RESUMO: O presente artigo tem como objetivo dissertar sobre a violação ao dever de motivação dos atos administrativos pela Administração Pública ao não adentrar na análise dos fatos e razões ventilados nos recursos administrativos apresentados pelos candidatos em concursos públicos.
Palavras-chave: Motivação; Ato administrativo; Concursos Públicos; Recursos administrativos.
Abstract: This article aims to discuss the violation of the duty of motivation of administrative acts by the Public Administration by not entering into the analysis of facts and reasons ventilated in administrative appeals presented by candidates in public tenders.
Keywords: Motivation; Administrative act; Public tenders; Administrative resources.
Sumário: Introdução; 1. Do dever de motivar. Quando o dever é cumprido?; 2. Das consequências jurídicas da motivação genérica; Considerações Finais. Referências bibliográficas.
Introdução
A Administração Pública, ente despido de pessoalidade e garantidor do interesse público, tem sempre como norte a norma, que ampliada em seu conceito pode ser entendida como a soma das regras e princípios constantes no sistema jurídico. Com atuação vinculada ou discricionária há de se respeitar o escopo pretendido pelo ordenamento, aproximando-se os fatos da justiça.
Dentre os deveres traçados está a motivação dos atos editados, conforme previsto no artigo 50 da Lei 9.784/99. O legislador elencou quando a Administração, de maneira explícita, clara e congruente deve apontar os fatos e fundamentos jurídicos que embasam sua manifestação.
Um dos pontos tocados diz respeito à decisão dos recursos administrativos. Com sabedoria salvaguardou-se o direito do administrado ter conhecimento dos motivos que levaram a Administração a uma determinada decisão, em clara compatibilidade ao sistema processual civil e constitucional do contraditório e da ampla defesa, além do devido processo legal.
Mas o que é motivar? Quando a fundamentação atinge a finalidade pretendida? Será que basta conceder uma resposta genérica à pretensão deduzida?
Partindo-se do pressuposto de a motivação dos atos administrativos, inclusive quando da resposta aos recursos administrativos, ser um dever da Administração, deve ser tratada com o devido respeito atribuído pelo legislador, e aqui, pretende-se ir um pouco mais além, adentrando especificamente nas decisões proferidas nos recursos interpostos por candidatos eliminados em concursos públicos.
Em tais casos, tal dever assume maior relevo, carecendo a análise do caso concreto de cuidados redobrados, pois resultará na interrupção da participação do candidato no certame e, na grande maioria dos casos, aquele que é afetado pelo ato empreendeu esforço e dedicou boa parte de seu tempo ao escopo de habilitar-se à vaga pública ofertada.
Sendo assim, a sua eliminação deve estar devidamente justificada e contraposta aos ditames previstos no edital, e, apresentado o recurso em face da decisão, as razões e fatos por ele levantados devem ser esvaídos até o último ponto.
Conforme apontado acima, a motivação deve ser dada de forma explícita, clara e congruente, não deixando espaços para interpretações ou desvios de entendimento, vedando-se respostas genéricas e desprovidas de análise intrínseca dos argumentos expostos no ato recursal.
Ocorre que, esta não vem sendo a trilha seguida pela Administração. O que temos presenciado em diversos concursos públicos são respostas universais, sem análise do caso concreto e das razões ventiladas, mitigando-se o próprio direito ao reexame dos fatos e fundamentos adotados.
Tal atitude é extremamente temerária e afronta o norte legislativo assumido, contrapondo-se ao dever de cuidado destinado ao cidadão, que merece ter seus reclames e justificativas devidamente analisados, ainda mais quando tratamos de concurso público, instrumento pelo qual se possibilita o ingresso aos cargos públicos em geral.
O instituto do concurso público, com guarida constitucional, deve ter seus traçados retilíneos, sem margens para desvios paradoxais às normas postas, de forma a permitir àquele que pretende ocupar o cargo público uma justa caminhada, sem percalços ilegais.
É de se ressalvar que a presença da motivação, bem como sua congruência e clarividência assumem forte relevo, como quando da realização de provas físicas ou de aptidão psicológica, realizadas por terceiros vinculados à banca concursal. É que, muitas vezes estes extrapolam a previsão do edital ou, até mesmo a desconhecem, e desvirtuam a finalidade pretendida.
Nesse ponto, podem surgir injustiças e erros quando da aplicação do exame, a serem sanados quando da análise do recurso administrativo, momento em que o candidato dispõe para arguir as razões contrárias ao ato eliminatório.
Apresentar uma resposta padrão acaba por mitigar o próprio direito de recorrer, pois não há embate aos argumentos ventilados na peça recursal, inviabilizando-se o instrumento posto.
Nesse ínterim, conceder a todos os recursos aviados uma resposta universal fere o dever legal imposto, e nulifica o ato praticado, já que desvirtuado da função atribuída pelo legislador.
Exemplifico com o caso de candidato que em prova física realizou oito movimentos no teste de barra fixa, sendo-lhe, entretanto, atribuídos somente seis movimentos como válidos, por supostamente ter flexionado o joelho quando da realização da flexão, motivo pelo qual restou eliminado do concurso.
Ocorre que, ao verificar o vídeo contendo a execução dos movimentos, o candidato percebe que não flexionou o joelho, apenas o mexeu levemente quando da realização do ato de força, terminando o movimento de maneira válida. E mais, percebe ainda que não consta no edital como falta a flexão de joelho, sendo então eliminado por fator não vedado, lembrando que aquilo que não é proibido é permitido.
Indignado, apresenta recurso administrativo, que é indeferido com uma resposta padrão contendo trecho do edital que descreve as vedações previstas (lembrando que a flexão de joelho nem mesmo ali consta), resposta esta adotada universalmente a todos os demais recorrentes, que alegaram diversos outros fatores.
Indaga-se: Cumpriu-se o escopo legal? Tal resposta deve ser considerada um ato motivado? A Administração justificou as razões da eliminação do candidato? Pode-se alegar que os fatos e razões de direito elencados foram analisados[1]?
A motivação das razões da eliminação de candidato em concurso público, nos termos da Lei 9.784/99, é obrigatória, e quanto a isso não há questionamentos ou dúvidas. O grande cerne da questão reside em saber quando este dever é cumprido. Basta justificar as razões da eliminação de forma genérica, aplicando-se a mesma fundamentação a todos os candidatos, ou é imperioso adentrar no caso concreto e nos motivos e fatos apresentados no recurso administrativo?
Bom, para responder tal indagação devemos partir do pressuposto de que o ato de motivar representa o “elemento inspirador da manifestação de vontade do administrador[2]” e, portanto, deve transparecer as razões adotadas, sob pena de tornar o ato recôndito e não permitir ao administrado perceber os elementos contrários por ele praticados.
O princípio da motivação acarreta o dever de a autoridade julgadora expor, de modo explícito, os fundamentos de fato e de direito em que se alicerça sua decisão.
A motivação dos atos administrativos, independentemente de previsão legal expressa nesse sentido, diminui a possibilidade de atuação arbitrária da Administração. A transparência pública impõe a exposição das razões de fato e de direito que ensejaram a prática de determinado ato. A fundamentação confere maior legitimidade à atuação estatal, servindo como importante parâmetro de controle judicial e social, bem como instrumento inibidor da arbitrariedade administrativa. A obrigatoriedade de motivação é uma exigência constitucional que deriva dos princípios democráticos, da legalidade, da publicidade, da ampla defesa e do contraditório[3].
Podem existir aqueles defendam que, apresentado o motivo, mesmo que de forma genérica, findou-se o dever. Entretanto, tal pensamento, data vênia, não representa o escopo legislativo e princípios previstos, já que acabaria relegando o recurso administrativo a um mero ato burocrático sem efeitos concretos, um verdadeiro faz de conta.
Sendo assim, a resposta genérica desprestigia o recurso apresentado, causando sensação de que nem mesmo fora analisado e descumpre o intento mandamental.
Interpretando o sistema jurídico, notamos que motivar vai além. Conforme alude o CPC em seu artigo 489, §1º, a invocação de motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão, a mera indicação de dispositivo do ordenamento ou o não enfretamento de todos os argumentos deduzidos não deve ser considerado fundamentação.
Nesse sentido a Lei 13.655/2018, que acresceu 10 artigos à LINDB, disciplinando sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.
Dentre as novidades está a vedação às decisões com base em valores jurídicos abstratos, de forma a imprimir maior especificidade as decisões tomadas.
A Carta Suprema garantiu aos cidadãos, como direito fundamental, o contraditório e a ampla defesa em processos administrativos, com todos os meios e recursos inerentes.
Nesse ínterim, a apresentação de respostas genéricas aos pleitos administrativos viola o sistema jurídico como um todo, devendo o ato ser considerado nulo.
A universalidade da resposta, imiscuindo-se da análise objetiva dos fatos e razões elencadas acaba por interferir também na credibilidade da Administração Pública, pois o cidadão, ao deparar-se com a ausência de fundamentação adequada ao ato administrativo têm em mente que sequer foram sopesados os argumentos ventilados na peça recursal, causando sensação de injustiça e de lesão aos direitos.
Talvez aí uma das razões da sobrecarga do Poder Judiciário. O descrédito quanto a aferição do recurso administrativo faz com que muitos administrados acionem diretamente este poder ou que, diante da genérica motivação atribuída ao seu recurso, busquem a reforma do ato através do saber do Juiz.
A motivação não significa a mera invocação da norma constitucional ou legal, ou da cláusula do instrumento convocatório que disciplina o tema. É de rigor o apontamento dos argumentos de fato e de direito balizadores da conclusão adotada.
O dever de motivação dos atos e decisões administrativas surge em um contexto de controle da atividade administrativa, constituindo um direito essencial dos administrados na defesa dos seus direitos e um direito de conhecer as razões da Administração: pela motivação, ela se explica, diz o porque decidiu. Nesta medida, a motivação e a fundamentação das decisões são um meio de realização do princípio da verdade material, já que, por elas, a Administração fica obrigada a aprofundar as razões de sua conduta e a procurar a conformidade completa entre o Direito e a vida. A motivação é igualmente importante para a apreciação contenciosa do ato ou decisão administrativa, pois, e, face do conhecimento dos motivos, o interessado poderá avaliar a justeza desses atos e decisões, que poderão consistir em declarações de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, ficam fazendo parte da decisão final[4].
A motivação genérica não tem nenhum efeito e deve ser considerada inexistente. O direito a apresentação de recurso administrativo fica prejudicado quando os elementos que o compõem não se submetem a uma análise individual. Nesse caso é como se não houvesse a possibilidade de recorrer, pois ao fazê-lo busca-se justificativa idônea, pautada em elementos técnicos e jurídicos dos argumentos lançados na peça recursal, sob pena de torna-la imprestável.
Conforme explanado, a motivação é um dos deveres da administração, e para ser cumprido deve adentrar nas especificidades do caso concreto. Dessa forma, interposto o recurso administrativo, a resposta do órgão público deve ser dada em contraposição aos argumentos traçados na peça recursal, em harmonia ao sistema processual civil e direitos fundamentais previstos na Constituição.
Apresentar argumentos genéricos é o mesmo que não motivar, pois impede o candidato de saber os reais motivos de sua eliminação. Sobre a necessidade de fundamentação manifestou-se a Corte Cidadã no Informativo de nº 480.
CONCURSO PÚBLICO. EXAME MÉDICO. MOTIVAÇÃO. Foi reconhecida a nulidade por falta de motivação do ato administrativo que desclassificou o impetrante, no exame médico, do concurso público para o cargo de neurocirurgião, após aprovação em prova objetiva, constando do resultado apenas que o candidato era inapto ao serviço público. Dessa forma, é flagrante a nulidade do ato por ausência da devida fundamentação, além da falta de ampla defesa, impossibilitando ao candidato conhecer os motivos que ensejaram a sua desclassificação do certame. Precedente citado: RMS 25.703-MS, DJe 3/8/2009. RMS 26.927-RO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/8/2011.
Ao apresentar como fundamento ao ato administrativo respostas padrão a Administração está envolvida pelo mesmo vício da não apresentação de qualquer fundamentação, já que os efeitos práticos são exatamente os mesmos: o desconhecimento dos motivos da eliminação.
Exemplificando o que foi acima mencionado, destacamos o Concurso da Polícia Rodoviária Federal. O CESPE, banca responsável pela aplicação do certame, na fase de exames de saúde, apresentou como justificativa para eliminação de diversos candidatos a mesma resposta, adotando um padrão independente da situação médica aferida ou das especificidades de cada caso concreto.
A banca não apontou os motivos pelos quais a inaptidão apontada ensejaria incompatibilidade ao cargo pretendido, apenas mencionou as funções do cargo concorrido. Tal ato é o mesmo que não apresentar qualquer motivo.
Se não bastasse, apresentou resposta geral idêntica a todos os candidatos que recorreram administrativamente, avulsas dos pontos arguidos por cada um deles, colacionando, como justificativa, novamente, apenas a descrição das funções do cargo, o que não pode ser tido, perante os deveres impostos pela lei, como válido.
Isto ocorreu também no caso de candidatos portadores de deficiência, em que tiveram a mesma fundamentação genérica adotada para os demais, sem qualquer apontamento específico de por que sua deficiência o inabilitaria à função pretendida.
A motivação genérica não tem nenhum efeito e deve ser considerada inexistente. O direito a apresentação de recurso administrativo fica prejudicado quando devidamente oferecido sequer é analisado. Nesse caso é como se não houvesse a possibilidade de recorrer, pois ao fazê-lo busca-se justificativa idônea baseada em elementos técnicos e jurídicos, pautados nos argumentos lançados na peça recursal, sob pena de torna-la imprestável.
A Corte Cidadã na ferramenta de jurisprudência em teses, consolidou na edição de nº 115, no item 11, a exigência da devida fundamentação no caso de inaptidão em avaliação psicológica e exame médico.
Abaixo colaciono alguns acórdãos que embasaram a tese firmada, vejamos:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. EXAME DE ACUIDADE VISUAL. ILEGALIDADE. FALTA DE MOTIVAÇÃO DA REPROVAÇÃO. NULIDADE. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME. AGRAVO INTERNO DO ESTADO DE SANTA CATARINA A QUE SE NEGA PROVIMENTO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 1. Refoge à razoabilidade a eliminação do candidato que não obteve acesso aos fundamentos de sua reprovação, impedindo-o de efetuar o controle da decisão administrativa, máxime quando o próprio edital autoriza a correção visual pelo simples uso de óculos ou lentes corretivas (RMS 35.265/SC, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 6.12.2012). 2. Agravo Interno do ESTADO DE SANTA CATARINA a que se nega provimento. (AgInt no RMS 44.771/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 06/12/2018).
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO PORTADOR DE HEPATITE B. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. NULIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. A eliminação de candidato em concurso público por inaptidão constatada em exame médico pressupõe fundamentação adequada quanto à incompatibilidade de eventual patologia com as atribuições do cargo público almejado. Precedente: RMS 26.101/RO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5a. T., DJe 13/10/2009. 2. Laudo produzido no âmbito administrativo que nem sequer menciona as formas de contágio da doença, tampouco a presença de eventuais sintomas dela decorrentes, no intuito de demonstrar eventual incompatibilidade com o exercício do cargo pretendido (zelador), o qual, a propósito, não envolve nenhuma peculiaridade a justificar maiores cautelas. 3. O ato atacado nesta ação mandamental, que, em certame destinado ao preenchimento de cargo público, resultou na eliminação da recorrente pelo simples fato de que é ela portadora de Hepatite Crônica Viral Tipo "B", sem a demonstração de possível incompatibilidade com o exercício do cargo, não apresenta seu principal requisito de validade, por faltar-lhe a necessária fundamentação. 4. No atual cenário brasileiro, em que se busca dissipar toda e qualquer forma de discriminação, não se mostra razoável, sob nenhum ponto de vista, a exclusão de uma candidata em concurso público apenas pelo fato de estar ela acometida de uma moléstia que, a despeito de inspirar cuidados permanentes, não apresenta sintomas ou risco iminente de contaminação, a não ser pelas formas já declinadas, alheias às atividades normais do cargo. 5. Recurso ordinário em mandado de segurança provido (RMS 28.105/RO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14.4.2015, DJe 22.04.2015).
PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. A jurisprudência do STJ exige a adoção de critérios objetivos nos testes psicológicos e a possibilidade de revisão do seu resultado, como também requer que todo ato administrativo seja devidamente motivado, nos termos do artigo 50, I, da Lei 9.784/1999, o que, obviamente, só é possível com a obtenção, de uma forma clara, motivada e compreensível, das razões pelas quais o candidato foi considerado inapto no certame. 3. No caso dos autos, o Tribunal local concluiu pelo subjetivismo e pela ausência de publicidade do exame. A revisão desse entendimento implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula 7/STJ. 4. Contudo, uma vez declarada a nulidade do teste psicotécnico, deve o candidato se submeter a outro exame. Precedentes do STJ. 5. Recurso Especial parcialmente provido. (REsp 1530256/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 05/08/2015).
Nesse norte, responder genericamente ao recurso o inviabiliza, tornando o reexame mera burocracia, sem efeitos práticos, o que enseja clara nulidade.
No sentido do que aqui exposado, manifestou-se o Ministro Herman Benjamim, quando da análise de caso em que houve divulgação genérica de padrão de resposta em prova de sentença para o cargo de Juiz Estadual. Posicionou-se a Corte Cidadã pela nulidade do ato administrativo tendo em vista violação aos deveres de motivação, o que podemos aferir na ementa abaixo colacionada:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTRADO. PROVA PRÁTICA DE SENTENÇA CÍVEL E CRIMINAL. PONTUAÇÃO. ESPELHO DE PROVA. DUE PROCESS ADMINISTRATIVO. RESPOSTAS-PADRÃO GENÉRICAS. ILEGALIDADE. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Reanaliso os autos após as considerações sempre muito bem fundamentadas apresentadas no voto do eminente Ministro Og Fernandes. 2. Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança contra ato do Desembargador Presidente da Comissão do Concurso Público para provimento do cargo de Juiz de Direito Substituto do Estado do Rio Grande do Sul em que requerem os recorrentes "que seja declarada a nulidade das provas de sentenças (civil e criminal), atribuindo-se aos impetrantes a pontuação a elas correspondentes, necessária ao escore de aprovação, ou, subsidiariamente, seja refeita a etapa referente às provas de sentença com as observâncias legais", bem como a declaração de "ilegalidade do ato que eliminou os impetrantes do concurso por não ter atingido a nota de corte (6,0 pontos) nas provas de sentenças, assegurando-se a eles a participação na terceira etapa do certame e, se aprovados, nas etapas seguintes". (...) 6. Não obstante a impossibilidade de o Poder Judiciário, em matéria de concurso público, substituir a banca examinadora do certame para alterar os métodos de avaliação e os critérios de correção das provas, situações concretas dos concursos públicos podem sinalizar que aspectos de legalidade foram vulnerados, exigindo o controle jurisdicional do ato administrativo. DEVER DA MÁXIMA PUBLICIDADE E TRANSPARÊNCIA DO CERTAME PÚBLICO 7. O princípio do concurso público de status constitucional (arts. 37, II, c/c 93, I, da CF/1988) tem como premissa essencial a máxima publicidade e transparência do certame. A concretização desse direito fundamental à lisura do processo seletivo se realiza pela criação de regras gerais e impessoais para a seleção dos candidatos e do dever de motivação dos atos administrativos praticados pela Banca Examinadora em todas as etapas do certame, bem como pela divulgação aos candidatos, de forma a possibilitar a apresentação de questionamentos por meio da interposição de recursos administrativos em relação aos atos por ela praticados. ILEGALIDADE NA APRESENTAÇÃO DE ESPELHO DE PROVA PRÁTICA DE SENTENÇA COM PADRÃO DE RESPOSTA GENÉRICO 8. No caso concreto, os recorrentes insurgem-se contra o espelho da prova apresentado após a realização dos testes de sentença, reputando-o genérico e carecedor de critérios de correção, o que teria inviabilizado a adequada interposição do recurso administrativo contra a nota atribuída pela Comissão. 9. As notas concedidas pela Comissão Julgadora do concurso público foram publicizadas em espelho no qual constavam genericamente os padrões de resposta esperados pela Comissão Julgadora, com tópicos de avaliação (I. Relatório; II. Fundamentação; III. Dispositivo; IV. Utilização correta do idioma oficial e capacidade de exposição; e, na sentença criminal, item IV. Dosimetria da pena e V. Utilização correta do idioma oficial e capacidade de exposição), atribuindo-se a pontuação máxima em relação a cada item avaliado e a respectiva nota do candidato (fls. 35-37; 83-85; 123-125; 163-165). 10. De fato, o espelho de prova apresentado pela banca examinadora possui padrões de resposta genéricos, sem detalhar quais matérias a Comissão entendeu como de enfrentamento necessário para que seja a resposta tida por correta, o que impossibilitou aos impetrantes/candidatos exercerem o contraditório e a ampla defesa. 11. Somente após a interposição do recurso administrativo é que a Administração apresentou, de forma detalhada, as razões utilizadas para a fixação das notas dos candidatos, invertendo-se a ordem lógica para o exercício efetivo do direito de defesa em que primeiro o candidato deve ter conhecimento dos reais motivos do ato administrativo para depois apresentar recurso administrativo contra os fundamentos empregados pela autoridade administrativa. 12. Assim, considero que, no caso concreto, há de ser aplicada a parte final do precedente obrigatório firmado pelo STF no julgamento do Tema 485 (RE 632.853), quando afirmou a Suprema Corte que "Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade", por identificar ilegalidade no ato administrativo de divulgação de espelho de prova com respostas-padrão genéricas, inviabilizando o efetivo direito de recorrer dos candidatos em relação ao resultado da prova prática de sentença. CONCLUSÃO 13. Recurso em Mandado de Segurança provido para declarar a nulidade da prova prática de sentença cível e criminal, determinando que outra seja realizada pela Banca Examinadora, permitindo-se a continuidade dos recorrentes no certame público caso aprovados nas respectivas fases do concurso. (RMS 58.373/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2018, DJe 12/12/2018) (grifo pelo autor).
Considerações finais
Ante o exposto, diante do dever de motivação previsto na Lei 9.784/99, bem como em interpretação sistemática ao ordenamento, percebemos que o dever de motivar o ato administrativo não se exaure, em razão de sua necessária completude, pela simples apresentação de respostas genéricas aos recursos administrativos apresentados.
Só há que se falar em fundamentação quando devidamente sopesados todos os fatos e razões que embasaram o pleito, sob pena de desvirtuar-se o escopo intrínseco ao dever imposto.
A motivação envolve enfrentamento, corpo a corpo, de cada uma das teses aduzidas, sem espaço para universalidades, generalizações e desvios, sob pena de nulidade.
Cabe a Administração organizar-se de maneira efetiva, em prol do dever de eficiência que lhe é inerente, para que celebrado o concurso público, tenha para si a obrigação de atender aos recursos apresentados de maneira clara, congruente e objetiva, em harmonia aos sistemas processuais e direitos fundamentais.
Referências bibliográficas
1 – Brasil, Constituição Federal. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 10 de dezembro de 2019;
2 – Brasil, Lei 9784/99. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm> Acesso em 12 de dezembro de 2019;
3 - TABORDA, 2006, p. 200.
4 - ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, Motivo e motivação do ato administrativo, RT, 1979, p. 110.
5 - Oliveira, Rafael Carvalho Rezende Curso de Direito Administrativo / Rafael Carvalho Rezende Oliveira. – 6. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.
[1] Imperioso ressaltar que o caso acima é verídico, e foi o candidato reinserido no concurso por medida judicial.
[2] ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, Motivo e motivação do ato administrativo, RT, 1979, p. 110.
[3] Oliveira, Rafael Carvalho Rezende Curso de Direito Administrativo / Rafael Carvalho Rezende Oliveira. – 6. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.
[4] TABORDA, 2006, p. 200.
Advogado no escritório DMC Advogados Associados [www.dmcadvogadosassociados.com.br]; Pós-graduado em Direito Corporativo e Compliance pela Escola Paulista de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Rafael Bemfeito. Da generalidade das fundamentações nos certames públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 fev 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/54214/da-generalidade-das-fundamentaes-nos-certames-pblicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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