1 CULPABILIDADE
Seria inviável tratar do presente tema, sem antes discorrer ainda que de maneira muito sucinta a acerca do conceito de crime e analisar a culpabilidade, elemento este umbilicalmente ligado a inexigibilidade de conduta diversa. Vejamos inicialmente, o conceito analítico de crime segundo Hans Welzel (1987), “a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são os três elementos que convertem uma ação em um delito” (WELZEL, 1987, p. 57).
De acordo com a teoria tripartite, crime constitui-se de uma ação típica, ilícita e culpável. Essa é à base de todo o raciocínio jurídico-penal. A tipicidade é uma relação de subsunção ou de adequação, do que é realizado no mundo e o que é previsto no tipo penal. Essa conceituação só surge em 1906, na obra de Beling, intitulada "A doutrina do crime". A culpabilidade é o último elemento do crime, e de maneira paradoxal foi o primeiro a surgir. A culpabilidade é a tradução da palavra latina imputacio, que foi traduzida para o alemão schuld, que significa culpabilidade. Isso se deu no início do século XIX. Já a antijuridicidade é uma criação que estabelece um juízo de contrariedade ao direito, que se deu na metade do século XIX.
A culpabilidade é o elemento do crime, que tem como objeto de análise o homem, e por esta razão é considerado por alguns doutrinadores como o elemento mais importante da teoria do crime. Nesse sentido são as lições do ilustre professor Yarochewsky (2000) “é indubitável que a culpabilidade constitui o mais importante elemento da teoria do delito” (YAROCHEWSKY, 2000, p. 16).
E também o insuperável Cláudio Brandão (2014) “Nisto reside a singular diferença entre a culpabilidade e os demais elementos que integram e formam o crime: a culpabilidade é o único elemento que versa sobre a pessoa humana” (BRANDÃO, 2014, p. 168). E continua Brandão de maneira brilhante:
Por isso diz-se que a culpabilidade é o elemento mais importante do crime, porque o Direito penal há muito abandonou a responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva, para debruçar-se sobre a responsabilidade pessoal. (...). A culpabilidade, pois, veio romper definitivamente com a responsabilidade objetiva (BRANDÃO, 2000, p.260).
Até mesmo os principais “problemas” do direito penal atual gravitam entorno da culpabilidade, tais como a responsabilidade penal da pessoa jurídica e a inexigibilidade de conduta diversa.
O Código Penal jamais conceituou culpabilidade, essa missão coube aos grandes penalistas. Cláudio Brandão (2014), com o brilhantismo que lhe é peculiar, ensina: “A culpabilidade é o juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal” (BRANDÃO, 2014, p. 167). Para Berthold Freudenthal (2003), a culpabilidade é “a desaprovação do comportamento do autor, quando podia e devia comportar-se de forma diferente” (FREUDENTHAL, 2003, p. 64). Segundo Mezger (1949), a culpabilidade significa:
Culpabilidad en el sentido del Derecho Penal significa la afirmación de una referencia, jurídicamente desaprobada, de la acción a la personalidad del agente. Esta personalidad se concibe aquí como la personalidad empírica; la afirmación de la exigida referencia de la acción a dicha personalidad le basta al Derecho para reconocer la culpabilidad del sujeto (MEZGER, 1949, p.9).
Pois bem, o que contribuiu para que o conceito de culpabilidade fosse criado, foi o aparecimento do sistema clássico Liszt, Belinge, Radbruch. Nessa fase a culpabilidade era composta pelo dolo e culpa. A culpabilidade era vista como simples vínculo psicológico que unia o agente e o fato, por meio do dolo e da culpa. Isso segundo a teoria psicológica da culpabilidade. Este modelo era meramente causal e foi criticado por não conseguir explicar os crimes omissivos, os crimes culposos e os crimes tentados.
Posteriormente, no sistema neoclássico, foi incorporada na culpabilidade a noção de reprovabilidade construída por Reihard Frank (2004) e Freudenthal (2003), no sentido exigibilidade de conduta diversa. Isso representou um avanço inegável. Em resumo, a culpabilidade do agente ocorreria, caso esse fosse imputável, agisse de maneira culposa ou dolosa e se pudesse exigir dele um comportamento diverso. Tudo isso em conformidade com a teoria psicológico normativa.
No sistema finalista de Hans Welzel (1987), jusfilósofo e professor da Universidade de Göttingen e posteriormente da Universidade de Bonn, a culpabilidade era composta pela imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. O ponto chave deste sistema é de que toda conduta humana é dirigida a um determinado fim. Com a teoria finalista da ação, o dolo e a culpa que estavam na culpabilidade, foram alocados na tipicidade (BRUNO, 1959). Como qualquer teoria, o sistema finalista foi alvo de críticas e objeções, das quais não nos ocuparemos neste trabalho, para não fugir ao nosso objetivo.
2. EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA
Por meio de uma análise histórica da doutrina, pode-se perceber que a exigibilidade de outra conduta, nem sempre esteve presente no elemento Culpabilidade. Somente a partir dos estudos de Reinhard Von Frank (2004), e Berthold Freudenthal (2003) foi que a exigibilidade de outra conduta inserida no conceito de culpabilidade.
Frank (2004) demonstrou que a culpabilidade se faz presente, quando o agente age em desconformidade com o direito, inserindo no conceito de elemento normativo, a reprovação da conduta executada. Desta forma, o dolo e a culpa em sentido estrito, não mais eram espécies da culpabilidade e sim elementos desta (YAROCHEWSKY, 2000, p.23-24).
Pois bem, hodiernamente a exigibilidade de conduta diversa é um dos elementos presentes na culpabilidade. De maneira resumida, é necessário que o crime tenha sido realizado, em certas circunstâncias, ou seja, o agente poderia ter se comportado conforme o Direito, mas optou por violá-lo. Melhor dizendo, a exigibilidade de conduta diversa se baseia na expectativa que a sociedade tem, sobre determinada conduta que foi praticada pelo agente, que é típica e ilícita, fosse realizada de modo diverso. Enrique Cury Urzúa (1992) define a exigibilidade de conduta diversa: “possibilidade determinada pelo ordenamento jurídico, de atuar de uma forma distinta e melhor do que a o sujeito se decidiu.” (URZÚA, 1992, p. 76) O renomado professor Aníbal Bruno (1973) citado por Yarochewsky (2000) assinala:
É preciso salientar que, embora essa concepção tenha sido desenvolvida por Frank, deve-se a Berthold Fredenthal a inclusão, no conceito de culpabilidade, do elemento exigibilidade de um comportamento conforme o direito (BRUNO, 1973, apud YAROCHEWSKY, 2000, p. 74).
A inegável contribuição de Frank (2004) foi modificar metodologicamente a culpabilidade, rompendo com o pensamento positivista, que afirmava ser a culpabilidade um vínculo psicológico. Inserindo a culpabilidade com algo presente no sujeito ativo e vinculando a culpabilidade a um juízo de reprovação.
3 CAUSA SUPRA LEGAL DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE
Podemos verificar que, de maneira prévia a qualquer estudo sobre o tema, o Tribunal do Império Alemão foi o pioneiro ao aplicar a inexigibilidade de outra conduta como causa de exclusão da culpabilidade no caso Leinenfänger em 23/05/1897, mais conhecido como “o cavalo que não obedece às rédeas” (ROXIN, 1997).
Este caso gerou muita repercussão no mundo jurídico-penal e merece toda nossa atenção, pois ele significou a exclusão da pena, pelo reconhecimento da falta de liberdade de escolha, em agir em conformidade com o direito. Este caso rompeu com a metodologia positivista, pois esta metodologia preocupava somente se a provocação do resultado foi involuntária ou voluntária. O que se buscava saber era se o vínculo entre o autor e o resultado, tinha sido produzido por obra da vontade do agente ou de maneira independente da vontade do agente. A análise que se fazia era meramente causal. Esse julgado é de importância histórica, pois excluiu a reprovabilidade do agente, por reconhecer inexistir liberdade de escolha.
Sem mais delongas, vamos ao famoso caso: no século XIX, um proprietário de um empreendimento de coches, mandou ao seu funcionário que colocasse em uma carruagem um cavalo indócil, treinado para caçar. O cavalariço prevendo que poderia acontecer um acidente se negou a cumprir a ordem em um primeiro momento. Porém seu patrão reiterou a ordem e o ameaçou com uma possível demissão. Temendo perder seu emprego, o cocheiro atendeu a ordem. Como havia previsto, o cavalo durante o trabalho não obedeceu as rédeas, e causou lesões em um ferreiro que estava sobre a calçada. O Tribunal Alemão ao julgar o caso, absolveu o cocheiro, reconhecendo que dele não se poderia exigir outro proceder. Pois em caso de recusa em obedecer à ordem o mesmo perderia seu emprego (BRUNO, 1984). Nesse sentido confirma Freudenthal (2003):
Por tanto, el Tribunal Supremo confirma la sentencia: no hubo culpa, porque, según la constatación de los hechos realizada por la Audiencia, no podía exigirse al acusado que rehusara obedecer supatón y perder colocación y pan, solo para evitar la realización del tipo (FREUDENTHAL, 2003, p. 81).
Esse julgado possibilitou a inserção do livre-arbítrio no elemento da culpabilidade, com isso há uma negação da causalidade até então existente, e com isso se propõe um novo corte epistemológico na culpabilidade. Pois a causalidade não abarca o livre arbítrio.
São ainda citados como casos emblemáticos por Freudenthal (2003) “la trágica historia de un viajante”, o caso da Siciliana que assassinou seus tios, bem como o caso da parteira e os mineiros que cumpre aqui reproduzir:
Otro caso llevó la rúbrica ’la cigüena ante los jurados’; ocurrió asi: la compañía minera St. J. concedia al obrero dispensa del trabajo, con abono de todo el sueldo de la jornada, el ia en que le hubiese nacido un hijo. El resultado de esto fue que los mineros ya no quisieron tener niños nacidos en domingo. Sin embargo, si la cigüeña llegaba a casa ese dia, la comadrona era conminada a indicar como el del nacimiento el siguiente laborable, para que el padre no perdiese La jornada libre. Como aquélla opuso resistencia, se le hizo ver que en adelante se acudiría a otra partera, más complaciente, y que ella quedaría sin trabajo. Un día la empresa se enteró del ‘aplazamiento de la cigüeña’ y, en lo sucesivo, se lo impidió. Pero el fiscal había oído de ello también. El jurado impuso a los mineros una pequeña multa. El tribunal territorial se declaró incompetente para conocer de la apelación de uno de los mineros y remitió el asunto al tribunal de jurados. También la comadrona fue enjuiciada. Hubiese debido ser absuelta por falta de dolo. Ya que no se podía esperar de ella, atendida la situación, que no ejecutase el hecho al precio de perder su medio de subsistencia (FREUDENTHAL, 2003. p. 86 e ss).
A inexigibilidade de conduta diversa como causa supra legal de exclusão da culpabilidade, tem uma importância fundamental na teoria do delito e na sua aplicação prática. Sabe-se que existem muitos doutrinadores contrários esta a tese, a título de exemplo vejamos alguns, como o penalista argentino Zaffaroni (2011):
Negamonos a reconhecer que haja uma causa de inculpabilidade legal ou 'supralegal' de 'inexigibilidade de outra conduta', como foi sustentado pela doutrina estrangeira nos primórdios da teoria normativa da culpabilidade. (...) Diante da vigente legislação positiva brasileira, e da maneira como temos entendido as hipóteses de inculpabilidade, cremos que se torna totalmente desnecessária a busca de uma eximente autônoma de inexigibilidade de conduta diversa, que pode ter atendido a exigências históricas já superadas, mas cuja adoção, hoje, prejudica toda sistemática da culpabilidade (ZAFFARONI, 2011, p. 570).
No mesmo sentido, Julio Fabbrini Mirabete (2005) afirma que:
A nãoexigibilidade de conduta diversa é o fundamento de todas as causas de exculpação, e portanto seu substractum, e não espécie de causa de exclusão da culpabilidade, que, como as demais, só pode ser reconhecida quando prevista em lei. Poderseia, porém, aventar como solução para a hipótese de reconhecimento da causa supralegal a aplicação in bonam partem. A tese, porém, também é contestada na jurisprudência (MIRABETE, 2005, p.199).
Muitos doutrinadores também se mostraram favoráveis a esta tese, com o saudoso mestre Aníbal Bruno (1984) um dos maiores defensores:
Não é que deliberadamente só por exceção se deva aplicar o princípio. Mas excepcional é, na realidade, o aparecimento de casos em que, de fato, fora da tipificação da lei, se possa dizer que, razoavelmente, e tendo em vista os fins do Direito Penal, não era exigível do agente um comportamento conforme à norma (BRUNO, 1984, p. 103).
Nesse sentido também são as lições de Guilherme Nucci (2008),
A inexigibilidade de conduta diversa é uma causa supralegal de exclusão da culpabilidade, que admitimos presente em nosso ordenamento, embora, em muitos casos, não se concretizem os seus requisitos (NUCCI, 2008, p. 622).
A doutrina se debate sobre o tema, como pudemos analisar. A inexigibilidade de conduta diversa quando usada como causa supra legal de exclusão da culpabilidade, possui a função nobre de evitar injustiça. A jurisprudência é farta de exemplos acerca do referido tema:
Apelação Criminal. Tráfico de entorpecentes. Estabelecimento prisional. Apreensão durante a revista. Mãe que tentou ingressar com drogas em unidade penal para pagar dívidas do filho com outros detentos. Inexigibilidade de conduta diversa. Possibilidade. Pequena quantidade de tóxico. Ré primária e de bons antecedentes, que confessou os fatos desde o início. Episódio isolado em sua vida. Verificação de condições de anormalidade a influir decisivamente na motivação da conduta. Entre recusar o pedido, admitindo os riscos de eventual retaliação ao ente querido, ou arriscar sua própria liberdade, em ato único e isolado, escolheu a ré, por temor, a segunda opção, o que não pode ser considerado como autêntico propósito delituoso. Ato volitivo viciado por circunstâncias excepcionais. Causa supralegal exculpante configurada. Apelo provido para, com fulcro no art. 386, VI, do CPP, absolver a ré, com expedição de alvará de soltura clausulado. (TJSP, Apelação nº 990.09.1207179, Rel. Des. Péricles Piza, j. em 14/09/09).
O apelado, que exercia a função de agente de segurança penitenciário, durante a série de atentados do PCC, havia enfrentado duas rebeliões em seu trabalho, sendo inclusive resgatado pelo batalhão de choque em virtude de ter se ferido. Acrescenta se que o apelado, conforme se extrai da prova produzida, estava sendo ameaçado por organização criminosa e acreditava estar sofrendo perigo real e imediato, de maneira que adquiriu a arma apreendida de um soldado da polícia militar para sua defesa pessoal e tentava obter autorização para portála quando dos fatos. Aliás, o apelado já havia se submetido aos exames psicotécnico e de tiro para a obtenção do porte de arma, porém entendeu necessário carregar a arma, para sua defesa pessoal, antes da concessão da autorização. Não bastasse isso, como bem ressaltado pela Procuradoria Geral de Justiça, embora a segurança pública tenha sido lesada pelo porte ilegal de arma de fogo, na oportunidade dos acontecimentos, consistentes em sucessivas rebeliões, atentados contra pessoas, ônibus incendiados, ataques a postos policiais dentre outros, numa visível demonstração de forças da organização criminosa, a segurança pública estava comprometida e, por isso, não se poderia exigir de um agente de segurança penitenciário, refém em duas rebeliões, que não portasse a arma de fogo que havia adquirido para sua defesa pessoal porque ainda não havia conseguido autorização para tanto (TJSP, Apelação n° 990.08.18774 65, Rel. Des. Lucas Tambor Bueno, j. em 15/10/09).
4 A EXCULPAÇÃO LEGAL FUNDAMENTADA NA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA
O Código Penal Brasileiro prevê duas causas legais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa em seu artigo 22, são elas a coação moral irresistível e a obediência hierárquica. Ensina Ariosvaldo de Campus Pires (1973) citado por Leonardo Issac Yarochewsky (2000) que: “(...) o primeiro e dramático exemplo de coação moral irresistível, a nosso ver, está no Gên. 22, 1-12, onde se descreve o episódio do sacrifício a que Abraão se dispusera ao oferecer seu filho Issac em holocausto ao Senhor” (PIRES, 1973, apud YAROCHEWSKY, 2000, p.74).
4.1 A Coação moral irresistível
Sabe-se, que o direito penal, também trata da coação física ou vis absoluta, cumpre aqui esclarecer que esta modalidade não será analisada neste estudo, pois a coação física exclui a própria ação, por ausência de dolo ou culpa. Nesse sentido, Cláudio Brandão (2008) afirma que “A coação material, também chamada de vis absoluta, é causa de exclusão da própria ação por ausência de vontade, estando fora, por conseguinte, da culpabilidade” (BRANDÃO, 2008, p. 234).
Aristóteles (2005), muito tempo atrás, já escrevia sobre a vis compulsiva e a vis absoluta. Vejamos o que dizia o filósofo acerca deste tema:
Por voluntário quero significar tudo aquilo que um homem tem o poder de fazer e faz com conhecimento de causa [...]; além disso, nenhum desses atos deve ser acidental nem forçado (por exemplo se A pega a mão de B e com ela bate em C, B não agiu voluntariamente pois a execução do ato não dependia dele). [...] Conseqüentemente, aquilo que se faz na ignorância, ou que, embora feito com conhecimento de causa, não depende do agente, ou que é praticado sob coação, é involuntário [...] aquele que sob coação e contra a sua vontade deixa de restituir um valor de que era depositário, agiu injustamente e cometeu um ato de injustiça, mas acidentalmente. [...] Entre os atos voluntários, alguns são desculpáveis e outros não (ARISTÓTELES. 2005, p.119).
Podemos perceber que, Aristóteles (2005) já dizia de certa forma, através de um exemplo, o que futuramente seria dito por Beling a respeito da tipicidade; e que em caso a conduta fosse ilícita, haveria a possibilidade de a mesma ser desculpável, quando o autor fosse submetido a uma coação.
A coação moral irresistível, também conhecida como vis compulsiva, ocorre quando o agente pratica um fato típico e antijurídico, porém em circunstancias que não lhe eram possíveis de se exigir uma atuação em conformidade com o direito. Para Francisco de Assis Toledo (2008), na coação moral:
(...) o coagido tem suas possibilidades de opção bastantes restringidas pelo temor de sofrer algum mal, não obstante age ou se omite, impelido pelo medo, valendo-se de suas próprias forças. Se esta última forma de coação, a vis complusiva, for igualmente irresistível, exclui-se a culpabilidade do coagido, por não lhe ser exigida, nas circunstâncias, conduta diversa da que realizou (TOLEDO, 2008, p. 338).
Em resumo na coação moral irresistível, o coagido tem o seu livre-arbítrio prejudicado, ademais a sua liberdade de escolha é retirada. Em conseqüência disso, a culpabilidade do coagido é excluída, somente respondendo pelo crime, o autor da coação. Nos casos em que a coação moral for resistível, o agente responderá pelo delito, mas lhe poderá ser aplicada a atenuante do artigo 65, III, c primeira parte do Código Penal.
4.2 Obediência Hierárquica
A obediência hierárquica, presente no artigo 22 do Código Penal Brasileiro, é causa legal de exclusão da culpabilidade. Por meio do estudo do direito administrativo, vislumbra-se que existem diversas relações regidas com base na hierarquia e subordinação. O saudoso Hely Lopes Meirelles (1994) lecionou que poder hierárquico é o de que dispõe o Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro pessoal. (MEIRELLES, 1994, p. 396). Isso fica muito claro, quando pensamos a respeito das forças armadas, em que a hierarquia e a disciplina são os alicerces do regime militar. A título de exemplo imaginemos, caso um soldado cumpra uma ordem não manifestamente ilegal de seu general, e que a cumpra nos exatos termos em que a mesma foi passada a ele; caso pratique um injusto, não poderá ser punido. Neste caso a liberdade de escolha do referido soldado, lhe é retirada, logo será inexigível comportamento diverso.
Para que o agente possa ser beneficiado com excludente em analise, é preciso que observe alguns requisitos, são eles: a ordem deve ser emanada de superior hierárquico; a ordem não pode ser manifestamente ilegal; o agente deve respeitar os limites da ordem. Neste sentido ensinava o saudoso Nelson Hungria (1949):
a) Uma relação oficial (de direito público) de subordinação; b) ordem emanada de autoridade superior, nos limites de sua competência, em face do subordinado, e c) forma legal da ordem ( isto é, preenchimento dos requisitos mediante os quais a ordem se impõe à obediência) (HUNGRIA, 1949, p. 427).
Cabe lembrar que deve necessariamente existir uma relação de direito público. As relações de direito privado poderão ser abarcadas, como causa supra legal de exclusão da culpabilidade.
5 SOBRE OS INSTITUTOS HISTÓRICOS-DOGMÁTICOS DA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA
O surgimento da inexigibilidade de conduta diversa na dogmática penal se dá em conjunto com a evolução teórica da culpabilidade. Cumpre aqui enfatizar que Reinhart Frank (2004), iniciou no direito penal o desenvolvimento da inexigibilidade de conduta diversa, por meio dos seus estudos se desenvolveu juízos de valores, que mais tarde serviram aos tribunais para discorrer, quando seria exigível uma conduta conforme ou não do autor de um fato típico e ilícito.
Pode-se constatar que Freudenthal (2003), aprofundou os estudos feitos inicialmente por Reinhart Frank(2004), inserindo em 1922, a exigibilidade de conduta diversa como elemento integrante da culpabilidade.
Para Frank (2004), a idéia de culpabilidade representava um juízo de reprovabilidade, sem um suporte fundamental, e que não havia presente a idéia de exigibilidade.
Sabe-se que os estudos de Frank (2004), foram os alicerces para que Berthold Freudenthal em 1922, e James Goldschmidt em 1930, desenvolvessem seus estudos acerca da inexigibilidade de conduta diversa. Embora ainda que de maneira muito humilde Reinhard Frank (2004), venha a reconhecer a não completude de sua obra, bem como lançar um desfio aos juristas futuros, a respeito da necessidade desenvolver a teoria da vontade e da representação (FRANK, 2004, p. 66.)
Posteriormente, Freudenthal (2003) cria o sustentáculo da inexigibilidade de conduta diversa, qual seja, a exigibilidade de outra conduta.
Os conceitos de exigível, bem como o que não é exigível, foram os alicerces do trabalho de Freudenthal (2003). Sabe-se que a primeira guerra mundial, exerceu influência sobre os estudos de Freudenthal (2003), pois ele mesmo foi vítima de atos anti-semitas na Faculdade de Frankfurt no ano de 1917 (FREUDENTHAL, 2003, p.57).
A partir deste momento histórico, onde livre-arbítrio era muito valorizado, Freudenthal (2003) buscou refletir e questionar a grande distância existente entre a opinião pública e o direito penal. Logo, segundo o autor, opinião deveria exercer um peso sobre os julgamentos e o jurista não poderia dispensar isso (FREUDENTHAL, 2003, p. 63-64).
Por essa vertente surge a problemática a respeito do que seria exigível e do que seria inexigível. Essa questão é profunda, e diz respeito ao dolo, ou seja, se em determinada situação fática, qualquer um da sociedade venha a agir, como o autor agiu no caso concreto.
Freudenthal (2003) afirma que apesar de ter havido a pratica de um injusto, “não se poderia naquelas circunstâncias cobrar-lhe outra conduta” (FREUDENTHAL, 2003 p.64). E finaliza o autor dizendo que em muitos julgamentos os tribunais condenam o agente, sendo que a opinião pública o inocenta, tornando clarividente o abismo entre a opinião pública e o direito. Refletindo acerca dessa contradição, afirma o Catedrático de Frankfurt “O Direito, suas características e sua ciência são feitos para o homem, não ao contrário” (FREUDENTHAL, 2003 p.13)
Berthold Freudenthal (2003) afirma ainda, que a exigibilidade de outra conduta deve ser aferida no caso concreto, e que caso não seja exigível do autor de um injusto, agir de maneira diversa deve ser a culpabilidade rechaçada. (FREUDENTHAL, 2003 p.88)
Em um momento posterior James Goldschmidt (2002), procurou desenvolver alguns conceitos que segundo ele, eram insuficientes para o conceito normativo de culpabilidade, e derivaram dos estudos de Frank(2005) e Freudenthal (2003). De forma geral, Goldschmidt (2002) procurou se debruçar sobre questões a “características normativa da culpabilidade” e seus desdobramentos, como a reprovabilidade, a contrariedade ao dever, a exigibilidade, bem como a motivação normal de Frank. (GOLDSCHMIDT, 2002, p. 86-87).
Em sua doutrina, Goldschmidt (2002) reconhece como indispensável que o conceito de contrariedade ao dever, seja inserido na construção normativa da culpabilidade, entendendo a consciência da ilicitude, posicionada sobre a base do dever ser. (GOLDSCHMIDT, 2002, p.21).
Louváveis são os estudos de Frank (2004), Freudenthal (2003) e Goldschmidt (2002), sobre o que seria exigível ou não de um autor de um injusto. A inexigibilidade de conduta diversa tema controvertido, merece um estudo mais aprofundado que não será feito nesse espaço, para não fugir ao objetivo proposto nessa dissertação.
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Mestre em Direito pela PUC/MG, pós-graduado em Ciências Penais pela mesma instituição e graduado em direito pela Funcesi. Ex- Professor de Direito Penal e Processo Penal do CENSI - Itabira (graduação); e da Funcesi nas disciplinas de direito penal (professor visitante da graduação). Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. É ainda pós-graduado lato senso em Direito Ambiental, e Direito Processual Civil, pela Faculdade Internacional de Curitiba - FACINTER. Advogado Criminalista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, ALIXANDRE BARROSO. A exclusão da culpabilidade pela inexigibilidade de outra conduta Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 ago 2021, 05:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57081/a-excluso-da-culpabilidade-pela-inexigibilidade-de-outra-conduta. Acesso em: 23 dez 2024.
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