relembrou-se o verbete n. 444 da Súmula do STJ, que dispõe que “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”, asseverando que, uma vez admitido pelo sistema penal brasileiro o conhecimento do conteúdo da folha penal como fator a se ter em conta na fixação da pena, a presunção deve militar em favor do acusado.
Registrou conflitar com ordem jurídica, considerar para a majoração da pena-base, os processos que tenham resultado na aceitação de proposta de transação penal (Lei 9.099/1995, art. 76, § 6º); na concessão de remissão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em procedimento judicial para apuração de ato infracional, com aplicação de medida de caráter reeducacional; na extinção da punibilidade, entre outros.
Por fim, as condenações por fatos posteriores ao apurado, com trânsito em julgado, não são aptas a desabonar, na primeira fase da dosimetria, os antecedentes para efeito de exacerbação da pena-base. A incidência penal só serve para agravar a pena quando ocorrida antes do cometimento do delito, independentemente de a decisão alusiva à prática haver transitado em julgado em momento prévio, pois deve ser considerado o quadro existente na data da prática delituosa. A ementa ficou assim formatada:
PENA – FIXAÇÃO – ANTECEDENTES CRIMINAIS – INQUÉRITOS E PROCESSOS EM CURSO – DESINFLUÊNCIA. Ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais. (RE 591054, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-037 DIVULG 25-02-2015 PUBLIC 26-02-2015)
Neste julgado, foi uma boa oportunidade do Supremo analisar a questão da temporariedade dos antecedentes, no entanto, restou consignado que o transcurso do quinquênio previsto no art. 64, I, do CP, referente à reincidência, que adota o sistema temporal, não seria óbice ao acionamento do art. 59 do mesmo diploma, ou seja, prevalecia ainda o sistema da perpetuidade dos antecedentes.
Assim, a falta de definição do prazo para os antecedentes criminais, a exemplo da reincidência (art. 64, I, do CP), o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento majoritário pela perpetuação dos maus antecedente, enquanto que no Supremo Tribunal Federal vem se adotando o sistema da temporariedade para os maus antecedentes, a exemplo do HC 119200 de relatoria do Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 11/02/2014, do qual agregamos os seguintes julgados:
STF - Habeas corpus. 2. Homicídio qualificado-privilegiado. Condenação. 3. Aumento da pena em sede de recurso especial. Entendimento no sentido de que o período depurador de 5 anos estabelecido pelo art. 64, I, do CP, refere-se à reincidência, mas, com relação ao registro de antecedentes, esses prolongam-se no tempo, devendo ser considerados como circunstâncias judiciais em desfavor do réu. 4. Registro de uma condenação anterior, por contravenção (dirigir sem habilitação), transitada em julgado em 28.6.1979. Decorridos mais de 5 anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP, art. 64, I), não é possível alargar a interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus antecedentes. Aplicação do princípio da razoabilidade. 5. Ordem concedida para restabelecer a decisão proferida pelo TJ/RJ nos autos da Apelação n. 2006.050.02054, que manteve a pena-base fixada pelo Juiz-Presidente do Tribunal do Júri e, assim, reconheceu a prescrição da pretensão executória. (HC 110191, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 23/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-083 DIVULG 03-05-2013 PUBLIC 06-05-2013)
STF - EMENTA Recurso ordinário em habeas corpus. Processual Penal. Interposição contra julgado em que colegiado do Superior Tribunal de Justiça não conheceu da impetração, ao fundamento de ser substitutivo de recurso ordinário cabível. Constrangimento ilegal não evidenciado. Entendimento que encampa a jurisprudência da Primeira Turma da Corte. Precedente. Dosimetria. Fixação da pena-base acima do mínimo legal em decorrência de maus antecedentes. Condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos. Pretensão à aplicação do disposto no inciso I do art. 64 do Código Penal. Penas ainda não extintas. Constrangimento ilegal inexistente. Recurso não provido. 1. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto ao cabimento do habeas corpus encampou a jurisprudência da Primeira Turma da Corte no sentido da inadmissibilidade do habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinário (HC nº 109.956/PR, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 11/9/12), o que resultou no seu não conhecimento. 2. Quando o paciente não pode ser considerado reincidente, diante do transcurso de lapso temporal superior a cinco anos, conforme previsto no art. 64, I, do Código Penal, a existência de condenações anteriores não caracteriza maus antecedentes. Precedentes. 3. No caso as condenações anteriores consideradas pelas instâncias ordinárias para fins de valoração negativa dos antecedentes criminais do ora paciente ainda não se encontram extintas. 4. Recurso não provido. (RHC 118977, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 18/03/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-067 DIVULG 03-04-2014 PUBLIC 04-04-2014)
STF - Habeas corpus. 2. Tráfico de entorpecentes. Condenação. 3. Aumento da pena-base. Não aplicação da causa de diminuição do § 4º do art. 33, da Lei 11.343/06. 4. Período depurador de 5 anos estabelecido pelo art. 64, I, do CP. Maus antecedentes não caracterizados. Decorridos mais de 5 anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP, art. 64, I), não é possível alargar a interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus antecedentes. Aplicação do princípio da razoabilidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. 5. Direito ao esquecimento. 6. Fixação do regime prisional inicial fechado com base na vedação da Lei 8.072/90. Inconstitucionalidade. 7. Ordem concedida. (HC 126315, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 15/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-246 DIVULG 04-12-2015 PUBLIC 07-12-2015)
Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO PRETÉRITA CUMPRIDA OU EXTINTA HÁ MAIS DE 5 ANOS. UTILIZAÇÃO COMO MAUS ANTECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 64, I, DO CÓDIGO PENAL. PRECEDENTES DA SEGUNDA TURMA. ORDEM CONCEDIDA. I - Nos termos da jurisprudência desta Segunda Turma, condenações pretéritas não podem ser valoradas como maus antecedentes quando o paciente, nos termos do art. 64, I, do Código Penal, não puder mais ser considerado reincidente. Precedentes. II - Parâmetro temporal que decorre da aplicação do art. 5°, XLVI e XLVII, b, da Constituição Federal de 1988. III – Ordem concedida para determinar ao Juízo da origem que afaste o aumento da pena decorrente de condenação pretérita alcançada pelo período depurador de 5 anos. (HC 142371, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 30/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 09-06-2017 PUBLIC 12-06-2017)
Neste sentido, a Corte Suprema, visando dar segurança jurídica ao tema, definirá a questão no julgamento do RE n. 593.818-RG/SC, de relatoria do Min. Luís Roberto Barroso, em que foi reconhecida a Repercussão Geral, sendo que da análise dos julgados do Supremo Tribunal Federal, extraímos alguns fundamentos que revelam importantes justificativas para fixação da tese da temporariedade para os maus antecedentes, seguindo-se a mesma ótica da reincidência, senão vejamos:
a) Não se poderia fazer uma interpretação in malam partem, para permitir a perpetuação dos maus antecedentes diante da omissão do legislador em estabelecer um prazo para sua consideração;
b) A perpetuação de efeitos que a lei não prevê fere os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade, da razoabilidade e do caráter socializador da reprimenda penal.
c) A perpetuação dos maus antecedentes fere o direito ao esquecimento;
d) Se o legislador contemplou a prescrição para a reincidência que é mais grave, com maior razão justifica a sua aplicação para os maus antecedentes, que são menos grave.
e) Considerar negativamente condenações já alcançadas pelo período depurador da reincidência como maus antecedentes, gera um juízo moral muito subjetivo e pessoal para afirmar que a personalidade do paciente é desvirtuada pela habitualidade criminosa.
Sendo assim, o conceito de maus antecedentes não poderia ser mais amplo do que o de reincidência, uma vez que se fosse essa a intenção do legislador, os maus antecedentes figurariam como causa de aumento de pena (3ª fase) e não como circunstância judicial (1ª fase) que são menos graves do que as agravantes (2ª fase), sendo que com esta mesma razão, não se poderia justificar que o direito ao esquecimento deva ter um prazo maior do que o período depurador da reincidência.
O argumento de alguns julgados do STJ, inclusive já utilizado pela Ministra Carmem Lúcia, de que a limitação dos maus antecedentes no tempo caracterizaria a violação ao princípio da igualdade, uma vez que não se poderia tratar um ex-condenado tal qual um criminoso primário que nunca cometeu um crime, se mostra fragilizado diante dos argumentos dos demais Ministros da Suprema Corte, especialmente porque utiliza-se de uma garantia individual para prejudicar o réu em favor do Estado-acusador.
Por outro lado, a falta de definição dos maus antecedentes pelo legislador, bem como a sua limitação no tempo, nos possibilita, com base no arcabouço penal brasileiro extrair algumas situações esdruxulas, senão vejamos:
a) Situação primeira: Fulano, no ano 1965 foi condenado ao crime de porte ilegal de drogas para consumo pessoal a uma pena de 6 meses de detenção (art. 16, da Lei 6.368/65), cumpriu sua pena, pagou sua dívida com a sociedade, pena esta que foi extinta, tendo já passado o período depurador para fins de reincidência. Em janeiro 2017, após 52 anos do primeiro fato, resolveu sonegar o imposto de renda, sendo processado ao crime do art. 1º, inc. I, da Lei n. 8.137/90, cuja pena é de 2 a 5 anos de reclusão. O juiz ao julgá-lo, se adotar o posicionamento do STJ, deverá afastar a reincidência, mas aumentar a pena base e certamente aplicará um aumento de aproximadamente 4 meses, o que seria mais grave do que a pena do atual crime de porte de drogas para consumo pessoal (art. 28, da Lei n. 11.343/06), que não mais possui pena privativa de liberdade. Pergunta-se: não haveria aqui uma dupla punição pelo fato anterior, muitos anos atrás? Não estaria esta regra em conflito com a proibição constitucional de pena de caráter perpétuo?
b) Situação segunda: Beltrano condenado definitivamente por uma contravenção penal, tão logo transitou em julgado a condenação, pratica um crime. Não será considerado reincidente, por falta de previsão legal, pois não há no art. 63 do Código Penal essa previsão, assim como não há no art. 7º da Lei de Contravenções Penais. No entanto, seguindo a orientação do STJ, será considerado possuidor de maus antecedentes pelo resto de sua vida?
c) Situação terceira: Cicrano que cumpria pena por um delito qualquer, durante a execução penal praticou um crime de lesões corporais leve, contra um colega de cela. Crime doloso, que nos termos da Lei n. 7.210/84 caracteriza falta grave, que poderá regredir o seu regime, bem como perder os dias remidos em até 1/3, no entanto, apesar de não existir um prazo previsto em lei sobre a prescrição das faltas disciplinares, os tribunais tem aplicado o menor prazo prescricional previsto no art. 109, do Código Penal, para prescrever a falta disciplinar, a exemplo da prescrição para as contravenções penais, cuja LCP foi omissa na sua previsão. Pergunta-se: se para as faltas disciplinares, que são menos graves do que os maus antecedentes, a jurisprudência admite prescrição, qual a razão de não adotar o prazo prescricional para os maus antecedentes? Da mesma forma, se para as contravenções penais, que contemplam penas menos graves (prisão simples e/ou multa), a jurisprudência admite a prescrição, por qual razão não adotar a prescrição para os maus antecedentes que podem gerar penas muito mais graves do que a prisão simples das contravenções?
d) Situação quarta: uma pessoa cumpre três meses de pena por um crime culposo, passados cinco anos da extinção de punibilidade, volta a ser primário, pratica um crime de homicídio doloso qualificado (reclusão de 12 a 30 anos), não será difícil imaginar que na dosimetria da pena o juiz lhe exasperará a pena-base em mais de um ano por força dos maus antecedentes. Pergunta: qual a lógica de dar um aumento de pena a um crime doloso, por força de um crime culposo, cuja pena já foi cumprida, extinta e depurada? Existe razoabilidade nisso?
e) Situação quinta: duas pessoas praticam uma infração penal de menor potencial ofensivo (Lei n. 9.099/95), em concurso de agentes. Submetidos a julgamento, a primeira aceita a transação penal, portanto sua conduta não constará da certidão de antecedentes criminais (art. §6º, art. 76, L. 9099/95), se praticar um novo crime (de maior potencial ofensivo) não será considerado reincidente, bem como possuidor de maus antecedentes. A segunda pessoa, por acreditar na sua inocência, não aceita a transação penal, vai a julgamento, no entanto, é condenado. Se praticar um novo crime ou uma contravenção penal será considerada reincidente, e eternamente possuidor de maus antecedentes, na visão do STJ. Pergunta-se: existe razoabilidade ou proporcionalidade neste tratamento diferenciado causado pela legislação? Não pode o Judiciário interpretar o direito para corrigir essas distorções?
Eventual argumento de que a reincidência foi contemplada com o período depurador para evitar, além do agravamento da pena, a aplicação dos demais efeitos decorrentes do seu reconhecimento, não deve prosperar, pois ambos os institutos, geram aumento de pena e também impedem outros benefícios previsto em lei.
Se o Supremo Tribunal entende que “Ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais”. (RE 591054) e no Superior Tribunal de Justiça restou sumulado que “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base” (Sumula 444, STJ), parece contraditório analisar os maus antecedentes de maneira restrita e, ao mesmo tempo, defender a sua perpetuidade. Ademais, o critério trifásico adotado pelo nosso Código Penal constitui uma escala progressiva de gravidade. Assim, não teria cabimento a reincidência perdurar apenas por um determinado período e os maus antecedentes, menos grave, durarem para sempre.
Aceitar esse efeito estigmatizante dos maus antecedentes é pactuar com o etiquetamento combatido pela criminologia crítica, colocando o condenado de outrora por toda a sua vida à margem da sociedade, ou seja, seria o próprio Estado interferindo na sua ressocialização. E neste sentido, vale lembrar o voto do saudoso Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Vicente Cernicchiaro, adotado em 1993, após a nova ordem Constitucional:
Direito Penal. Reincidência. Antecedentes. O art. 61, I do CP determina que, para efeito da reincidência, não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração anterior houver decorrido período superior a cinco anos. O dispositivo se harmoniza com o Direito Penal e a Criminologia modernos. O estigma da sanção criminal não é perene. Limita-se no tempo. Transcorrido o tempo referido, evidenciando-se a ausência de periculosidade, denotando, em princípio, criminalidade ocasional. O condenado quita sua obrigação com a Justiça Penal. A conclusão é válida também para afastar os antecedentes. Seria ilógico afastar expressamente a agravante e persistir genericamente para recrudescer a sanção aplicada [RHC nº 2.227-2 MG, 6ª T., STJ, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 29/03/93, p. 5.268.]
Ressalta-se que os efeitos deletérios dos maus antecedentes, caso não sejam limitados no tempo, poderão impedir perpetuamente a regeneração daquele que os possui, inclusive com impedimento de participar de determinados concursos públicos, pois segundo o STJ “[...] nada há de imoral no ato administrativo que, calcado em expressa regra editalícia, já dantes conhecida, impede o ingresso, nas fileiras da Polícia Militar, de candidato com antecedentes criminais” (RMS 33.183/RO, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 21/11/2013). No mesmo sentido (AgRg no RMS 39.580/PE, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 18/02/2014).
Por outro lado, parece injusto considerar um réu possuidor de maus antecedentes, com apenas uma condenação anterior, após o período depurador da reincidência e não considerar aqueles que possuem um extensa folha penal, com dezenas de inquéritos em andamento, diversos processos penais sem trânsito em julgado, conforme pacífico entendimento dos Tribunais Superiores.
Vale trazer à baila os ensinamento do professor Ney Moura Teles:
O passado das pessoas não é indicador de seu futuro, nem um rosário de crimes indica, necessariamente, sua continuidade. Por isso, não se pode aceitar que aquele que já cometeu crime, só por isso, deverá merecer maior censura se vier a cometer outro crime. [...] Fixar pena com base no passado do agente é o mesmo que fixá-la com fundamento em sua raça, na religião que professa, na cor de seus olhos ou de sua pele, ou na textura de seus cabelos. É fixá-la com base em elemento completamente dissociado do fato criminoso por ele praticado.
Os antecedentes, por isso, num direito penal de cariz democrático – o direito penal do fato –, não podem influir na determinação da qualidade e da quantidade de pena, da reprimenda, da resposta penal. Lamentavelmente, o art. 59 do Código Penal a eles faz expressa referência, mas tal referência colide frontalmente com o princípio da culpabilidade, daí por que os juízes, no momento da fixação da pena, não devem considerá-los enquanto circunstância judicial que prejudique o agente do crime.
O Direito Penal moderno é um direito penal do fato e o agente deve ser punido pelo que efetivamente praticou e não pelo que ele foi. A consideração sobre os antecedentes não deveria influir de maneira a exasperar a pena-base do agente, transpondo os limites estipulados por sua culpabilidade no caso concreto submetido a julgamento. Sustentar o contrário significa estabelecer dupla punição, por força do reconhecimento de maus antecedentes.
O argumento de que os maus antecedentes se esvaziariam caso o STF venha manter a tese da temporariedade dos antecedentes é de pobreza franciscana, pois o conceito de maus antecedentes foi evoluindo paulatinamente até chegarmos ao entendimento prevalente nos tribunais, a exemplo da Súmula 444 do STJ, que proíbe a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.
Neste sentido, ainda para efeitos de maus antecedentes, poderia ser consideradas as condenações com trânsito em julgado, que não fossem utilizadas como reincidência (casos de dupla reincidência), a condenação anterior à contravenção penal, sem ser alcançada pelo período depurador da reincidência. As condenações sem trânsito em julgado, mas já esgotados os recursos de segunda instância, tendo em vista a possibilidade de cumprimento da pena provisoriamente, fixado pelo STF em Repercussão Geral. As condenações transitadas em julgado que venham a ocorrer no curso da respectiva ação penal, conforme vem apontando alguns julgados.
Interessante observar que após as decisões no Supremo Tribunal Federal, alguns julgados mais recentes nas duas turmas criminais do STJ, paulatinamente, vem flexibilizando a perpetuação dos maus antecedentes, senão vejamos:
STJ (5ª Turma, por unanimidade) [...]1. O e. Ministro Dias Toffoli concedeu ordem de Habeas Corpus em favor do ora agravante, determinando a este Relator a realização de nova dosimetria da pena com o afastamento da valoração negativa do vetor judicial dos maus antecedentes. 2. Nessa linha de raciocínio "as condenações alcançadas pelo período depurador não caracterizam maus antecedentes" (RHC 118.977/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 4/4/14 e HC 110191/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, Dje de 6/5/13). 3. Dosimetria da pena refeita, com aplicação do redutor do § 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343.06 e alteração do regime prisional, em atendimento à ordem do Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo parcialmente provido. (OF no AgRg no AREsp 981.437/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 04/05/2017, DJe 10/05/2017)
STJ (6ª Turma, por unanimidade) [...] Embora o Supremo Tribunal Federal ainda não tenha decidido o mérito do RE n. 593.818 RG/SC - que, em repercussão geral já reconhecida (DJe 3/4/2009), decidirá se existe ou não um prazo limite para se considerar uma condenação anterior como maus antecedentes, no caso, firme na ideia que subjaz à temporalidade dos antecedentes criminais, deve ser relativizado o único registro penal anterior do acusado, tão antigo, de modo a não lhe imprimir excessivo relevo a ponto de ensejar o reconhecimento de maus antecedentes e de impedir a incidência da minorante descrita no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1478425/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/03/2017, DJe 22/03/2017)
STJ (6ª Turma, por unanimidade) [...] 2. As condenações atingidas pelo período depurador de 5 anos, previsto no art. 64, I, do Código Penal, afastam os efeitos da reincidência, mas não impedem, em princípio, o reconhecimento dos maus antecedentes. 3. Contudo, à luz do princípio da razoabilidade, tendo em conta que a pena imposta, relativa ao delito que gerou a valoração negativa dos antecedentes, foi cumprida há mais de 16 anos deve ser, excepcionalmente, afastado o trato negativo da vetorial. [....] 5. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem de ofício para reduzir as penas a 1 ano e 1 mês de detenção e 75 dias-multa. (HC 354.361/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/11/2016, DJe 07/12/2016)
STJ (6ª Turma, por unanimidade) [...] 3. Em regra, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a utilização de condenações cujo cumprimento ou extinção da pena se deu em lapso superior a 5 anos. 4. A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça tem afastado a negativa dos antecedentes, relativizando os efeitos das sentenças condenatórias pelo excessivo decurso do tempo. 5. A interpretação da lei penal não pode conduzir à aplicação em que à reprimenda se imprima caráter perpétuo, nos termos do art. 5º, XLVII, b, da Constituição Federal. 6. Ante a exígua pena imposta na ocasião (1 ano de reclusão e 10 dias-multa) e o trânsito em julgado da condenação utilizada, datada de 27/8/2001, necessário afastar a negativação dos maus antecedentes, reduzindo a pena a 7 meses de detenção e 11 dias-multa. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para reduzir a pena a 7 meses de detenção e 11 dias-multa. (REsp 1559511/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 25/10/2016)
Cumpre ressaltar ainda que penalistas de peso compartilham deste entendimento a exemplo de Amilton Bueno de Carvalho e Salo de Carvalho[40], a família Delmanto[41]; Cezar Roberto Bitencourt[42]; José Antônio Paganella Boschi[43], entre outros, valendo destacar, por extremamente relevante, a lição do professor Paulo Queiroz[44]:
Como vimos, autores há que entendem que, retomando a condição de primário, em razão do decurso do prazo de cinco [anos] sem praticar novo delito, poder-se-á, não obstante, usar tal condenação como maus antecedentes. Também aqui, no entanto, há clara ofensa ao princípio da legalidade, pois, se, com o decurso do prazo, cessa a reincidência, principal forma de maus antecedentes, ela não pode ser aproveitada para outros fins, frustrando a finalidade da lei, até porque o acessório (maus antecedentes) deve seguir a sorte do principal (a reincidência). Mais: os maus antecedentes acabariam assumindo caráter perpétuo. (negritamos)
O entendimento exposto, tem como supedâneo principal a vedação das penas de caráter perpétuo, vez que condenação anterior não pode ser utilizada indefinidamente para majorar outra sem qualquer limite. Aliás, a se entender pela consideração de condenação pretérita como maus antecedentes independentemente de lapso temporal, cria-se uma pena que ultrapassa até mesmo o prazo máximo prescricional previsto no Brasil de 20 (vinte) anos, lembrando-se ser a prescritibilidade regra em nosso ordenamento jurídico.
Para finalizar o trabalho, visando demonstrar a tendência no Supremo Tribunal Federal para um prospectivo no resultado do RE 593.818 RG, analisamos voto a voto, em vários julgamentos em sede de habeas corpus no STF, restando assim consolidado:
Com base na tabela acima, é possível aferir que a maioria dos Ministros das duas turmas do Supremo Tribunal Federal já julgaram contra a manutenção do sistema de perpetuação dos maus antecedentes. Só não se sabe ainda, quanto ao voto do Ministro Alexandre de Moraes, sendo que em relação à Ministra Carmen Lúcia, encontramos oscilação nos seus votos, a depender do caso concreto, motivo pelo qual, é possível acreditar que o Supremo Tribunal irá firmar a tese contra a manutenção do sistema de perpetuação dos maus antecedentes.
6. CONCLUSÃO
Vimos que o princípio da presunção de inocência é uma garantia constitucional que tem reconhecimento universal em diversos tratados internacionais e que a sua flexibilização é possível até mesmo no âmbito penal, na medida em que o legislador constituinte admite a prisão cautelar judicial, bem como a prisão em flagrante.
Foi possível ainda vislumbrar que o princípio da presunção de inocência, apesar de característica eminentemente penal, no Brasil, foi irradiado para outras áreas do direito, em especial, para o direito administrativo. No tocante ao direito eleitoral, o julgamento da ADPF n. 144, de relatoria do Ministro Celso de Melo, foi incisivo na sua irradiação para esta área, no entanto, posteriormente, o Supremo mudou sua orientação, quando do julgamento conjunto das ADC’s n. 29 e 30 e ADI n. 4578, ocasião em que para prestigiar a pressão social, fez valer os dispositivos da Lei Complementar n. 135 (Lei da Ficha Limpa), para tornar inelegível, condenados por órgão colegiados, sem o transito em julgado.
Na sequencia o princípio da presunção de inocência sofre mais uma derrota, com a decisão do Supremo Tribunal entendendo ser possível a execução provisória da pena, antes do transito em julgado, nos casos de recursos para o STJ e STF, rompendo o entendimento fixado no precedente do HC N. 84.078/MG (05/02/2009), vindo no ARE n. 964246/SP de relatoria do Ministro Teori Zavaski, julgado após a decisão em habeas corpus (HC 126292), passado a entender pela possibilidade de execução provisória da pena, em Repercussão Geral, o que em tese, torna referida decisão de observância obrigatória, em face do art. 927, do NCPC, aplicável ao processo penal subsidiariamente.
No entanto, mesmo com essa decisão, identificamos que em breve o Supremo deverá se manifestar novamente sobre a questão da execução provisória da pena, tendo em vista o surgimento de algumas indagações, tais como: a) essa decisão pode retroagir para alcançar fatos passados? b) Essa decisão deve ser aplicada obrigatoriamente a todos os casos já julgados pelos tribunais de segunda instância, mesmo naqueles casos em que a decisão de primeira e segunda instância tenham garantido ao acusado o direito de aguardar em liberdade até o trânsito em julgado? c) Essa decisão não contraria o princípio da dignidade humana diante do estado de coisas inconstitucionais[45] do Sistema Penitenciário brasileiro, alvo da ADPF n. 347, pendente de julgamento, mas que já surtiu efeitos em liminar, culminando com a criação das audiências de custódia em todo o território nacional, visando a redução de prisões cautelares?
Na sequência, estudamos que em virtude do princípio da presunção de inocência, o Supremo Tribunal Federal definiu que inquéritos e processos penais em curso não podem ser aferidos como maus antecedentes para exasperar a pena na primeira fase da dosimetria, seguindo a mesma lógica da reincidência criminal.
Com base na pesquisa jurisprudencial, foi possível constatar que no Superior Tribunal de Justiça, em virtude da omissão do legislador em definir o prazo máximo para considerar os antecedentes criminais, fixou a tese do sistema da perpetuidade, mas que no Supremo Tribunal Federal, o posicionamento é pelo sistema da temporariedade, seguindo a mesma ótica da reincidência, que adota o prazo quinquenal. Também, verificou-se que os julgados mais recentes do STJ demonstraram uma tendência leve de mudança de posicionamento na mesma linha do Supremo Tribunal Federal.
Por fim, acreditamos e torcemos que o Supremo Tribunal Federal modifique seu posicionamento decidindo que a execução provisória da pena, seja a exceção, privilegiando o princípio constitucional da presunção de inocência, resultado de vitória do cidadão que remonta a 1215, bem como adote o sistema da temporariedade, tão logo sejam pautado RE 593.818 RG, encerrando de vez a divergência, pois assim, trará segurança jurídica a todos.
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Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Advogado. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Valdinei Cordeiro. O princípio da presunção de inocência na visão do STF: é chegada a hora de decidir o caráter (não) perpétuo dos antecedentes criminais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jul 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52648/o-princpio-da-presuno-de-inocncia-na-viso-do-stf-chegada-a-hora-de-decidir-o-carter-no-perptuo-dos-antecedentes-criminais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
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Por: Helena Vaz de Figueiredo
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