RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade analisar o instrumento da ação civil pública na tutela de interesses difusos e coletivos, com foco na ação de improbidade administrativa. Nesse contexto, traçando considerações a respeito da distinção entre atos ilícitos e atos enquadrados na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), de modo a averiguar a distinção tais condutas. Por fim, cumpre destacar a relevância da tutela dos princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública, nos termos do caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo. Ação Civil Pública. Improbidade Administrativa. Interesses Difusos e Coletivos.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMO TUTELA DE INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS. 2. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 3. DOS DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS RESGUARDADOS PELA AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONCLUSÃO. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.
Desde o surgimento do princípio da legalidade, o qual remonta ao século XIII, por meio da Magna Carta inglesa (1215), a lei, como ato normativo primário por excelência, impôs às autoridades públicas a observância aos ditames nela veiculados. Dessa maneira, a Administração Pública, a partir de então, achou-se vinculada a tais preceitos, sob pena de atuar de maneira ilegítima, invalidando os atos que fossem contrários ao ordenamento jurídico.
Além disso, deve-se constatar que o princípio da legalidade constitui importantíssima garantia ao indivíduo em face da arbitrariedade estatal, de modo a conformar a vontade estatal ao que decidiu o Legislativo, o qual, em regra, é composto por representantes do povo, daí extraindo sua legitimidade para impor observância de condutas aos demais poderes. Nessa toada, foram desenvolvidos variados institutos a respeito da legalidade dos atos administrativos, a exemplo da autotutela e da convalidação, sendo o primeiro o direito de que dispõe a Administração para rever, de ofício, seus próprios atos, enquanto o segundo constitui a possibilidade de o Estado sanar vícios que maculam atos ilegais.
Em sequência, especificamente no Direito brasileiro, é criada, por meio da Lei 8.492/92, o instituto da improbidade administrativa, que, em linhas gerais, constituem atos ilegais praticados por agentes públicos, isoladamente ou em concurso com particulares, dotados de maior gravidade, aos quais se estabeleceram consequentes mais severos que a mera invalidação decorrente da nulidade de atos administrativos ilícitos. Nesse sentido, o referido diploma tipifica condutas que importam enriquecimento ilícito (art. 9º), causam prejuízo ao erário (art. 10), decorrem de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário (art. 10-A) e atentam contra os princípios da administração pública (art. 11).
À luz do exposto, evidencia-se a relevância do tema para os direitos difusos e coletivos, pois a Administração Pública é o principal meio para realização dos direitos fundamentais, e tal atividade exige retidão de conduta e eficiência dos agentes públicos. Desse modo, o interesse público, de caráter difuso, é tutelado pela tipificação de atos de improbidade administrativa, de modo a penalizar os agentes responsáveis por atos ímprobos, o que, por conseguinte, resguarda bens de titularidade difusa, como o acesso à saúde, à educação e ao meio ambiente.
Nesse sentido, após a análise contínua das disposições da Lei de Improbidade Administrativa, a respeito das condutas e das sanções nela estabelecidas, a doutrina e os tribunais convivem com intenso debate sobre a confusão entre atos ilícitos ordinários e atos de improbidade administrativa, os quais, conforme dito alhures, embora sejam ilícitos, são aplicáveis a situações e consequentes diversos.
Diante disso, destaca-se o objetivo deste trabalho é explorar, a partir desse panorama, os atos ilícitos no Direito Administrativo, incluindo os atos de improbidade administrativa, estabelecendo entre eles distinções e semelhanças, de modo a delinear a aplicabilidade de cada um desses panoramas às condutas ilegítimas perpetradas pela Administração Pública e pelos seus agentes. De igual modo, na tutela dos princípios aplicáveis à Administração Pública, nos termos do art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, fica evidente a repercussão de tais temas sobre direitos difusos e coletivos, eis que também se resguarda o interesse no campo das políticas públicas e do combate aos ilícitos.
1. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMO TUTELA DE INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS
Preambularmente, ratifica-se o entendimento de que o princípio da legalidade é caríssima garantia ao indivíduo, tendo seio constitucional, vez que é um dos princípios da Administração Pública previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988.
Desse modo, a ilicitude dos atos administrativos decorre de inobservância não só do princípio da legalidade, mas também, de forma específica, dos elementos constitutivos deste, os quais são elencados pela doutrina e enumerados no art. 2º da Lei 4.717/65 (Lei de Ação Popular):
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
Nesse sentido, pode-se deduzir que, caso o administrador desrespeite qualquer um dos elementos acima elencados, estará eivando o ato por ele editado de ilicitude, a qual pode ser sanável, comportando convalidação, ou insanável, ocasião em que não restará à Administração outra alternativa, senão a decretação da nulidade.
Essa inobservância pode gerar consequências diversas, partindo da mera anulação, extirpando o ato ilícito do ordenamento jurídico, passando pela responsabilização objetiva do Estado, com base na Teoria do Risco Administrativo, em razão de danos provocados a terceiros em razão de ato ilícito, podendo até implicar sanções penais, a exemplo das diversas condutas previstas no Título XI do Código Penal, tratando dos crimes contra a Administração Pública.
O administrador probo é aquele que atua com retidão de conduta, atendendo às exigências de honestidade, lealdade, boa-fé e cumprindo/respeitando os princípios éticos. as ideias vinculadas à probidade são: honestidade, retidão, lealdade, boa-fé, princípios éticos e morais etc. A improbidade administrativa é, portanto, a corrupção administrativa, o ato contrário à honestidade, à boa-fé, à honradez, à correção de atitude. É o inverso da probidade, consumando-se quando houver violação a qualquer um dos parâmetros citados acima.
Sob essa perspectiva, cumpre destacar que os atos ilícitos formam um gênero do qual derivam as espécies enumeradas no parágrafo anterior, as quais se distinguem em razão tanto das condutas ilícitas que são praticadas, mas também das consequências a elas atribuídas pela lei. Em decorrência disso, percebe-se a importância de estabelecer divisões entre as diversas espécies de ilícitos administrativos, de modo a enquadrar cada ilicitude com a sanção ou consequente que lhe são correlatos.
Diante disso, fica clara a presença dos princípios constitucionais implícitos da proporcionalidade e da razoabilidade quando se trata de improbidade administrativa. Sobre o tema, é válido reproduzir o entendimento de Rogério Ponzi Seligman[1]:
A proporcionalidade é fundamental à garantia do direito individual da justa aplicação da lei (devido processo legal substantivo) e à própria eficácia da Lei de Improbidade Administrativa, evitando banalizar instrumento de tamanha importância por meio de sua utilização mecânica e indiscriminada. Vem a calhar o alerta de Juarez Freitas de que a história das leis é fértil em atestar que várias disposições draconianas, não raro, assumem tais moldes, consciente ou inconscientemente para não se deixarem cumprir (1996, p. 65). A interpretação razoável da Lei de Improbidade é garantia de sua aplicação.
A adequação abusiva de suas condutas e a imposição desarrazoada de suas sanções poderá levar a situações nas quais o julgador preferirá não reconhecer a improbidade a aplicar sanções cuja gravidade se revele desproporcional em relação aos fatos praticados.
Claro está que quando do reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa deriva uma colisão de interesses constitucionalmente tutelados, que só pode ser dirimida pelo exercício da ponderação. De um lado, os direitos fundamentais do agente público, identificados pela cidadania, patrimônio e livre exercício da profissão, todos ameaçados pela aplicação das sanções previstas constitucionalmente.
De outro, bens jurídicos do Estado: patrimônio público e disciplina da conduta dos agentes públicos. Não há dúvida que na valoração feita pelo legislador preponderou o interesse coletivo em detrimento do individual, estampando-se no art. 12 da Lei n° 8.429/92 a legitimação da restrição dos direitos fundamentais do agente público quando da ofensa aos bens jurídicos estatais.
Assim sendo, cabe ao interprete, além da subsunção adequada, avaliar, à luz dos princípios referidos, se a conduta praticada pelo agente, de fato, enquadra-se em ato de improbidade administrativa previsto na Lei 8.492/92.
2. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Conforme exposto no tópico anterior, os atos de improbidade administrativa são espécie de ato ilícito com consequência mais gravosa do que a mera decretação de sua nulidade. Isso porque a Lei 8.492/92 prevê variadas sanções, quais sejam, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
Dito isso, torna-se mister distinguir atos ilícitos ordinários, que não acarretam as sanções acima mencionadas, dos atos de improbidade administrativa, que causam mais profunda lesão ao interesse público. Nesse contexto, o debate é intenso em torno do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, que engloba atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública, ante a abertura de enquadramento típica dos princípios.
Para analisar o tema de forma mais minuciosa, cumpre destacar as considerações feitas por Walber Agra[2] sobre os princípios:
Os princípios servem para implementar uma feição sistêmica ao conjunto de normas que formam a Constituição. Eles representam um norte para o intérprete que busca o sentido e o alcance das normas e formam o núcleo basilar do ordenamento jurídico. Igualmente, têm a função de integração do Texto Constitucional, suprimindo aparentes lacunas existentes.
Eles possuem um teor de abstração mais intenso. Assim, podem ser utilizados em uma maior diversidade de casos. Exemplo significativo é o princípio da legalidade, que pode ser utilizado na seara tributária, penal, processual etc. Como são mais abstratos, podem ter seu conteúdo diminuído ou aumentado, por um processo interpretativo restrito ou extensivo, facilitando sua adequação às modificações sociais. Como podem ser calibrados na sua extensão, servem para colmatar os conflitos entre os mandamentos constitucionais.
Os princípios possuem também força normativa das regras jurídicas, como quaisquer outras normas contidas na Constituição, e as cominações que lhes forem contrárias devem ser declaradas inconstitucionais. Esta ressalva é importante para asseverar que seu papel não é apenas instrumental – possuem autonomia própria, sem necessitar para a sua incidência da aplicação de uma regra.
Em face do texto supratranscrito, pode-se deduzir que os princípios são regras jurídicas dotada de abertura e plasticidade que, em relação aos atos de improbidade administrativa, podem gerar confusão a respeito do enquadramento respectivo. Isso porque, qualquer ato administrativo que seja ilícito, prima facie, viola, ao menos, um princípio basilar da Administração Pública, que é o da legalidade. Todavia, isso não é o suficiente para subsumir o referido ato entre aqueles previstos na Lei 8.492/92.
Como se pode observar, a questão se acha num limbo deveras inseguro, o que pode, de forma rotineira, causar injustiças ao aplicar o regime jurídico de um ato de improbidade administrativa a um ato ilícito ordinário, sem maior lesão à Administração. Nesse contexto, há importante precedente da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça veiculado no Informativo 540[3], estabelecendo distinções entre atos ilegais e atos de improbidade administrativa:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
Não configura improbidade administrativa a contratação, por agente político, de parentes e afins para cargos em comissão ocorrida em data anterior à lei ou ao ato administrativo do respectivo ente federado que a proibisse e à vigência da Súmula Vinculante 13 do STF. A distinção entre conduta ilegal e conduta ímproba imputada a agente público ou privado é muito antiga. A ilegalidade e a improbidade não são situações ou conceitos intercambiáveis, cada uma delas tendo a sua peculiar conformação estrita: a improbidade é uma ilegalidade qualificada pelo intuito malsão do agente, atuando com desonestidade, malícia, dolo ou culpa grave. A confusão conceitual que se estabeleceu entre a ilegalidade e a improbidade deve provir do caput do art. 11 da Lei 8.429/1992, porquanto ali está apontada como ímproba qualquer conduta que ofenda os princípios da Administração Pública, entre os quais se inscreve o da legalidade (art. 37 da CF). Mas nem toda ilegalidade é ímproba. Para a configuração de improbidade administrativa, deve resultar da conduta enriquecimento ilícito próprio ou alheio (art. 9º da Lei 8.429/1992), prejuízo ao Erário (art. 10 da Lei 8.429/1992) ou infringência aos princípios nucleares da Administração Pública (arts. 37 da CF e 11 da Lei 8.429/1992). A conduta do agente, nos casos dos arts. 9º e 11 da Lei 8.429/1992, há de ser sempre dolosa, por mais complexa que seja a demonstração desse elemento subjetivo. Nas hipóteses do art. 10 da Lei 8.429/1992, cogita-se que possa ser culposa. Em nenhuma das hipóteses legais, contudo, se diz que possa a conduta do agente ser considerada apenas do ponto de vista objetivo, gerando a responsabilidade objetiva. Quando não se faz distinção conceitual entre ilegalidade e improbidade, ocorre a aproximação da responsabilidade objetiva por infrações. Assim, ainda que demonstrada grave culpa, se não evidenciado o dolo específico de lesar os cofres públicos ou de obter vantagem indevida, bens tutelados pela Lei 8.429/1992, não se configura improbidade administrativa. REsp 1.193.248-MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 24/4/2014.
Diante do precedente transcrito, fica clara a preocupação dos tribunais sobre a relevância do tema, com vistas a evitar situações desproporcionais e desarrazoadas.
Além disso, em apreciação ao art. 89 da Lei 8.666/1993, a respeito do crime de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade, o Supremo Tribunal Federal promoveu interpretação de modo a restringir a responsabilidade exacerbada de agentes públicos inaptos, que causassem irregularidades sem demonstração de prejuízo ao erário. Nesse sentido, a Corte Suprema entende que deve haver, além do descumprimento das formalidades, a ocorrência, no caso concreto, a violação de princípios cardeais (fundamentais) da Administração Pública, nos termos do Inq 3962/DF, precedente veiculado no Informativo de Jurisprudência n. 891 do STF.
Sob esse prisma, há interessante doutrina de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves[4] a respeito, os quais estabelecem iter de individualização dos atos de improbidade, de modo a identificar, com clareza e segurança, os atos de improbidade, distinguindo-os dos demais atos ilícitos. Desse modo, foi feita divisão desse iter em cinco momentos a seguir elencados.
O primeiro momento, os doutrinadores sugerem a subsunção clara e objetiva da conduta ilícita praticada pelo sujeito ativo da improbidade nos arts. 9º, 10, 10-A e 11 da Lei 8.492/92, destacando que, na ação de improbidade administrativa, isso deve ser bem demonstrado na causa de pedir.
Já no segundo momento, menciona-se o elemento subjetivo do agente público a quem se imputa o ato ímprobo, de maneira a verificar a consciência e a vontade deste ao praticar a conduta prestava na lei. Tal constatação é essencial, vez que apenas o ato culposo apenas é punível, no âmbito da Lei 8.492/92, quando importar prejuízo ao erário, na forma do art. 10.
Num terceiro momento, os autores indicam a observância dos efeitos causados pelo ato ímprobo, visando à subsunção adequada à conduta imputada ao agente, tendo em vista que há atos que podem ser enquadrados em todos os artigos que tipificam atos de improbidade administrativa.
Em sequência, o quarto momento se destina a aferição da órgão ou da pessoa jurídica lesada, vez que a Lei de Improbidade Administrativa, em seu art. 1º, prevê quem poderá ser sujeito passivo do ato de improbidade.
Por fim, no quinto e último momento, após superados os quatro momentos anteriores, destinados ao enquadramento formal do ato de improbidade, os doutrinadores defendem que seja analisada a subsunção material da conduta perpetrada ao ato previsto na Lei 8.492/92, conforme transcrição seguinte[5]:
Apesar disso, devem ser igualmente utilizados parâmetros para se conferir maior objetividade ao princípio da proporcionalidade, o que evitará que esse instrumento inibidor de injustiças termine por ser utilizado por juízes despreparados como elemento estimulador da impunidade.
Em um primeiro plano, a sua utilização haverá de assumir ares de excepcionalidade, evitando-se que seu emprego seja vulgarizado, terminando por legitimar uma “atipicidade generalizada”. Como parâmetros a serem seguidos, deve-se observar se é insignificante a lesão aos deveres do cargo ou à consecução dos fins visados e se a conduta apresentava compatibilidade com a realidade social do local em que foi praticada.
Tratando-se de dano ou de enriquecimento de ínfimo ou de nenhum valor monetário, ou mesmo de ato que, apesar de violador dos princípios regentes da atividade estatal, tenha atingido o interesse público em sua plenitude, sem qualquer lesão a direitos individuais, não se terá uma relação de proporcionalidade entre a conduta do agente e as consequências que advirão da aplicação da Lei n. 8.429/1992, o que deve importar no seu afastamento.
À configuração da improbidade material, no entanto, é desinfluente a existência de efetivo dano ao patrimônio público ou a rejeição das contas apresentadas pelo agente público ao Tribunal de Contas. Em que pese ser derivação lógica da sistemática legal, preocupou-se o legislador em instituir regra específica a esse respeito, o que resultou no art. 21 da Lei n. 8.429/1992.
É importante frisar, uma vez mais, que a “atipicidade” aqui sustentada deve manter-se adstrita às situações em que a incidência da Lei de Improbidade venha a ferir o senso comum, importando em total incompatibilidade com os fins da norma e as exigências do harmônico convívio social.
Diante do exposto, depreende-se a preocupação da doutrina e da jurisprudência tanto com a proporcionalidade e com a razoabilidade da subsunção dos atos ilícitos, quanto com a possibilidade de indesejada vulgarização do instituto da improbidade administrativa.
Portanto, fica clara a distinção entre os atos ilícitos e os atos de improbidade administrativa, especialmente em razão da lesão que estes causam à Administração, além da gravidade das sanções respectivas. Tal constatação denota a responsabilidade com que o interprete deve pautar sua atuação, com vistas a evitar situações de injustiça, devendo-se observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
3. DOS DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS RESGUARDADOS PELA AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Na década de 1980, foi criada a Lei 6.938/1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente. O seu art. 14, § 1º dispunha que, quando houvesse dano ao meio ambiente, o Ministério Público poderia ajuizar ação de responsabilidade civil e penal, embora não esmiuçasse o conteúdo e o procedimento referentes a tal meio processual.
Assim, em origem, a ação civil pública se voltava à proteção do meio-ambiente, tendo como legitimado o Ministério Público, nos termos da Lei 6.938/1981. Posteriormente, foi elaborado um projeto de lei, fruto do trabalho de dois grupos de juristas: um grupo do Ministério Público do Estado de São Paulo, formado por Nelson Nery e Edis Milaré, e outro grupo da USP, composto por Cândido Rangel Dinamarco, Ada Pellegrini e Kazuo Watanabe. A Lei 7.347/85, (Lei de Ação Civil Pública) é o resultado deste projeto de lei, que ampliou o objeto dessa ação.
A consolidação da ACP ocorreu com a Constituição Federal de 1988 e potencializada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). Contemporaneamente, a referida ação possui previsão em diversos diplomas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), Estatuto da Pessoa com Deficiência (13.146/2015), Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) etc.
Com base nos argumentos acima, percebe-se a relevância da ação civil pública relativa à improbidade administrativa, eis que é instrumento eficaz no combate a tais atos, os quais provocam prejuízos gravíssimos à coletividade.
Desse modo, por meio da Lei 7.437/1985 (Lei da Ação Civil Pública), foi criada a ação de improbidade administrativa, especialmente destinada à proteção de interesses difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, e coletivos em sentido estrito, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base, na forma dos incisos I e II do parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990). Inclusive, este diploma trouxe, após a Lei da Ação Civil Pública, disciplina relevantíssima à tutela de interesses difusos e coletivos, incluindo os direitos individuais homogêneos, decorrentes de origem comum.
Sob essa perspectiva, tutelando a moralidade e a probidade administrativa, além dos demais princípios constitucionais aplicáveis à espécie, resguarda-se o interesse público, bem como a efetivação de direitos fundamentais, os quais são viabilizados pela execução regular de serviços públicos. Some-se a isso a importância da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), a qual passou a tipificar atos que impliquem prejuízo ao erário, enriquecimento ilícito, concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário e violação aos princípios da Administração Pública, compondo eficaz instrumento para resguardar o interesse público.
Assim, com a preservação da probidade administrativa, interesse tutelado constitucionalmente, há, de igual modo, resguardo do interesse público e, por consequência, de direitos fundamentais de titularidade difusa, como o acesso à saúde, à educação, à moradia, ou seja, de modo geral, comodidades à população.
Diante de tudo exposto, viu-se a importância do princípio da legalidade, como garantia ao indivíduo em face da arbitrariedade estatal e, inobservado o referido princípio, o ato editado pelo Estado seria nulo. Em sequência, discorreu-se sobre os elementos do ato administrativo que deveriam ser respeitados pelo agente público, sob pena de nulidade.
Sob essa perspectiva, a ilicitude é gênero do qual derivam diversas espécies de atos administrativos, os quais podem ter repercussões no âmbito cível, administrativo e penal. Assim sendo, cabe ao intérprete, quando da ocorrência de ato ilícito, verificar em qual situação jurídica este será enquadrado, tendo em vista a diversidade de consequentes jurídicos previsto para cada um deles. Ademais, constatou-se a preocupação da doutrina e dos tribunais a respeito dessa distinção, visando a evitar a banalização do instituto da improbidade administrativa, bem como a observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Nesse sentido, a doutrina de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves sugere, para fins de subsunção de condutas ilícitas administrativas, a verificação por meio de cinco momentos, os quais, caso preenchidos, importarão maior clareza e objetividade ao intérprete quando do enquadramento de tais condutas no tipo legal. Além disso, deve-se destacar o quinto momento, por meio do qual os autores aludidos reforçam a necessidade de analisar materialmente a conduta do agente para constatar a ocorrência de ato ímprobo.
Diante disso, fica clara a distinção entre os atos de improbidade administrativa e os demais atos administrativos ilícitos, sendo de fundamental importância tal segregação, vez que a Lei 8.492/92 prevê sanções graves ao sujeito ativo do ato ímprobo, sendo certo, portanto, que os atos acima referidos não se confundem, vez que o primeiro é gênero, enquanto o segundo é espécie.
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[1] SELIGMAN, Rogério Ponzi. O princípio constitucional da proporcionalidade em atos de improbidade administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 238, p. 253, out. 2004. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/44081/44754>. Acesso em: 02 Out. 2017. doi: http://dx.doi.org/10.12660/rda.v238.2004.44081.
[2] AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 8. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 115.
[3] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Informativo de Jurisprudência n. 540. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=@cnot=%2714766%27>. Acesso em: 02 Out. 2017
[4] GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 7. ed., rev. ampl. atual. São Paulo : Saraiva, 2013, p. 523-526.
[5] GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 7. ed., rev. ampl. atual. São Paulo : Saraiva, 2013, p. 526.
Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (2014.2). Pós-graduado em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE (2018). Advogado inscrito na OAB/PE entre 2015 e 2019. Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco - TJPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Kaio César Queiroz Silva. A Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa como tutela de interesses difusos e coletivos: Repercussões práticas na jurisprudência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jan 2020, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/54060/a-ao-civil-pblica-de-improbidade-administrativa-como-tutela-de-interesses-difusos-e-coletivos-repercusses-prticas-na-jurisprudncia. Acesso em: 23 dez 2024.
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