Resumo: Busca-se, no presente artigo, apontar as características, preceitos e fundamentos a respeito do direito a remarcação do teste de aptidão física em candidata grávida, além de analisar as correntes doutrinárias e jurisprudenciais existentes sobre o tema, tendo como parâmetro a Constituição Federal de 1988. Assim, objetiva-se demonstrar sua relevância para o direito, de modo que não podem, os operadores do direito, negligenciar essa realidade recorrente no dias de hoje.
Palavras-chave: Teste de aptidão física. Remarcação. Candidata grávida.
Abstract: In this article, the article seeks to point out the characteristics, precepts and foundations regarding the right to remarcation of the physical fitness test in a pregnant candidate, as well as to analyze the existing doctrinal and jurisprudential currents on the subject, having as parameter the Federal Constitution of 1988. Thus, the objective is to demonstrate their relevance to the law, so that the operators of the law cannot neglect this recurrent reality in the present day.
Keywords: Physical fitness test. Remarking. Pregnant candidate.
SUMÁRIO: Introdução; 1. Da origem da controvérsia; 2. Do direito a realização do teste; Conclusão; Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem o intuito de gerar a discussão acerca da remarcação do teste de aptidão física em candidatas grávidas sob luz do direito a saúde.
A partir da análise da controvérsia, colhendo posicionamento doutrinários e jurisprudênciais, até a conclusão do tema conforme decidido pelo Superior Tribunal Federal em Repercussão Geral busca-se clarear o direito a remarcação do teste em tais casos, utilizando sempre a Constituição Federal de 1988 como norte e fundamento principal.
1. DA ORIGEM DA CONTROVÉRSIA
A controvérsia surgiu a partir da sentença prolatada pelo MM Juiz de direito da 4ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, o qual concedeu a ordem nos autos de Mandado de Segurança impetrado por Eveline Bonfim Fenilli Spinola em face do Tenente Coronel QOPM Márcio Oscar Rocha e do Coronel QOPM Roberto Rueda Strogenski.
Alegava a impetrante, em resumo, que participou do concurso público objeto do Edital nº 1107/2012, visando alcançar o cargo de Policial Militar do Estado do Paraná. Assim, uma vez aprovada na prova objetiva, foi convocada para submeter-se ao exame físico.
Sem embargo, e considerando seu estado de saúde debilitado em razão de se encontrar em estado gestacional, requereu administrativamente a remarcação do teste, tenso seu pleito indeferido.
2. DO DIREITO A REALIZAÇÃO DO TESTE
No caso sob apreciação, dúvida não há de que a impetrante, ora apelada teve violado direito líquido e certo.
Não se ignora que o Edital nº 1107/2012, nos itens 15.6 e 20.1 de onde surgiu o imbróglio jurídico, veda a realização de segunda prova para o candidato que não comparecer no exame, verbis:
[..] 15.6. Não será marcada nova data para realização do TSF para candidatos impossibilitados, mesmo que temporariamente, para sua realização.
[...] 20.1. Será eliminado do Processo Seletivo, além dos outros caso expressamente previstos no Edital, o candidato que:
(...) b) faltar ou chegar atrasado para realização de qualquer prova, teste ou exame, ou não atender a chamada para realização de qualquer um dos testes;
Nesse sentido a jurisprudência da 4ª e 5ª Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:
Em concurso público inexiste direito de candidatos em razão de circunstâncias pessoais, à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física, salvo casos excepcionalíssimos e contrária a disposição editalícia.
Ocorre que a condição gestacional enquadra-se justamente na excepcionalidade, por constituir hipótese de força maior, a autorizar a realização em outra data.
A condição especial da gestante não deve ser utilizada em seu desfavor.
A Constituição Federal dispõe sobre a proteção à maternidade e à gestante, em seu art. 6º, bem como preceitua, no §7º do art. 226, o princípio do livre planejamento familiar, o qual determina que o desenvolvimento da família deve ser de decisão exclusiva de seus próprios membros, sem a ocorrência de interferências externas.
Em casos semelhantes, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela autorização de remarcação do teste, entendendo que o período de gravidez trata-se de caso de força maior.
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL CONCURSO PÚBLlCO. POLICIAL MILITAR ESTADUAL TESTE DE APTIDÃO FISICA (TAF). REMARCAÇÃO POR FORÇA MAIOR. GRAVIDEZ. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. 1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que, por maioria, denegou a segurança em pleito para remarcação de teste de aptidão física . em razão da comprovada gravidez da candidata. 2. A fase denominada teste de aptidão e avaliação física foi iniciada após dois anos do transcurso das inscrições, configurando razoável identificar a situação da candidata como imprevista e de força maior; o edital de convocação dos candidatos não previu essa possibilidade, apenas indicando que gestantes deveriam comparecer às provas munidas de atestado médico para realizar os testes, em igualdade com as demais candidatas, após a firma de termo de responsabilidade pessoal por eventual dano físico. (...) Recurso ordinário provido. (RMS n.o 37328/AP, 2ª Turma, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe 02/04/13)
RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLICIA MILITAR. EXAME MÉDICO. CANDIDATA GESTANTE. REMARCAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PRECEDENTE STF. 1. Apesar de o entendimento desta Corte Superior - no sentido de garantir um tratamento diferenciado às gestantes - não alcançar os concursos cujos editais expressamente disponham sobre sua eliminação pela não participação em alguma fase, a gravidez não pode ser motivo para fundamentar nenhum ato administrativo contrário ao interesse da gestante, muito menos para impor-lhe qualquer prejuízo, tendo em conta a proteção conferida pela Carta Constitucional à maternidade (art. 6°, CF). 2. A solução da presente controvérsia deve se dar à luz da compreensão adotada pelo Pretório Excelso em casos análogos ao presente, envolvendo candidata gestante, em que se admite a possibilidade de remarcação de data para avaliação, excepcionalmente para atender o princípio da isonomia, em face da peculiaridade (diferença) em que se encontra o candidato impossibilitado de realizar o exame, justamente por não se encontrar em igualdade de condições com os demais concorrentes. 3. A jurisprudência do STF firmou-se no sentido de que não implica em ofensa ao princípio da isonomia a possibilidade de remarcação da data de teste físico, tendo em vista motivo de força maior (AgRg no AI n. 825.545IPE). 4. Recurso em mandado de segurança provido." (RMS n.o 28400/BA, 6ª. Turma, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJe 27/02/13)
Assim, não há que se falar em ofensa ao princípio da isonomia, conforme preceitua DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR:
[...] todos os cidadãos-administrados, enquanto destinatários da atuação administrativa, devem ser tratados igualmente na medida em que se igualem. Cuida-se da aplicação, no Direito Administrativo, do velho postulado aristotélico de que todos devem ser tratados igualmente na medida em que se igualem e desigualmente na medida em que se desigualem. O princípio da igualdade é um postulado básico da democracia. Significa que todos merecem as mesmas oportunidades, sendo defeso privilégios e perseguições. O princípio da isonomia, portanto, interdita tratamento desigual às pessoas iguais. (...)
O postulado da igualdade figura como o primeiro e mais importante limite à discricionariedade legislativa. IA Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideol6gico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de rodo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes'. (...)
O fato de a lei, só por si, conter algum fator de discrímen, qualquer que seja ele, não é suficiente para considerar ofendida a cláusula da igualdade. As leis podem discriminar. Aliás, é o que mais fazem, como acentuado acima. Contudo, as discriminações legais, segundo leciona Celso Antônio Bandeira de Mello. s6 se coadunam com o dogma da igualdade se existir uma pertinência 16gica entre a distinção inserida na lei e o tratamento distintivo dela conseqüente. (in CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, 7ª ed., Salvador: Juspodivm, 2009, p. 55/57, g. n.)
Negar a realização de novo teste físico à gestante é que acarreta ofensa direta ao princípio da isonomia, uma vez que a condição peculiar da gestante implica um tratamento distinto e desigual, não podendo, de forma simplista, um item editalício determinar a exclusão da candidata, incorrendo assim em ilegalidade, diante da ofensa ao princípio da razoabilidade.
Além disso, mesmo que eventual Edital não preveja a hipótese de gravidez no decorrer do certame, a única solução razoável que se pode extrair é que tal fato não pode ser considerado em prejuízo na designação de uma nova data para exame físico.
Nesse sentido Marçal Justen Filho:
"[...] princípio da razoabilidade preconiza ser a interpretação jurídica uma atividade que ultrapassa a mera lógica formal. Interpretar equivale a valer-se do raciocínio, o que abrange não apenas soluções rigorosamente lógicas, mas especialmente as que se configuram como razoáveis." (in CURSO DE DIREITO AD1Y1LVISTRATIVO, 9a, ed., rev., atual., amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 163).
Situação diametralmente oposto julgada pelo Supremo Tribunal Federal é o caso de problemas temporário, como candidato que portava problema temporário de saúde (epicondilite gotosa no cotovelo esquerdo) e que a regra editalícia claramente vedava a remarcação do exame para caso de luxação e fratura. Tal hipótese, como se vê, diverge substancialmente do caso em exame, vez que, com todo o respeito, não é concebível equiparar a gravidez - protegido constitucionalmente, vez que a Carta Constitucional alberga o direito à vida e a proteção da família - a uma doença.
Nos dizeres do Min. Marco Aurélio ao reconhecer a Repercussão Geral da matéria:
Além de gravidez não ser doença, a especial condição de gerar um filho não pode contar em desfavor da mulher. Tendo em vista que a possibilidade de remarcação do teste de aptidão física pode acarretar a eliminação da candidata gestante do concurso público ou risco à saúde da gestante e do nascituro, torna-se importante avaliar se há comprometimento do princípio da isonomia ou de outros valores caros ao constituinte. A Constituição Federal de 1988 representou um marco na promoção da igualdade de gênero, tanto em ambiente laboral quanto familiar. Assim tais valores se irradiam, inspirando a jurisprudência dessa Corte e a legislação nacional. Dentre os precedentes em que foram chanceladas medidas diferenciadoras dos gêneros em prol da igualdade material, merecem ser mencionados a Ação Declaratória de Constitucionalidade 19 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424, em que o Plenário declarou a constitucionalidade de dispositivos da Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha; o RE 658.312, anulado por vícios processuais, que tratava do intervalo de quinze minutos para mulheres trabalhadoras antes da jornada extraordinária; e o MS 29.963, em que a Segunda Turma desta Corte entendeu ser possível exigir-se teste físico diferenciado para o homem e a mulher em concurso público. Também no plano internacional, vê-se a preocupação comum de combater as injustiças sociais pautadas no gênero. O Brasil é signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, internalizada por meio do Decreto 4.377 de 13 de setembro de 2002. Em particular, a fim de assegurar condições de igualdade entre homens e mulheres, o artigo 11 da Convenção assegura expressamente “o direito às mesmas oportunidades de emprego”, “o direito de escolher livremente profissão e emprego”; e “o direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho, inclusive a salvaguarda da função de reprodução.
O acesso mais isonômico a cargos públicos pressupõe que se neutralize a desvantagem que a condição natural da gravidez possa representar para a genitora, permitindo, assim, que persiga seus projetos de vida e suas ambições.
Assim, o Tribunal, por maioria, em 21 de novembro de 2018, apreciando o tema 973 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio e em seguida, por unanimidade, fixou-se a seguinte tese: "É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público". Não participaram, justificadamente, da votação da tese, os Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Falaram: pelo recorrente, o Dr. César Augusto Binder, Procurador do Estado do Paraná; e, pela Procuradoria-Geral da República, a Dra. Raquel Elias Ferreira Dodge, Procuradora-Geral da República. Presidência do Ministro Dias Toffoli.
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. CANDIDATA GESTANTE. DIREITO À REMARCAÇÃO SEM PREVISÃO EDITALÍCIA. TEMA 335 DA REPERCUSSÃO GERAL. RE 630.733. INAPLICABILIDADE. DIREITO À IGUALDADE, À DIGNIDADE HUMANA E À LIBERDADE REPRODUTIVA. PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE E DA EFICIÊNCIA NO CONCURSO PÚBLICO. RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
Decisão
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. Ministro LUIZ FUX Relator
Tema
973- Possibilidade de remarcação do teste de aptidão física de
candidata grávida à época de sua realização, independentemente de haver
previsão expressa nesse sentido no edital do concurso público.
CONCLUSÃO
Além da igualdade material, a controvérsia tangencia, ainda, as manifestações da dignidade humana da mulher (artigo 1°, II, da CRFB), sobretudo na vertente da autonomia privada (artigo 5°, caput, da CRFB). Mais especificamente, a Constituição de República se posicionou expressamente a favor da proteção à maternidade (artigo 6º) e assegurou o direito ao planejamento familiar e à liberdade reprodutiva (artigo 226, § 7º).
Qualquer entendimento contrário a proteção da gravidez soa em descompasso com os valores resguardados pela Constituição de 1988 e pune a mãe e o neonato que em uma condição desigual não têm garantido seus direitos fundamentais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. Revista de direito do estado, n. 16, out./dez. 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Diário Oficial de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.mec.gov.br/legis/default.shtm. Acesso em: 20 de dezembro de 2018.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 17ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2013.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010.
CUNHA JR, Dirley. Curso de Direito Administrativo. 7ª edição. Salvador: Juspodivm, 2009.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais.
Advogado, aprovado para Juiz de Direito Substituto no Tribunal de Justiça do Piauí e Tribunal de Justiça do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAES, Danny Rodrigues. Do direito a remarcação do teste de aptidão física em candidata grávida Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 mar 2019, 22:59. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52715/do-direito-a-remarcacao-do-teste-de-aptidao-fisica-em-candidata-gravida. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Ursula de Souza Van-erven
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