JHONE HENRIQUE FELIPE PEREIRA[1]
(coautor)
RESUMO: O Direito deve servir como instrumento para atender às demandas sociais, e não o inverso, sendo assim, como forma de atender à função precípua do Direito e à evolução histórica-social, as leis devem exalar a justiça e seu correto fundamento à Constituição Federal de 1988. Verificada a Inconstitucionalidade do Artigo 90-A da Lei 9.099/95, através de pesquisa aplicada e qualitativa na esfera do Direito Constitucional e do Direito Castrense, busca-se analisar e descrever a (in) aplicabilidade do artigo supracitado com sua devida revogação expressa do dispositivo legal, aplicada à Justiça Militar Estadual, bem como fomentar o despertar dos Poderes e da sociedade à urgente revisão na legislação militar vigente no ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-chave: Justiça Militar Estadual. Juizados Especiais. (In) aplicabilidade.
ABSTRACT: The Law must serve as an instrument to meet social demands, and not the other way around, thus, as a way to meet the main function of Law and the historical-social evolution, laws must exude justice and its correct foundation to the Federal Constitution of 1988. Verified the Unconstitutionality of Article 90-A of Law 9,099/95, through applied and qualitative research in the sphere of Constitutional Law and Civil Law, we seek to analyze and describe the (in) applicability of the above-mentioned article with its due revocation express of the legal provision, applied to the State Military Justice, as well as to encourage the awakening of the Powers and society to the urgent revision of the military legislation in force in the Brazilian legal system.
Keywords: State Military Justice. Special Courts. (In) applicability.
SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2.Análise da mensagem nº 347, de 20 de março de 1998, do poder executivo e a inclusão do art.90-A na Lei 9.099/95 pela lei 9.839/99. 3.Justiça militar federal e justiça militar estadual, âmbito das funções e competências. 4.Hierarquia e disciplina X Neoconstitucionalismo. 5.Análise axiológica da aplicação da regra trazida art. 90- a da Lei 9.099/95, e sua (in) aplicabilidade aos militares estaduais. 6.Considerações finais. 7.Referências.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente artigo tem como objetivo analisar e descrever a (in) aplicabilidade do artigo 90-A da Lei 9.099/95. Optou-se pelo uso da metodologia quanto aos meios bibliográficos e documentais. Já quanto aos fins, trata-se de uma pesquisa descritiva, do tipo qualitativa.
O artigo foi dividido em sete partes, sendo a primeira a introdução, onde é apresentado o objetivo de pesquisa e metodologia, seguindo de cinco tópicos onde são abordados temas relacionados ao referencial teórico e ao final são apresentadas as considerações finais e as referências que contribuíram para a construção da presente investigação.
2. ANÁLISE DA MENSAGEM Nº 347, DE 20 DE MARÇO DE 1998, DO PODER EXECUTIVO E A INCLUSÃO DO ART.90-A NA LEI 9.099/95 PELA LEI 9.839/99.
A referida mensagem aportou na Casa Legislativa como Projeto de lei 4.303-A de 1998, com a seguinte ementa: “Acrescenta artigo ao texto da Lei 9.099/95, de 26 de setembro de 1995, e dá outras providências”. Tal Projeto de lei foi de iniciativa do Poder Executivo, oriunda dos Ministros de Estado, Marinha, Exército, Aeronáutica, e Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, foi encaminhada a exposição de motivos da sugestão de inclusão do texto ao dispositivo legal já vigente. Tal documento sinalizou que os “institutos despenalizadores”, presentes na Lei 9.099/95, são totalmente incompatíveis com os Princípios que regem o Direito Penal Militar, pela proteção aos princípios basilares do “Direito Castrense”: a hierarquia e disciplina.
A proposta de Lei Ordinária para determinar a inaplicabilidade dos dispositivos da Lei 9099/95 no âmbito da Justiça Militar foi acatada, culminando na inclusão do Art. 90- A na Lei dos Juizados Especiais, com a seguinte redação: “Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar.”.
A sugestão - que fora acatada através da Lei 9.839/99 – advinda pela Mensagem nº 347 demonstra-se objetivada aos militares das Forças Armadas, porém, assim como à época do projeto de lei e ainda desse modo permanece, os militares estaduais seguem sob a égide do mesmo Código Penal dos militares das Forças Armadas, apesar da finalidade e seara de atuação serem totalmente distintas, como será apresentado no tópico a seguir.
3. JUSTIÇA MILITAR FEDERAL E JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL, ÂMBITO DAS FUNÇÕES E COMPETÊNCIAS
Os militares federais, cujas diretrizes são fixadas pelo Decreto nº 3.897/2001, estão abarcados pelo art. 142 CRFB/88 e são descritos por “Forças Armadas”. Note que elas são organizadas com base na hierarquia e disciplina, tem por escopo a defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem. Isso explica os artigos anteriores do Título V, que versam sobre cenários caóticos como guerras internacionais, desastres naturais, defesa da soberania e do povo brasileiro.
No tocante à segurança pública, há a atuação direta dos militares estaduais (policiais e bombeiros militares), nos termos do art. 144, V, §5º. Assim é possível considerar que a função prática exercida pelos militares estaduais – polícia ostensiva, preservação da ordem pública, execução de atividades de defesa civil – é voltada à preservação da ordem pública interna (interior do país) e da incolumidade das pessoas e de seu patrimônio. Portanto, claramente, a disparidade de natureza exercida pelos militares estaduais face aos federais enseja a diversificação também dos códigos militares, justamente por sua aplicabilidade no cotidiano.
O legislador ao criar o art. 90-A da Lei 9.099/95 proibindo a aplicação desta à Justiça Militar, não discrimina a esfera - Federal ou Estadual - o que gerou necessário debate e divergência jurisprudencial. Pois, é necessário dissociar os militares das Forças Armadas dos policiais e bombeiros militares, que são maioria em relação daqueles, logo, as realidades e propósitos das profissões são obviamente diferentes, evidenciando a urgente necessidade de criação de legislação à que se adeque proporcionalmente aos militares estatuais.
Certo que tanto as forças armadas quanto as polícias militares estaduais regem-se e se estruturam por um sistema hierárquico rígido, todavia, necessário em um Estado de Direito que a interpretação da Norma se faça de forma axiológica, o que se discute no tópico que segue.
4. HIERARQUIA E DISCIPLINA X NEOCONSTITUCIONALISMO
Referente à alegação de tutela da disciplina e hierarquia, extrai-se o trecho do Projeto de Lei 4.303-A/98 (BRASIL, 1998, pg. 13): “Direito Penal Militar [...] a um ramo da justiça concebido especificamente para sustentar aqueles fundamentos.” A hierarquia e disciplina, por si só, são objetos abstratos, cujo sentido dar-se-á apenas na aplicabilidade ao real escopo do “Direito Castrense” – a defesa da pátria e do estado democrático de direito.
Ao se ater a conceitos abstratos, negligenciando o resultado prático dessa ação, o legislador ao acatar a atual redação do art. 90-A da Lei 9.099/95 trata o militar como um “objeto”, pois utiliza o ser humano para atingir um fim (objetivo), sendo que preservar a dignidade do ser humano deveria ser o objetivo central das normas em sociedade. Nesse ínterim, preceitua Alexy (2008), ao versar sobre Princípios e Valoração, ao defender que as decisões jurídicas se baseiem pela interpretação e aplicação axiológica da norma fundamental, o que ele define como direito subjetivo fundamental.
Pelo contrário, cita-se como sugestão de ideal a linha de raciocínio do filósofo Immanuel Kant, exposta em sua obra “Fundamentação da metafísica dos costumes” (KANT, 2009). Nela, o ser humano é a finalidade em si próprio, e nunca meramente como meio para se obter um resultado. Tal concepção essa que serviu de inspiração na construção do conceito que temos hoje na proteção dos direitos humanos, condição que é intrínseca a todo e qualquer ser humano, o que inclui os militares.
Ao trabalhar a ideia da Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy (2008), utiliza-se do princípio da liberdade jurídica - consiste na faculdade de fazer ou não fazer, o que se deseja, face a alguma norma proibitiva ou impositiva – como mensuração de quão há de liberdade, em sentido literal e axiológico, naquele ordenamento jurídico específico, de modo que, “quanto mais se ordena ou se proíbe, tanto menor é a liberdade jurídica” (2008, p.178). O mais adequado, segundo o estudioso, é que se ordene e proíba o menos possível. Entretanto, até nesse parâmetro há pontos de discussão, que carecem de consenso quanto ao grau de liberdade jurídica haverá, face a outros bens ou princípios tutelados normativamente.
A julgar pelos ensinamentos acima expostos, sob uma visão axiológica da interpretação normativa, o princípio da dignidade humana e isonomia dos quais gozam os militares estaduais não se mostram menores que o tratamento abstrato e raso fornecido a “defesa da hierarquia e disciplina”, critério até então utilizado para justificar a inaplicabilidade do Art.90-A da Lei 9.099/95 àqueles. Nesse ponto, sob o pressuposto do princípio da liberdade jurídica, o legislador foi desmedido ao realizar tal mensuração, atribuindo aos militares estaduais tratamento processual diverso e prejudicial (principalmente na esfera penal), resultado da insensibilidade ao valor axiológico da norma e de seus efeitos.
5. ANÁLISE AXIOLÓGICA DA APLICAÇÃO DA REGRA TRAZIDA ART. 90- A DA LEI 9.099/95, E SUA (IN) APLICABILIDADE AOS MILITARES ESTADUAIS
A Lei dos Juizados Especiais surgiu com o escopo de “desburocratizar a justiça brasileira”, propondo alternativas mais céleres, porém igualmente eficazes no objetivo do cumprimento das normas. Neste raciocínio o Juizado Especial Criminal visa julgar e executar as infrações de menor potencial ofensivo, que são as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, nos termos dos arts. 60 e 61 (BRASIL, 1995).
Observa-se que os institutos despenalizadores, de início, contrariam o Princípio da obrigatoriedade referente à ação penal pública, entretanto, são amparados pelo Princípio da obrigatoriedade mitigada, que alude ao neoconstitucionalismo e ao direito penal negocial (moderno), cujo enfoque é a solução do problema, e não meramente apenas a punição ao infrator. A esse entendimento assiste o Professor Luiz Flávio Gomes (1997), que considera uma verdadeira revolução - jurídica e de mentalidade - pois rompe a inflexibilidade do clássico princípio da obrigatoriedade da ação penal, cuja a preocupação central agora já não é só a decisão formal do caso, senão a busca de solução para o conflito.
Os “institutos despenalizadores” são instrumentos da esfera penal, e não há justificativas razoáveis e proporcionais para sua inaplicabilidade ao Direito Castrense. Registra-se que a regência das instituições militares é disciplinada pelo Direito Administrativo materializado pelos Estatutos e Códigos de Ética das respectivas instituições, cujo sanção administrativa é muitas vezes mais gravosa que a penal.
Inclusive, existem projetos de lei em trâmite para modificar o atual dispositivo, como o PL nº 2600/2015 e o PL nº 88/2019, que fora apensado ao PL 2600/2015
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sob a ótica neoconstitucionalista e do direito penal negocial, como foi exposto, a Lei 9.099/95, até por seus resultados eficazes e céleres, não compromete de modo algum os pilares da hierarquia e disciplina das instituições militares, para que se justifique a sua inaplicabilidade a Justiça Militar, em contraponto ao que versa o atual art.90-A da supracitada lei.
A hierarquia e disciplina, pilares do militarismo, mas conceitos abstratos, pensam de um lado da balança, em contrapartida, o militar – sujeito contemplado pela dignidade da pessoa humana e isonomia – no caso concreto, são de suma importância, ambos. Porém, perante uma análise axiológica e voltada à dignidade humana, não se pode omitir o legislador a reconhecer o erro ao acatar o dispositivo do art. 90-A.
Face à razoabilidade e proporcionalidade, segundo o que preceitua o Art. 2º da Lei 9.868/99, por ser justa uma interpretação axiológica da Norma, necessário se faz o Estado buscar, por meio do controle de constitucionalidade a inaplicabilidade do art. 90-A da Lei 9.099/95, demonstrada a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, o que enseja a supressão do artigo.
Como fora evidenciado, por suas naturezas e finalidades extremamente diversas, os militares federais e estaduais não devem ser regidos pelo mesmo diploma legal. Havendo tal reforma, os militares terão seus direitos constitucionais resguardados, e toda a sociedade ganhará, face à correta regulação das instituições que visam manutenir a ordem pública e a paz social, permitindo que o cidadão usufrua do Estado Democrático de Direito sem temores.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil De 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em 14/07/2021.
_______. Decreto nº 3.897, de 24 de agosto 2001. Fixa as diretrizes para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3897.htm >. Acesso em 14/07/2021.
_______. Lei nº 9.099/95 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm >. Acesso em 14/07/2021.
_______. Lei nº 13.491, de 13 de outubro de 2017. Altera o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13491.htm >. Acesso em 14/07/2021.
_______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 4303/1998. Acrescenta artigo ao texto da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, e dá outras providências. Disponível em:<http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 14/07/2021.
_______. Mensagem nº 347, de 20 de março de 1998, do Poder Executivo. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1128823&filename=Dossie+- >. Acesso em 14/07/2021.
GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal. 2ª ed. rev. atua. e amp., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. De Guido Antônio de Almeida. São Paulo: Discurso Editorial: Barcarolla, 2009.
[1] Acadêmico da 10ª fase do Curso de Direito do Centro Universitário Una Betim. E-mail: [email protected]
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Una - Betim/MG; Servidor Público efetivo desde os 18 anos de idade; Jurista; Defensor dos Direitos Humanos; Área de atuação: Direito Público (Direito Constitucional / Direito Castrense / Direito Penal / Direitos Humanos).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Daniel Carvalho. A (in) aplicabilidade do artigo 90-a da Lei 9.099/95 com ênfase na Justiça Militar Estadual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2021, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57899/a-in-aplicabilidade-do-artigo-90-a-da-lei-9-099-95-com-nfase-na-justia-militar-estadual. Acesso em: 23 dez 2024.
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