Resumo: Este trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema, mas tão somente analisar o cabimento e requisitos para instauração Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, consagrado no artigo 976 do Código de Processo Civil, bem como colacionar importantes jurisprudências acerca do tema.
Palavras-chave: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Requisitos. Artigo 976 do Novo Código de Processo Civil.
1.Introdução
Repetição pode surgir em casos iguais, com os mesmos fatos, ou em casos discutindo a mesma questão de direito, podendo os fatos ser diferentes. Por exemplo, agravos de instrumento discutindo questão de competência, o que pode ocorrer em ação de divórcio, falência ou mesmo indenizatória.
O art. 928 dá início ao microssistema de julgamento de casos repetitivos no ordenamento jurídico brasileiro.
Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:
I - incidente de resolução de demandas repetitivas;
II - recursos especial e extraordinário repetitivos.
Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.
Com efeito, esse microssistema busca que o exercício da atividade jurisdicional se de acordo com o Estado Democrático de Direito e a Constituição Federal e visa viabilizar o cumprimento dos deveres estabelecidos no art. 926 do NCPC, assim redigido:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
De fato, observa-se, na análise do NCPC que as teses fixadas pelos Tribunais no âmbito da resolução de questões repetitivas vinculam os órgãos jurisdicionais inferiores, permitindo que se crie uma jurisprudência uniforme e coerente.
A estabilidade e integridade serão alcançadas por meio do amplo debate dos diversos setores da sociedade tanto para fixação da tese jurídica de caráter vinculante, quanto para sua superação.
No que se refere ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, tal conclusão é obtida através da análise dos dispositivos abaixo transcritos:
Art. 983. O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.
§ 1o Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.
Art. 984. No julgamento do incidente, observar-se-á a seguinte ordem:
I - o relator fará a exposição do objeto do incidente;
II - poderão sustentar suas razões, sucessivamente:
a) o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 (trinta) minutos;
b) os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com 2 (dois) dias de antecedência.
§ 1o Considerando o número de inscritos, o prazo poderá ser ampliado.
§ 2o O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.
Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:
I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;
II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.
§ 1o Não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação.
§ 2o Se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.
Art. 927. (...)
§ 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
De fato, não só os Tribunais, como toda magistratura, sempre tiveram o dever de manter a jurisprudência uniforme, estável, coerente e íntegra, mas o fenômeno moderno de repetições de demandas, também denominadas demandas seriais ou em massa gerou uma enorme dificuldade.
Em primeiro lugar, as demandas seriais geraram um problema de gestão de acervo para a magistratura. Na primeira instância, o problema não era, em alguns casos, tão grande pois o Brasil é grande e essas ações ficavam divididas pelo país. Todavia, conforme as partes interpõem recursos, o problema se agrava, pois os órgãos superiores têm uma composição mais enxuta, a exemplo recursos extraordinários, em que poderá haver 100 mil de processos exatamente iguais, para serem julgados por apenas 11 ministros.
Assim, criou-se uma espécie de julgamento por amostragem, ainda sob a égide do CPC anterior. Ocorre que isso solucionava a questão de gestão de acervo dos Tribunais, mas observou-se que o mecanismo criado pelo Código anterior não resolvia a questão de casos iguais estarem sendo decididos de forma diferentes, afetando diretamente a isonomia.
Isso porque o STJ ou STF dizia que havia numa determinada hipótese o direito da parte de ser indenizada de uma determinada forma, ocasionando um sentimento na parte de que o seu caso seria julgado daquela forma, por ser igual ao decidido pelos Tribunais Superiores, o que não ocorria.
Foi exatamente esse problema que o NCPC quis solucionar criando técnica de julgamento por amostragem que servisse tanto para resolver a questão de gestão de acervo pelos Tribunais, quanto das partes que ficavam sujeitas ao entendimento pessoal do julgador.
Criou-se, então, a técnica de julgamento de casos repetitivos, listados no artigo 928, na qual se seleciona alguns processos para julgamento e aplica-se a tese estabelecida pelo Tribunal para todos os casos semelhantes, de forma a padronizar e uniformizar as decisões, sendo certo que este artigo destina-se a analisar um desses mecanismos, qual seja o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
2. Requisitos para instauração de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
Inicialmente, importante destacar que trata-se de incidente ordinariamente instaurado no âmbito dos Tribunais de segundo grau, podendo, excepcionalmente, ser instaurado no STJ e STF.
Trata-se de exceção, pois, nos tribunais superiores, utiliza-se normalmente a técnica de Recursos especial e Extraordinário repetitivos, de modo que o cabimento de instauração do incidente de resolução de demandas repetitiva seria apenas em causas de competência originária ou em que houvesse recurso ordinário dirigido a tais tribunais.
O art. 976 trata dos requisitos de instauração do IRDR:
Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:
I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;
II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
Percebe-se, da leitura dos dispositivos que são requisitos cumulativos, sendo que o inciso I estabelece que deverá ser questão de direito, de modo que os fatos podem ser distintos.
Entretanto, é de se ressaltar que a diversidade de fatos não pode ser tal que influencie na aplicação do direito, sendo certo que, havendo fatos diferentes de origem comum, será cabível o incidente ora analisado.[1]
Em segundo lugar, nota-se que o inciso I fala em efetiva repetição. Nota-se que não há que se falar em IRDR de caráter preventivo, isto é, em casos em que se haja apenas um potencial para gerar questões repetidas.
Este entendimento se fortalece porque a questão, caso julgada sem que houvesse uma efetiva repetição, seria pacificada sem que houvesse uma ampla discussão, e sem haver maturidade no debate jurídico. Pouco tempo depois, certamente haveria um novo argumento que, ao ser levado em consideração, ensejaria a revisão da tese fixada para resolução daquela questão, e assim sucessivamente, até que o debate estivesse maduro e completo.
Percebe-se, assim, que o incidente não conseguiria alcançar seu objetivo primordial, o de evitar decisões diferentes em casos iguais, de modo que não conseguiríamos alcançar a estabilidade e uniformidade das decisões, dever consagrado no artigo 926.
Insta consignar, ainda que o CPC não estabelece quantos processos são necessários para que esteja preenchido o requisito da efetiva repetição de processos, o que será analisado caso a caso.
Passando-se à análise do inciso II, o dispositivo menciona o risco de ofensa à isonomia e a segurança jurídica. Isso significa que só se admite o IRDR se essas ações repetitivas estiverem sendo julgadas de forma contraditória ou conflitante, isto é, se houver divergência de entendimento entre os órgãos julgadores.
Neste sentido, a isonomia fica abalada pois pessoas em mesma situação poderão obter decisões judiciais diferentes, enquanto a segurança jurídica resta vulnerada em razão da falta de previsibilidade do resultado da ação.
Além dos requisitos trazidos pelo caput do art. 976, é de se mencionar o requisito negativo, trazido pelo parágrafo 4º do art. 976:
Art. 976. (...)
§ 4o É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.
Se já houve decisão de afetação para julgamento de Recurso Extraordinário ou Especial repetitivos, não será cabível IRDR, pois o julgamento de tais recursos será vinculante para os órgãos judiciais em todo território nacional, enquanto o IRDR terá eficácia vinculante apenas no âmbito do Estado ou Região.
Assim, não haveria qualquer utilidade na fixação de entendimento que será vinculante apenas no estado ou região quando já há, ou está na iminência de haver, um precedente vinculante em todo território nacional.
Ademais, a inadmissão do IRDR nesse caso evita possíveis decisões conflitantes ou contraditórias na fixação de teses jurídicas vinculantes.
Quanto ao último requisito de cabimento do incidente de resolução de demandas repetitivas, existe relevante controvérsia, pois trata-se de requisito não escrito, qual seja a necessidade de haver (ou não) pelo menos um processo sobre o tema já em curso no Tribunal de segundo grau.
Segundo uma parcela da doutrina não há necessidade de haver processo sobre o tema já em curso no 2º grau. O argumento principal desta corrente é que o NCPC estabelece que o juiz pode pedir ao Tribunal que instaure o incidente,[2] de modo que o incidente poderia ser instaurado ainda que os múltiplos processos estejam todos em primeiro grau de jurisdição.
Neste sentido, é o entendimento de Luiz Guilherme Marinori[3] e Cassio Scarpinella Bueno[4]
Partilha deste entendimento a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, que editou o enunciado nº 22, com a seguinte redação:
Enunciado nº 22: A instauração do IRDR não pressupõe a existência de processo pendente no respectivo tribunal
Há, no e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decisões acolhendo este entendimento:
Preliminarmente, tenho que deve ser afastada a tese de não ser possível a admissão do incidente, arguída por juiz de primeiro grau, por não estar o feito que originou o incidente em trâmite recursal. Esta questão foi intensamente debatida nos meios jurídicos, notadamente pelo Prof. Aluisio Gonçalves de Castro Neves, que aponta a função específica do IRDR, de DEFINIR TESE JURÍDICA, com origem no direito alemão (Mustervenfahren), prevenindo insegurança jurídica. Das discussões travadas, onde inclusive se apreciou a tese trazida pela Ilustre Procuradora de Justiça, a conclusão da ENFAM foi a da não necessidade de haver processo em curso no Tribunal para que o juiz de primeiro grau possa suscitar o incidente, posto que tal inclusive desvirtuaria o objetivo de uniformizar as teses a serem aplicadas, evitando a dilatação de julgamentos contraditórios. Buscando a mens legis verifica-se neste sentido o Parecer 956/2014 do Senado Federal:
‘- O IRDR somente é cabível diante da existência de recurso ou processo no tribual ou pode ser instaurado quando em tramitação perante a primeira instância?
- Parecer nº 956, de 2014, do Senado Federal: ‘Os §§1º, 2º e 3º do art. 988 do SCD desfiguram o incidente de demandas repetitivas. Com efeito, é nociva a eliminação da possibilidade da sua instauração em primeira instância, o que prolonga situações de incerteza e estimula uma desnecessária multiplicação de demandas, além de torná-lo similarà hipótese de uniformização de jurisprudência.’
Neste sentido, suscita-se mesmo a existência de possível inconstitucionalidade formal do § único do art 978, por não ter sido apreciada a alteração em dois turnos pelas Casas do Congresso. Daí caber ao Judiciário a melhor interpretação e extensão da legimidade prevista no art. 977, I do CPC, a respeito do incidente suscitado pelo juiz. Entender-se que o mesmo, verificando a existência de plúrimas demandas, aguarde até eventual recurso para suscitar o incidente vai de encontro ao objetivo de se afastar a insegurança jurídica. Neste sentido, foi aprovado o enunciado 22 da ENFAM, com a seguinte redação:
22) A instauração do IRDR não pressupõe a existência de processo pendente no respectivo tribunal.
Assim, tenho que a alegação de ilegitimidade do arguente deve ser afastada. A tese trazida à análise comporta a admissibilidade do presente incidente na medida em que se vislumbra que foram preenchidos os requisitos contidos na legislação processual.
(TJRJ, 26ª Câmara Cível - Des. Relatora Natacha Nascimento Gomes Tostes Gonçalves de Oliveira – IRDR nº 32321- 30.2016.8.19.0000)
Neste ponto, cabe fazer uma observação sobre o cabimento deste incidente em casos como este, em que o processo originário nº 0135325-80.2016.8.19.0001, deflagrado por ação de obrigação de fazer, tramita em primeira instância. É que uma leitura apressada do parágrafo único do art. 978, do Código de Processo Civil, poderia levar à conclusão, a meu ver, equivocada, de que o incidente só seria cabível se suscitado em recurso, remessa necessária ou em processo de competência originária do Tribunal.
Ocorre que, segundo penso, não faz sentido restringir o seu cabimento a feitos em trâmite no Tribunal, pois seria um estímulo à desnecessária proliferação de ações marcadas pela mesma controvérsia.
No entanto, a meu pensar, naquele parágrafo único estão expressos os caos em que o próprio colegiado competente para decidir o incidente julgará a questão constitutiva do mérito dos processos originários, o que não acarretará supressão de instância, nem significa dizer que o incidente não seja cabível se suscitado em caso como este.
Aliás, o art. 977, I, prevê expressamente a legitimidade do juiz para provocar instauração do incidente ao Presidente do Tribunal e, neste caso, a todas as luzes, feito o pedido por Juíza de Direito em ação de obrigação de fazer em fase de citação, sem que tenha sido nela interposto qualquer recurso, é de se afirmar, desde já, que não poderá ocorrer a avocação) do parágrafo único do art. 978 do Código de Processo Civil, porque o incidente se originou de processo que tramita em primeira instância, a qual não pode ser suprimida e, por isso, excluída fica a competência para julgar o feito originário.
Então, segundo penso, já que o Código de Processo Civil prevê a possibilidade de juiz pedir a instauração do incidente, é desnecessária a existência prévia de recurso ou ação originária no tribunal, que, neste caso, julgará apenas o incidente, fixando a tese jurídica. Em outros termos, dar-se-á aqui uma cisão cognitiva, pois compete a este Órgão julgar apenas o incidente e ao primeiro grau julgar a causa contida no feito originário. (TJRJ, Órgão Especial, Des. Relator Nildson Araújo da Cruz – IRDR nº. 0023205-97.2016.8.19.0000)
No entanto, parte da doutrina entende que seria preciso que existisse pelo menos um processo instaurado perante o 2º grau. No 1º grau já haverá uma multiplicidade, senão não haveria preenchimento do requisito do inciso I do art. 976. Entretanto, no Tribunal de 2º grau deverá haver pelo menos 1 processo em curso.
É neste sentido as lições de Fredie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha:[5]
Deve, enfim, haver comprovação de divergência apta a gerar o IRDR: o tribunal está a processar recursos ou remessas necessárias relativos a sentenças proferidas em sentidos divergentes, com risco à isonomia e à segurança jurídica.” Diferente é a hipótese de o tribunal deparar-se com processos originários repetitivos. Nesse caso, há o risco potencial de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, podendo ser admitido o IRDR. Nos processos originários, os casos já estão no tribunal, já estando presente o potencial risco à isonomia e à segurança jurídica, sendo conveniente prevenir a divergência jurisprudencial, com o que se atende aos deveres de uniformidade, estabilidade, integridade e coerência de que trata o art. 926 do CPC. Ainda é preciso que haja causa pendente no tribunal. O IRDR é instaurado a partir de um caso que esteja no tribunal, seja um processo originário, seja um recurso (inclusive a remessa necessária).
Este também o entendimento dos ilustres professores Alexandre Câmara[6] e Daniel Assumpção[7].
Isso porque existem dois tipos de técnicas, para resolução de demandas repetitivas no Direito Comparado, quais sejam, (i) procedimento modelo e (ii) causa piloto.
O procedimento modelo tem inspiração na técnica alemã. Aqui, existem vários processos repetidos e todos são paralisados, instaurando-se um procedimento para decidir a questão em tese, abstratamente, no Tribunal. Após o julgamento em abstrato, os processos suspensos voltam a tramitar para que os juízes apliquem aquela tese fixada aos casos concretos.
Já a causa piloto tem origem inglesa (test claim) e, nesse mecanismo, seleciona-se um processo dentre aqueles repetidos e suspende-se os demais. Julga-se o processo selecionado e a decisão proferida nesse caso será utilizada como base para construção das decisões nos demais processos repetidos.
Para esta corrente doutrinária, foi mecanismo da causa piloto o adotado para o julgamento do IRDR, de modo também é preciso que haja um processo já em curso no Tribunal, pois não haverá definição da tese em abstrato, mas sim no caso concreto, haja vista o disposto no art. 978, parágrafo único.
Art. 978. O julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.
Parágrafo único. O órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.
Verifica-se, portanto, que o incidente se origina em um recurso, remessa necessária ou processo de competência originária – ou seja, já há um processo no Tribunal para ser instaurado o IRDR.
Para esta corrente, o fato do juiz de 1º grau poder solicitar ao Tribunal a instauração do IRDR se justifica em razão da possibilidade dos juízes notarem, antes do Tribunal, que aquela demanda é muito repetida. Isso porque pode ser que já haja mil ações em 1º grau e no 2º grau chegou apenas algumas poucas demandas, de modo que, no Tribunal, ainda não foi identificando aquela ampla repetição, com decisões divergentes.
Para o prof. Alexandre Câmara, se o entendimento não fosse este, estaríamos diante de uma situação de inconstitucionalidade.
Isso porque, é entendimento assente no STF[8] que competência de tribunal não pode ser estabelecida por lei ordinária, mas apenas por norma constitucional, ou seja, seria necessário uma Emenda Constitucional à Constituição Federal ou Estadual.
Analisando o art. 108 da Constituição Federal,[9] que estabelece a competência de Tribunais Regionais Federais, percebe-se que não há qualquer alusão a julgamento de IRDR, mas apenas para julgar recurso, remessa necessária e processos de competência originária.
Todavia se, no bojo desses processos ou recursos, para os quais são competentes, surgir algum incidente, terão os Tribunais competência para julgá-los, pois trata-se de mero acessório ao processo ou recurso.
Assim sendo, só há competência do Tribunal para julgar o IRDR se este for instaurando no interior de um processo ou recurso para o qual tenha competência, devendo o legitimado que requerer a instauração do incidente indicar os processos ou recursos em curso no Tribunal.
Importante observar que, se os recursos, remessas necessárias ou processos de competência originária, em curso no Tribunal, já tiverem sido julgados, não caberá instauração do IRDR. Isso porque, quando o tribunal for julgar o IRDR, ele vai julgar também o caso concreto. Se o caso concreto já foi julgado, não caberá o IRDR.
Por fim, é de se salientar que o §3º do artigo 976 determina que “a inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado”.
4. Considerações Finais
Por todo o exposto, nota-se que o Novo Código de Processo Civil estabeleceu requisitos específicos para cabimento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, instrumento que compõe o Microssistema de Resolução de Demandas Repetitivas e que visa ao atingimento da isonomia e segurança jurídica. Todavia, ainda paira certa controvérsia doutrinária acerca de um de seus requisitosde cabimento: a necessidade (ou não) de já haver processo sobre o tema em curso no Tribunal, quando do pedido de instauração.
Bibliografia Consultada
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo : Saraiva, 2015
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo : Atlas, 2015
DIDIER JUNIOR. Fredie e DA CUNHA. Leonardo Carneiro, Curso de Direito Processual Civil, Volume 3 - 14ª ed. - Salvador : Ed. Juspodivm, 2017
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo : RT, 2015
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único – 8. Ed. – Salvador : Ed. Juspodivm, 2016.
[1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único – 8. Ed. – Salvador : Ed. Juspodivm, 2016, Pg. 2229
[2] Art. 977. O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal:
[3] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo : RT, 2015, pg. 914
[4] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo : Saraiva, 2015, pg. 578
[5] DIDIER JUNIOR. Fredie e DA CUNHA. Leonardo Carneiro, Curso de Direito Processual Civil, Volume 3, 14ª ed. - Salvador : Ed. Juspodivm, 2017, pg 627.
[6] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo : Atlas, 2015, pg. 479
[7] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único – 8. Ed. – Salvador : Ed. Juspodivm, 2016, pg 2232
[8] ADI 3.140, Min. Rel. Cármen Lúcia, julgado em 10.5. 2007; ADI 2797-2/DF Min. Rel. Sepulveda Pertence, julgado em 15.9.2005
[9] Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
I - processar e julgar, originariamente:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;
b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região;
c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal;
d) os habeas corpus, quando a autoridade coatora for juiz federal;
e) os conflitos de competência entre juízes federais vinculados ao Tribunal;
II - julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.
Artigo publicado em 27/10/2021 e republicado em 06/05/2024
graduada em direito pela PUC-Rio, Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes e em Direito e Estado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro -UERJ. Advogada e Assessora Jurídica na Secretaria de Estado de Casa Civil do Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Julia Roméro Magalhães. Cabimento de incidente de resolução de demandas repetitivas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 maio 2024, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57325/cabimento-de-incidente-de-resoluo-de-demandas-repetitivas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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