GUILHERME SABINO NASCIMENTO SIDRÔNIO DE SANTANA
(Coautor)
Resumo: O objetivo do artigo é analisar a importância do Juiz das Garantias para o sistema acusatório brasileiro, no que tange a imparcialidade do juiz sentenciante. Trata-se de uma pesquisa descritiva, cujo método empregado é o dedutivo. É dedutivo porque é um processo de análise da informação que utiliza livros e artigos científicos para obter uma conclusão a respeito do problema. O trabalho foi realizado por meio de pesquisas bibliográficas na área de Direito, mais precisamente na área de Direito Processual Penal e Direito Penal, para ao final concluir que a nova figura do Juiz das Garantias concretiza em maior medida o princípio acusatório, protege a imparcialidade do magistrado e garante o devido processo legal.
Palavras-Chave: Pacote Anticrime. Juiz das Garantias.
Abstract: The objetive of the article is to analyze the importance of the Judge of Guarantees for the Brazilian accusatory system, regarding the impartiality of the judgment. It is a descriptive research, and the deductive method is used. It is deductive because it is na information analysis. The work was carried out through bibliographic research in the area of Law, more precisely in the area of Criminal Procedural Law and Criminal Law, to conclude at the end that the new figure of the Judge of Guarantees concretizes the accusatory principle to a greater extent protects the magistrate’s impartiality and guarantees due legal process.
Keywords: Anti-crime Law. Guarantee Judge.
1. INTRODUÇÃO
Ao longo da história processual penal brasileira, o juiz assumiu várias posturas de atuação na fase investigatória preliminar, tendo em si, por muito tempo, a figura do juiz inquisidor, que detinha amplos e irrestritos poderes de investigação, acumulando o exercício das funções policiais e judicantes.
Atualmente, o juiz não mais comanda as investigações, mas, ainda assim, antes da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019 (chamada de “Pacote Anticrime”), possuía poderes que revelavam a presença inquisitorial no sistema, como a determinação da produção antecipada de provas, prevista no art. 156, I do Código de Processo Penal, e a determinação, de ofício, da prisão preventiva em qualquer fase do inquérito policial.
Com o advento da Lei nº 13.964/2019, instituiu-se a figura do Juiz das Garantias. Esta nova entidade atuará propriamente na fase do inquérito policial, evitando que o magistrado sentenciante se contamine com os elementos de informação produzidos e com as provas porventura produzidas, objetivando garantir uma maior imparcialidade, essencial para que se concretize o devido processo legal.
Desse modo, o presente estudo tem como objeto de investigação a nova figura do Juiz das Garantias, evidenciando a sua importância para o sistema acusatório brasileiro, tendo em vista a divergência doutrinária que ocorria no brasil a respeito do sistema de condução processual penal antes da aprovação do “Pacote Anticrime”.
2. SISTEMA INQUISITÓRIO X SISTEMA ACUSATÓRIO – E A NOVA SISTEMÁTICA BRASILEIRA
Todos os Estados (Países) adotam para si um sistema de condução do processo penal, e cada sistema possui suas particularidades, como diferentes tipos de órgãos (de defesa, acusação, julgamento), diferentes tempos de processamento para um acusado, forma como ocorre a acusação (se por iniciativa privada ou por iniciativa de um órgão público), etc. Tratando-se dos Estados modernos ocidentais, pode-se identificar três sistemas processuais penais: o sistema acusatório, o sistema inquisitório e o sistema misto.
A doutrina brasileira diferencia o sistema inquisitório do sistema acusatório com base na identidade atribuída aos órgãos de acusação e de julgamento. Enquanto que no sistema inquisitório estes órgãos possuem a mesma identidade, no sistema acusatório os órgãos possuem identidades diferentes. Ou seja, no sistema inquisitório o papel do órgão de acusação e do órgão de julgamento se encontram reunidos em um mesmo ente; e, no sistema acusatório, o órgão de acusação e o órgão de julgamento possuem personalidades distintas. Para Pacelli (2017, p. 10), neste sistema, o processo criminal se inicia com uma acusação oferecida pelo órgão competente para tal; e, naquele, o próprio juiz, de ofício, dá início ao processo, oferecendo a denúncia.
Lopes Jr. (2015, p. 42), por sua vez, afirma que, no sistema inquisitório, não existe contraditório e dialeticidade no processo, vez que ao julgador são atribuídas as funções de instruir o processo e de acusar, “pois uma mesma pessoa (juiz-ator) busca a prova (iniciativa e gestão) e decide a partir da prova que ela mesma produziu”. Este doutrinador ainda elenca outros elementos caracterizadores do sistema inquisitório, como (Lopes Jr., 2015, p. 43):
a) gestão/iniciativa probatória nas mãos do juiz (figura do juiz-ator e do ativismo judicial = princípio inquisitivo);
b) ausência de separação das funções de acusar e julgar (aglutinação das funções nas mãos do juiz);
c) violação do princípio ne procedat iudex ex officio, pois o juiz pode atuar de ofício (sem prévia invocação);
d) juiz parcial;
e) inexistência de contraditório pleno;
f) desigualdade de armas e oportunidades;
Este doutrinador explica, por conseguinte, que o sistema acusatório é fundado no princípio da separação entre as figuras do acusador e do julgador, com o ônus probatório das partes (e não do julgador) e ausência de tarifação das provas; além de haver o tratamento isonômico das partes e a publicidade do processo (Lopes Jr., 2015, p. 43). Todo este sistema, frise-se, é pensado para se garantir a manutenção da imparcialidade do acusador, elemento indissociável dos princípios constitucionais e infraconstitucionais caracterizadores de um Estado Democrático e Social de Direito, como o do devido processo legal, do promotor e juiz natural, e do contraditório e a ampla defesa. Conforme leciona Lopes Jr. (2015, p. 44):
Somente no processo acusatório-democrático, em que o juiz se mantém afastado da esfera de atividade das partes, é que podemos ter a figura do juiz imparcial, fundante da própria estrutura processual.
[…]
O processo penal acusatório caracteriza-se, portanto, pela clara separação entre juiz e partes, que assim deve se manter ao longo de todo o processo (…) para garantir a imparcialidade (…) efetivação do contraditório.
Ao lado desses dois sistemas (inquisitivo e acusatório), a doutrina observa a existência de um terceiro modelo, chamado de “sistema processual misto”. Neste modelo, haveria a coexistência de elementos do sistema inquisitivo e do sistema acusatório, com a definição de uma fase pré-processual inquisitória (inquérito) e processual acusatória. No Brasil, os doutrinadores se debatiam sobre qual modelo havia sido adotado em nosso Estado, se o misto ou se o acusatório.
Os que defendiam que o Brasil havia adotado um modelo misto, a exemplo de Guilherme de Souza Nucci, afirmavam que assim o era devido ao fato de a persecução penal ser dividida em duas fases (fase de investigação e fase processual), sendo a primeira de caráter inquisitivo, sobretudo porque havia a participação do juiz na colheita ex officio de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida (art. 156 CPP), e a segunda marcada pelo caráter acusatório, em que assegura-se ao réu o direito ao contraditório e ampla defesa (NUCCI, 2020, p. 82).
Há ainda os que afirmavam que o processo penal brasileiro era acusatório (sendo esta corrente a majoritária), como Pacelli (2017), pois que haveria a separação entre as figuras daquele que acusa e daquele que julga. Por fim, havia uma corrente minoritária, quase inexistente, encabeçada por Aury Lopes Jr. (2015) que dizia que o sistema brasileiro era (neo)inquisitório, pois que de nada adianta haver a separação entre as figuras do acusador e do julgador se o juiz ainda assim continua decidindo sobre a produção antecipada das provas consideradas urgentes e relevantes, observada a necessidade, adequação e necessidade da medida, mesmo antes de iniciada a ação penal (havendo a quebra da imparcialidade, portanto).
Neste contexto, foi criada a Lei nº 13.964/2019, chamada de “Pacote Anticrime”, ou “Lei Anticrime”, que entrou em vigor em 24 de janeiro de 2020. Esta lei tem como objetivo modernizar e aperfeiçoar a legislação penal e processual penal, criando, dentre outras coisas, o “Juiz das Garantias” com a inclusão dos artigos 3º-A e 3º-B da Legislação Processual Penal. Se antes havia dúvidas e discussão quanto ao modelo de sistema processual penal adotado no Brasil, o artigo 3º-A do Código de Processo Penal surgiu para eliminar esta incerteza com a seguinte redação:
Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.
Desse modo, o artigo 3º-A, do Código de Processo Penal, incluído pela Lei nº 13.964/2019, expressamente define o sistema brasileiro como acusatório. Entretanto, não basta tão somente se afirmar como sendo algo se a estrutura deste objeto não o define como tal; por isso, além de definir o sistema acusatório, o artigo 3º-A ainda estipula a total separação entre a figura do julgador daquele que autoriza a produção de provas no inquérito e participa da investigação. Além disso, este artigo veda ao julgador a substituição pelo órgão de acusação quando da atuação probatória, ou seja, impede o juiz de determinar provas quando da instrução do processo. Criou-se, então, a figura do “Juiz das Garantias”, que atua como um “juiz controlador da legalidade e garantidor dos direitos fundamentais, e não como investigador do caso penal” (Machado, 2020).
A existência de um juiz das garantias é uma necessidade inerente a um Estado Democrático e Social de Direito, pois que permite ao julgador uma maior isenção quando o afasta da produção de provas e das decisões sobre medidas constritivas patrimoniais e pessoais na fase pré-processual. Para Machado (2020), a instituição e criação do juiz das garantias se trata “de uma verdadeira revolução política no campo do processo penal em direção a um paradigma de maior compromisso democrático”. Casara (2010, p. 170), por sua vez, ao propor a criação de um juiz de garantias, muito antes de sua existência, o definia como o “responsável pelo exercício das funções jurisdicionais alusivas à tutela das liberdades públicas, ou seja, das inviolabilidades pessoais/liberdades individuais frente à opressão estatal, na fase pré-processual”.
Ao contrário de críticas que podem ser levantadas, a criação do juiz das garantias não se trata de uma restrição ou condicionamento da atividade do julgador ou das autoridades que atuam na investigação. Na verdade, a criação desta entidade visa, tão somente, a assegurar o efetivo contraditório e o devido processo legal, afastando o julgador ainda mais de qualquer contato próximo que possa vir a ter com alguma das partes, ou com a atividade do órgão de acusação. A existência desta nova figura em nada dificultará a atividade judicante, muito menos restringirá os poderes do juiz que atuará na fase judicial do processo criminal.
3. A REFORMA DA LEI 13.964/19 E O PAPEL DO JUIZ DAS GARANTIAS
Inicialmente, sabe-se que o Juiz criminal não é acusador e nem tampouco investigador. Esse papel é constitucionalmente designado ao Ministério Público. Para impedir que o Juiz que conduz o processo se contamine com a prova produzida no Inquérito Policial, criou-se a figura do Juiz das Garantias, que atuará apenas na fase investigatória. Será, portanto, um juiz próprio da fase de investigação.
Entende-se por “contaminação com as provas produzidas no inquérito policial” aquelas provas em que há a determinação/concessão de sua produção pelo Juiz, mas que, posteriormente, no curso do processo criminal, percebe-se que foram produzidas em desconformidade com a lei (e que são, por causa disso, ilegais). Ora, o Juiz que toma conhecimento e ciência dessas provas no curso da investigação criminal, não pode simplesmente “apagar” as informações, nelas contidas, de sua memória. Como então haveria isenção e parcialidade se o Juiz tomou conhecimento de provas que apontam materialidade e autoria, mas que depois foram consideradas ilegais? Tal concepção, decerto, não encontra amparo em um Estado Democrático e Social de Direito que adota o sistema acusatório como sistema processual penal (LOPES JR., 2015, p. 43).
Embora a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) tenha trazido a disposição com o objetivo de implementação, o Juiz das garantias é figura antiga, presente no anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal, idealizado e proposto pelo Senado no ano de 2009. Vejamos a exposição de motivos:
Há, no processo penal brasileiro, uma convergência quase absoluta: a necessidade de elaboração de um novo Código, sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da República de 1988. E sobram razões: históricas, quanto às determinações e condicionamentos materiais de cada época; teóricas, no que se refere à estruturação principiológica da legislação codificada; e práticas, já em atenção aos proveitos esperados de toda intervenção estatal. O Código de Processo Penal atualmente em vigor – Decreto-lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 –, em todas essas perspectivas, encontra-se definitivamente superado. A incompatibilidade entre os modelos normativos do citado Decreto-lei no 3.689, de 1941, e da Constituição de 1988 é manifesta e inquestionável. E essencial. A configuração política do Brasil de 1940 apontava em direção totalmente oposta ao cenário das liberdades públicas abrigadas no atual texto constitucional (Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Penal, 2009).
A criação do Juiz das garantias é importante sobretudo porque garante a imparcialidade do Juiz que irá julgar o processo, aumentando assim, direitos fundamentais do réu na fase inquisitorial: O Direito fundamental ao devido processo legal.
Pertinentes são os ensinamentos de Badaró (2011, p. 344) ao refletir sobre a imparcialidade do juiz como “elemento integrante do devido processo legal”, até porque não é “devido, justo ou équo um processo que se desenvolva perante um juiz parcial”. E isso bastaria para que se “afirmasse que a Constituição tutela o direito de ser julgado por um juiz imparcial”.
O doutrinador Barros Filho (2009), entretanto, traz severa crítica à figura do Juiz das Garantias, dizendo que a instituição do mesmo extinguiria o inquérito policial, presidido pelos delegados de polícia, porque esse novo juiz controlaria as investigações realizadas pelos policiais civis e presidiria a instrução criminal. Instituir-se-ia, portanto, “um juizado de instrução”. Contudo, o objetivo do juiz das garantias não é o de “extinguir o Inquérito Policial”, usurpando o papel do Delegado de Polícia, mas sim permitir e garantir a imparcialidade do Juiz que irá sentenciar no processo penal, sobretudo porque, quando o sistema aplicado mantém o juiz sentenciante afastado da iniciativa probatória, fortalece-se a estrutura dialética e, acima de tudo, assegura-se a imparcialidade do julgador (LOPES JR., 2015, p.43).
É importante lembrar que o próprio Poder Judiciário, através de seus regimentos internos, portarias e resoluções já se organiza dotando determinados juízos com funções específicas, como varas especializadas de falência e recuperação de empresas, família, sucessões etc. O que ocorre com o Juiz das Garantias, então, é apenas a dissociação de um juízo em dois: onde havia um único juiz que presidia o inquérito e atuava na fase processual, agora haverá dois, um para atuar no inquérito policial e outro para atuar no processo judicial.
Momento semelhante houve no Brasil com a Lei nº 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), que instituiu varas especializadas para o julgamento de ações envolvendo organizações criminosas, nas quais a sentença é proferida por um colegiado de três juízes. O mesmo ocorre com a criação do Juiz das Garantias: há uma reorganização do Poder Judiciário através da Lei.
Desse modo, através do controle de legalidade, o novo juiz atuará na fase investigatória, sendo responsável pelas decisões tomadas durante a investigação, tendo as atribuições dispostas no artigo 3º-B do Código de Processo Penal (incluído neste diploma legal pela Lei nº 13.964/2019). É imperioso ressaltar também que foram impostas vedações ao Juiz das Garantias: o magistrado não deve ter qualquer iniciativa na fase de investigação, devendo sempre se valer de requerimentos (do Ministério Púbico ou do defensor do investigado) e representações da autoridade policial. Em segundo lugar, não deve substituir a atividade de recolher provas, típica do órgão de acusação, mas também do delegado. Se, porventura, o fizer, poderá gerar questionamentos por meio de habeas corpus (em favor do investigado) ou correição parcial (em favor do Ministério Público). Não há o reconhecimento de nulidades em investigação criminal, mas a prova colhida poderá ser considerada ilícita e desentranhada do feito (NUCCI, 2020, p.83).
O Juiz das Garantias decidirá sobre relevantes matérias que maculariam a imparcialidade do Juiz sentenciante, a exemplo de (art. 3-B CPP):
a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;
b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;
c) busca e apreensão domiciliar;
d) acesso a informações sigilosas;
e) recebimento de comunicação imediata da prisão, bem como o auto de prisão em flagrante
f) requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar
g) requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e ampla defesa em audiência pública e oral.
Frise-se, novamente, que todas estas funções atribuídas ao Juiz das Garantias objetivam, de fato, proteger o processo penal contra a mácula da parcialidade ao impedir que o juiz sentenciante se contamine no futuro. Maya (2011, p. 219) obtempera que o contato do magistrado com o “material informativo colhido no inquérito policial lhe retira a imparcialidade exigida para a posterior condução do processo e emissão de uma decisão de mérito”.
Fica evidente que a nova figura do Juiz das Garantias dará a versão acusatória à parte relativa à investigação criminal, conforme se separa o juiz que se envolve na investigação daquele que verificará a prova no futuro, para analisar uma possível condenação. Desse modo, com esta nova entidade, houve um aumento no rol de garantias fundamentais do acusado, pois existe a maior garantia da imparcialidade do juiz que o julgará (NUCCI, 2020, p. 82).
Os inquéritos terão um juiz específico e responsável, exclusivamente, por autorizar medidas como prisões cautelares, interceptação telefônica e busca e apreensão. Após o recebimento da denúncia ou queixa, o Juiz das Garantias não atuará mais no caso, que passará ao próximo juiz, dessa vez, totalmente imparcial: o juiz de instrução e julgamento. Segundo Silveira (2011, p. 250), membro da comissão redatora do anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal:
O juiz das garantias está na essência do sistema acusatório desenhado no PLS nº 156 de 2009. Um é a imagem refletida do outro. Chego a dizer que a separação e a especialização do agente judicial no tocante às fases da investigação e do processo representam a etapa de maior refinamento e de afirmação do sistema acusatório.
Assegura-se, assim, o sistema acusatório. Não por acaso a Lei nº 13.964/2019, que institui o Pacote Anticrime, traz, em seu art. 3º-A, a afirmação de que o processo penal terá estrutura acusatória, estando vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. Desse modo, o papel do Juiz das Garantias no nosso ordenamento pátrio concretiza princípios constitucionais, como o devido processo legal e a garantia do juiz imparcial, ao diferenciar os juízes que atuarão na fase inquisitorial e na fase processual.
4. A SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DOS ARTIGOS 3º-A A 3º-F DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL NO JULGAMENTO DAS ADI’S Nº 6298, 6299, 6300 E 6305 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Em 22 de janeiro de 2020, faltando dois dias para a entrada em vigor do “Pacote Anticrime”, o Supremo Tribunal Federal, por meio do seu Ministro Luiz Fux, suspendeu por prazo indeterminado a eficácia dos artigos 3º-A a 3º-F do “Pacote Anticrime”, ou seja, suspendeu a eficácia das normas que instituem o Juiz das Garantias. Assim, o Ministro Luiz Fux, relator das ADI’s nº 6298, 6299, 6300 e 6305 (que visam à declaração de inconstitucionalidade dos artigos 3º-A a 3º-F do Código de Processo Penal), constatou que determinar a instituição de um novo cargo de juiz fere a autonomia organizacional do Poder Judiciário, uma vez que altera a divisão e a organização de serviços judiciários de forma significante e exige a “completa reorganização da Justiça criminal do país, preponderantemente em normas de organização judiciária, sobre as quais o Poder Judiciário tem iniciativa legislativa própria” (ADI nº 6.298 MC/DF).
O Ministro Luiz Fux acrescenta ainda que há ofensa à autonomia financeira do Judiciário e causará impacto financeiro relevante, com a necessidade de reestruturação e redistribuição de recursos humanos e materiais e de adaptação de sistemas tecnológicos sem que tenha havido estimativa prévia, como exige a Constituição. Por fim, sustenta a ausência de previsão orçamentária, até mesmo para outros órgãos que serão afetados indiretamente, como o Ministério Público, que terá que dispor de mais membros, e consequentemente, mais recursos.
Como consequência da suspensão da eficácia dos mencionados artigos, o índice de encarceramentos no Brasil continuará aumentando, pois que, se o Juiz das Garantias visa a conferir maior segurança às decisões e permitir uma melhor análise dos pedidos de prisão provisória e prisão preventiva, decerto que a inexistência de um juízo distinto, com função própria para tal, fará com que os mesmos erros judiciários continuem ocorrendo (com prisões ilegais e juntada aos processos de provas colhidas ilicitamente).
Dessa maneira, a decisão mais acertada seria a implementação do Juiz das Garantias, mesmo que isso viesse a causar um aumento das verbas utilizadas pelo Poder Judiciário, pois este órgão não pode se eximir de cumprir uma obrigação instituída em princípios constitucionais (reorganizando-se para fazer cumprir a imparcialidade dos juízes em suas decisões) sob a alegação de que esta reorganização causaria aumento nos gastos.
5. CONCLUSÃO
A criação do instituto do Juiz de Garantias é uma alternativa contemporânea, que concretiza, em maior medida, o princípio acusatório, protege a imparcialidade do magistrado e garante o devido processo legal, princípio caro à ordem constitucional. Com efeito, trata-se de uma nova metodologia de divisão dos trabalhos exercidos em uma persecução penal, que, apesar de alterar a estrutura do Poder Judiciário, não deixa de ser importante para o sistema acusatório brasileiro.
Suspendendo a eficácia dos artigos que institucionalizam a figura do Juiz das Garantias, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, alega que haverá um aumento nos gastos pelo órgão do Poder Judiciário, e que por isso deve ser analisada a constitucionalidade dos artigos. Ele alega que haverá também a redistribuição de recursos humanos e materiais, com aumento orçamentário e afetação de outros órgãos de forma indireta, como o Ministério Público.
Entretanto, apesar de, de fato, haver esta mudança de estrutura, não se pode negar que o instituto carrega em si a condição de melhoria do sistema acusatório brasileiro, uma vez que é mais um distanciamento do processo penal com roupagem inquisitiva.
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MBA Executivo em Gestão Estratégica de Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual; Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes; Especialista em Direito Penal pela Damásio Educacional e Ibmec; Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Prominas; Especialista em Ciência Política pela UNIBF. Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professora de Direito Constitucional da Autarquia Educacional do Vale do São Francisco – AEVSF (FACAPE - Faculdade de Petrolina), Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Jéssica Cavalcanti Barros. O papel do juiz das garantias na salvaguarda da imparcialidade do julgador no sistema acusatório brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jul 2020, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/54954/o-papel-do-juiz-das-garantias-na-salvaguarda-da-imparcialidade-do-julgador-no-sistema-acusatrio-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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