RESUMO: Este trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema, mas tão somente analisar o princípio do contraditório e a vedação a decisão surpresa, consagrado no artigo 9 e 10 do Código de Processo Civil, colcionando importantes jurisprudências acerca do tema. Além disso, este artigo visa a da análise de temas correlatos e a comparar a atual codificação porcessual com o antigo Código de Processo Civil de 1973, elencando algumas inovações.
Palavras-chave: Princípio do contraditório e ampla defesa. Vedação à decisão surpresa. Fubdamentação das decisões judiciais. Novo Código de Processo Civil. Enunciados aprovados pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM. Hermenêutica Jurídica.
1. Introdução
O princípio do devido processo legal – incorporado pela Constituição de 1988, remonta à Magna Charta Libertatum de 1215 – de suma importância no direito anglo-saxão – introduzindo a noção de dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar paridade total de condições com o Estado-persecutor e a plenitude defesa.[1]
No Brasil, foi a partir da Constituição Federal de 1988 que se conseguiu a inserção – ainda que tardiamente – em movimento de transformação do Direito, que se iniciou na Europa após o fim da 2ª Guerra Mundial: a constitucionalização do Direito.
Tal transformação ocorreu a partir do surgimento do Constitucionalismo, definido por Canotilho[2] como “teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo.”
Em evolução, o Neoconstitucionalismo, também denominado constitucionalismo pós-moderno ou pós-positivismo, tem como ideia central a eficácia da Constituição, e não apenas a limitação do poder político, de modo que seu texto passa a ter maior efetividade visando a concretização de direitos fundamentais.
Assim, surge o Estado Constitucional de Direito, em que a Constituição passa a ser o centro do Direito, com alta carga valorativa, sendo norma jurídica dotada de imperatividade e superioridade.
A partir de então, desenvolve-se o movimento de Constitucionalização do Direito, segundo o qual este deve ser pensado a partir da Constituição Federal, norma suprema do ordenamento jurídico dentro de um país, e não dos códigos, como ocorria anteriormente.
Naturalmente, a mencionada releitura constitucionalizada do ordenamento jurídico é também aplicável ao Direito Processual Civil, como bem indica o professor Cássio Scarpinella:[3]
A análise do nosso “modelo constitucional” revela que todos os “temas fundamentais do direito processual civil” só podem ser construídos a partir da Constituição. E diria, até mesmo: devem ser construídos a partir da Constituição. Sem nenhum exagero, é impensável falar-se em uma “teoria geral do direito processual civil” que não parta da Constituição Federal, que não seja diretamente vinculada e extraída dela, convidando, assim, a uma verdadeira inversão do raciocínio useiro no estudo das letras processuais civis. O primeiro contato com o direito processual civil se dá no plano constitucional e não no do Código de Processo Civil que, nessa perspectiva, deve se amoldar, necessariamente, às diretrizes constitucionais.
Como se sabe, o Código de Processo Civil anterior era de 1973, e foi elaborado em época anterior a Constitucionalização do Direito. Assim sendo, há muito existia a necessidade da elaboração de um novo Código, agora em pensado e confeccionado a partir dos princípios e normas fundamentais consagradas na Constituição Federal de 1988.
Neste sentido, é importante notar que doutrina pátria já reconhecia a existência, no Brasil, do chamado “modelo constitucional de processo civil”, tendo em vista que Constituição Federal de 1988, diferentemente de todas as outras Constituições anteriores, prevê princípios de processo civil.[4]
Com efeito, o modelo constitucional de processo civil estabelecido pela Constituição Federal de 1988 fez com que todo o Processo Civil devesse ser lido a partir dela. Por esta razão, muito embora o Código de Processo Civil de 1973 fosse anterior ao movimento de Constitucionalização do Direito, o mesmo já era, ou deveria ser, interpretado à luz das normas constitucionais.
Nos mesmos moldes atuais, o Processo Civil brasileiro anterior ao Código de Proceso Civil de 2015 funcionava da seguinte forma: havia o que chamamos de “devido processo”, que se desenvolvia entre partes, sendo que estas eram tratadas de forma isonômica e atuavam em contraditório perante um juiz natural, para que, em tempo razoável se obtivesse decisão fundamentada.
Todavia, em razão de o Código de Processo Civil de 1973 não se comunicar, em sua integralidade, de forma harmônica com o Processo Civil Constitucional, elaborou-se o atual Código Civil de 2015.
2. Princípio do contraditório e a vedação à decisão surpresa
Inicialmente, é de se destacar que o princípio do contraditório decorre diretamente do princípio do devido processo legal, previsto no artigo 5º, inciso LIV, sem ele um supra princípio, que todos os demais princípios.
Deste modo, conforme leciona Daniel Assumpção[5], trata-se de princípio-base de conceito indeterminado, sendo suficiente que o legislador constituinte se limitasse a prever o devido processo legal para que os valores essenciais a sociedade e ao ideal do justo dessem od elementos suficientes para o juiz, no caso concreto, percebesse os outros princípios que dele naturalmente decorrem, tais como o contraditório, a motivação das decisões a publicidade, a isonomia etc.
De fato, a opção da legislação pátria não foi essa, sendo certo que tanto o legislador constituite, quanto o legislador infraconstitucional, optaram pela positivação dos princípios acima citados.
Segundo aquele professor, tal opção deve ser louvada pois existe evidente dificuldade de definir concretamente o significado e alcance do princípio do devido processo legal, registrando, ainda, que apesar de o art. 5, LIV da Constituição Federal ser norma de encerramento, a amplitude indeterminada permite a conclusão de que mesmo as exigências não tipificadas podem ser associadas ao ideal de devido processo legal.
Analisando o princípio à luz de seu aspecto formal, encontra-se o tadicional entendimento de que o magistrado deve observar os princípios processuais na condução do processo para concretização da tutela jurisdicional. Modernamente, e visando a sua eficácia e concretização, entende-se que o principio do devido processo legal deve é garantia do direito a um processo justo, com a participação ampla e efetiva das partes.
Assim, a moderna doutrina ensina que os direitos fundamentais devem ser vistos no seu aspecto substancial, e não ser uma garantia meramente formal, sendo neste sentido as lições de Elpídio Donizetti:[6]
O devido processo legal substancial constitui verdadeira forma de se controlar o conteúdo das decisões judiciais (o justo ao caso concreto) e das leis. Não basta, por exemplo, que a sentença seja formalmente regular, mas injusta, incorreta. Da mesma forma, violará a garantia ao devido processo legal substancial a lei formalmente válida, mas que suprima o direito fundamental ao contraditório.
No que se refere ao princípio do contraditório, trata-se, conforme já afirmado, de desdobramento do devido processo legal, e também afigura-se como Direito Fundamental assegurado constitucionalmente no artigo 5, inciso LV:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Neste aspecto, tem-se que o primeiro trabalho doutrinário sobre o contraditório, no Brasil, foi de autoria do prof. Joaquim Canudo Mendes de Almeida[7], no âmbito do processo penal, na USP. Segundo ele, contraditório é garantia de ciência bilateral dos atos e termos do processo com a consequente possibilidade de manifestação sobre os mesmos.
Por sua vez, Maria Helena Diniz[8] ensina que o princípio do contraditório “assegura aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o direito de ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, vedando ao órgão judicante a prolação da decisão sem antes ouvi-los, sob pena de nulidade processual.”
Assim sendo, haveria dois direitos envolvidos no que se refere a contraditório: direito de informação e de manifestação, isto é, a possibilidade de reação.
Cumpre sublinhar que, tamanha a sua importância, a doutrina contemporânea ensina que o contraditório integra do próprio conceito de processo: trata-se de relação jurídica desenvolvida em contraditório, sendo projeção e concretização da exigência constitucional.[9]
Ocorre que, embora já houvesse o direito de manifestar-se, os argumentos das partes nem sempre eram levados em consideração pelo magistrado. Nota-se, portanto, que havia em diversas ocasiões a violação do direito ao contraditório, pois, conforme ensina moderna doutrina, os direitos fundamentais não devem ser garantia meramente formal.
Com efeito, temos atualmente o paradigma do Estado Democrático de Direito, em que não se admite que o Estado, ao exercer o seu poder, o faça sem levar em consideração o que os destinatários do poder têm a dizer, o que traduz o direito de influenciar na decisão.
Consagrando o entendimento, o STF já possuía decisões recentes em que mencionava o direito da parte de ter seus argumentos levados em consideração pelo julgador:
MANDADO DE SEGURANÇA. 2. Cancelamento de pensão especial pelo Tribunal de Contas da União. Ausência de comprovação da adoção por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de informação, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. 7. Aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa que independe da audiência do interessado e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processo administrativo. 9. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de Segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF art. 5º LV)[10]
Em suma, atualmente o princípio do contraditório envolve não somente a ideia de oportunidade de manifestação, mas também de poder de influência na formação do convencimento do juiz. Assim, o referido poder de influência apresenta-se como um terceiro elemento do contraditório, ao lado do da informação e da reação.
Positivando este entendimento e visando a que o magistrado prestigie e observe o efetivo contraditório, o Novo Código registra expressamente o direito das partes influenciarem a prestação jurisdicional, como é o caso do primeiro dispositivo do Capítulo XII – DAS PROVAS:
Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
A referência expressa ao direito de influência na atual codificação decorre do fato de que, em que pese todas as conclusões acima expostas decorrerem diretamente do texto constitucional – e, portanto, em vigor desde a promulgação da CF/88 –, muitos magistrados continuavam ignorando os argumentos das partes e construindo sozinhos a decisão.
Isso porque, está consagrado no ordenamento jurídico pátrio a possibilidade de o julgador conhecer de ofício matérias de ordem pública, bem como da aplicação do brocardo iura novit curia.
Com efeito, a má interpretação das normas acima levava a prolação de decisões que surpreendiam as partes, uma vez que estavam fundamentadas em questões jurídicas não debatidas no curso do processo.
Constatando a situação, é de se destacar os comentários do ilustre professor Daniel Assumpção:[11]
Ainda que a matéria de ordem pública e a aplicação do princípio do iura novit curia permitam uma atuação do juiz independentemente da provocação da parte, é inegável que o juiz, nesses casos – se se decidir sem dar oportunidade de manifestação prévia às partes -, as surpreenderá com sua decisão, o que naturalmente ofende o princípio do contraditório. (...)
Infelizmente, os membros do Poder Judiciário, em sua esmagadora maioria, não percebiam a diferença basilar entre decidir de oficio e decidir sem a oitiva das partes.
De fato, deve-se esclarecer que a aplicação do antigo brocardo latino não implica a possibilidade de o juiz decidir sem oitiva das partes. Na verdade, o seu verdadeiro significado é de que poderá ele conhecer da matéria, ainda que as partes não tenham levado ao seu conhecimento.
Como se vê, nenhum magistrado é autorizado pelo princípio do iura novit curia a ignorar o contraditório, decidindo com base em fundamento que não fora objeto de qualquer discussão pelas partes, mas apenas a conhecer de matérias que não foram levadas a seu conhecimento.
Nesse contexto, deve o magistrado intimar as partes para que se manifestem sobre o tema objeto de conhecimento de ofício, evitando, assim, surpreendê-las com as matérias que fundamentam sua decisão.
Objetivando esclarecer tal dever, o Novo Código de Processo Civil, no Capítulo referente a normas fundamentais do processo consagrou alguns dispositivos a fim de evitar o quadro fático encontrado nos fóruns:
Art. 7o É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
Note-se que, quando o dispositivo legal menciona que as partes deverão ser “ouvidas” refere-se exatamente do direito de influenciar, de ver seus argumentos levados em consideração, gerando vinculação necessária entre o princípio do contraditório e o princípio da fundamentação das decisões judiciais.
Conclui-se, portanto, que a decisão não pode ser tal que surpreenda as partes, notadamente em razão do direito de influenciá-la eficazmente.
Importante destacar que o “fundamento surpresa” vedado pelo dispositivo acima mencionado poderá ser tanto de fato quanto de direito, de modo que, caso o julgador pretenda abordar em sua decisão fundamentos não alegados e discutidos pelas partes, deverá, primeiro, submetê-los ao contraditório.
Ademais, é a própria Constituição Federal quem garante a observância do contraditório em processos administrativos e judiciais.
Assim sendo, considerando a supremacia da Constituição bem como a obrigatoriedade de interpretar normas infraconstitucionais à luz da Carta Maior, resta incontestável que, utilizando-se a técnica da interpretação conforme, o juiz pode conhecer de argumento não levantado pela parte, mas deverá fazê-lo após submeter ao contraditório e, portanto, levando em consideração o que a parte tem a dizer sobre o tema.
Além disso, deve-se ressaltar que a própria lei informa que, apesar de algumas matérias serem cognoscíveis de sem que sejam alegadas pelas partes, deve-se dar a elas a oportunidade de manifestação, evitando-se pronunciamentos judiciais que as surpreendam:
Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (...)
Parágrafo único. Ressalvada a hipótese do § 1o do art. 332, a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar-se.
Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.
Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir.
Isso porque, conforme já mencionado, o processo deve ser compreendido como uma comunidade de trabalho do juiz e das partes, em que todos devem atuar conjuntamente para que se construa democraticamente o resultado do processo, sendo este o motivo pelo qual entende-se que o corolário do processo é o princípio da cooperação, consagrado no artigo 6º do NCPC:
Art. 6. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Cumpre ressaltar que o dispositivo supracitado afirma expressamente que o dever de cooperação é de todos os sujeitos do processo, o que naturalmente envolve o magistrado, sendo certo que dele se desdobram os deveres anexos de esclarecimento, consulta, prevenção e auxílio.
No que tange ao dever de consulta, trata-se exatamente da obrigação do juiz de consultar a partes sobre todas as questões, ainda que passíveis de conhecimento de ofício, evitando surpreender as partes.
Como bem destaca o professor Fredie Didier,[12] constata-se que esse novo modelo processual cooperativo “caracteriza-se pelo redimensionamento do princípio do contraditório, com a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual, e não como um mero espectador do duelo das partes”.
É de grande relevância notar que os mandados de cooperação e vedação a decisão surpresa integram a lealdade que deve haver entre os sujeitos processuais, além de evitar recursos desnecessários e favorecer a celeridade processual.
Ademais, a maior oportunização de manifestações das partes prestigia a sua conformação, atingindo em maior proporção a pacificação social e o sentimento de justiça nos jurisdicionados.
Aliás, não é outro o motivo de, atualmente, serem bastante prestigiadas as formas de resolução consensual de conflitos: sabe-se que as partes que atingem o consenso através do diálogo atingem soluções que geram maior sentimento de justiça, gerando a pacificação.
Constata-se, portanto, que a lógica do Novo Código de Processo Civil é de oportunizar aos envolvidos na lide uma maior oportunidade de manifestação, determinando-se que o magistrado leve em consideração os argumentos trazidos aos autos para a construção de decisão que atende eficazmente os anseios dos sujeitos processuais.
3. A fundamentação das decisões judiciais
Como se sabe, o princípio da fundamentação das decisões judiciais é constitucionalmente previsto no artigo 93, inciso IX:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...)
inciso IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação
Trata-se, portanto, da obrigatoriedade de o magistrado exteriorizar as razões que o levaram à determinado entendimento, demonstrando o seu raciocínio fático e jurídico no caso concreto.
Primeiramente, a motivação das decisões é, do ponto de vista político, fator que permite a legitimidade social do exercício da jurisdição, pois permite o controle social da prestação jurisdicional.
Tratando do tema, Daniel Assumpção[13] explica que tradicionalmente, a justificativa do princípio da motivação das decisões judiciais era voltada tão somente para os sujeitos processuais, traduzindo-se em justificativa endoprocessual. Assim, seria voltada principalmente ao sucumbente, que precisa conhecer as razões da decisão para elaborar seu recurso impugnado especificamente os seus fundamentos.[14]
Num segundo momento, a fundamentação destina-se a viabilizar a análise pelo órgão competente para julgamento do recurso do acerto ou equívoco da decisão impugnada.
Justamente com objetivo de assegurar que autor e réu compreendam os pronunciamentos judiciais em maior medida, viabilizando a sua conformação e a efetivação do direito a ampla defesa, o Novo CPC elencou em seu artigo 489, parágrafo 1º, exemplos de decisões consideradas não fundamentadas:
Art. 489. (...) § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
§ 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
Primeiramente, é de relevância observar que o dispositivo supra traz rol meramente exemplificativo, como bem indicado no Enunciado 303 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC):
Enunciado 303. (art. 489, § 1º) As hipóteses descritas nos incisos do § 1º do art. 499 são exemplificativas.
Outrossim, a fundamentação completa dos pronunciamentos judiciais permite aferir se houve a invocação de fundamento que não foi objeto de manifestação das partes, viabilizando a análise do cumprimento, ou não, das normas fundamentais do processo.
Pelo exposto, percebe-se que a correta e adequada motivação das decisões é essencial para a efetivação do contraditório, além de permitir que a partes compreendam e eventualmente se conformem com a solução dada ao seu caso.
Por fim, é de se destacar que a fundamentação não precisa ser prolixa, bastando que cumpra os seus fins, entendimento que foi objeto de enunciado da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados:
Enunciado 10. A fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa
4. Mitigações ao princípio do contraditório
Em regra, o princípio do contraditório é entendido como absoluto. No entanto, é preciso lembrar que não há, na Constituição Federal, qualquer princípio ou garantia absolutos.
Esse entendimento há muito está pacificado no Supremo Tribunal Federal, conforme de se vê:
Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.
(STF, MS 23.452, Ministro Relator Celso de Mello, julgado em 16/9/1999, publicado em 12/5/2000.
De fato, todos os princípios podem ser mitigados por outros princípios igualmente relevantes, cabendo ao intérprete sopesar e decidir qual deles deve prevalecer no caso concreto.
Pela sua importância, é imperioso trazer à baila os ensinamentos do ilustre professor Diogo de Figueiredo,[15] que trata do tema com a maestria que lhe é peculiar:
Embora com raízes nos dois grandes sistemas jurídicos do Ocidente – o romano-germânico e o anglo-saxão – o princípio da razoabilidade não recebe terminologia homogênea e até varia de conteúdo, ora também designado como princípio da proporcionalidade, ora como princípio da interdição do excesso, mas parece haver concordância em que nele se contém três exigências metodológicas aplicativas: (1) a de adequabilidade da medida para atender ao resultado pretendido; (2) a de necessidade da medida, quando outras, que possam ser mais apropriadas, não se encontrem à disposição do agente; (3) e a proporcionalidade em sentido estrito, aferida, de um lado, entre os inconvenientes que possam resultar da medida e, de outro, o resultado a ser alcançado.
Assim é que a aplicação do princípio da razoabilidade visa a afastar o arbítrio que decorrerá, inversamente, da inadequação entre meios e fins, da desnecessidade dos meios para atingir os fins e da desproporcionalidade entre os meios empregados e os fins a serem alcançados.
O princípio da razoabilidade vem ganhando especial importância prática, não apenas na criação da norma como em sua aplicação no exercício da discricionariedade administrativa, funcionando como um critério de limite e trabalhando ao lado do princípio da realidade, para a garantia da legitimidade da ação administrativa.
Sendo assim, é de se concluir que o princípio do contraditório pode ser afastado em casos especiais.
Isso porque, o contraditório é moldado essencialmente pata proteger as partes na demanda judicial, de modo que, não havendo qualquer prejuízo à parte que seria protegida pela sua observação, não que se falar em nulidade.
Esse raciocínio também está consagrado no atual Diploma Processual, no artigo 282 e seus parágrafos:
Art. 282. Ao pronunciar a nulidade, o juiz declarará que atos são atingidos e ordenará as providências necessárias a fim de que sejam repetidos ou retificados.
§ 1o O ato não será repetido nem sua falta será suprida quando não prejudicar a parte.
§ 2o Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta.
Como se nota, trata-se, em ultima análise da aplicação concreta do brocardo pas de nulite sans grief.
Por outro lado, é de se mencionar que há casos em que a própria legislação afasta abstrata e genericamente o contraditório, evitando-se a instauração de “contraditório inútil”, a exemplo do julgamento de improcedência liminar do pedido sem que o réu tenha sequer sido citado para integração à lide.[16]
É esse também o caso do julgamento monocrático liminar pelo relator de agravo de instrumento que nega seguimento ao recurso, sem a intimação do agravado e abertura de prazo de contrarrazões.[17]
Consagrando regra geral de dispensa do contraditório inútil, que não gera qualquer prejuízo à parte não ouvida, o NCPC dispôs no já citado artigo 9º que não será proferida decisão contra a parte sem que ela seja previamente ouvida. Em leitura a contrario sensu, a regra é de que será desnecessária a oitiva da parte caso a decisão a ser prolatada seja a seu favor.
Desta feita, constata-se que o Novo Código de Processo Civil consagrou em seu corpo a importância do contraditório, positivando diversas regras que obrigam o magistrado a observar o efetivo contraditório, sem, contudo, deixar de especificar hipóteses em que poderá ser afastado, prestigiando a celeridade processual.
5. A resistência da magistratura
Em que pese a determinação constitucional consagrada no art. 5, inciso LV, há grande resistência da magistratura nacional aos dispositivos acima listados.
Com efeito, existem vários enunciados aprovados pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM, que espelham tal resistência pelos magistrados. Confira-se:
Enunciado nº 1: Entende-se por “fundamento” referido no art. 10 do CPC/2015 o substrato fático que orienta o pedido, e não o enquadramento jurídico atribuído pelas partes.
Enunciado nº 2: Não ofende a regra do contraditório do art. 10 do CPC/2015, o pronunciamento jurisdicional que invoca princípio, quando a regra jurídica aplicada já debatida no curso do processo é emanação daquele princípio.
Enunciado nº 5: Não viola o art. 10 do CPC/2015 a decisão com base em elementos de fato documentados nos autos sob o contraditório.
Enunciado nº 6: Não constitui julgamento surpresa o lastreado em fundamentos jurídicos, ainda que diversos dos apresentados pelas partes, desde que embasados em provas submetidas ao contraditório.
Os enunciados acima implicam a liberação do juiz para decidir conforme o fundamento jurídico que entender adequado, sem que seja necessário ouvir as partes acerca do enquadramento que pretende dar.
Na verdade, essa interpretação é similar ao entendimento dos Tribunais no âmbito do direito processual penal no sentido de que o réu se defende dos fatos, sendo possível a aplicação da denominada emendatio libelli na sentença, ou seja, que o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na peça acusatória, altere a classificação formulada na mesma.
Entretanto, é obvio que as partes exercem os atos processuais com objetivo de provar as consequências jurídicas dos fatos narrados. A título de exemplo, a parte que narra os fatos, caracterizando-os como erro apto a viabilizar a anulação de negócio jurídico, naturalmente produz prova no sentido da ocorrência de erro e não de dolo da outra parte, igualmente o réu, que defende-se da alegação de erro, e não de dolo. No entanto, apesar de todo o processo se desenvolver a partir da alegação de erro, esse enunciado do ENFAM permite que o juiz, na sentença, fundamente a anulação do negócio jurídico na existência de dolo, sem sequer das às partes oportunidade de se manifestarem sobre o tema.
O que se percebe é que esses enunciados resumem o direito de influência das partes às questões fáticas, ficando a pergunta: por que restringir a capacidade postulatória a advogados? Se apenas as questões fáticas devem ser demonstradas pela parte, poderiam elas mesmas narrar os fatos diretamente ao juiz, o único sujeito processual que conhece o direito, assim como ocorre na Justiça Trabalhista.
Passando-se à análise do enunciado nº 3 do ENFAM, é indispensável sua transcrição, já que seu conteúdo é deveras estarrecedor:
Enunciado nº 3: É desnecessário ouvir as partes quando a manifestação não puder influenciar na solução da causa.
Creio que esse seja o mais lamentável. Aparentemente, juízes têm o poder de adivinhar o que será alegado pelas partes e já anteveem que não poderão elas arguir qualquer questão capaz de influenciar sua decisão.
Mais que isso, ao que tudo indica, o contraditório não é mais um direito, e sim espécie de favor concedido aos litigantes a critério exclusivo do juiz, sendo ele o responsável por definir quando se deve ou não instaurar o contraditório, a despeito da lei.
Também o enunciado nº 4 é bastante curioso:
Enunciado nº 4: Na declaração de incompetência absoluta não se aplica o disposto no art. 10, parte final, do CPC/2015.
Isso porque a incompetência absoluta é apenas uma das possíveis causas de nulidade absoluta do processo, de forma que não se compreende a razão de apenas esta causa de nulidade ter sido eleita pelo ENFAM como imune ao contraditório.
Em contundentes críticas aos enunciados aprovados pelo ENFAM – que praticamente pretendem revogar o artigo 10 do NCPC, Daniel Assumpção[18] cuja transcrição dos comentários se impõe:
“O dispositivo [artigo 10] é claro, mas não terá vida fácil nas mãos da magistratura nacional. Em especial porque contraria uma premissa não reconhecida pelos juízes de que quando eles decidem de ofício estão sempre certos, e por isso não precisam ouvir previamente as partes, que em nada contribuirão na formação de um convencimento já formado.
Essa premissa, devidamente superada pelo art. 10 do Novo CPC, é a ratio do Enunciado 03 da ENFAM (...). Chamo tal enunciado de ‘enunciado bola de cristal’, já que o juiz teria uma capacidade sensorial de saber de antemão o que as partes podem alegar, já antevendo a inutilidade de tal manifestação antes mesmo dela se materializar no mundo real. (...)
O entendimento consagrado no criticável enunciado [nº4] tem como razão específica a razão geral exposta no enunciado 03 da mesma ENFAM: se o juiz já formou seu convencimento, por que teria que ouvir as partes antes de decidir? (...)
Não é preciso muito esforço para se notar a impropriedade do Enunciado 01 da ENFAM, que na realidade, ao menos no tocante à fundamentação jurídica, pretende pura e simplesmente revogar o art. 10 do Novo CPC. Parece também ser nesse sentido o Enunciado 05 e o Enunciado 06. Haja esforço na tentativa e revogar um dispositivo legal que, entretanto, continua em plena vigência”
Cumpre sublinhar, ainda, que a aprovação dos enunciados acima mencionados pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados se deu em evento intitulado O Poder Judiciário e o Novo CPC, em que participaram uma parcela da magistratura brasileira, consubstanciada em cerca de 500 magistrados das esferas federal e estadual.
Quanto a propositura dos enunciados sobre o contraditório, notadamente referentes ao artigo 10 do NCPC, foi exteriorizada a suposta “preocupação de flexibilizar amarras tidas como muito rígidas impostas aos magistrados em várias situações pelo novo modelo de processo participativo.”[19]
Ocorre que essa alegada preocupação na flexibilização de “amarras muito rígidas” acabou por revelar o desdém de parte da magistratura com o ganho democrático da positivação na legislação infraconstitucional do contraditório substancial.
Mais que isso, aparentemente mão há qualquer preocupação com a vontade da lei, simplificando o seu sentido e adequando-o à antiga máxima “o Direito é o que os Tribunais dizem que ele é”.
6. A hermenêutica jurídica e os enunciados do ENFAM
Não se pode deixar de apontar que os enunciados aprovados pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, demonstram um possível esquecimento das mais básicas lições de hermenêutica jurídica.
Segundo tradicional ensinamento de Carlos Maximiliano[20], hermenêutica jurídica é a teoria científica da arte de interpretar e tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para se determinar o sentido e o alcance das expressões legais.
No que tange a atividade interpretativa, estabeleceram-se alguns parâmetros e limites para sua realização. Tradicionalmente, tem-se como método de interpretação o critério semântico, gramatical ou literal, além dos critérios sistemático, lógico, histórico, teleológico e comparativo.
Modernamente, desenvolveram-se outros mecanismos hermenêuticos, aplicados sobretudo na interpretação constitucional, contemplando os princípios da unidade da constituição, do efeito integrador, da concordância prática, da força normativa, da máxima efetividade e da conformidade funcional.
No entanto, deve-se relembrar regra fundamental da hermenêutica, que consiste na máxima de que onde não existir dúvida, não caberá ao exegeta interpretar, como por exemplo no caso do artigo 18, parágrafo 1.º da Constituição Federal, que aponta Brasília como Capital Federal.
Realmente, a leitura do dispositivo constitucional não gera qualquer dúvida, sendo certo que o dispositivo explicita todo o seu conteúdo, de modo que não cabe aplicar qualquer interpretação de que Brasília é a Capital Federal apenas para determinados fins, ou por apenas algum período.
Da mesma forma, os artigos 7, 9 e 10 do Código de Processo Civil expressam em seu texto todo o seu significado, qual seja, a necessidade de observância do contraditório em seu sentido substancial e a vedação de decisões fundamentadas em questões que não foram objeto de manifestação das partes.
O sentido da regra é claro e amplo. Não cabe ao ENFAM, nem a qualquer magistrado aplicar interpretação que restrinja o seu conteúdo, pois não há qualquer espaço para se entender que o artigo 10 aplica-se apenas às questões de fato.
Igualmente, não há nos dispositivos legais, nem mesmo no restante do diploma processual qualquer regra que autorize entender que, caso o magistrado esteja convencido de determinada questão jurídica, não deverá oportunizar o contraditório.
O fato, ignorado pelos enunciados aprovados, é que a lei não concedeu ao juiz da causa nenhuma liberdade para decidir se deve ou não conceder prazo para manifestação, ainda que acredite que autor e réu não podem trazer a colação argumento capaz de influenciar no seu convencimento. Apenas ordena que se observe o contraditório.
Outra regra de hermenêutica é a de que a atividade interpretativa deve respeitar o princípio da justeza ou conformidade funcional, é dizer, não pode conduzir a subversão do modelo organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido, impedindo, assim, a violação da repartição de funções, nos termos das lições de Canotilho. [21]
Realmente, o ENFAM ignorou mais uma vez limitações da atividade interpretativa, pois os enunciados editados se colocam como revogadores da legislação em vigor, aprovada validamente pelo Congresso Nacional. Dessa forma, a pretexto de interpretar e “flexibilizar” a lei, o que se constata é a pretensão de ocupar o espaço de legislador.
Sendo assim, só resta aguardar o pronunciamento dos tribunais superiores acerca da aplicabilidade dos artigos 9 e 10 do NCPC. No entanto, espera-se decisões no sentido de prestigiar o contraditório substancial, traduzio no direito a informação, manifestação e influência efetiva, além da não inutilização daqueles dispositivos legais.
7. Considerações Finais
Por todo o exposto, nota-se que a observância do contraditório já é uma exigência no processo desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. Todavia, constatou-se a dificuldade de ser assegurado às o seu aspecto substâncial, de modo que o Novo Código de Processo Civil traduz a busca do aperfeiçoamento e efetiva concretização daquela exigência já consagrada no ordenamento jurídico.
Muito embora o diploma processual tenha assegurado em diversos dipositivos a observância do contraditório, viabilizando, assim, o exercício da ampla defesa, não deixou de prever que ausência de prejuízo às partes permite a mitigação do princípio, em louvável objetivo de prestigiar a celeridade processual, com a rápida resolução da lide.
Por outro lado, em que pese a ampla positivação e reiteração do direito das partes de serem ouvidas, influenciarem efetivamente na construção da decisão judicial e de não serem surpreendidas, verifica-se que há certa resistência da magistratura nacional.
Isso porque, a edição de Enunciados pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM vão diretamente de encontro a garantias expressas na legislação, aparentemente pretendendo revogar dispositivos em pleno vigor.
Assim, o ENFAM viola princípios básicos da hermenêutica jurídica, tais como a vedação a interpretação de dispositivos que não geram qualquer dúvida, bem como o princípio da justeza ou conformidade funcional, que visa, justamente, a evitar a violação da repartição constitucional de funções.
Todavia, há a esperança de que, no caso concreto, os juízes não apliquem alguns dos enunciados aprovados pelo ENFAM, evitando-se a proliferação de recursos aos Tribunais de segunda instância, bem como aos Tribunais Superiores.
Bibliografia Consultada
ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do Processo Penal. São Paulo:Revista dos Tribunais. 1973
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, 7ª ed, Coimbra:Almedina, 2003
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Ragel. Teoria eral do processo. 24 ed. São Paulo:Malheiros, 2008, n. 176
DIDIER JR., Fredie. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. Revista de Processo: RePro, v. 36, n. 198
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico - Vol. 3. 3ª ed. Rio de Janeiro:Saraiva, 1998
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 18 ed. São Paulo:Atlas, 2014
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19 ed. Rio de Janeiro:Forense, 2001
MORAES, Alexandre. Curso de Direito constitucional. 30. ed. São Paulo:Atlas, 2014
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único – 8. Ed. – Salvador:Juspodivm, 2016
SCARPINELLA BUENO, Cassio. O modelo constitucional do direito processual civil: um paradigma necessário de estudo do direito processual civil e algumas de suas aplicações. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maira Terra (coord.). Processo civil – Novas tendências: homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008
[1] MORAES, Alexandre. Curso de Direito constitucional. 30ª ed. São Paulo:Atlas, 2014, pp. 111
[2] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, 7ª ed, Coimbra:Almedina, 2003, pp. 51
[3] SCARPINELLA BUENO, Cassio. O modelo constitucional do direito processual civil: um paradigma necessário de estudo do direito processual civil e algumas de suas aplicações. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maira Terra (coord.). Processo civil – Novas tendências: homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
[4] A título de exemplo, menciona-se o princípio da fundamentação das decisões judiciais, consagrado no artigo 93, IX da Constituição Federal:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) Inciso IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
[5] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – volume único. 8ª. Ed. Salvador:Ed. Juspodivm, 2016, pp. 217
[6] DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 18ª ed. São Paulo:Atlas, 2014. pp. 89
[7] ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do Processo Penal. São Paulo:Revista dos Tribunais. 1973
[8] DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico – Vol. 3. 3ª ed. Rio de Janeiro:Saraiva, 1998
[9] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Ragel. Teoria eral do processo. 24 ed. São Paulo:Malheiros, 2008, n. 176, pp 305
[10] MS 24268, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2004, DJ 17-09-2004 PP-00053 EMENT VOL-02164-01 PP-00154 RDDP n. 23, 2005, p. 133-151 RTJ VOL-00191-03 PP-00922
[11]Ibidem, pp. 223 e 224
[12] DIDIER JR., Fredie. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. Revista de Processo: RePro, v. 36, n. 198, p. 213-225, ago. 2011. Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/80945
[13] Idem, pp. 234
[14] Aliás, a impugnação especificada dos fundamentos da decisão é pressuposto intrínseco de conhecimento do recurso, positivado no artigo 932 do CPC, e objeto de enunciado de súmula do Superior Tribunal de Justiça:
Art. 932. Incumbe ao relator: (...)
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
[15] MOREIRA NETO. Diogo de Frigueiredo, Curso de direito administrativo: parte introdutória parte geral e parte especial – 16 Ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2014, pg. 108 e 109
[16] As hipóteses de julgamento de improcedência liminar do pedido estão dispostas no artigo 332 do CPC:
Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
§ 1o O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.
[17] Art. 932. Incumbe ao relator: (...)
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
IV - negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência
[18] Idem. pp 224-226.
[19] Assista o evento em https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=Ux7HaumMamc
[20] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19 ed. Rio de Janeiro:Forense, 2001, pp. 01
[21] Ibidem, pp. 228
graduada em direito pela PUC-Rio, Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes e em Direito e Estado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro -UERJ. Advogada e Assessora Jurídica na Secretaria de Estado de Casa Civil do Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Julia Roméro Magalhães. Vedação a decisão surpresa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2021, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57676/vedao-a-deciso-surpresa. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
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