RESUMO: Este trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema, mas tão somente analisar o as hipóteses de cabimento do julgamento liminar de improcedência, consagrado no artigo 332 do Novo Código de processo civil, bem como realizar comparações com o diploma processual anterior.
Palavras-chave: Julgamento de improcedência liminar. Cabimento. Requisitos Art. 332. Precedentes judiciais. Princípio do contaditório.
1.Introdução
Como se sabe, modernamente o Poder Judiciário tem como grande desafio a questão da repetição de demandas, também chamadas de demandas seriais ou em massa. Assim, visando assegurar a segurança jurídica, bem como a isonomia dos jurisdicionados, o Novo Código de Processo Civil criou o chamado microssistema de resolução de casos repetitivos, sendo seus instrumentos listados no art. 928.[1]
Por outro lado, o Novo CPC, visando a uniformidade, estabilidade, coerência e integridade da jurisprudência nacional, instituiu um sistema pautado na valorização dos precedentes judiciais. Novamente, trata-se de mecanismos que buscam solucionar problemas referentes a segurança jurídica e tratamento isonômico àqueles que buscam a solução de conflitos no Judiciário.
Ademais, no caso específico do julgamento liminar de improcedência do pedido, é de se destacar o seu inegável objetivo de alcançar a celeridade e economia processuais, atendendo, portanto, à determinação consagrada no art. 5º inciso LXXVIII da Constituição Federal.
Importante notar, todavia, que possibilidade de julgamento de improcedência do pedido antes da citação do réu não é novidade introduzida pelo Novo Código.
Com efeito, tal previsão foi introduzida no ordenamento pátrio através da Lei 11.277/2006, que alterou o diploma processual civil então vigente. Por sua vez, o CPC/2015 introduziu importantes modificações no que tange aos requisitos e procedimentos da improcedência liminar, que se passa a analisar.
2. Requisitos do julgamento de improcedência liminar do pedido
Os casos de improcedência liminar do pedido estão consagrados no art. 332 do CPC:
Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
Inicialmente, depreende-se da leitura do dispositivo acima transcrito, que as situações aptas a gerar o julgamento de improcedência liminar do pedido são baseados na existência de um padrão decisório já formado pelos Tribunais, sendo um dever do magistrado, e não uma mera faculdade.
Neste sentido, merece transcrição os ensinamentos do ilustre professor Daniel Assumpção:[2]
O julgamento liminar de improcedência, desde que preenchidos seus requisitos, passa a ser um dever do juiz, e não mera faculdade como era à luz do CPC/73, e essa conclusão não depende de expressa previsão legal, mas sim da eficácia vinculante dos entendimentos consolidados pelos tribunais que admitem essa espécie de julgamento liminar.
Assim, caso o autor esteja postulando algo que vá de encontro ao padrão decisório consolidado pelos Tribunais, o juiz deverá, sem citar o réu, julgar a ação improcedente de plano, conferindo verdadeira celeridade ao processo.
Neste sentido são os ensinamentos de Nelson Nery e Rosa Maria Nery:[3]
seria perda de tempo, dinheiro e de atividade jurisdicional insistir-se na citação e na prática dos demais atos do processo, quando o juízo ou mesmo a jurisprudência como um todo já tem posição firmada quanto à pretensão deduzida pelo autor ou quando já se apurou que o pedido é caduco ou prescrito.
Nota-se, ainda que o julgamento liminar é aplicável apenas a casos em que a prova documental é suficiente, não havendo qualquer necessidade de fase instrutória, requisito já presente no diploma processual revogado.
Somada à dispensa da fase instrutória, deve estar presente pelo menos dos requisitos alternativos listados nos incisos do art. 332.
Com efeito, os requisitos alternativos listados nos incisos II e III justificam-se tendo em vista o caráter vinculante dos precedentes ali dispostos. Por outro lado, é de se notar que os incisos I e IV reforçam a ideia de vinculação dos magistrados à jurisprudência consolidada pelos Tribunais, em patente valorização dos precedentes judiciais,[4] nos termos do art. 927 do CPC:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
De fato, é interessante observar que o Novo CPC equipara o enunciado de súmula do Tribunal de Justiça, sobre direito local, ou seja, direito estadual ou municipal, aos enunciados de súmula do STF, sobre direito constitucional, ou do STJ, sobre direito federal, notadamente por darem a última palavra sobre tal matéria.
Com efeito, sob a vigência do diploma processual anterior, o art. 285-A, caput, dispunha que, sendo a matéria controvertida unicamente de direito e tendo sido proferida sentença de total improcedência em casos idênticos, cabia o julgamento liminar de improcedência.[5]
Uma das principais críticas, à época, era quanto ao fato do legislador ter considerado precedentes do próprio juízo para se proferir o julgamento liminar de improcedência do pedido, conforme constata Daniel Assumpção.[6]
Doutrinadores, tais como Cássio Scarpinella Bueno[7] e Teresa Arruda Alvim[8], criticavam tal opção legislativa, sugerindo a fundamentação do julgamento liminar de improcedência com fundamento em súmulas e jurisprudências dominantes dos Tribunais, o que foi acolhido pelo e. Superior Tribunal de Justiça.
De fato, aquela Corte firmou entendimento de que deveria haver a chamada dupla conformação para aplicação da improcedência liminar, consubstanciado na existência de precedentes do mesmo juízo e dos tribunais superiores.[9]
Assim, colocando fim às críticas perpetradas sob a vigência do CPC anterior, o novo código instituiu, como fundamento para a aplicação do julgamento liminar de improcedência, a existência de teses dominantes e já consolidadas nos Tribunais, conforme explicitado acima.
Novidade interessante trazida pelo Novo Código diz respeito ao §1º do art. 332, que determina que “o juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição”.
Como se sabe, na vigência do Código anterior, caso o magistrado verificasse que havia se consumado a prescrição ou decadência, deveria proferir sentença de indeferimento da petição inicial, que consistia em pronunciamento de mérito. Desta feita, o NCPC apenas situou, topograficamente, em local mais adequado o reconhecimento liminar de prescrição ou decadência.
Há interessante controvérsia doutrinária no que tange a necessidade ou não de o magistrado conceder, antes de proferir sentença de improcedência liminar do pedido, oportunidade para o autor se manifestar sobre o tema.
Uma primeira corrente, adotada pelos ilustres professores Fredie Didier Júnior[10] e Luiz Guilherme Marinoni[11] entendem que o juiz está autorizado a, desde logo, julgar improcedente o pedido. Caso o autor fique insatisfeito, caberá a ele interpor apelação, momento em que poderá arguir eventual equívoco na aplicação da improcedência liminar do pedido.
Já uma segunda corrente entende que deve haver, entre o juiz e autor da ação, um diálogo prévio acerca do tema, conferindo a e oportunidade de esclarecer que não se trata de hipótese de improcedência liminar, conforme entendem os professores Alexandre Câmara[12] e Daniel Assumpção.[13]
Isso porque, caso assim não fosse, haveria violação do disposto nos artigos 9 e 10 do CPC, que determinam que não será proferida decisão contra a parte sem que ele seja ouvida previamente, vedando as chamadas decisões surpresa.
Para os defensores da primeira corrente, caberia ao autor esclarecer, já na inicial, os motivos pelos quais não deverá ser aplicado o julgamento liminar de improcedência, indicando, desde logo, as diferenças entre o caso objeto de apreciação judicial e os padrões decisórios elencados nos incisos do artigo 332, ou a inocorrência da prescrição ou decadência.
Como segundo fundamento para o entendimento, menciona-se o disposto no artigo 487 parágrafo único:
Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (...)
II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; (...)
Parágrafo único. Ressalvada a hipótese do § 1o do art. 332, a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar-se.
Assim, argumenta-se que, caso o réu já tenha sido citado, isto é, não se trate de julgamento de improcedência liminar, o magistrado deverá dar as partes prazo para manifestação. Todavia, no caso reconhecimento liminar da consumação de prescrição ou decadência, não seria preciso dar ao autor oportunidade para se manifestar.
Naturalmente, se o autor se manifestou já na peça exordial acerca do tema, não haverá necessidade de concessão de nova oportunidade para manifestação do mesmo. Não obstante, e preciso ter em mente a hipótese na qual o autor sequer vislumbrou a possibilidade de aplicação da improcedência liminar pelo magistrado, notadamente considerando a grande quantidade de enunciados de súmulas, ou julgamentos de causas ou recursos repetitivos existentes.
Assim sendo, conclui-se que o princípio do contraditório será melhor atendido na hipótese de o juiz proferir despacho determinando, previamente, que o autor da ação se manifeste acerca da existência e aplicação de determinado enunciado de súmula ou de tese fixada em julgamentos de causas ou recursos repetitivos, bem como da eventual ocorrência de prescrição ou decadência.
Por outro lado, insta consignar que o parágrafo único do art. 487 não está a determinar a desnecessidade de manifestação prévia no caso de reconhecimento liminar de prescrição ou decadência.
Com efeito, o que o mencionado dispositivo está a expor, é que o magistrado deverá também conceder prazo também ao réu para manifestar-se acerca da ocorrência de prescrição ou decadência.
Ultrapassada a polêmica doutrinária, havendo o julgamento liminar de improcedência, faculta-se ao autor a interposição de apelação, que possibilita o exercício do juízo de retratação pelo magistrado, no prazo de 5 dias.
Não havendo a retratação, será o réu citado para que apresente contrarrazões ao recurso de apelação, sendo os autos enviados ao Tribunal de segundo grau posteriormente.
3. Considerações Finais
Por todo o exposto, nota-se que o novo CPC aperfeiçoou instituto já existente no ordenamento jurídico pátrio, adequando-o às criticas doutrinárias e entendimento jurisprudencial do e. STJ, que prestigia a economia e celeridade processuais. Além disso, o julgamento de improcedência liminar demonstra de forma cabal a vinculação dos órgãos judiciais aos precedentes dos Tribunais Superiores e serve como instrumento para a formação de jrisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente.
Bibliografia Consultada
BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil. São Paulo : Saraiva, 2006
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo : Atlas, 2015
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único – 8. Ed. – Salvador : Ed. Juspodivm, 2016
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil 3. São Paulo : RT, 2007.
[1] Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:
I - incidente de resolução de demandas repetitivas;
II - recursos especial e extraordinário repetitivos.
Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.
[2] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – volume único – 8. Ed. – Salvador : Ed. Juspodivm, 2016, pg 903
[3] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 909
[4] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 596.
[5]Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
[6] Op. citada, p. 897
[7] BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil. São Paulo : Saraiva, 2006, p. 49 a 55
[8] WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil 3. São Paulo : RT, 2007, p. 65 a 67
[9] REsp 1.225.227, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28.5.2013; REsp 1.109.398, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16.6.2011
[10] Op. citada, p. 594
[11] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 354
[12] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo : Atlas, 2015 p. 198
[13] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – volume único – 8. Ed. – Salvador : Ed. Juspodivm, 2016, Pg. 902 e 903
graduada em direito pela PUC-Rio, Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes e em Direito e Estado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro -UERJ. Advogada e Assessora Jurídica na Secretaria de Estado de Casa Civil do Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Julia Roméro Magalhães. Julgamento de improcedência liminar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 out 2021, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57321/julgamento-de-improcedncia-liminar. Acesso em: 23 dez 2024.
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