RESUMO: Apesar dos diversos avanços conquistados na temática de direitos das pessoas com deficiência, tais como inclusão, acessibilidade e uma série de outras garantias diretamente relacionadas aos direitos humanos deste grupo, ainda há muito a ser debatido a respeito dos meios de efetivação de todo esse conjunto de garantias que aos poucos vem ganhando relevante fundamento no ordenamento jurídico brasileiro. Especialmente no âmbito dos concursos públicos, algumas questões ainda precisam ser observadas. Nesse contexto, o presente artigo tem o intuito de debater o dever de reserva de vagas para pessoas com deficiência a ser observado pela Administração Pública durante a realização de concursos públicos, bem como a forma através da qual o referido dever se concretizará, observando as formas de classificação e convocação dos candidatos com deficiência. Para isso, inicialmente, o artigo apresenta um panorama geral do conjunto normativo relacionado ao tema. Em um segundo momento o artigo passa a analisar o caso concreto do concurso público realizado pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão para o preenchimento de vagas para o cargo de Defensor Público de Primeira Classe e como deverá se dar a reserva de vagas, a lista de classificação e a ordem de nomeação dos candidatos com deficiência neste certame. Por fim, concluiu-se que a posição dos candidatos na lista de classificação deverá permanecer inalterável e que a ordem de nomeação – que se encontra regulada apenas por meio de resoluções – seja revista e sensivelmente alterada para assim melhor se adequar às previsões legislativas e principiológicas afetas ao tema.
Palavras-chave: Reserva de vagas. Pessoa com deficiência. Concurso público.
ABSTRACT: Despite the several advances achieved in the theme of the rights of people with disabilities, such as inclusion, accessibility and a series of other guarantees directly related to the human rights of this group, there is still a lot to be debated regarding the means of implementing all this set of guarantees that are slowly gaining a relevant foundation in the Brazilian legal system. Especially in the context of public tenders, some issues still need to be observed. In this context, this article aims to discuss the duty to reserve vacancies for people with disabilities to be observed by the Public Administration during public tenders, as well as the way in which said duty will be implemented, observing the forms of classification and summoning of candidates with disabilities. For that, initially, the article presents an overview of the normative set related to the theme. In a second moment, the article analyzes the concrete case of the public contest held by the Public Defender of the State of Maranhão to fill vacancies for the position of Public Defender of First Class and how the reservation of vacancies should be done, the list of classification and order of nomination of candidates with disabilities in this event. Finally, it was concluded that the position of candidates on the ranking list should remain unchanged and that the order of appointment - which is regulated only through resolutions - be revised and significantly changed to better adapt to legislative provisions and principles related to the theme.
Keywords: Reservation of vacancies. Disabled person. Public tender.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Conjunto normativo de proteção aos direitos da pessoa com deficiência e o direito à reserva de vagas. 3 Concurso para a defensoria pública estadual do maranhão e a ordem de classificação e convocação de candidatos com deficiência. 4 Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
A despeito de todos os avanços nas políticas de inclusão e demais direitos relacionados às pessoas com deficiência, ainda há muito a ser aprimorado, debatido e questionado quanto à efetivação de tais direitos e principalmente quanto a melhor maneira de integrar esse grupo sem que isso acabe por gerar novos processos de discriminação. Apesar de já existir um amplo conjunto normativo com a finalidade e guiar as políticas públicas destinadas à garantia dos direitos das pessoas com deficiência, a efetivação destes ainda encontra barreiras práticas, como é o caso da garantia de inclusão no trabalho, o que inclui o serviço público.
A política de reserva de vagas para pessoas com deficiência foi, sem dúvida alguma, um grande avanço na garantia de direitos humanos desse grupo e na inclusão destes no ambiente profissional. Contudo, na prática, alguns detalhes ainda geram inseguranças ou, por serem ainda pouco debatidas, acabam por gerar um ônus excessivo à Administração Pública. É o que ocorre, por exemplo, quando da reserva de vagas, classificação e nomeação de pessoas com deficiência em concursos públicos, como no caso concreto de que trata o presente artigo.
Sabe-se que a Constituição Federal, acompanhado de leis infraconstitucionais, garantem às pessoas com deficiência a reserva de um percentual mínimo e máximo de vagas nos concursos públicos, mas tal conjunto normativo mostra-se pouco satisfatório quando se trata de explicar os meios práticos de efetivação dessa política, deixando pouco claro a forma como tais candidatos deverão ser nomeados ou mesmo dispondo sobre a classificação dos candidatos de forma que pode não ser a mais adequada tendo em visto o princípio do ajustamento razoável. É sobre estas lacunas e fragilidades normativas a respeito do tema que este artigo tratará, oferecendo algumas possíveis adequações.
2. CONJUNTO NORMATIVO DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O DIREITO À RESERVA DE VAGAS
Começando pelo âmbito internacional, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU (CDPD/ONU), aprovada em 2006 e assinada pelo Brasil no ano seguinte, constitui um dos diplomas internacionais mais relevantes sobre o tema. Em 2008, a referida convenção foi internalizada à Constituição brasileira por meio do procedimento previsto no art. 5º, §3º da CRFB/88 segundo o qual os tratados internacionais, após passarem por uma votação de dois turnos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, ao receber voto favorável de três quintos dos membros de cada casa legislativa, passam a ter caráter de Emenda Constitucional, ou seja, passam a ter o mesmo valor jurídico-normativo que qualquer outra normal constitucional.
A CDPD/ONU inseriu e ressignificou uma série de outros conceitos jurídicos que vão além das noções de deficiência, incluindo também os conceitos de discriminação e a importantíssima noção de acomodação razoável – em inglês, reasonable accommodation. A esse respeito, é relevante mencionar o que observa a professora Flávia Piovesan:
O propósito maior da Convenção é “promover, proteger e assegurar o pleno exercício dos direitos humanos das pessoas com deficiência, demandando dos Estados-partes medidas legislativas, administrativas e de outra natureza para implementação dos direitos nela previstos. Introduz a Convenção o conceito de “reasonable accomodation”, apontando ao dever do Estado de adotar ajustes, adaptações, ou modificações razoáveis e apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o exercício dos direitos humanos em igualdade de condições com os demais. (PIOVESAN, 2010, p.225)
No que tange à aplicação do ajustamento razoável pela via da política de cotas para pessoas com deficiência, tem-se, por exemplo, o que dispõe o art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal, segundo o qual “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência[sic] e definirá os critérios de sua admissão”[1]. O referido dispositivo constitucional estabelece uma reserva de lei que posteriormente fora suprida com a Lei nº 7.853/89 e pelo Decreto nº 3.298/99. A Lei nº 7.853/89 dispõe apenas de forma genérica sobre a integração da pessoa com deficiência, já o Decreto nº 3.298/89, por sua vez, regulamenta o tema em seu art. 37 da seguinte forma:
Art. 37. Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência [sic] o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador [sic]
§1º O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida.
§2º Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subsequente.
Na mesma linha do dispositivo acima temos a Lei nº 8112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais e que traz o percentual máximo de vinte por cento para a reserva de vagas para pessoas com deficiência. Diz o §2º, do art. 5º da referida lei:
Art. 5º [...]
§2º Às pessoas portadoras de deficiência [sic] é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras [sic]; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.
O direito ao trabalho e a acessibilidade dos cargos públicos às pessoas com deficiência também possui previsão genérica na Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) nos seus artigos 34 e 35, sendo tais garantias regulamentadas de forma mais detalhada pelo decreto nº 9.508/2018 em termos muito semelhantes aos do Decreto nº 3.298/89.
Especificamente no Maranhão, a matéria é objeto da Lei 5.484/1992, que dispõe:
Art. 3º Para cargo ou função específica fica assegurado o percentual de 5% (cinco por cento) das vagas existentes em relação ao global, a ser preenchidas pelos deficientes, conforme processo seletivo e classificatório definido nesta lei.
Dito isso, diante do amplo conjunto legal apresentado até aqui, fica devidamente evidenciado que a administração pública tem o dever de reservar às pessoas com deficiência um percentual de vagas que compreenda entre 5% (cinco por cento) e 20% (vinte por cento) de todas as vagas a serem preenchidas. Contudo, na prática, este dever pode sofrer alguns condicionamentos e tais limitações serão objeto do tópico seguinte.
3 CONCURSO PARA A DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL DO MARANHÃO E A ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO E CONVOCAÇÃO DE CANDIDATOS COM DEFICIÊNCIA
Em 2011 a Defensoria Pública Estadual do Maranhão (DPE/MA) realizou concurso público para o preenchimento de quatro vagas para o cargo de Defensor Público de 1ª Classe. Segundo o item 5.1 do edital do referido certame, cinco por cento das vagas que surgissem durante o prazo de validade do concurso seriam reservadas a pessoas com deficiência. Contudo, é preciso esclarecer alguns pontos a respeito da forma de preenchimento dessas vagas.
De fato, o referido concurso público oferecido pela DPE/MA ofereceu um total de 33 (trinta e três) vagas. Sendo assim, o percentual de cinco por cento deste total de vagas resultaria em 1,65 (um inteiro e sessenta e cinco décimos) de vaga para pessoas com deficiência, ou seja, um número fracionado. Neste caso, conforme o já mencionado §2º, do artigo 37, do decreto nº 3.298/99, o número de vagas reservadas deverá ser arredondado até o primeiro número inteiro subsequente. Portanto, aplicada a regra presente no decreto nº 3.298/99 ao caso em questão, tem-se o total de duas vagas reservadas a pessoas com deficiência.
Por outro lado, deve-se observar que a aplicação do dispositivo previsto no decreto nº 3.298/99 é passível de algumas limitações. O Supremo Tribunal Federal (STF) possui entendimento consolidado no sentido de não ser possível aplicar o arredondamento do número de vagas para o número inteiro subsequente conforme dispõe o decreto em questão nos casos em que tal arredondamento resulte em uma reserva que vá além do máximo de 20% (vinte por cento) previsto em lei. Neste sentido o MS 31695, de 2015, se relatoria do Ministro Celso de Mello:
MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA – RESERVA PERCENTUAL DE CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS (CF, ART. 37, VIII) – CANDIDATO CLASSIFICADO EM PRIMEIRO LUGAR PARA AS VAGAS VINCULADAS A ESSA ESPECÍFICA CLÁUSULA DE RESERVA CONSTITUCIONAL – ESTABELECIMENTO, PELO EDITAL E PELA LEGISLAÇÃO PERTINENTE, DE PARÂMETROS A SEREM RESPEITADOS PELO PODER PÚBLICO (LEI Nº 8.112/90, ART. 5º, § 2º, E DECRETO Nº 3.298/99, ART. 37, §§ 1º E 2º) – DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO – A QUESTÃO DA VINCULAÇÃO JURÍDICA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AO EDITAL – PRECEDENTES – CLÁUSULA GERAL QUE CONSAGRA A PROIBIÇÃO DO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO – INCIDÊNCIA DESSA CLÁUSULA (“NEMO POTEST VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM”) NAS RELAÇÕES JURÍDICAS, INCLUSIVE NAS DE DIREITO PÚBLICO QUE SE ESTABELECEM ENTRE OS ADMINISTRADOS E O PODER PÚBLICO – PRETENSÃO MANDAMENTAL QUE SE AJUSTA À DIRETRIZ JURISPRUDENCIAL FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO – INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE AGRAVO – RECURSO IMPROVIDO.
(MS 31695 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 03/02/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-067 DIVULG 09-04-2015 PUBLIC 10-04-2015)
Sendo também pertinente mencionar o MS 30.861 de 2012 sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes, cuja ementa segue:
Mandado de segurança. 2. Direito administrativo. 3. Concurso público. MPU. Candidata portadora de deficiência. Cargo de Técnico de Saúde/Consultório Dentário. 4. Reserva de vagas. Limites estabelecidos no Decreto 3.298/99 e na Lei 8.112/90. Percentual mínimo de 5% das vagas. Número fracionado. Arredondamento para primeiro número inteiro subsequente. Observância do limite máximo de 20% das vagas oferecidas. 5. Segurança concedida.
(MS 30861, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 22/05/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-111 DIVULG 06-06-2012 PUBLIC 08-06-2012 RIP v. 14, n. 73, 2012, p. 239-241)
No caso analisado no MS 30.861, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o certame havia oferecido apenas duas vagas para o cargo pretendido pela impetrante – pessoa com deficiência – e a reserva de uma dessas vagas significaria uma reserva de 50% (cinquenta por cento), o que violaria o máximo de 20% (vinte por cento) previsto em lei. Sendo assim, nenhuma vaga fora reservada, inicialmente, para pessoas com deficiência, as quais seriam nomeadas com o surgimento de novas vagas por meio de cadastro de reserva.
Isto posto, pode-se entender que em concursos cujo número de vagas for igual ou inferior a quatro, o arredondamento do número de vagas reservadas para o número inteiro subsequente não será aplicável. Contudo, o entendimento firmado pelo STF não torna sem efeito a garantia constitucional de acessibilidade dos cargos públicos a pessoas com deficiência, mas sim a compatibiliza com outros princípios como o da razoabilidade e da adequação razoável, sendo este último, conforme já pontuado neste artigo, o norteador de toda a política de inclusão.
No que tange às listas de classificação, na ocasião do julgamento do MS 11.983 em 2007, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou pelo direito de a pessoa com deficiência ser posicionada dentro do número de vagas conforme trecho do informativo jurisprudencial transcrito abaixo:
CONCURSO PÚBLICO. PORTADOR. DEFICIÊNCIA. ORDEM. NOMEAÇÃO. Os impetrantes, portadores de deficiência (termo utilizado pela CF/1988), insurgem-se contra a posição em que figuram na lista geral dos candidatos aprovados e classificados no concurso público em questão. Havia 272 vagas e foram aprovados seis candidatos portadores de deficiência (reservadas a eles 14 vagas - 5% do total), figurando os impetrantes em 3º (nota 63,35) e 4º (nota 60,60) na lista especial, mas em 607º e 608º na lista geral, que continha 610 nomes. Anote-se, primeiramente, que não impugnavam os critérios adotados no edital, mas apenas a aplicação deles, daí não haver censura quanto ao exame da controvérsia pelo Poder Judiciário, pois não se está a questionar o mérito administrativo. É consabido que o art. 37, VIII, da CF/1988 reserva vagas aos portadores de deficiência para o provimento de cargos ou empregos públicos. O percentual mínimo de 5% (art. 37, § 1º, do Dec. n. 3.298/1999) e o máximo de 20% (art. 5º, § 2º, da Lei n. 8.112/1990) são assegurados, ressaltado que devem os portadores de deficiência concorrer em igualdade de condições com os demais candidatos (art. 37, caput, do referido decreto). Porém o que se reserva são vagas e não posições na classificação do certame. A lista geral de aprovados e classificados, além de demonstrar o desempenho conforme a nota obtida, tem por finalidade orientar o preenchimento das vagas existentes enquanto ordena a sequência do chamamento dos candidatos. Assim, nos casos em que há portadores de deficiência aprovados, a lista geral não pode ser elaborada tão-somente com base na nota final: para que se dê efetividade ao mandamento constitucional, todos os candidatos portadores de deficiência aprovados, ainda que com médias inferiores aos demais (tal como no caso), devem posicionar-se dentro do número total de vagas existentes. Com esse entendimento, ao considerar o número de vagas existentes, as classificações obtidas na lista especial e as notas finais obtidas, a Seção, por maioria, assegurou aos impetrantes figurar na lista geral em 269º e 270º, respectivamente, e não em 60º e 80º, tal como pleiteado. Os impetrantes defendiam que se elaborasse a lista conforme a proporção de um portador de deficiência aprovado para cada 19 outros candidatos (entendimento acolhido pelos votos vencidos). Precedentes citados: MS 8.411-DF, DJ 21/6/2004, e MS 8.482-DF, DJ 14/9/2005. MS 11.983-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 12/12/2007. (INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA Nº342, STJ, 2007, p.3, grifo nosso)
Apesar da excelência do ensinamento acima esposado, ousa-se discordar do ponto em que é assegurado ao candidato com deficiência o direito de constar na lista geral de classificação dentro do número de vagas ofertadas, posto que tal posicionamento é inócuo ao passo que o ato de nomeação do candidato não obedecerá a ordem estabelecida na lista geral de classificação no certame.
No certame da DPE/MA, por exemplo, se fosse adotado o raciocínio apontado pelo STJ, o candidato com deficiência aprovado em primeiro lugar na lista de pessoas com deficiência ocuparia a 33ª (trigésima terceira) posição na lista geral de aprovados, posto que o concurso possuía apenas 33 (trinta e três) vagas e o candidato obteve nota suficiente apenas para ocupar a 95ª posição na classificação geral. Contudo, se posteriormente, ainda dentro do prazo de validade do concurso, fossem criadas e oferecidas mais trinta vagas, seria necessário reposicionar o candidato com deficiência e colocá-lo na 63ª (sexagésima terceira) posição, o que certamente geraria uma enorme insegurança jurídica e instabilidade à administração pública.
Sobre a elaboração da listagem dos aprovados nos certamos públicos, diz o decreto nº 3.298/99, em seu art. 42, que “a publicação do resultado final do concurso será feita em duas listas, contendo, a primeira, a pontuação de todos os candidatos, inclusive a dos portadores de deficiência, e a segunda, somente a pontuação destes últimos”. Assim, não há que se falar em qualquer reposicionamento na lista de classificados no concurso, apenas está prevista a elaboração de duas listas para que, no momento da nomeação, seja seguida a ordem estabelecida na segunda lista. Nesta linha também segue a resolução nº 009/2012 da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, conforme seu art. 1º, §2º.
Contudo, no que diz respeito aos critérios de nomeação de candidatos com deficiência, a legislação manteve-se silente. Para suprir essa lacuna legislativa, diversos órgãos públicos passaram a estabelecer que deverá ser nomeada uma pessoa com deficiência a cada vinte vagas ao passo que 5% (cinco por cento) de vinte corresponde a um número inteiro. Mas ainda persiste a dúvida a respeito do momento dessa convocação. A resolução nº54/2011, que regulamenta a matéria no âmbito da Defensoria Pública da União, constata-se que há a reserva da 5ª vaga às pessoas com deficiência, in verbis:
Art. 5º. Nos Concursos, de abrangência nacional ou regional, com oferecimento mínimo de 20 (vinte) vagas, os candidatos com deficiência, aprovados dentro do número de vagas reservadas, figurarão na lista de classificação geral e serão nomeados para o provimento da 5ª (quinta) vaga e, na sequência, na 20ª, 40ª, 60ª, 80ª, 100ª, 120ª, 140ª vagas e, assim, sucessivamente. (DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, 2011)
Apesar do critério apontado na resolução acima resguardar o direito à acessibilidade, poderia ser mais adequado estabelecer que as nomeações subsequentes à primeira ocorram, na verdade, na 21ª, 41ª posições e assim sucessivamente com intervalos de vinte vagas. Este foi o modelo adotado pela DPE/MA conforme demonstra o art. 5º da Resolução nº 009/2012 da instituição. Tal consideração se sustenta no fato de que, se a primeira vaga reservada fora ocupada na 5ª (quinta) oportunidade, ao se chegar à 20ª vaga preenchida, esta ainda poderá ser ocupada por candidato sem deficiência, pois uma das vinte vagas já foi assegurada, preservando-se, assim, o percentual mínimo de 5% (cinco por cento).
4 CONCLUSÃO
Diante de todo o panorama normativo e jurisprudencial apresentado, o que se pode concluir é que tanto a Constituição Federal, por meio da internalização da CDPD/ONU, quanto a legislação infraconstitucional brasileira estabelecem à Administração Pública o dever de reservar em seus concursos um percentual de vagas para pessoas com deficiência que deverá ser de no mínimo 5% (cinco por cento) e no máximo 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas.
No que diz respeito à classificação dos candidatos ao certame, esta deverá ser feita, conforme disposição legal apoiada por entendimento jurisprudencial das cortes brasileiras, por meio de duas listas, sendo uma delas para todos os candidatos e a outra apenas para os candidatos com deficiência.
Contudo, é no momento da nomeação que se instala a questão mais relevante debatida neste artigo. Diante da lacuna legislativa a esse respeito e considerando que tal matéria só se encontra regulamentada por meio de resoluções, pode-se concluir ao longo deste que a forma de nomeação que melhor coaduna com todas as disposições legais e principiológicas aqui expostas a respeito dos direitos das pessoas com deficiência – especialmente com o princípio do ajustamento razoável – é aquela que considera que o primeiro candidato com deficiência a ser nomeado ocupe a 5ª (quinta) vaga e os demais candidatos com deficiência aprovados ocupem a 21ª (vigésima primeira), 41ª (quadragésima primeira) vaga e assim sucessivamente, permanecendo inalteradas as posições na lista de classificação.
BIBLIOGRAFIA:
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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Informativo de jurisprudência nº342, de 10 a 14 de dezembro de 2007. Este periódico, elaborado pela Secretaria de Jurisprudência do STJ, destaca teses jurisprudenciais firmadas pelos órgãos julgadores do Tribunal nos acórdãos incluídos na Base de Jurisprudência do STJ, não consistindo em repositório oficial de jurisprudência. Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 2007. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/docs_internet/informativos/PDF/Inf0342.pdf. Acesso em: nov. 2021
[1] Em que pese a expressão “pessoas portadoras de deficiência” não seja mais adequada atualmente, devendo ser substituída por “pessoas com deficiência”, tal disposição continua sendo válida com as devidas adequações terminológicas, assim como todas as demais mencionadas ao longo deste artigo.
Defensor Público do Estado do Maranhão Graduado em Direito na Universidade Federal do Maranhão e Pós Graduado em Direito do Idoso pela Instituto Brasileiro de Formação - UNIBF
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Fábio Magalhães. Ajustamento razoável: análise a respeito da ordem de classificação e nomeação de candidato com deficiência aprovado em concurso público da Defensoria Pública do Estado do Maranhão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2021, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57699/ajustamento-razovel-anlise-a-respeito-da-ordem-de-classificao-e-nomeao-de-candidato-com-deficincia-aprovado-em-concurso-pblico-da-defensoria-pblica-do-estado-do-maranho. Acesso em: 23 dez 2024.
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