RESUMO: O presente artigo, partindo da exposição de contexto histórico a respeito da prisão processual através de revisão legislativa, apresenta as modificações, neste âmbito, inseridas pela Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, o chamado “Pacote Anticrime”. Neste contexto, utilizando-se do método hipotético-dedutivo e a partir de análise da jurisprudência dos Tribunais Superiores, busca demonstrar a problemática quanto à aplicação controvertida da norma inserida no parágrafo único, do artigo 316 do Código de Processo Penal. Por fim, o trabalho buscou discorrer acerca da insegurança jurídica desencadeada pela ausência de decisões uniformes, em cotejo com a efetividade processual e os princípios constitucionais da segurança e do devido processo legal.
Palavras-chave: Prisão preventiva. “Pacote Anticrime”. Necessidade de reavaliação. Aplicação pelos Tribunais. Insegurança Jurídica.
ABSTRACT: The present article, starting from the exposition of the historical context regarding the procedural arrest through legislative revision, presents the modifications, in this scope, inserted by Law 13.964, of December 24th, 2019, called “Anti-Crime Package". In this context, using the hypothetical-deductive method and based on the analysis of the jurisprudence of the Superior Courts, it seeks to demonstrate the problem regarding the controversial application of the rule inserted in the paragraph of article 316 of the Code of Criminal Procedure. Finally, the work sought to discuss the legal uncertainty triggered by the absence of uniform decisions, in comparison with procedural effectiveness and the constitutional principles of security and due process of law.
Key-words: Preventive detention. “Anti-Crime Package". The need of reassessment. Application by the Courts. Legal uncertainty.
Sumário: 1. Introdução 2. Abordagem histórica da prisão. 3. A sistemática atual das prisões processuais no ordenamento jurídico brasileiro 3.1. Alterações relativas à prisão introduzidas pela Lei 13.964/20193. 4. A divergência na aplicação da alteração introduzida pela Lei 13.964/2019 ao artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal 5. A insegurança jurídica decorrente da ausência de uniformização da jurisprudência 6. Considerações finais. 7. Referências.
Introdução
O presente trabalho, através do método hipotético-dedutivo e mediante pesquisa legislativa, doutrinária e jurisprudencial, se ocupa, a partir de abordagem histórica e explanação sobre as modalidades de prisão processual positivadas no ordenamento jurídico brasileiro, da análise da aplicação, pelos Tribunais, da alteração, introduzida pela Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, ao artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, e da consequente insegurança jurídica gerada pela ausência, até o momento, de uniformização da jurisprudência e pela existência de diversos pontos controvertidos em relação ao tema.
A prisão processual, modalidade provisória de constrição da liberdade vem regulada, no âmbito do ordenamento jurídico, pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Penal. No contexto de determinado processo, trata-se de medida excepcional, cabível quando presentes as hipóteses legais e observados os princípios que regem o instituto das medidas cautelares.
A Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019 – que passou a vigorar em 23 de janeiro de 2020 -, introduziu diversas mudanças aos dispositivos processuais relativos à sistemática das prisões: foram alterados os artigos 282, 283 e 287, os artigos 310 a 312 e os artigos 315 e 316, todos do Código de Processo Penal.
Relevantes modificações foram realizadas, tal como a supressão da expressão “de ofício” do artigo 311 do mencionado Código, que dispõe sobre a possibilidade de decretação da prisão preventiva no curso das investigações ou da ação penal, e a inclusão do parágrafo único ao artigo 316 (necessidade de reavaliação periódica da prisão preventiva). E, com as significativas modificações vieram os embates jurisprudenciais, calçados em entendimentos divergentes a partir da interpretação dos novos regramentos, inclusive, entre membros de um mesmo tribunal e, também, entre Tribunais Estaduais e Superiores.
Neste panorama, foi feita, inicialmente, uma abordagem histórica da prisão, a fim de se introduzir o contexto legislativo das prisões processuais ao longo da história no ordenamento jurídico brasileiro.
Após breve apresentação das mudanças legislativas introduzidas pela novel legislação, foram analisadas, crítica e especificamente, decisões proferidas pelas Cortes Superiores sobre o teor do parágrafo único, do artigo 316 Código de Processo Penal, que ensejaram amplas discussões no âmbito jurídico, abarcando diversas questões inerentes à qualquer posição que se adote.
Por fim, constatada a existência de decisões divergentes, inclusive dentro de um mesmo Tribunal, o que ensejou, dada a interpretação de cada órgão julgador, soluções díspares para casos análogos, foi pontuado, diante de todo este contexto, sobre o problema da insegurança jurídica decorrente de ausência de orientação coesa e unânime por parte dos Tribunais Superiores.
2. Abordagem histórica da prisão
Antes da Proclamação da Independência em 07 de setembro de 1822 e da Constituição do Império, a legislação vigente no Brasil Colônia era praticamente a portuguesa. O Decreto de 23 de maio de 1821[1], editado pelo Príncipe Regente, buscou adequar a situação legal portuguesa à realidade brasileira. Referido diploma pretendeu sanar o problema da “garantia da liberdade individual”, tentando restringir ao máximo o poder das autoridades criminais da época no que diz respeito ao exercício arbitrário da “prisão sem culpa formada”[2].
Posteriormente, a Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824[3], alinhando-se às questões de igualdade e defesa dos direitos individuais do cidadão, passou a restringir, no artigo 179[4], parágrafo 8º, a possibilidade de prisão antes da formação da culpa aos casos previstos em lei, nos quais o réu deveria ser informado, no prazo de 24 horas em geral, dos motivos que levaram ao encarceramento.
Com a edição da Lei de 30 de agosto de 1828[5], foi previsto, especificamente, os casos de prisão em flagrante delito[6]. A lei divergiu do diploma legal anterior ao dispor sobre a possibilidade de prisão sem a formação da culpa, nas seguintes hipóteses: prisão em flagrante e diante da prática de crimes apenados com “pena de morte natural, prisão perpetua, ou galés por toda a vida, ou temporariamente”[7].
O Código de Processo Penal de 1832[8] manteve o pensamento da legislação anterior no que tange à prisão em flagrante delito (artigos 131 a 133). A prisão antes da formação da culpa, no entanto, sofreu uma alteração: fixou-se um prazo de 08 oito dias para sua duração, contados a partir da entrada do acusado na prisão, salvo exceções ali previstas[9]. E o artigo 175 ainda previu mais uma hipótese de prisão sem culpa formada, nos casos de indiciados por crimes para os quais não havia previsão de fiança - tal prisão só poderia ocorrer, como em todos os demais casos, à exceção dos de flagrante, mediante a existência de ordem escrita e emanada por autoridade legítima.
Referente à reforma de 1841, o Regulamento nº 120 de 31 de janeiro de 1842[10], em seu artigo 114, manteve as regras relativas à prisão em flagrante delito, em consonância com o diploma anterior (artigo 131 do Código de Processo Criminal de 1832). Em relação aos demais casos, estabeleceu que a prisão deveria ser decretada mediante ordem escrita, emanada por autoridade legítima, devendo ser observada a orientação do artigo 176 do Código de 1832, que indica os requisitos necessários à validade das ordens de prisão.
No ano de 1871, o texto da Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871[11], estabeleceu a possiblidade de prisão sem culpa formada para além dos casos de flagrante delito: crimes inafiançáveis, a partir de ordem escrita do juiz competente, com fins de formação de culpa. Ainda, dispondo sobre “prisão preventiva” (parágrafo §4º), a legislação previu que referida constrição da liberdade não seria aceita se decorrido um ano da data do crime[12]. A Lei 2.033, de 1871, pois, passou a ser, a partir de sua publicação, a primeira legislação a tratar da modalidade de prisão antes da formação da culpa pelo indicativo “preventiva”.
Logo em seguida, o Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871[13], estabeleceu, no artigo 29, que, em casos de veementes indícios de culpabilidade do acusado, o promotor e a parte queixosa poderiam requerer, e a autoridade policial representar, acerca da necessidade da prisão preventiva; a medida, então, poderia ser determinada por mandado escrito pela autoridade judiciária. No caso de crime inafiançável, outrossim, poderia o magistrado, julgando necessário ou conveniente, determinar, antes mesmo da pronúncia, a prisão do acusado.
Após a Proclamação da República, através do Decreto nº 1 de 15 de novembro de 1889, entrou em vigor a primeira Constituição do Brasil República: a Constituição da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891[14]. Nos parágrafos 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21 e 22 do artigo 72 vem descrita a primeira regulamentação relativa à prisão e seus respectivos procedimentos no âmbito constitucional. Com exceção à prisão em flagrante, foi determinado que somente se realizaria a prisão mediante pronúncia do indiciado com ordem escrita da autoridade competente (parágrafo 13). Entretanto, o legislador da época incluiu a expressão, “salvo os casos determinados em lei”. O parágrafo 14 estabeleceu a proibição de manutenção de prisões sem culpa formada, salvo casos previstos em lei, bem como a proibição da manutenção ou condução à prisão em casos que admitissem a fixação de fiança.
A Emenda Constitucional de 03 de setembro de 1926[15] não trouxe alterações substanciais em relação ao objeto do presente estudo, mantendo-se o texto constitucional de 1891 praticamente inalterado[16].
Em 1930, sobreveio o Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930[17], que instituiu o “Gôverno Provisório dos Estados Unidos do Brasil”. Apesar de não se tratar de texto constitucional, representa, após um período de grande liberdade de direitos, uma restrição aos direitos e garantias individuais. No que tange à prisão, o texto normativo determinava, no caput do artigo 5º, a suspensão das garantias constitucionais, salvaguardado, em seu parágrafo único, o habeas corpus para os réus ou acusados, mas apenas em processos relacionados a crimes comuns.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934[18], mantendo uma postura já adotada nos ordenamentos anteriores, descartou a possibilidade de prisão prévia à pronúncia, excetuados os casos de flagrante delito (artigo 113, item 21). O item 23 do artigo 113 alterou a previsão anterior sobre o habeas corpus, não mais disciplinando a “liberdade de locomoção”, mas atendo-se apenas para o ataque à liberdade em decorrência de ilegalidade ou abuso de poder[19].
Em 1937, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil[20] estabeleceu, em seu artigo 122, nos itens 11, 13 e 16, a impossibilidade de prisão, “à exceção do flagrante delito”, antes da pronúncia do indiciado, “salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente”.
Com o advento do Decreto Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941[21], introduziu-se o Código de Processo Penal que, após sucessivas reformas, vigora até os dias de hoje. O artigo 282, reproduzindo garantia constitucional (artigo 5º, LXI, da Constituição Federal Brasileira), disciplina duas espécies de prisões legais: em flagrante delito (artigos 301 a 310) ou por ordem escrita da autoridade judiciária competente (artigos 311 a 316).
A Constituição de 1967[22] manteve o entendimento já adotado na Constituição de 1946 quanto às formas de prisão em flagrante e por ordem escrita da autoridade competente, assegurando a possibilidade de fiança quando a lei assim dispor, bem como o relaxamento da custódia em caso de ilegalidade.
No mesmo ano, a Lei 5.349, de 03 de novembro de 1967[23], alterou os dispositivos que regulamentavam a prisão preventiva no Código de Processo Penal de 1941. Primeiramente, referida legislação retirou, do artigo 311, a condição “quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria”, antes exigidos para a decretação da custódia cautelar. O artigo 312 também sofreu alteração: previa a possibilidade imposição da prisão preventiva “nos crimes a que for cominada pena de reclusão, por tempo, no máximo, igual ou superior a dez anos”; com o advento da nova legislação, passou a vigorar com redação bem próxima da atual – “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria”.
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 17 de outubro de 1969[24], manteve os princípios já adotados nas Constituições anteriores, incluindo medidas para assegurar o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário (§14 do artigo 153).
A partir da edição da Lei 6.416, de 24 de maio de 1977[25], que, entre outras alterações, introduziu o parágrafo único ao art. 310 do Código de Processo Penal, o indivíduo preso em flagrante apenas seria mantido no cárcere diante da presença de uma das hipóteses que autorizavam a prisão preventiva.
O texto constitucional atualmente vigente, promulgado em 1988, prevê o instituto da prisão, pela primeira vez, em seu artigo 5º. Especificamente sobre as prisões cautelares, em consonância com a previsão contida no artigo 282 do Código de Processo Penal, o inciso LXI, estabeleceu que ninguém será preso “senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
No ano seguinte, pela Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, foi instituída uma nova figura de prisão provisória com finalidade de reduzir os requisitos da preventiva, facilitando, assim, a prisão de indivíduo acusado da prática de determinados crimes e em situações específicas: trata-se da figura da prisão temporária.
Em 1994, a Lei 8.884, de 11 de junho de 1994[26] alterou novamente a redação ao artigo 312 do Código de Processo Penal, para incluir a expressão “ordem econômica” ao rol de possiblidades de decretação da prisão preventiva.
Em 2011, a sistemática das prisões processuais sofreu nova alteração, através da Lei 12.403, de 04 de maio de 2011[27], que modificou os artigos do Código de Processo Penal relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares. Pretendeu imprimir à prisão processual, definitivamente, a característica de ultima ratio.
Nesse sentido,
com o advento da Lei nº 12.403/11, a exigência da demonstração de indícios suficientes de autoria foi reforçada, pois tornou obrigatória a demonstração da ocorrência de um fato com forte aparência de tipicidade, ilicitude e culpabilidade, e também das razões objetivas que evidenciem a alta probabilidade em relação à autoria, o que não pode significar, em hipótese alguma, a antecipação do juízo de mérito16. Sobre o perigo representado pela liberdade do acusado, em virtude do postulado da proporcionalidade e da excepcionalidade da prisão preventiva, tornaram-se indispensáveis a demonstração concreta de sua ocorrência e também a impossibilidade de aplicação de medidas cautelares mais brandas para evitá-la[28].
Referida legislação foi a última alteração substancial imposta ao regramento das prisões processuais antes da reforma operada pela Lei 13.964 de 2019, o chamado “Pacote Anticrime”, que alterou quase todos os dispositivos aplicáveis à prisão processual, conforme veremos a seguir.
3. A sistemática atual da prisão preventiva no ordenamento jurídico brasileiro
Como vimos, a possibilidade de prisão antes da formação da culpa remonta à época do Brasil Colônia e, desde então, o instituto passou por sucessivas modificações, até ser consolidado nos moldes e com fundamento nos princípios constitucionais quem vigem atualmente.
A prisão processual constitui instrumento para a garantia das investigações ou da instrução criminal. Por se tratar de “privação total do direito fundamental de ir e vir antes de uma sentença condenatória definitiva”[29], se revela a mais grave intervenção que o Estado pode impor sobre determinado cidadão. Atualmente, no âmbito do processo penal brasileiro, é a modalidade de prisão que resulta do flagrante ou de determinação judicial no âmbito da persecução penal, observados os pressupostos de medida cautelar previstos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.
Mendes de Almeida vê a prisão processual como forma de garantir que o réu não fuja, caracterizando-se, pois, como uma “medida acauteladora da execução da pena e da fluência da causa, onde o legislador acha indispensável o contraditório efetivo”[30].
E a prisão preventiva, decorrente de decisão escrita, fundamentada e emanada por autoridade competente, constitui medida cautelar de caráter pessoal; é “a rainha das medidas cautelares penais”[31]. Importante ressaltar seu caráter estritamente cautelar, de modo que não pode a prisão preventiva ter a finalidade de antecipação de pena[32]. Nesse passo, sua imposição deve ser guiada, primordialmente, pelos princípios da excepcionalidade e da proporcionalidade, de modo que o juiz não deve se limitar a analisar a presença de “prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”[33] para a decretação da prisão preventiva”, mas, também, a probabilidade de que seja imposta, ao final da instrução processual, uma pena privativa de liberdade.
Por tratar-se de providência excepcional, as normas que a regulam as espécies de prisão antes da formação da culpa devem ser interpretadas restritivamente e não podem, por consequência, ser aplicadas por analogia.
Neste contexto, o artigo 282 do Código de Processo Penal estabelece que as medidas cautelares, dentre elas, a prisão, deverão ser aplicadas observando-se os seguintes critérios:
I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;
II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
O parágrafo 2º do mencionado artigo, introduzido pela Lei 13.964/2019, prevê que referidas medidas cautelares serão decretadas “pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público”.
A Lei 13.964/2019 reforçou o caráter excepcional da prisão provisória[34] e o artigo 283 repetiu o dispositivo constitucional do artigo 5º, LXI, no sentido de que a prisão será admitida apenas nos casos de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada, expedida pela autoridade judicial competente.
Assim, com exceção da prisão em flagrante, por constituir medida excepcional, a prisão preventiva somente pode ser decretada pela autoridade judiciária, mediante decisão fundamentada, após exame imparcial dos pressupostos da cautelaridade, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora.
Ao princípio da excepcionalidade, portanto, cabe delimitar o alcance e a realidade da prisão preventiva, em três diferentes níveis: por um lado, é a base da preeminência da liberdade do indivíduo sobre a privação provisória de sua liberdade; em segundo lugar, temos o reconhecimento da necessidade da prisão em caráter de extrema excepcionalidade; e, por fim, seu caráter subsidiário, que supõe a exclusiva aplicação diante da ineficácia de outra medida cautelar menos gravosa, através da qual poderiam ser alcançados os mesmos fins da prisão cautelar[35].
Importante ressaltar que o instituto da prisão preventiva coexiste com o princípio da presunção de inocência, inexistindo, pois, qualquer mácula a referida garantia constitucional a partir da constrição provisória da liberdade. Outrossim, os instrumentos internacionais de direitos humanos regulam não apenas a presunção de inocência, mas, também, a possibilidade de privação cautelar da liberdade do acusado ao longo do processo.
Referidos instrumentos, como a Convenção Americana de Direitos Humanos, estabelecem a presunção de inocência como princípio fundamental a ser observado no âmbito do processo penal e, por outro lado, apresentam diretrizes a respeito da detenção do acusado, como, por exemplo, o direito de ser julgado em prazo razoável[36].
E exatamente nesse sentido já advertia Beccaria[37]:
Se a prisão é apenas um meio de deter um cidadão até que ele seja julgado culpado, como esse meio é aflitivo e cruel, deve-se, tanto quanto possível, suavizar-lhe o rigor da duração. Um cidadão detido só deve ficar na prisão por tempo necessário para a instrução do processo; e os mais antigos detidos têm direito de ser julgados em primeiro lugar.
É neste contexto, pois, que deve se dar a aplicação da custódia cautelar – antes, portanto, da formação da culpa -, fundamentadamente, observados os princípios e diretrizes constitucionais e processuais penais, bem como suas hipóteses específicas de aplicação e circunstâncias do caso concreto, de modo a garantir o imperativo da segurança jurídica.
3.1. Alterações relativas à prisão introduzidas pela Lei 13.964/2019
No âmbito da prisão preventiva, a Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019[38], conhecida como “Pacote Anticrime”, alterou diversas leis penais, dentre elas, o Código de Processo Penal e as normas relativas à prisão. Uma das alterações mais relevantes se deu no campo da prisão preventiva, vindo a nova legislação a alterar os dispositivos que regulam este tipo de prisão cautelar.
A nova redação dos artigos 282 e 283 do diploma processual reafirmaram o caráter excepcional da prisão cautelar. Ao primeiro dispositivo, que regula a aplicabilidade das medidas cautelares[39], dentre elas, a prisão, foram incluídos os parágrafos 2º a 6º.
Merece destaque, primeiramente, a mudança operada no parágrafo 2º. Antes da lei de 2019, as medidas cautelares poderiam ser decretadas “pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público”. Com a nova legislação, a expressão “de ofício” foi suprimida do texto legal, de modo que não mais se admite a decretação da custódia ou a imposição de medidas cautelares alternativas sem prévio requerimento.
O parágrafo 6º, que antes continha previsão suscinta no sentido de que “a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”, passou a vigorar especificando que o não cabimento da substituição da prisão por outra medida cautelar “deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada”, reforçando, assim, o mencionado caráter excepcional da restrição cautelar da liberdade e, ainda, a necessidade de fundamentação concreta das respectivas decisões.
O artigo 283, por sua vez, foi ligeiramente alterado em seu caput, conforme se extrai da comparação a seguir:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
No capítulo II, “Da prisão em flagrante”, o Código processual sofreu significativa alteração no artigo 310. Alterou-se o caput e foram incluídos os parágrafos 1º a 4º, suprimindo-se, assim, o antigo parágrafo único.
O caput, que antes apenas servia de introdução aos incisos – os quais preveem as alternativas que possui o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante[40] - passou a dispor que:
Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (...) (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Os parágrafos seguintes vieram para estabelecer hipóteses que, verificadas a partir da análise do auto de prisão em flagrante, ensejarão a soltura ou a denegação da liberdade provisória. Nesse sentido, verificada qualquer das situações previstas no artigo 23 do Código Penal (que o fato foi praticado em estado de necessidade, por legítima defesa, no estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito), a nova lei prevê que o juiz “poderá”, “fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais, sob pena de revogação”[41].
Em contraposição, o parágrafo 2º impõe uma restrição à concessão da liberdade ao dispor que esta “deverá” ser denegada, “com ou sem medidas cautelares”, se verificado que o agente é reincidente, integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito.
Importante destacar que, no parágrafo primeiro, que prevê hipótese expressa de concessão da liberdade, é empregado o termo “poderá”, revelando-se, pois, uma faculdade do Juízo. O parágrafo seguinte, por outro lado, impõe um dever ao magistrado que recebe o auto de prisão em flagrante nas hipóteses ali descritas. Sobre esta última previsão, inclusive, muito têm se discutido a respeito da constitucionalidade desta imposição legal.
O parágrafo 4º vem reforçar a importância das audiências de custódia, estabelecendo que, se não observado o prazo legal de 24 horas para sua realização, a prisão passa a ser ilegal e deve, portanto, ser relaxada.
A partir do artigo 311, temos as disposições processuais penais relativas à prisão preventiva. Este primeiro dispositivo, em consonância com a alteração realizada no parágrafo 2º do artigo 282, suprimiu a possibilidade de decretação da prisão preventiva de ofício pelo magistrado[42].
O artigo 312, além de prever os pressupostos da prisão provisória já mencionados, incluiu mais um ponto a ser considerado quando da decretação da custódia cautelar: o “perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”. E, suprimindo-se o parágrafo único, replicado agora no parágrafo 1º[43], o dispositivo reafirmou, a partir da nova lei, no parágrafo 2º, a necessidade de fundamentação e motivação da decisão “em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”.
As hipóteses de cabimento da prisão preventiva, elencadas no caput e incisos do artigo 313, mantiveram-se inalteradas. Neste dispositivo, o parágrafo único foi replicado no parágrafo 1º[44], inovando-se no parágrafo 2º, a partir da previsão de hipótese em que não se admite a decretação da custódia preventiva[45].
Na mesma linha dos dispositivos anteriores e do comando constitucional da necessidade de fundamentação das decisões judiciais, a nova redação do caput do artigo 315 adicionou o termo “fundamentada” à característica “motivada” antes ali contida isoladamente.
O parágrafo 1º veio especificar que essa “motivação” deverá estar calçada na indicação concreta da existência de “fatos novos ou contemporâneos” que justifiquem a aplicação da prisão ou da medida cautelar diversa aplicada ao caso. E o parágrafo 2º, em complementação, tratou de estabelecer as hipóteses em que não se considera fundamentada “qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão[46].
Por fim, o parágrafo único do artigo 316 - talvez a maior inovação trazida ao Código de Processo Penal - impôs a necessidade de reavaliação periódica da prisão preventiva, a cada 90 dias, sob pena de se tornar ilegal. Com este dispositivo, temos, no âmbito da legislação processual penal brasileira, pela primeira vez após a Constituição de 1988[47], a previsão de um prazo específico relativo à prisão preventiva. É exatamente sobre este ponto que discorreremos a seguir.
4. A divergência na aplicação da alteração introduzida pela Lei 13.964/2019 ao artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal
A necessidade de revisão da manutenção da prisão preventiva, nos termos em que estabelecido pelo novo parágrafo único do artigo 316, do Código de Processo Penal, foi motivo de grande divergência nos Tribunais, ao passo que a novel legislação estabeleceu o prazo de 90 dias para reanálise da necessidade de manutenção da custódia, sob pena de se tornar ilegal a prisão, nos seguintes termos: “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal[48].
Logo que entrou em vigor a nova lei, em janeiro de 2020, os Tribunais, nos casos que chegavam a seu conhecimento à época, passaram a recomendar que o respectivo Juízo de origem procedesse à reavaliação. A título de exemplo, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, mantendo a prisão provisória de recorrente acusado de homicídio, recomendou ao Juízo processante, de ofício, que reexaminasse a necessidade de manutenção da segregação cautelar, “tendo em vista o tempo decorrido e o disposto na Lei n. 13.964/2019”[49]. Esta recomendação também constou de outros julgados, todos proferidos no mês de fevereiro de 2020[50].
Em setembro de 2020, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que a obrigação de revisar, a cada 90 dias, a necessidade de se manter a custódia cautelar é imposta apenas ao juiz ou tribunal que decretar a prisão preventiva[51]. A relatora do caso, Ministra Laurita Vaz, pontuou que a Lei 13.964/2019 é expressa ao atribuir ao “órgão emissor da decisão” esta obrigação:
A inovação legislativa se apresenta como uma forma de evitar o prolongamento da medida cautelar extrema, por prazo indeterminado, sem formação da culpa. Daí o dever de ofício de o juiz ou o tribunal processantes declinarem fundamentos relevantes para manter a segregação provisória”. E, posteriormente, reafirmou este entendimento ao julgar habeas corpus em que a paciente pleiteava a revogação da custódia preventiva[52].
Em seguida, em julgamento controvertido no âmbito do Supremo Tribunal Federal do caso de “André do Rap”, ficou decidido, por maioria, – após suspensão liminar da decisão outrora proferida pelo Relator -, que a inobservância do prazo nonagesimal não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos[53].
Mais recentemente, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, enfrentando novamente a questão[54] ao analisar caso em que o recorrente estava preso há mais de dois anos, sem notícias de que a prisão tinha sido reavaliada nos últimos 90 dias, decidiu que:
Não obstante se tenha ultrapassado o prazo para revisão da prisão cautelar a teor da novel legislação, não há, contudo, elementos hábeis a autorizar a soltura do recorrente, em virtude de o prazo estabelecido no art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, não ter sido seguido à risca, tendo em vista não se tratar de termo peremptório a ultimar a liberdade do ora recorrente, devendo se raciocinar, no caso concreto, em face da razoabilidade; ponderando-se, ainda, acerca da situação atual de pandemia de Covid-19, que tem afetado os trâmites processuais.
E, ao final, determinou que o magistrado que decretou a prisão reavaliasse a necessidade de manutenção da custódia.
Também o Tribunal Superior decidiu que, para a manutenção da prisão preventiva nos moldes do art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, não é exigido que se verifique a ocorrência de fatos novos, bastando que subsistam os motivos ensejadores do decreto prisional[55]. Destarte, é suficiente a fundamentação no sentido de que os requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal ainda se fazem presentes[56], não se exigindo, portanto, fundamentação vasta que indique a existência de novos elementos.
Restou aplicada, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Estaduais, ainda, a tese de que a inobservância do prazo nonagesimal não implica em revogação automática, não se tratando, pois, de prazo peremptório[57].
Como se vê, o artigo em comento abrange diversas questões que podem ser controvertidas, até mesmo, no que tange à aplicabilidade do comando de reavaliação da prisão face aos trâmites processuais administrativos. Como se efetivar, na prática, uma reavaliação de ofício e célere quando o processo se encontra, por exemplo, no Tribunal para análise de recurso, tendo a prisão sido determinada pelo magistrado de primeira instância?
Sobre este ponto, foi levantada a tese de que o dever de reanálise da necessidade de prisão se restringe à fase de conhecimento da ação penal, não se dirigindo o comando, pois, aos Tribunais[58], de modo que se finda a exigência da reavaliação a cada 90 dias com a prolação da sentença. Nesse sentido, Tanga e Cachichi sustentam que:
A partir do momento em que a prisão preventiva é decretada ou mantida na sentença penal condenatória (ou no acórdão, em caso de competência originária) e os autos são encaminhados à instância recursal, não mais se observa o principal risco que o legislador quis evitar ao prever a necessidade de revisão periódica, de ofício, da prisão: o de excesso de prazo para a formação da culpa. Afinal, se já houve édito condenatório, esgotou-se a atividade do juízo a quo, devendo todas as questões subsequentes ser resolvidas apenas pelo órgão judicial com competência recursal. Se houver subsequente excesso de prazo, caberá à defesa atacá-lo por meio dos recursos ou ações de índole constitucional pertinentes.
O Superior Tribunal de Justiça, porém, apresentando divergência dentro da própria Quinta Turma, trouxe duas vertentes distintas quanto a esta questão: de um lado, entendeu que a revisão deve ser feita em qualquer instância em que o processo se encontre[59] e, de outro, que a revisão deve ser exigida apenas enquanto perdurar a instrução processual, até a prolação da sentença, portanto[60].
Se superado o entendimento de que a reavaliação se restringe à fase processual prévia à sentença, estar-se-á diante de outro problema: qual seria a autoridade competente para proceder à reavaliação, justamente após a formação da culpa.
O dispositivo legal estabelece, literalmente, que a obrigação incumbe ao “órgão prolator da decisão”. Na hipótese em que os autos se encontrem no Tribunal para julgamento de recurso de apelação – ressaltando-se, aqui, o efeito devolutivo deste recurso – qual autoridade seria competente para apreciar a necessidade de manutenção da custódia cautelar? Maior ainda seria o problema se, eventualmente, o magistrado a quo e o Tribunal esboçassem entendimentos divergentes sobre esta necessidade – neste caso, qual deles deveria prevalecer? Por certo, a do Tribunal superior, de modo que, efetivamente, haveria apenas um órgão competente – o superior - para proceder à reanálise em todos os casos em que houvesse a remessa dos autos à instância recursal[61].
Ainda, eventual demora no julgamento do recurso – ultrapassando-se os 90 dias estabelecidos pela legislação em comento – e apresentação de pedido de relaxamento da custódia perante o juízo de primeira instância, implicaria no reconhecimento de excesso de prazo por parte do Tribunal, por autoridade hierarquicamente inferior, o que se mostra totalmente inconcebível[62].
Como se vê, a inovação trazida ao artigo 316 do Estatuto Processual Penal pela Lei 13.964/2019 fez surgir diversas questões controvertidas e interpretações em diferentes sentidos em busca de respostas à tantas questões diretamente relacionadas a esta alteração legislativa. E, como se viu, a jurisprudência, pouco mais de um ano após a promulgação da nova lei, ainda não estabeleceu diretrizes sólidas quanto à interpretação das normas aplicáveis à temática da prisão preventiva, principalmente quanto à limitação, competência e consequências da inobservância do prazo nonagesimal.
5. A insegurança jurídica decorrente da ausência de uniformização da jurisprudência
O tema aqui tratado, de extrema relevância por guardar relação direta com o direito constitucional à liberdade, trouxe instabilidade ao instituto da prisão preventiva como um todo. Conforme explanado no tópico anterior, interpretações divergentes foram sustentadas após a publicação da Lei 13.964/2019, inexistindo, até o momento, orientação sólida por parte dos Tribunais Superiores. Presenciamos, inclusive, entrave entre Ministros da mais alta Corte do país em torno da questão[63].
A segurança jurídica está relacionada com o fato de que a dignidade humana não estará devidamente resguardada se os indivíduos de determinado Estado estão sujeitos à instabilidade jurídica através de decisões desiguais para casos similares. Destarte, relaciona-se diretamente com o direito à liberdade, de modo que, nas palavras de Ricardo Silveira[64],
o receio reside na insegurança decorrente do arbítrio ou da incorreta aplicação da lei, ou seja, segundo o Professor José Ignacio Botelho de Mesquita, citando Locke, a liberdade consistiria “em não estar sujeito de modo algum à vontade inconstante, incerta, desconhecida, arbitrária, de um homem”. Nesse ponto, restaria traçada a linha divisória entre a liberdade e a tirania.
Neste contexto, podemos estabelecer uma relação, ainda, com outras garantias constitucionais, tais como a igualdade. Sobre esta questão, José Augusto Delgado[65] explica que:
A segurança garantida pelo preâmbulo e pelo artigo 5° é a genérica: envolve a segurança pública, a segurança jurídica, a segurança na assistência à saúde, à educação, ao lazer, ao desenvolvimento econômico, à liberdade, à vida, à valorização da cidadania, à dignidade humana, ao emprego pleno, à igualdade social, enfim, aos direitos e garantias individuais e sociais.
Sendo assim, entendimentos divergentes dentro de um mesmo Tribunal ou, ainda, de Turmas e Câmaras, em relação à mesma lei e em um mesmo contexto histórico, “representa grave inconveniente, gerador da incerteza do direito, que é o inverso do que se objetiva com o comando contido numa lei, nascida para ter um só entendimento”[66].
Para Marques e Cogan[67],
O Estado Democrático de Direito tem como um de seus princípios basilares a igualdade, que é efetivamente assegurada quando entendida e aplicada segundo a máxima Aristotélica: tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual, na medida de sua desigualdade. Este ideal de aplicação de justiça, partindo, evidentemente, do pressuposto fundamental de nossa Constituição de que todos são considerados como iguais perante a lei, implica considerar como inconstitucional o reconhecimento de soluções diversas para uma mesma situação jurídica, criando uma seleção discriminatória de casos.
Na mesma linha, Dantas ressalta que “o princípio da segurança jurídica é um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito e seu objetivo é proteger e preservar as justas expectativas das pessoas”[68].
Para Delgado, cabe ao Estado a responsabilidade de garantir este sentimento de segurança “através da conformação dos seus atos administrativos, legislativos e judiciais com os ditames da segurança jurídica”[69]. O então Ministro do Superior Tribunal de Justiça ainda pontua que a ideia de segurança jurídica reflete dois princípios gerais quando se fala em segurança: o princípio da determinabilide das leis, ou seja, a exigência de leis claras e densas; e o princípio da proteção da confiança, que diz respeito à estabilidade das leis[70]. Outrossim, não pode o Poder Judiciário “funcionar como um insumo de imprevisibilidade”[71], cabendo aos Tribunais a tarefa de buscar a uniformização dos entendimentos, de modo a garantir segurança aos jurisdicionados.
E, para além da insegurança, a ausência de uniformização acaba por gerar um sentimento de descrédito na Justiça. E esta falta de segurança é impulsionada, justamente, pela constante mudança jurisprudencial, fenômeno este bem presente no cotidiano do Judiciário brasileiro, conforme verificamos no tópico anterior. No âmbito da aplicação da Lei 13.964/2019, no período de apenas um ano, presenciamos mudanças de entendimento constantes e decisões completamente divergentes, inclusive, no patamar dos Tribunais Superiores.
Talvez, o tempo decorrido desde a publicação da nova lei não tenha sido suficiente para o estabelecimento de diretrizes sólidas. A volatilidade das decisões e a ausência de jurisprudência uniforme, porém, geram constante sensação de insegurança, de descrédito e, por vezes, de impunidade. Do ponto de vista dos acusados, imagina-se que a Justiça é vista como uma “loteria”. Citamos, por exemplo, à par das mudanças trazidas pelo “Pacote Anticrime”, os casos de tráfico de drogas: diante da inexistência de parâmetros legais específicos, no que tange à quantidade e à qualidade das drogas, que determinem a tipificação da conduta como tráfico ou como porte de drogas para uso pessoal, bem como para a aplicação da causa de diminuição prevista no parágrafo 4º, do artigo 33 da Lei 11.343/2006, o que presenciamos, diariamente, são decisões completamente desiguais, proferidas de acordo com a interpretação de cada julgador.
Sobre o tema, Marques e Cogan ressaltam que “a falta de critérios objetivos para modificação de consolidados entendimentos dos Tribunais faz parecer que o juiz - especialmente de Cortes Superiores -possui ampla liberdade de entender o Direito como lhe aprouver”[72].
No contexto aqui tratado, que diz respeito à privação do direito de liberdade do indivíduo, a insegurança jurídica se mostra fator extremamente preocupante.
Como consequência da divergência jurisprudencial, em que a cada momento e instância se decide neste ou naquele sentido, corre-se o risco, ademais, de se ter um maior número de demandas apresentadas ao Judiciário, o que acaba por fomentar o problema da morosidade dos processos e da sobrecarga dos tribunais.
Isso porque,
Quando a mesma situação fática, num dado momento histórico, é decidida por juízes da mesma localidade de forma diametralmente antagônica, a mensagem enviada à sociedade é de que ambas as partes têm (ou podem ter) razão. Ora, se todos podem ter razão, até mesmo quem, por estar satisfeito com o tratamento jurídico que sua situação vinha recebendo, não havia batido às portas do judiciário terá forte incentivo a fazê-lo.[73]
Evidente que o fenômeno ocorre, com certa frequência, no plano do primeiro grau de jurisdição. O problema é que não permanece apenas nesta etapa, mas ultrapassa os limites da jurisdição a quo, verificando-se sua ocorrência, também, no plano dos Tribunais Superiores, os quais, justamente, deveriam servir como norte aos juízes de todo o país e orientar a atuação destes. Diante disso, as decisões dos magistrados se fundamentam em acórdãos divergentes de um mesmo tribunal, que acabam por oferecer “o insumo da imprevisibilidade e da insegurança jurídica para os magistrados das instâncias inferiores e a sociedade em geral”[74].
Cabe ressaltar que o tema da segurança jurídica, sob a ótica da estabilidade das decisões judiciais, é complexo, pois está atrelado à “independência dos juízes na interpretação do direito para solucionar o caso concreto, não estando estes vinculados à obediência da orientação fixada em decisões de casos análogos pelos tribunais a que estão submetidos como regra geral”[75].
Destarte, aos tribunais cabe a importante tarefa de uniformização e estabilidade das decisões, o que reflete na sensação geral de efetividade da justiça e credibilidade no Poder Judiciário. A uniformização, além de garantir a segurança jurídica, assegura a efetividade das decisões judiciais, ambas relacionadas, ainda, com o princípio do devido processo legal, “afinal, não se pode pensar em uma tutela jurisdicional efetiva que não seja prestada de forma segura, garantindo justiça e pacificação social”[76].
Considerações finais
A legislação relativa ao instituto da prisão processual, no Brasil, remonta à época do Brasil Colônia. Após sucessivas modificações ao longo da história, a Constituição Federal de 1988, ao tutelar a liberdade como direito fundamental, tratou de prever as hipóteses de prisão processual – a prisão em flagrante e a prisão decorrente de ordem fundamentada por autoridade competente -, bem como a vedação à execução provisória da pena.
A Lei 13.964, publicada no final do ano de 2019, introduziu significativas alterações ao Código Processual Penal e, principalmente, na modalidade da prisão preventiva.
Uma análise jurisprudencial permitiu a constatação de decisões divergentes, no âmbito dos Tribunais Superiores, quanto à interpretação do parágrafo único, do artigo 316 do Código de Processo Penal.
Assim, especificamente quanto à necessidade de reavaliação da custódia cautelar no prazo determinado, foram apontadas algumas das diversas questões que surgiram e ainda podem surgir a partir da interpretação da norma em determinado sentido.
Obviamente, é natural que existam interpretações conflitantes no Judiciário, dada a amplitude do ordenamento jurídico, dos princípios, normas e diretrizes aplicáveis a cada caso concreto, bem como, por diversas vezes, a inexistência de conceitos bem definidos de determinadas palavras expressas nas leis. Não se pode olvidar, ademais, a independência dos juízes, que também deve ser preservada.
Porém, as decisões divergentes não podem se dar de modo a violar o princípio constitucional da igualdade, sobre o qual repousa a segurança jurídica. Os Tribunais Superiores devem, portanto, trabalhar para a traçar diretrizes a todos os magistrados e Tribunais do país, com vistas à garantia da estabilidade das decisões, da segurança jurídica, da efetividade processual e da igualdade.
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[1] BRASIL. Decreto de 23 de maio de 1821. Dá providencias para garantia da liberdade individual. Publicado na CLBR de 1821.
[2] O Decreto proibiu a prisão de qualquer pessoa livre no Brasil, salvo por ordem escrita do juiz local. Esta ordem, todavia, não podia ser expedida sem a prévia formação da culpa, através da inquirição de três testemunhas.
[3] BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824. Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25.03.1824. Coleção de Leis do Império do Brasil, 1824.
[4] Os parágrafos seguintes deste artigo apresentam a regulamentação das outras formas de prisão. Dentro ainda do que envolve o sistema criminal e prisional da época, o mesmo artigo, agora em seus parágrafos 19, 20 e 21 faz referência a situações muito próximas das que temos hoje. O parágrafo 19 determina o fim dos açoites, da tortura, da “marca de ferro quente” e de todas as demais penas que, á época, evidenciavam-se como cruéis.
O parágrafo seguinte vem resguardar a inviolabilidade do patrimônio do acusado, além do bem estar de sua família, quando proíbe o confisco de bens do condenado e impede a transmissão, nem mesmo nos casos de “infâmia”, da culpa aos “parentes em qualquer grau que seja”.
Por fim em seu parágrafo 20, dispõe sobre as condições em que devem ser mantidas as cadeias, vislumbrando sua segurança e limpeza, devendo ser “bem arejadas”, mantendo-se separados os réus de acordo com a natureza do seu delito.
[5] BRASIL. Lei de 30 de Agosto de 1828. Declara os casos, em que se póde proceder á prisão por crimes, sem culpa formada. Publicado na CLBR de 1828.
[6] Artigo 1º, parágrafo 1º: “Os que forem achados em flagrante delicto, entendendo-se presos em flagrante delicto, não só os que se apprehenderem commettendo o delicto, mas tambem os que se prenderem em fugida, indo em seu seguimento os Officiaes de Justiça, ou quaesquer cidadãos, que presenciassem o facto, conduzindo-os directamente á presença do Juiz”.
[7] Artigo 1º, parágrafos 1º e 2º. BRASIL. Lei de 30 de Agosto de 1828. Declara os casos, em que se póde proceder á prisão por crimes, sem culpa formada. Publicado na CLBR de 1828.
[8] BRASIL. Lei de 29 de novembro de 1832. Promulga o Codigo do Processo Criminal de primeira instancia com disposição provisoria ácerca da administração da Justiça Civil.
[9] Artigo 148: “A qualquer que fôr preso sem culpa formada dentro em vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em cidades, villas, ou outras povoações proximas aos lugares da residencia do Juiz; e em lugares remotos dentro de um prazo razoavel, proporcionado á distancia daquelle, onde foi commettido, o delicto, contando-se um dia por cada tres leguas, o Juiz por uma nota por elle assignada, fará constar ao réo o motivo da prisão, os nomes do seu accusador, e o das testemunhas, havendo-as. (Vide Decreto nº 2.423, de 25 de maio de 1859)”. BRASIL. Lei de 29 de novembro de 1832. Promulga o Codigo do Processo Criminal de primeira instancia com disposição provisoria ácerca da administração da Justiça Civil.
[10] BRASIL. Regulamento nº 120 de 31 de janeiro de 1842. Regula a execução da parte policial e criminal da Lei nº 261 de 3 de Dezembro de 1841. Coleção das Leis do Brasil, 1842.
[11] Artigo 13, parágrafo 2º. BRASIL. Lei 2.033, de 20 de setembro de 1871. Altera differentes disposições da Legislação Judiciaria. Colação das Leis do Brasil, 1871.
[12] Artigo 13, §4º: “Não terá lugar a prisão preventiva do culpado se houver decorrido um anno depois da data do crime. BRASIL. Lei 2.033, de 20 de setembro de 1871. Altera differentes disposições da Legislação Judiciaria. Colação das Leis do Brasil, 1871.
[13] BRASIL. Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871. Regula a execução da Lei nº 2033 de 24 de Setembro do corrente anno, que alterou differentes disposições da Legislação Judiciaria. Colação das Leis do Brasil, 1871.
[14] BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Diário Oficial da União, 1891.
[15] BRASIL. Emenda Constitucional de 03 de setembro de 1926. Emendas à Constituição Federal de 1891. Diário Oficial da União, 1926.
[16] Alterou a redação do parágrafo 22, do artigo 72, que passou a vigorar nos seguintes termos: “Dar-se-ha o habeas-corpus sempre que alguém soffrer ou se achar em imminente perigo de soffrer violencia por meio de prisão ou constrangimento illegal em sua liberdade de locomoção. (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)”. Veja-se, em comparação à redação anterior, que não houve alteração significativa: “Dar-se-á o habeas-corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder” (Redação original da Constituição de 1891). BRASIL. Emenda Constitucional de 03 de setembro de 1926. Emendas à Constituição Federal de 1891. Diário Oficial da União, 1926; BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Diário Oficial da União, 1891.
[17] BRASIL. Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930. Institue o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, e dá outras providencias. Colação das Leis do Brasil, 1930.
[18] BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Diário Oficial da União, 1934.
[19] Em comparação, o texto passou a prever: “Dar-se-á habeas-corpus sempre que alguém sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares não cabe o habeas-corpus”. O texto da Constituição anterior dizia: “Dar-se-á o habeas-corpus, sempre que alguém sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção”.
[20] BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Diário Oficial da União, 1937.
[21] BRASIL. Decreto Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, 1941.
[22] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 24 de janeiro de 1967. Diário Oficial da União, 1967.
[23] BRASIL. Lei 5.349, de 03 de novembro de 1967. Dá nova redação ao Capítulo III do Título IX do Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, 1967.
[24] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 17 de outubro de 1969. Edita o novo texto da Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967.
[25] BRASIL, Lei 6.416, de 24 de maio de 1977. Altera dispositivos do Código Penal (Decreto-lei número 2.848, de 7 de dezembro de 1940), do Código de Processo Penal (Decreto-lei número 3.689, de 3 de outubro de 1941), da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei número 3.688, de 3 de outubro de 1941), e dá outras providências. Diário Oficial da União, 1977.
[26] BRASIL, Lei 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Diário Oficial da União, 1994.
[27] BRASIL, Lei 12.403, de 04 de maio de 2011. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 194 - Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2011.
[28] AMARAL, Augusto Jobim do; SILVEIRA, Felipe Lazzari da. A prisão preventiva e as (nem tão) novas controvérsias na Lei 13.964/2019. Revista da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul. 26ª edição, p. 141-162, p. 146.
[29] AMARAL, Augusto Jobim do; SILVEIRA, Felipe Lazzari da. A prisão preventiva e as (nem tão) novas controvérsias na Lei 13.964/2019. Revista da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul. 26ª edição, p. 141-162.
[30] ALEMIDA, Joaquim Canuto Mendes. Princípios Constitucionais da Coação Processual. Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, 35(3), p. 656-666, 1940.
[31] CUEVA, Lorezo Morillas. Reflexiones sobre la prisión preventiva. Anais de Direito, Universidade de Murcia, 2016.
[32] RIGHI, Gustavo Henrique; BADARÓ, IVAHY. A prisão preventiva e o princípio da proporcionalidade: proposta de mudanças legislativas. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 103, jan./dez. 2008, p. 381-408.
[33] RIGHI, Gustavo Henrique; BADARÓ, IVAHY. A prisão preventiva e o princípio da proporcionalidade: proposta de mudanças legislativas. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 103, jan./dez. 2008, p. 381-408.
[34] Artigo 282, §6º: A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.
[35] CUEVA, Lorezo Morillas. Reflexiones sobre la prisión preventiva. Anais de Direito, Universidade de Murcia, 2016.
[36] RODRÍGUEZ, Javier Llobet. La prisión preventiva y la presunción de inocência según los órganos de protección de los Derechos Humanos del Sistema Interamericano ius. Revista del Instituto de Ciencias Jurídicas de Puebla A.C., núm. 24, p. 114-148. Instituto de Ciencias Jurídicas de Puebla A. C. Puebla, México, 2009.
[37] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Edição Ridendo Castigat Moraes, 1764.
[38] BRASIL. Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Diário Oficial da União, 2019.
[39] Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
[40] I - relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
[41] Artigo 310, parágrafo 1º, Código de Processo Penal.
[42] Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.
[43] § 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o). (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
[44] § 1º Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
[45] § 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
[46] § 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
[47] Rememora-se que Código de Processo Penal de 1832 estabeleceu o prazo de 08 dias para duração da prisão sem formação da culpa.
[48] Artigo 316, parágrafo único, Código de Processo Penal (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).
[49] RHC 121.646/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 11/02/2020.
[50] HC 543.596/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 06/02/2020, DJe 14/02/2020; AgRg no HC 485.643/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 10/03/2020, DJe 23/03/2020; TJSP, Habeas Corpus Criminal 2287682-14.2019.8.26.0000, Relator (a): Alexandre Almeida, Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Criminal, Foro Central Criminal Barra Funda - 14ª Vara Criminal, Data do Julgamento: 05/02/2020, Data de Registro: 07/02/2020); TJSP, Habeas Corpus Criminal 2268234-55.2019.8.26.0000, Relator (a): Camilo Léllis, Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Criminal, Foro de Serrana - 2ª Vara, Data do Julgamento: 04/02/2020, Data de Registro: 06/02/2020; TJSP; Habeas Corpus Criminal 2285125-54.2019.8.26.0000, Relator (a): Roberto Porto, Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Criminal, Foro de Osasco - 4ª Vara Criminal, Data do Julgamento: 04/02/2020, Data de Registro: 06/02/2020.
[51] HC 589.544-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020.
[52]A 6ª turma do STJ, por unanimidade, negou habeas corpus a paciente que pleiteou a revogação da prisão preventiva, sob argumento de que este estaria preso há mais de um ano por descumprimento à regra do CPP, sobre a necessidade se fazer uma revisão, a cada 90 dias, da necessidade de manter a medida preventiva (HC 589.544).
[53] No caso, tratou-se de referendo de decisão do presidente da Corte Suprema, Luiz Fux, que, em sede de plantão judiciário, após reconhecer a existência de risco de grave lesão à ordem e à segurança pública, concedeu a suspensão de medida liminar nos autos do habeas corpus 191.836/SP e determinou a imediata prisão do paciente, o qual havia sido solto após deferimento de liminar pelo também Ministro Marco Aurélio, com fundamento na existência de ilegalidade decorrente da inobservância do prazo de 90 dias para reavaliação da necessidade da prisão. Para o Presidente do Tribunal, a periculosidade do agente para a segurança pública restou evidente, ante a gravidade concreta do crime (tráfico transnacional de mais de quatro toneladas de cocaína, mediante organização criminosa violenta e que ultrapassa as fronteiras nacionais) e a própria condição de liderança de organização criminosa de tráfico de drogas atribuída ao paciente, reconhecida nas condenações antecedentes, que somam 25 anos. A partir desse entendimento, o Plenário, por maioria, referendou a decisão de suspensão de liminar, vencido o ministro Marco Aurélio, que inadmitia a possibilidade de o presidente cassar individualmente a decisão de um integrante de outro integrante do Supremo. O Ministro Ricardo Lewandowski, preliminarmente, não conhecia da suspensão e, vencido neste ponto, ratificou a liminar (SL 1395 MC Ref/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 14 e 15.10.2020).
[54] AgRg no RHC 139.120/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 23/02/2021, DJe 01/03/2021.
[55] AgRg no HC 591.512/MG, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 18/08/2020, DJe 26/08/2020.
[56] AgRg no RHC 139.120/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 23/02/2021, DJe 01/03/2021.
[57] “Os prazos processuais previstos na legislação pátria devem ser computados de maneira global e o reconhecimento do excesso deve-se pautar sempre pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 5º, LXXVIII, da CF) (...)”. AgRg no HC 588.513-SP, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. em 30/06/2020. Vide, também: AgRg no HC 580.323-RS, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. em 02/06/2020; Habeas Corpus Criminal 2175201-74.2020.8.26.0000, rel. Des. Sérgio Coelho. 9ª Câm. Criminal, j. 26/08/2020; Habeas Corpus nº 2154471-42.2020.8.26.0000, rel. Des. Paulo Rossi, 12ª Câm. Criminal, j. 14/02/2019; SL 1395 MC Ref/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 14 e 15.10.2020.
[58] Habeas Corpus nº 2148294-62.2020.8.26.0000; rel. Des. Juscelino Batista, 8ª Câm. Criminal, j. 25/08/2020; Habeas Corpus nº 2114706-64.2020.8.26.0000; rel. Des. Sérgio Coelho, 9ª Câm. Criminal, j. 30/07/2020; Habeas Corpus nº 2052772.08.2020.8.26.0000; rel. Des. José Raul Gavião de Almeida, 6ª Câm. Criminal,
j. 06/04/2020.
[59] AgRg no HC nº 573.777-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 23/06/2020.
[60] AgRg no HC 569.701/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 09/06/2020, DJe 17/06/2020.
[61] TANGA, Julio Cesar Michelucci; CACHICHI, Rogério Cangussu Dantas. Revisão de ofício da prisão preventiva a cada 90 dias: limite e competência. Consultor Jurídico, 2020.
[62] TANGA, Julio Cesar Michelucci; CACHICHI, Rogério Cangussu Dantas. Revisão de ofício da prisão preventiva a cada 90 dias: limite e competência. Consultor Jurídico, 2020.
[63] Conforme relatado a respeito do julgamento de “André do Rap” (SL 1395 MC Ref/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 14 e 15.10.2020).
[64] SILVEIRA, Ricardo Geraldo Rezende, Acesso à justiça: o direito fundamental em um ambiente de recursos escassos. Grupo Almedina: São Paulo, 2020, p. 65.
[65] DELGADO, José Augusto. O princípio da segurança jurídica. Supremacia constitucional. Palestra proferida no XXI Congresso Brasileiro de Direito Constitucional – “O Direito Constitucional do Século XXI”, em 21 de maio de 2005.
[66] ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao Código de processo civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2012, p. 742.
[67] DA SILVA, Marco Antônio Marques; COGAN, Bruno Ricardo. O Supremo Tribunal Federal e o crime de tráfico de drogas: capítulo de insegurança jurídica? Revista Paradigma, Ribeirão Preto, a. XXIV, v. 28, n. 2, p. 308-329, mai./ago. 2019, p. 320.
[68] DANTAS, Bruno. Direito fundamental à previsibilidade das decisões judiciais. Revista Justiça e Cidadania. Edição 149, jan. 2013.
[69] DELGADO, José Augusto. O princípio da segurança jurídica. Supremacia constitucional. Palestra proferida no XXI Congresso Brasileiro de Direito Constitucional – “O Direito Constitucional do Século XXI”, em 21 de maio de 2005.
[70] DELGADO, José Augusto. O princípio da segurança jurídica. Supremacia constitucional. Palestra proferida no XXI Congresso Brasileiro de Direito Constitucional – “O Direito Constitucional do Século XXI”, em 21 de maio de 2005.
[71] CARREIRA, Guilherme Sarri. As causas da insegurança jurídica no Brasil. Revista Pensamento Jurídico, São Paulo, vol. 9, nº 1, jan./jun. 2016, p. 139-171.
[72] DA SILVA, Marco Antônio Marques; COGAN, Bruno Ricardo. O Supremo Tribunal Federal e o crime de tráfico de drogas: capítulo de insegurança jurídica? Revista Paradigma, Ribeirão Preto, a. XXIV, v. 28, n. 2, p. 308-329, mai./ago. 2019, p. 320.
[73] DANTAS, Bruno. Direito fundamental à previsibilidade das decisões judiciais. Revista Justiça e Cidadania. Edição 149, jan. 2013.
[74] DANTAS, Bruno. Direito fundamental à previsibilidade das decisões judiciais. Revista Justiça e Cidadania. Edição 149, jan. 2013.
[75] TAKOI. Sergio Massaru. O princípio constitucional da segurança jurídica no processo. Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 94, p. 249-262, jan./mar. 2016.
[76] CAMBI, Eduardo; BUENO, Felipe Braz da Silva. Segurança jurídica e efetividade processual. Revista dos Tribunais Sul, vol. 4, p. 175-190, mar./abr. 2014.
Artigo publicado em 07/10/2021 e republicado em 05/06/2024
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), núcleo de pesquisa em Direito Processual Penal. Integrante do Grupo de Pesquisa “Políticas Públicas de Segurança e Direitos Humanos”. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Assistente Jurídica do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANCHEZ, Rafaela Bueno e Silva. A alteração introduzida pela Lei 13.964/2019 quanto à necessidade de reavaliação da prisão preventiva, a jurisprudência dos tribunais superiores e a insegurança jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2024, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57261/a-alterao-introduzida-pela-lei-13-964-2019-quanto-necessidade-de-reavaliao-da-priso-preventiva-a-jurisprudncia-dos-tribunais-superiores-e-a-insegurana-jurdica. Acesso em: 23 dez 2024.
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