ADEMIR GASQUES SANCHES
Resumo: O tema desenvolvido é de grande relevância, pois, traz o esclarecimento a respeito da Lei 9.296/96 de interceptações telefônicas, que surgiu com o intuito de confirmar a eficácia do artigo 5º da Constituição Federal, permitindo a quebra do sigilo das comunicações. No artigo 28 da lei de abuso de autoridade, a lei incrimina a divulgação indevida de gravações que tenham o intuito de ferir a intimidade, a honra, a vida privada do acusado ou investigado. O objetivo do trabalho é analisar o uso das interceptações telefônicas como meio de prova, e examinar o alcance da lei 13.869/19 de abuso de autoridade de modo a não prejudicar ninguém, mas sim, de dar um norte para a sua devida realização. Desse modo, as interceptações telefônicas realizadas dentro dos parâmetros da Lei 9296/96 sincronizado com a constituição federal torna-se um meio de prova com grande relevância na esfera penal, contudo vale ressaltar que por ser considerada uma forma gravosa de obtenção de prova, deve ser realizado quando todos os meios legais já tiverem sido utilizados. O artigo foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográficas, baseado nas normas da ABNT, obras doutrinárias e revistas atuais na busca de informações para compreensão do conhecimento.
Palavras-chave: Interceptação telefônica. Nova Lei de abuso de autoridade. Ilicitude. Constituição Federal.
Abstract: The theme developed is of great relevance, as it brings clarification regarding Law 9.296 / 96 on telephone interceptions, which appeared with the aim of confirming the effectiveness of article 5 of the Federal Constitution, allowing the breach of communications secrecy. In article 28 of the law on abuse of authority, the law incriminates the improper disclosure of recordings that are intended to harm the intimacy, honor, privacy of the accused or investigated. The objective of the work is to analyze the use of telephone interception as a means of proof, and to examine the scope of law 13.869 / 19 of abuse of authority so as not to harm anyone, but rather, to give a direction for its proper realization. Thus, telephone interceptions carried out within the parameters of Law 9296/96 in line with the federal constitution become a form of evidence with great relevance in the criminal sphere; however it is worth mentioning that because it is considered a serious form of obtainingevidence, must be carried out when all legal means have already been used. The article was developed through bibliographic research, based on ABNT norms, doctrinal works and current magazines in search of information for understanding knowledge.
Keywords: Telephone interception. New Law on Abuse of Authority. Illegality. Federal Constitution.
Sumário:. 1. Introdução. 2. Contexto histórico. 3. Inviolabilidade do sigilo das comunicações. 4. Conceituação a respeito das interceptações, escutas e gravações telefônicas. 5. Requisitos para a realização das interceptações telefônicas. 5.1 Requisitos Legais. 5.2 Requisitos constitucionais. 6. Lei de abuso de autoridade das interceptações telefônicas. 7. Teoria da serendipidade. 8. Conclusão. 9. Referências
1 INTRODUÇÃO
O surgimento da Lei de Interceptação Telefônica 9.296/96 visa confirmar a validade do art. 5º, inciso XII da Constituição Federal, permitindo violações do sigilo das comunicações. Entende-se que ao interpretar o texto constitucional fica claro que nenhum direito fundamental é absoluto, motivo pelo qual o sigilo das comunicações poderia ser afastado.
No entanto, a maior indagação é sobre o alcance das interceptações, pois a Lei das interceptações telefônicas 9.296 abrange a interceptação de qualquer natureza. No que diz respeito à realização das interceptações ela só poderá ser realizada com o cumprimento de todos os requisitos legais e constitucionais, afim de que não seja praticada de maneira ilícita para não desencadear crime.
A nova Lei de abuso de autoridade 13.869/19 foi sancionada com o objetivo de restringir condutas abusivas por meio de servidores públicos, autoridades civis e militares, os três poderes e também o Ministério Público. De acordo com a Lei em seu artigo 28, é considerado crime a divulgação indevida de gravações que tenham o intuito de ferir a intimidade, honra à vida privada, e a imagem do acusado ou investigado. Contudo, não inibe a realização das interceptações telefônicas feitas de forma adequada.
2 CONTEXTO HISTÓRICO
Antes da promulgação da Constituição de 1988, qualquer tipo de invasão à privacidade das pessoas, mesmo envolvendo alguma investigação, era expressamente proibido, assim assegurando o sigilo das correspondências, das comunicações telegráficas e das comunicações telefônicas.
As interceptações eram regulamentadas pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, em seu artigo 57, inciso II, dizendo que o conteúdo das Telecom nações dado ao juiz mediante requisição ou intimação não se qualificava como uma violação.
Embora a constituição da época, garantir à inviolabilidade do sigilo das telecomunicações, em muitos casos a jurisprudência julgava os pedidos de interceptações procedentes, por esse motivo, existia grandes divergências entre as jurisprudências e as doutrinas, trazendo insegurança quanto a constitucionalidade das interceptações.
Com a criação da constituição de 1988, o artigo 5º, inciso XII descrevia a inviolabilidade do sigilo das comunicações, e que só poderia quebrar esse sigilo em ultimo caso por ordem judicial, e nos casos que a lei permitir ser estabelecido às interceptações para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, abrindo assim, uma excessão para a realização das interceptações.
Contudo, sobrevém uma nova discussão, enquanto uma parte das doutrinas e das jurisprudências entendia que o Código Brasileiro de telecomunicações servia como base para a realização das interceptações, a outra corrente acreditava que a Constituição não havia recepcionado essa referida norma, contendo a necessidade da criação de uma nova lei específica que discorra sobre as interceptações telefônicas.
A ementa do Habeas Corpus nº 69.912-0-RS (DJ 25.3.94), do Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, diz:
PROVA ILÍCITA: ESCUTA TELEFÔNICA MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL: Afirmação, pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, "nas hipóteses e na forma" por ela estabelecidas, possa o Juiz nos termos do art. 5º, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do Habeas Corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do Habeas Corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de ministro impedido (MS 21.750, 24.11.93, Velloso); consequente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos vendidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica - a falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-Ia e viabilizá-Ia - contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (jruits of lhe poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente.
A decisão da emenda do Habeas Corpus salientou ainda mais, a necessidade da criação de uma Lei específica para as interceptações telefônicas.
Dos doutrinadores que manifestaram a necessidade de ter uma lei específica Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Gomes Filho que diz:
“Assim, não se pode dizer que o Código de Telecomunicações supra a exigência constitucional. Enquanto não for promulgada a lei disciplinadora das hipóteses e formas das interceptações e escutas telefônicas, não há base legal para a autorização judicial. E as operações técnicas porventura efetuadas serão ilícitas, subsumindo-se à espécie do inciso LVI do art. 5º, da Constituição” (2001, p. 147).
Torna-se então, a evidente necessidade da edição de uma lei específica para suprir todas as lacunas, e que viesse assim fundamentar o artigo 5º da Constituição Federal.
Torna-se então, a evidente necessidade da edição de uma lei específica para suprir todas as lacunas, e que viesse assim fundamentar o artigo 5º da Constituição Federal.
Depois de oito anos de insegurança, foi promulgada a lei 9.296/96 que dispõe sobre as interceptações telefônicas, efetivando a eficácia do artigo 5º da Constituição Federal, que exigia uma lei específica sobre o assunto. Deste modo, foi possível realizar as investigações de caráter criminal, auxiliando na instrução processual, desde que seja feita por ordem judicial.
3 INVIOLABILIDADE DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES
A Constituição Federal fala sobre a inviolabilidade do sigilo das comunicações em seu artigo 5º, inciso XII dispondo:
XII - e inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Lei nº 9.296, de 1996).
O assunto das interceptações telefônicas ocasionou grandes discordâncias nos tribunais quanto à doutrina e aos princípios constitucionais. Alguns juristas defendem a inviolabilidade absoluta do sigilo das comunicações, no entanto, essas garantias não são absolutas, e sim relativas.
Em consonância ao artigo 57 do Código de Telecomunicações Brasileiro, o Supremo Tribunal Federal durante um julgamento do Habeas Corpus 69.912 em 1993, decidiu pela quebra do sigilo telefônico até que uma lei específica sobre o assunto fosse promulgada, sendo considerada ilegal a interceptação que não estive-se de acordo com esse entendimento.
Só com a vigência da Lei 9296/96 das interceptações telefônicas que essa concepção mudou, surgindo a regulamentação do inciso XII do art. 5º da Constituição federal de 1988, permitindo a autorização de ordem judicial para realização de interceptações telefônicas.
4 CONCEITUAÇÃO À RESPEITO DAS INTERCEPTAÇÕES, ESCUTAS E GRAVAÇÕES TELEFÔNICAS
Interceptações telefônicas é a gravação de conversas telefônicas, sem que as pessoas envolvidas tenham ciência dessa gravação, e são definidas como um meio de prova, utilizada no Processo Penal, prescrita no Código de Processo Penal a partir do título VII, para fins investigativos na busca da verdade com a autorização judicial, e está admitida na Lei 9.296/96. Nas palavras de Gabriel Habib:
“Interceptar significa cortar a passagem de algo, interromper o fluxo de algo. Assim. Por interceptação telefônica entende-se o ato de interromper, realizar uma interferência no fluxo de comunicação telefônica entre duas pessoas diferentes do interceptador. O interceptador capta o fluxo da comunicação entre duas pessoas estranhas a ele” (2016, p. 402).
Para que se qualifique como interceptação, é necessário que as gravações sejam feitas ao vivo, sem pausas e sem um tempo determinado entre uma interceptação e outra. No qual o interceptador capta as mensagens de pessoas desconhecidas à pessoa dele. Portanto, vale ressaltar que não se pode confundir interceptação telefônica com a escuta telefônica.
Nas interceptações, as pessoas contêm suas mensagens captadas por um terceiro sem que os mesmos saibam. Ex. Dois traficantes estão conversando e a polícia federal está interceptando, sendo que nenhum deles saiba da interceptação.
Não se pode confundir interceptação telefônica com a quebra de sigilo de dados telefônicos. O registro de dados documentados e armazenados pelas empresas de telefonia refere-se a quebra de sigilo de dados telefônicos, que são os dados concernentes ao cadastro da pessoa e não precisa de autorização do juiz, já as interceptações telefônicas por sua vez, intercepta conversas e precisa de autorização judicial.
No caso da escuta telefônica, um dos indivíduos diretamente grava as conversas sem que o outro tenha consentimento, podendo ou não ter a participação de um terceiro envolvido. Ex. Um governador sabe da interceptação, e ele mesmo pediu para que a polícia federal intercepta-se a conversa com outro governador. Consequentemente, tanto a interceptação telefônica quanto a escuta telefônica precisam de prévia autorização judicial. Renato Brasileiro ensina que:
“A interceptação ocorre sem o conhecimento dos interlocutores, ou seja, nenhum deles tem consciência de que o conteúdo da comunicação está sendo captado por um terceiro; na escuta telefônica, um dos interlocutores tem conhecimento da ingerência de um terceiro na comunicação; a gravação telefônica é a captação feita diretamente por um dos interlocutores, sem a interferência de um terceiro”. (2019, p. 429).
No caso das gravações telefônicas, elas são caracterizadas como uma forma de comunicação entre duas pessoas, no qual um dos interlocutores passa a gravar essa conversa sem que o outro saiba. Dessa forma, enquanto na interceptação e na escuta telefônica tem a participação de um terceiro que está ouvindo o que as partes estão conversando, na gravação telefônica esse terceiro não existe.
Em relação ao uso dessa gravação como meio de prova, ela só é permitida quando há justa causa, ou seja, a pessoa que fez essa gravação só poderá usá-la como meio de prova quando for para inocentar aquele que está gravando de um crime que está sendo imputado a ele, ou para comprovar que um crime está sendo praticado contra aquele que está gravando, essa é a justa causa que a jurisprudência entende que quando presente, a gravação telefônica pode ser utilizada como meio de prova, se acontecer dessa gravação não ser considerada nos parâmetros da justa causa ela será considerada como prova ilícita e não poderá ser utilizada dentro do processo.
Observando a interceptação, escuta e gravação na modalidade ambiental, o pensamento é o mesmo da telefônica, sendo diferentes apenas ao que diz respeito em sua forma de obtenção, enquanto na interceptação, escuta e gravação telefônica, o meio de obtenção era o aparelho de telefone, na modalidade ambiental, a captação é realizada em face de conversas pessoais, utilizando-se de equipamentos de coleta de som e/ou de vídeo dentro de um ambiente, feito por um terceiro, com o conhecimento de um dos interlocutores e sem o conhecimento do outro.
5 REQUISITOS PARA A REALIZAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
5.1 Requisitos legais
A Lei 9296/96 que dispõe a respeito das interceptações telefônicas, surgiu para validar a forma no qual, os agentes de polícia e o Ministério Público sejam capazes de realizar as interceptações mediante autorização do Juiz competente. No entanto, para que ocorra a realização das interceptações telefônicas é necessário seguir alguns requisitos fixados na lei por ser considerada uma forma gravosa de obtenção de prova, visto que, viola diretamente a intimidade de alguém, em inegável ataque às garantias constitucionais.
O artigo primeiro da Lei já deixa claro que se trata de uma lei que norteia as interceptações telefônicas de qualquer natureza, para obtenção de prova em instrução processual ou investigação criminal, dependendo de ordem judicial competente e mantendo o segredo de justiça a respeito do conteúdo obtido através das interceptações.
Além dos requisitos já citados no primeiro artigo da lei no art. 2º são mencionados outros requisitos para a execução devida das interceptações telefônicas sem que elas se tornem de cunho ilícito. .
Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer quaisquer das seguintes hipóteses:
I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Parágrafo único qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
Para que seja possível o entendimento dos requisitos é preciso entender os incisos do artigo 2º. O primeiro inciso afirma a necessidade de haver indícios da participação ou autoria do agente na infração penal, assim, não podendo basear um crime com a ocorrência apenas da interceptação telefônica, sendo necessário que o crime já estivesse em investigação antes da realização de qualquer interceptação.
No segundo inciso dispõe que se a prova obtida por meio da interceptação puder ser feita por outros dispositivos não haverá a necessidade de sua realização, ou seja, a interceptação só poderá ser realizada como último meio de obtenção de prova, visto que ela é considera uma forma gravosa de obtenção de prova.
E por fim, no terceiro inciso deixa claro que só é permitida a prática das interceptações em condutas criminosas com pena de reclusão, não podendo ser realizada a interceptação telefônica se o crime cometido for no máximo com pena de detenção.
5.2 Requisitos constitucionais
Na Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XII autoriza o uso das interceptações telefônicas de acordo com três requisitos. Sendo eles:
1) Lei regulamentadora;
2) Finalidade criminal;
3) Ordem judicial.
Quando a constituição foi criada em 1988, por não existir ainda lei de interceptação telefônica, alguns juízes e tribunais autorizavam a realização das interceptações através do Código Brasileiro de Telecomunição por meio do artigo 57. Posteriormente, o STJ e o STF julgou ilícita todas as interceptações feitas pelo Código Brasileiro de Telecomunicação, assim não se podiam usar das interceptações por ser considerada um meio de obtenção de prova ilícita. Após alguns anos surgiu a Lei 9296/96 que cumpriu com o primeiro requisito constitucional, posto que fosse fundamental uma lei que regulamentasse a prática das interceptações.
A interceptação telefônica tem o intuito exclusivamente como obtenção de prova criminal, tanto na fase de investigação criminal quanto na instrução processual penal. O STJ e o STF decidiram que as provas obtidas através das interceptações realizadas na fase de investigação e na instrução penal podem ser emprestadas para matérias que não é de cunho criminal, ou seja, as interceptações não podem ocorrer fora da fase de investigação criminal ou na ação penal, mas se ocorrer da prova servir para resolver um processo administrativo disciplinar ou no caso de processos parlamentares que investigam a quebra de decoro, a prova criminal poderá ser emprestada para resolução destes processos.
Para que sejam realizadas as interceptações telefônicas é necessário que tenha autorização judicial, porém no artigo 1º da Lei deixa explícito que a autorização deve advir de juízo competente da ação penal. Não é possível qualquer juiz autorizar o uso das interceptações, é essencial que seja o juiz competente para julgar a ação penal, ou seja, um juiz da vara da família não pode autorizar o uso das interceptações, pois ele não tem competência para realizar tal ato. No entanto, de acordo com a jurisprudência oferecida pelo STJ e o STF, podem ocorrer casos em que seja transferindo competência de um juiz para outro. Por exemplo, o juiz estadual autoriza a realização da interceptação para uma investigação de certo tráfico local, porém, durante as investigações percebe-se que o tráfico é transnacional sendo competência da justiça federal, logo o inquérito policial é enviado para a justiça federal, sendo a interceptação telefônica realizada pelo juízo estadual valida para o juízo federal.
6 LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE NAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS
A lei 13.869 de abuso de autoridade promulgada em 05 de setembro de 2019 foi sancionada com o intuito de combater a corrupção e inibir práticas abusivas envolvendo servidores públicos, autoridades civis e militares, os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e também do Ministério Público.
De todas as medidas que essa nova lei trouxe, podemos destacar à punição de agentes por decretar condução coercitiva de testemunha ou investigado antes da intimação judicial, promover escuta ou quebrar segredo de justiça sem autorização judicial, divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, continuar interrogando suspeito que tenha decidido permanecer calado ou que tenha solicitado a assistência de um advogado, interrogar à noite quando não é flagrante, e procrastinar investigação sem justificativa.
A lei expressa no art. 1º nos §§1 e 2, que o abuso de autoridade só se caracteriza quando a conduta praticada for de interesse pessoal na intenção de se beneficiar ou no caso de prejudicar terceiros. A simples compreensão divergente dos fatos e das normas legais conhecidas, não se define por si só uma conduta criminosa.
Com a entrada em vigor da Lei 13.869/19, várias mudanças surgiram tanto no código penal, no código de processo penal, no estatuto da criança e do adolescente, e em mais algumas leis esparsas, dentre elas a própria lei 9.296 que regulamenta sobre as interceptações telefônicas sofreu alterações. No art. 41 da lei de abuso de autoridade trás a nova redação do art. 10 da lei de interceptações dispondo que:
Art. 41. O art. 10 da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 10 Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judicial que determina a execução de conduta prevista no caput deste artigo com objetivo não autorizado em lei.
Podemos observar que o parágrafo único foi adicionado ao artigo 10 fazendo menção de crime envolvendo a autoridade judicial que esteja praticando condutas delituosas prescritas no caput do próprio artigo e executando as interceptações com o objetivo não autorizado pela própria Lei. A punição que antes era limitado apenas aos agentes públicos por praticarem as interceptações de forma ilícita passou a ser descritos às autoridades judiciais que abusarem do seu poder agindo de forma delituosa, ou seja, agentes judiciários que não respeitam corretamente os requisitos legais da Lei 9.296/96 das interceptações para a realização da mesma. A sanção para a prática de condutas ilícitas tem como pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
No artigo 6º da Lei 9.296 determina que deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os atos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização, no entanto, um conflito que surgiu é sobre qual autoridade policial seria encarregado para conduzir esse procedimento. Seria restrito unicamente aos órgãos da policia judiciaria, ou seria incluindo outros órgãos que eventualmente também são capazes de conduzir as apurações como a polícia militar, o ministério público.
Guilherme de Souza Nucci (2017) diz que sob o estrito princípio da legalidade, deve conduzir a interceptação e gravação à autoridade da Polícia Civil, que é a Polícia Judiciária. Não admitindo se conceder essa tarefa à Polícia Militar, cuja função é de polícia ostensiva, nos termos constitucionais. Da mesma forma, não nos parece conveniente à condução da interceptação e gravação pelo Ministério Público essencialmente. A lei é clara no concernente ao acompanhamento da execução.
Contudo o STJ tem decido de maneira contrária ao pensamento de Guilherme Nucci, desde que a investigação seja feita de forma legítima.
(...) 2. O art. 6º da Lei n. 9.296/1996, não restringe à polícia civil a atribuição (exclusiva) para a execução da medida restritiva de interceptação telefônica, ordenada judicialmente. 3. Nessa linha de raciocínio, vale a pena lembrar: o fato da quebra de sigilo telefônico ter sido requerida pela polícia militar, que cooperava em investigação do MP, não se constitui em nulidade, pois o art. 144 da Constituição Federal traz as atribuições de cada força policial, mas nem todas essas atribuições possuem caráter de exclusividade. Há distinção entre polícia judiciária, responsável pelo cumprimento de ordens judiciais, como a de prisão preventiva, e polícia investigativa, atinente a atos gerais de produção de prova quanto à materialidade e autoria delitivas. “A primeira é que a Constituição Federal confere natureza de exclusividade, mas sua inobservância não macula automaticamente eventual feito criminal derivado”. (STJ, 2018).
Dessa forma segundo o entendimento dos tribunais o fato de ter ocorrido o pedido da quebra de sigilo das interceptações pela polícia militar não torna a interceptação nula, pois na constituição em seu art. 144 quando trás as atribuições de cada agente policial não especifica que todas elas possuem caráter exclusivo.
7 TEORIA DA SERENDIPIDADE
O termo serendipidade está associado a descobertas furtuitas de elementos no qual não se estava buscando, porém, essa descoberta é importante no contexto fático. Neste seguimento serendipidade significa descoberta de provas por meio furtuito, ou seja, pelo simples acaso. Podendo assim, servir como novas provas para o fato investigado.
Sobre a Serendipidade em relação à interceptação telefônica Gomes (2009) discorre:
Mas no curso da captação da comunicação telefônica ou telemática podem surgir outros fatos penalmente relevantes, distintos da “situação objeto da investigação”. Esses fatos podem envolver o investigado ou outras pessoas. De outro lado, podem aparecer outros envolvidos, com o mesmo fato investigado ou com outros fatos, diferentes do que motivou a decretação da interceptação. É nisso que reside o fenômeno da serendipidade, que significa procurar algo e encontrar coisa distinta (buscar uma coisa e descobrir outra, estar em busca de um fato ou uma pessoa e descobrir outro ou outra por acaso). (GOMES, 2009, p.474)
A doutrina aborda que existem dois graus de serendipidade, e Barretto Jr. (2016), aborda que o primeiro grau é caracterizado por uma descoberta fortuita de provas e exista algum tipo de conexão ou continência, segundo a doutrina majoritária, os conteúdos colhidos podem ser utilizados como prova.
O segundo grau trazido pela doutrina segundo Barretto Jr. (2016) se mostra totalmente diferente do que acontece na serendipidade citada anteriormente, onde os fatos descobertos não possuem nenhuma ligação de conexão ou continência, motivo este que as informações encontradas fortuitamente não podem ser utilizadas como elemento probatório em uma ação penal.
Consequentemente, no momento das interceptações podem surgir fatos que levem ao conhecimento de outros atos que sejam relevantes penalmente, atos esses que não possuem necessariamente ligação com as circunstâncias que estava sendo investigada.
O Ministro Relator Luiz Fux traz em seu relatório dos Habeas corpus 137.438 SÃO PAULO.
EMENTA : AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. CRIMES DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ARTIGOS 33 E 35 DA LEI 11.343/06. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CRFB/88, ART. 102, I, D E I. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA AO ROL TAXATIVO DE COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. APLICABILIDADE DA TEORIA DO JUÍZO APARENTE. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS. [...] 2. Nas interceptações telefônicas validamente determinadas é passível a ocorrência da serendipidade, pela qual, de forma fortuita, são descobertos delitos que não eram objetos da investigação originária. Precedentes: HC 106.152, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 24/05/2016 e HC 128.102, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 23/06/2016.
Dessa forma, fica demonstrada que a utilização de provas levantadas através da interceptação telefônica de crime diverso ao investigado que originou a quebra de sigilo é legítima, desde que esta seja descoberta de forma fortuita.
8 CONCLUSÃO
Durante muito tempo a realização das interceptações telefônicas era autorizada pelos juízes e tribunais baseados Código Brasileiro de Telecomunição por meio do artigo 57. Posteriormente, o STJ e o STF julgou ilícita todas as interceptações feitas pelo Código Brasileiro de Telecomunicação, assim não se podiam usar das interceptações por ser considerada um meio de obtenção de prova ilícita. Após alguns anos surgiu a Lei 9296/96 cumprindo com o primeiro requisito constitucional, posto que fosse fundamental uma lei que regulamentasse a prática das interceptações.
Conclui-se que as interceptações telefônicas realizadas dentro dos parâmetros da Lei 9296/96 com sintonia ao artigo 5º da constituição federal, torna-se um meio de prova com grande relevância na esfera penal, em investigação criminal ou em instrução processual. Essa lei surgiu com regras para que os agentes de polícia e o Ministério Público sejam capazes de executar as interceptações telefônicas, contudo vale ressaltar que por ser considerada uma forma gravosa de obtenção de prova, por violar o sigilo de comunicação defendido pela constituição, deve ser realizado quando todos os meios legais já tiverem sido utilizados.
A nova lei de abuso de autoridade foi sancionada com o intuito de combater a corrupção e inibir práticas abusivas envolvendo servidores públicos; autoridades civis e militares; os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e também do Ministério Público, caracterizando o abuso de autoridade quando praticado de interesse pessoal na intenção de se beneficiar ou no caso de prejudicar terceiros. A lei de abuso de autoridade alterou o artigo 10 da lei de interceptações telefônicas acrescentando o paragrafo único que estende a punição da prática ilícita às autoridades judiciais. Quando as interceptações são feitas de forma ilícita, as provas obtidas são desclassificadas não podendo ser utilizadas no processo criminal.
As interceptações telefônicas realizadas dentro dos parâmetros da Lei 9296/96 com sintonia ao artigo 5º da constituição federal torna-se um meio de prova com grande relevância na esfera penal, contudo vale ressaltar que por ser considerada uma forma gravosa de obtenção de prova, deve ser realizado quando todos os meios legais já tiverem sido utilizados. A lei de abuso de autoridade alterou o artigo 10 da lei de interceptações telefônicas estendendo a punição de práticas ilícitas às autoridades judiciais.
9 REFERÊNCIAS
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Artigo publicado em 08/10/2021 e republicado em 10/07/2024
Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul - SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Ana Paula Ozório. Reflexos da Lei de Abuso de Autoridade na Lei de Interceptações Telefônicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jul 2024, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57263/reflexos-da-lei-de-abuso-de-autoridade-na-lei-de-interceptaes-telefnicas. Acesso em: 23 dez 2024.
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